O Brasil assumiu a condição de "província submissa”. Essa é a avaliação feita pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto. Ele falou durante o seminário Diálogos em Construção, no auditório do Centro Cultural de Brasília, no Distrito Federal, que debateu “Soberania Nacional e Mercado Global: o que está em jogo?”.
Para embaixador, futuro presidente não tem experiência administrativa, é voluntarista e já delegou governo a general Mourão / Foto: Divulgação
do Brasil de Fato
Especialistas fizeram a avaliação durante o seminário “Soberania Nacional e Mercado Global: o que está em jogo?
Cecília Figueiredo
Brasil de Fato | São Paulo (SP)
O Brasil assumiu a condição de "província submissa”. Essa é a avaliação feita pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto. Ele falou durante o seminário Diálogos em Construção, no auditório do Centro Cultural de Brasília, no Distrito Federal, que debateu “Soberania Nacional e Mercado Global: o que está em jogo?”.
“A todo momento se permitiu a entrada do capital estrangeiro na saúde, na educação, sem nada em troca. E agora passamos a um nível mais acentuado, com as declarações de mudança da Embaixada do Brasil para Jerusalém. Dois países apenas tinham embaixadas em Jerusalém, EUA e Guatemala”, citou Samuel Pinheiro, que foi secretário-geral das Relações Exteriores do Brasil e ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República no governo Lula.
Na opinião do diplomata, ações como essa são para “agradar, se alinhar indecorosamente” ao império norte-americano.
Ao resgatar a história dos impérios, ele cita os Estados Unidos como império que impõe seus métodos para preservar a sua soberania, no processo de globalização. Processo, segundo ele, que se contrapõe à soberania, por ser conduzido pelas multinacionais que atuam em escala mundial, “mas fortemente apoiadas por seus Estados sede”.
Promovido pelo Observatório de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA), o evento foi o último da edição 2018, para debater o clima de divisão ideológica e intolerância política que tomou conta do Brasil, num ambiente de crise econômica, social e política. Teve também a participação do economista e ex-coordenador da área previdenciária do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Guilherme Costa Delgado.
No evento, mediado por Padre J. C. Aleixo, Guimarães, que foi também representante geral do Mercosul no primeiro governo Dilma, entre 2011 e 2012, falou sobre o conceito de soberania, império e a desregulamentação das nações para ação das multinacionais, que são agentes condutoras das regras para apropriação cada vez maior do produto mundial.
“Os Estados Unidos apoiam as suas empresas nas suas atividades. O Japão também, assim como a Alemanha e a França. Aqui, no Brasil, consideramos criminoso o apoio do Estado às empresas brasileiras. Não consideramos criminoso o apoio do Estado às empresas estrangeiras”, comparou o embaixador.
Mercados estratégicos
O economista Guilherme Costa Delgado trouxe também ao seminário elementos do processo de desestruturação da soberania. Segundo ele, há uma internacionalização de quatro mercados estratégicos à soberania: petróleo, águas, minerais e terras. “Temos uma peculiar forma de desestruturação territorial da soberania clássica dos Estados”, afirma.
De acordo com o pesquisador, a elaboração de uma legislação específica, ainda no governo Lula, sobre concessão de petróleo estabelecia o Estado brasileiro como proprietário e soberano do território. O que, segundo ele, na partilha do lucro extraordinário pela exploração do recurso natural petróleo – diferença do preço de mercado para o preço de produção – metade ficava para o Estado e metade para a empresa concessionária, ganhadora da concorrência.
“Essa é uma forma de fazer o jogo de autonomia com o império, entre os submissos e os rebeldes; e foi parcialmente quebrada no governo Temer, com a mudança do princípio de que teria de ter um operador único e abertura de concessões a preços extremamente baixos”, explica.
Já de acordo com a promessa do futuro governo serão feitas novas mudanças na Lei da Partilha, para voltar a lei de concessão antiga, evitando riscos aos concessionários. “Portanto, abre mão completamente do lucro extraordinário. Esse é um tipo de internacionalização de soberania econômica”.
O outro tipo de internacionalização, que ele alerta no debate, é da empresa holding abastecedora de energia elétrica, Eletrobrás. “Ao realizar a privatização da Eletrobrás, além da dependência dos investimentos das gestões para ampliação desse sistema, principalmente [estarão privatizando] todos os reservatórios de água, necessários para a produção de energia. É a privatização de águas, concentradas no Brasil inteiro”.
Guimarães esclareceu aos participantes que a justificativa da privatização da Eletrobrás para trazer novos investimentos é falsa. "Empresas têm interesse de maximizar os lucros. Ao privatizar as empresas há um aumento das tarifas. É algo que certamente irão fazer, para aumentar os lucros. Quer aumentar o lucro tem que aumentar a capacidade instalada (produção). O lucro vai para o exterior, se a empresa é estrangeira", acrescenta.
Guilherme Delgado comentou que há uma forte dinâmica de privatização de recursos naturais, que não era usual nas relações internacionais.
O economista citou também a ameaça de privatização das reservas minerais. Ele lembra que já houve uma tentativa de abertura para a exploração das mineradoras pelo governo de Michel Temer da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) - situada entre os Estados do Pará e Amapá, impedida pela ação dos ambientalistas. “A reserva é maior que o o estado do Rio Grande do Norte. Tem mais de 52 quilômetros quadrados, reserva de ouro, cobre”.
Ele também pontuou a internacionalização do mercado de terras. “O Projeto de Lei 4.062, de 2012, dos ruralistas, que prevê a possibilidade de compra de qualquer poção do território, inclusive na fronteira, por pessoas jurídicas de maioria de capital estrangeiro, chamadas empresas brasileiras de capital estrangeiro se tiver 0,1% de capital nacional”.
Neste sentido, as decisões de contenciosos passaria ao Judiciário do país adquirente. “Dá um certo nó na cabeça, porque os promotores dessa ideia pensam em fazer loteamentos, devidamente cadastrados, ofertados nas bolsas internacionais como commodities. Transformar terra em ativo transacional”.
Para o economista, o Brasil estaria migrando de uma relação autônoma, no jogo da província com o império, durante o governo Lula, para uma posição de submissão pura, a partir do governo Temer e Bolsonaro.
Esses mercados, terras, águas e campos petroleiros, incidem basicamente sobre a existência de um território, sobre o qual incide a soberania [do Estado]. Quando você abre mão do próprio território, a soberania torna-se fictícia”.
Era da ignorância
Pela análise de Pinheiro Guimarães, a integração sul-americana e os BRICS- grupo de cooperação formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - irritaram enormemente o império. O início da derrocada dos governos progressistas. “Mas, o processo de golpe começou com a AP 470, porque queriam prender o Lula, mas não conseguiram. Um absurdo, sem provas. [Mídia] Reorganizou o Instituto Millenium. A presidente [Dilma Rousseff] destruiu a base parlamentar. Teve o impeachment [Dilma Rousseff] e chegamos à era da ignorância”, sintetiza.
Para ele, o futuro governo desconhece temas, não tem experiência administrativa, é voluntarista e o projeto liberal é retrógrado. "A política externa será de inspiração divina", ironiza.
No entanto, aposta que o futuro governo já foi delegado ao general Mourão e vê divisões dentro das Forças Armadas, com visões mais ponderadas.
Edição: Tayguara Ribeiro
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