Mitologia, Filosofia e Espiritualidade a serem compreendidos no final de Lost
Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Lost foi, certamente, uma das séries mais instigantes e controversas - senão a mais - de tantas outras já produzidas.
Com um misto de aventura, drama, noções de filosofia, mergulho nos símbolos arquetípicos junguianos e muitas referências míticas, seguindo os padrões da "jornada do herói", tema recorrente encontrado no folclore de todas as culturas, a série Lost chegou ao seu final no dia 23 de maio.
Foram seis anos de histórias envolventes, pistas que levavam à diferentes direções, jogos mentais sobre questões científicas e filosóficas que envolveram milhões de pessoas ao redor do mundo, em um nível psicológico que talvez nem elas mesmas tivessem consciência, mas que vivenciaram no fato de terem se apaixonado pela série...
Ainda que a grande complexidade da trama - complexidade crescente que inevitalvelmente acabaria por deixar várias perguntas sem respostas, em um risco calculado para manter a série no ar por seis anos - levasse à um final que, para vários, deixou certa decepção no ar, grande parte do sucesso da série está em que muitos dos pontos em Lost tocavam em assuntos que, nos atuais dias de noeliberalismo selvagem, competitivo e alienante, trouxeram de volta a muitos espectadores aquele gostinho de beleza e magia que o mundo nos tira atualmente... E uma atenção maior aos episódios finais que puxavam por pistas dadas por diferentes episódios anteriores, de outras temporadas, demonstra que muitas das perguntas foram respondidas, ainda que não do modo discursivo e objetivo que a maioria esperava.
Veremos mais adiante algumas destas respostas-chaves que não foram percebidos pela maioria dos que assistiram à série.
Mas qual, afinal, o sentido simbólico ou metafórico de Lost?
Vamos começar pela estranha ilha que não estava no mapa, o que mostra que a conotação mítica se apresenta desde o início... A Ilha não parecia se localizar precisamente no espaço e, temporadas depois, soubemos que ela também podia transcender o tempo. Embora suas estranhas propriedades tivessem sido descobertas por militares e por alguns cientistas (a iniciativa Dharma, outro nome que nos remete a conceitos profundos, pois "Dharma" é um termo sânscrito do budismo que significa "caminho" ou, em um sentido mais popular, embora incorreto, "destino") - assim como as propriedades profundas da psique também o foram descobertos por alguns e é um mundo a ser explorado - a Ilha parecia ter a capacidade de permanecer relativamente oculta...
Essa camuflagem do transcendente no tirivial é um elemento do espaço mítico (vemos isso muito bem nas obras do filósofo, antropólogo e historiador das religiões romeno Mircea Eliade, em especial em seu livro O Sagrado e o Profano, publicado no Brasil pela Martins Fontes), onde a narrativa se desloca da concretude do físico para as possibilidades do universo simbóloco, como se faz presente os dizeres de abertura dos filmes de Guerra nas Estrelas - "Há muito tempo, em uma galáxia muito distante..." -, ou no era uma vez dos contos de fada e da mitologia, onde se faz referência a uma outra época ou a um outro mundo em que coisas mais vívidas podem ocorrer sem as limitações que nossa condicionada visão de mundo parece impor à realiade. A estranheza da ilha conseguia nos levar a um "mundo" onde a força metafórica das imagens e símbolos tinha, ao estilo das parábolas, muito a nos ensinar superando os limites triviais do mundo ordinário.
Metaforicamente, a Ilha é areferência aos "locais" que, nos dizeres de Mircea Eliade, psicologicamente dão sentido à existência, por serem a imagem da "terra de referência" onde "o espaço não é homogêneo: há rupturas, quebras; há porções de espaço qualitativamente diferente das outras" (ELIADE, O Sagrado e o Profano,Martins Fontes, p. 25). É a terra idealizada, seja ela a terra natal, ou das esperanças de um novo mundo por dar sentido à nossa vida, seja ela a terra dos acestrais, a terra prometida, a Utopia, Shangi-lá, o Éden perdido, a fazenda que visitamos uma vez e marcou nossa memória ou seja lá o que for.
Não dá para confirmar ou afirmar que os autores explicaram direta e objetivamente o que é a ilha de Lost, mas quantas coisas que conhecemos a gente consegue explicar, especialmente tudo o que é mais importante como, por exemplo, a vida?
Ainda assim, esta temporada final de Lost, assim como a vida, nos deixou algumas pistas. Ela seria uma espécie de centro do mundo, a "axi mundi" dos antigos, um vórtice ou "chacra" que conectaria a Terra com níveis energéticos mais elevados. Tal energia é representada pela água e pela luz da caverna ao qual Jacob, sua mãe adotiva e, depois deles, Jack, Hugo e Ben deveriam proteger.
A luz e a água sugerem os apsectos essenciais à vida e são encontrados em todas as mitologias religiosas do mundo. Quando Desmond, convencido por "Locke", interfere no equilíbrio eletromagnético da caverna de luz, há um desenquíbrio de forças que e a água para de correr, como na teoria chinesa do Chi nos meridianos da acumpuntura, e a Ilha - e talvez o mundo com ela - passa por um processo de perturbação.
A ilha de Lost era o local onde se vivia essa complementaridade de opostos, da luta entre bem e mal e que chega a transcender esta dualidade. No dizer da personagem que criou os gêmeos Jacob e do homem de preto, a Ilha "possui uma luz que existe em todos os corações humanos". São referências a imagens e símbolos figurados que tocam em assuntos profundos que são geralmente da ordem da filosofia e da religião, mas também da busca de sentido em um mundo desencatado e competitivo, que vitimou quase todos os personagens da série, do médico socialmente frustrado Jack, ao revoltado Sawyer, passando pela igualmente rebelde Kate, indo pelo ex-torturador Said, etc.
O aspecto mágico e desconhecido deste "centro do mundo" que era a Ilha logo atinçou o interesse pragmático dos poucos que conseguiaram perceber sua existência - militares, dos quais estavam Charles Widmore e a mãe de Daniel Faraday, Louise Faraday - e os cientistas e empresários da Iniciativa Dharma. Tudo o que havia de mágico e fantástico na ilha estava ligada àquela energia, sendo que todos os experimentos e bases tecnológicas montados ali tinham como objetivo estudar o controle da mesma. Em seu texto sobre Lost postado no portal Terra, "O que LOST te respondeu?" , Caio Fochetto escreve assim sobre tais tentativas:
"O homem tentando controlar magia e misticismo em prol de uma ciência moderna. E isso eu aplaudo em Lost. Enquanto muitos cobram uma explicação sobre o que é a luz e para que serve a Dharma, os caras simplesmente assumiram o quanto isso é inexplicável através desta instituição que não conseguiu prosseguir com suas pesquisas."
O Reecontro e a Recompensa no pós-vida
Rerências a mitoloogias clássicas não faltam na série. Quem a acompanha pôde perceber as constantes referências feitas, por exemplo, ao Egito antigo: os hieróglifos na escotilha da Dharma onde viva Desmond também se encontram no templo que conhecemos na sexta temporada, e a grande estátua da deusa Taueret onde Jacob morava.
A estátua de Taueret, ou melhor, sua perna, apareceu pela primeira vez na 2ª temporada. Quando das viagens no tempo dos personagens, ela foi revelada inteira no último episódio da 5ª temporada. Na mitologia egípcia, Taueret era a deusa da fertilidade e protetora dos navegantes e das embarcações. Não é à toa que o estranho navio de escravos "Black Rock", que trazia Richard (então Ricardo) prisioneiro, se arrebenta contra esta estátua. Além disso, Taueret era a esposa de Apep, um monstro em forma de serpente que travava uma batalha diária com o deus sol, Rá. Apep era considerado o deus do mal original, o que parece se associar com o monstro da fumaça que aparece na série.
Mas vamos além, nos atendo à mensagem presente ao final da série.
Ainda que a maioria dos que assistiram o os últimos capítulos tenham interpretado que os personagens morreram já na queda do avião no primeiro episódio, passando a história a se dar em uma espécie de limbo ou "purgatório", um melhor olhar nas cenas e, principalmente, nos diálogos entre os personagens mostram outra coisa, apontando para uma direção bem diferente, direção que, coincidentemente no ano em que, no Brasil, os temas espiritualistas estão bastante em voga, toca na questão do sentido espiritual da existência humana...
Vejamos:
Em meio às cenas finais dos personagens em um "Universo paralelo" e das ações heróicas contra o mal na ilha, temos o rápido, mas muito importante diálogo entre Hurley e Benjamin Linus na ilha, quando Hurley assume a função de protetor da ilha após o heróico sacrifício de Jack. Ali, naquele momento, houve o início de algo, uma transformação em Ben, um vilão até então, cujo lado positivo se fez ver no "outro" Ben (O Dr. Ben, professor no "universo paralelo") mas que foi reconhecido por Hurley na ilha ao convidá-lo para o ajudar na sua missão de protetor da Ilha. Pelas pistas dadas - e pelo final, no encontro da Igreja - Hurley e Ben cumpriram a missão de protetores e viveram na ilha por algum tempo, sendo Hurley o novo Jacob, e Ben o novo Richard. O que nos faz pensar que, finalmente, houve o ponto de mutação para Ben, já que a ilha, que era sua obsessão, sua referência, finalmente lhe traria o propósito a que, por tanto tempo, buscou obter na vida.
Logo depois, vemos ambos no "universo paralelo" dialogando em frente à Igreja onde Jack foi levado por Kate... Na comparação com os dois diálogos, temos a também a pista de que os eventos que todos vivenciaram na ilha foram “reais” e que eles estavam discutindo um passado em comum recentemente recordado, uma realidade que se constitui em vivência significativa que os uniu a todos - "Você foi um excelente número dois", diz um amadurecido Hurley a Ben, que, estraordinariamente modificado, responde que Hurley foi um "excelente número um", referindo-se a seu papel como protetor da ilha - que ficou um tanto no ar, mas que parece que será mostrado na versão em DVD/Blue Ray da série.
A conversa decisiva de Jack com seu "falecido" pai, Christian, deixa claro que todos os personagens morreram em tempos diferentes – e não quando o avião caiu no primeiro episódio, como alguns fãs equivocadamente interpretaram. Mas a chave está na afirmação de Christian: "A parte mais importante de sua vida foi quando você esteve ao lado deles"."Todo mundo morre um dia", diz o pai de Jack. E foi exatamente o que aconteceu. Todos os que passaram pela ilha morreram, um dia. Alguns dos que se reencontram na Igreja morreram durante o decorrer da história, nas diferentes temporadas, como Boone, Liebe, Shannon e, finalmente, Jack, no último episódio. Outros, como Ana Lucia, segundo Hurley, ou Daniel Farady Widmore, segundo Desmond, ainda não estavam preparados para encarar a realidade - isso incluiria também Mr Eko, Richard, Charlotte, Danielle Rousseau ou mesmo o Paulo, interpretado por Rodrigo Santoro? - e não se encontravam na Igreja.
Resumindo, o que os personagens viveram durante os eventos que assistismos, em flashes, na dimensão da "realidade alternativa" foi uma vivência de uma realidade que foi o fruto da ação individual deles em vida (ou, se quiserem, a recompensa kármica), repercutindo após a morte de cada um. Algo como o colher dos frutos das ações praticadas junto com os objetivos - frustrados - de vida, que eles tinham acalentado antes de cairem na ilha. Não era, portanto, um purgatório, como muitos pensam. Era um local de acolhida e prepração para a realidade espiritual onde eles precisavam se encontrar, para que pudessem sedimentar suas personalidades com a maturidade adquirada nas vivências da Ilha e, após assimilá-las - quando recordam dela -, seguir seus caminhos. Como Christian Shephard explicou: “Esse é um lugar que vocês fizeram juntos, para que pudessem se encontrar. Você precisa deles e eles precisam de você.” “Para que?” , pergunda um surpreso Jack, ao que Christian responde: “Para esquecer e conseguir em frente”.
Parte do que estamos dizendo aqui também é mais ou menos dito da mesma forma por home pages especializadas em Lost pelo mundo todo, com especial destaque para a ScreanRant. Nelas também são explicadas e demonstradas que os personagens que lutaram, amaram, sofreram, tiveram esperanças e sonhos e que acompanhamos durante seis anos morreram após a morte de Jack, exceto John Locke, Said, Jin, Sun e outros, como Shannon, Charlotte, Daniel Faraday, Boone e outros que vimos morrer no curso da história. Sendo assim, tudo o que aconteceu na ilha Lost realmente aconteceu na ilha em um plano físico.
Mas vejamos outras pistas e indícios do que estamos dizendo, dados pelo capítulo final da série:
O piloto Frank Lapidus conseguiu por o avião para voar com Kate, Sawyer, Richard, Claire e Miles. Jack, pouco antes de morrer, vê o avião partindo, acompanhado do sensível Vicent, o cão labrador amigo que acompanha a turma de Lost desde a primeira temporada. Este avião sugere que todos o que estavam dentro dele sobreviveram e vieram a morrer - e talvez nem todos, pois Lapidus, Miles e Richard não aparecem na Igreja - anos depois. De fato, o ciclo parece se fechar pois a série começa com Jack abrindo os olhos na nova realidade da ilha, após o acidente da Oceanic 815, sendo recebido por Vincent, e termina com ele fechando os olhos ao morrer, tendo no lado o fiel cão. A vida é um ciclo é seu percursso terá as características de heroísmo que a ela dermos com nossas próprias escolhas... A imagem de Danielle Rousseau como mãe efetiva de Alex, a filha adotiva (ou melhor, adotiva por rapto) de Ben demonstra a recompensa por sua luta por saber do paradero da filha durante boa parte da série, desde a primeira temporada.
O intrigante "universo paralelo" que era referência da vida dos personagens na sexta temporada parece ser a representação de uma realidade intermediária, um intervalo em um mundo de regenaração e repouso, em tudo semelhante à realidade vivida pelos personagens da Terra antes das aventuras na Ilha, onde as almas que vivenciaram as provações de Lost poderiam se recuperar vivendo aquilo que não puderam em suas vidas terrenas, especialmente ante os fracassos e frustrações de suas antigas existências. Jack, nesta vida, tinha um filho e não parecia possuir as tensões sociais e existenciais de sua antiga vida. Sawyer era um detetive competente e Daniel Faraday conseguiu ser o concertista de piano que sonhava ser na infância.
Após todos os principais envolvidos terem "falecido" em tempos diferentes - o que fica subentido nos diálogos de Christian com Jack e nas pistas dadas por Hurley e Desmond -, eles parecem ter sido levados a uma dimensão alternativa, mas com todos os elementos familiares de suas vidas terrenas, e a vivenciar vidas mais congruentes até o dia em que se reencontram em um novo vôo Oceanic 815, o que fez o link, conseguindo recuperar novamente a ligação entre todos. Eles começaram a se reencontrar e a lembrar o que fizeram na ilha, vindo a reconhecer que cumpriram uma missão e poderiam, agora, ir em frente. Assim, todos os personagens que ali no "universo paralelo" estavam em uma espécie de momento de balanço depois de mortos, mas eles não tinham consciência disso e, até então, não tinham a memória dos acontecimentos reais ocorridos na ilha. Novamente referências à jornada mítica do herói que acaba por se fortalecer em sua jornada em que tenha consciência disto. Eles finalmente se reencontram recuperados, perdoando-se a si mesmos em suas falhas, podem finalmente encontrar a paz e continuar suas jornadas evolutivas em uma nova realidade da vida.
Como esclarece Caio Fochetto no já citado site do Terra, O que Lost respondeu?, que por sua vez se baseia nos sites Lostpedia e ScreanRant:
"Partindo da hipótese de que cada mente cria seu próprio purgatório baseado em suas experiências de vida (boas e ruins) e que, portanto, não poderia fazer aquele personagem simplesmente seguir em frente, temos Jack e seu problemas com o pai refletidos na criação de um filho que nunca existiu, mas que lhe apresenta a hipótese de consertar o que ali ele não pode, afinal por enquanto seu pai Christian morreu e sobre isso ele não pode fazer nada."
E ainda:
"Todos seguiam o paralelo vivendo seu próprio purgatório de acordo com a culpa que carregavam sozinhos, mesmo após tudo o que passaram juntos. Que, aliás, levaram adiante – em alguns casos até mesmo após a morte. Mas quando eles entram em contato, algo reascende a felicidade do que viveram juntos em algum lugar nas linhas de tempo e espaço, propriamente falando: a ilha! Até mesmo o maior ‘odiador’ de Lost pode apontar o período de vida daqueles personagens na ilha como o mais importante de todo o ciclo de cada um deles. Certo?
Ao primeiro contato na tal realidade paralela’, eles se lembraram das experiências antigas de suas existências, do que tiveram juntos por conta da ilha, percebendo o propósito de terem sido jogados por lá, em situações extremas, concordo. Mas foi esta grande compreensão de quem eles foram (e são) que os fizeram seguir adiante. Tanto que Ben, Michael e alguns outros não passam por isso. Ainda não estavam prontos."
Isso lembra muito a teoria espírita, especialmente em livros como Nosso Lar, de Chico Xavier, e nas obras do pesquisador italiano Ernesto Bozzano, como Depois da Morte, de que algumas "almas" despertam no mundo espiritual paulatinamente a partir de um ambiente semelhante ao que eles conhecima na Terra...
A ilha, portanto, como as terras míticas que transcendem o profano conhecido, seria uma espécie de centro espiritual, um ponto de ligação entre dimensões e o ponto alfa onde matária e energia e o bem e o mal tentam manter um equilíbrio dinâmico. A estátua do deus esgípcio lebra uma divinidade do bem que luta contra uma figura do mal, no caso, homem de preto, atirado na caverna da "luz" quando estava dominado pela raiva, por Jacob. Quando entrou ali dentro, de alguma forma, a raiva se aliou ao mal potnecial e sua alma ou transformou-se no tal "monstro" ou o tal monstro - a sombra que todos nós temos, segundo Jung, e que representa nosso lado escuro - veio a dominar e tomar a forma do homem de negro. Temos aqui referências a Caim e Abel e ao símbolo da dinâmica do Yin e do Yang do taóismo chinês.
Lost, para quem tem certo conhecimento das funções psíquicas da mitologia - os livros de Joseph Campbell são eficazes para dar esta cultura - e equilíbrio para perceber que nossos paradigams são convenções provisórias sobre a realidade, para além dos preconceitos materialistas, e mais algum conhecimento de filosofia e psicologia analítica, representa o palco para a "jornada do Herói" que todos nós temos de fazer através da vida, superando defeitos, aceitando desafios, nos conhecendo e reconhecendo o bem e o mal que todos trazemos em nós e que nos dirigimos para um ponto além de nossa compreensão, um ponto em que todas as religiões - representadas na sacristia da Igreja pelos vitrais, imagens e pintuas com cenas de todoas as grandes religiões - iremos conhecer um dia, talvez após nossa morte....
O psicanalista suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) e filósofo, antropólogo e mitólogo norte-americano Joseph Campbell (1904-1987) foram os principais divulgadores da importância da metáfora mítica para a compreensão da psique humana. Os livros de Campbell tiveram inclusive papel relevante na indústria de cinema, pois suas concepões sobre "a Jornada do Herói" influenciaria roteiristas, diretores e produtores, como George Lucas da série Guerra nas Estrelas e os irmãos Wachowski, de Matrix, entre outros. A "Jornada do Herói" representa a aceitação do desafio de amadurecer e realizar as próprias capacidades individuais enfrentando e, no caso, superando desafios, atingindo aquilo que Carl Gustav Jung chama de individuação, ou seja, o amadurecimento possível das capacidades que cada pessoas traz em si. A estrutura da "Jornada do Herói" segue a seguinte estrutura, que vemos serem seguidas pelos principais personagens de Lost: Partida (às vezes chamada Separação), Iniciação e Retorno.
A Partida lida com o herói aspirando à sua jornada; a Iniciação contém as várias aventuras do herói ao longo de seu caminho; e o Retorno é o momento em que o herói volta a casa com o conhecimento e os poderes que adquiriu ao longo da jornada.
Mesmo as etapas da "Jornada do Herói", que Campbell esclarece em alguns de seus livros, como "O Herói de Mil Faces" (no Brasil editado pela Cultrix) e "O Poder do Mito" (Editora Palas Athena), são visivilmente vistos na série. Que passos são esses?
I - A Origem do Herói no Mundo Comum - O mundo do herói, antes da história começar. Todos os personagens de Lost vieram de uma vida conturbada até que o dia em que todos se encontram no fatídico vôo 815 da Oceanic Air Lines. Essas vidas são vistas em retrospectivas à medida que vamos conhecendo a personalidade de cada personagem;
II - O Chamado da Aventura - Um problema se apresenta ao herói: um desafio ou a aventura a que ele é convidado a aderir. Os seis principais personagens de Lost, John Locke, Jack Shephard, Kate Huston, James Ford "Sawyer", Said e Hurley são chamados, cada um à seu modo, a desafios compatíveis com suas personalidades.
III - As dúvidas e Receios do Herói ou a Recusa do Chamado - O herói duvida, recusa ou demora a aceitar o desafio ou aventura, geralmente porque não a compreende e, assim, a despreza, ou porque tem medo. Ao contrário de John Locke, que desde cedo tem uma forte intuição de que não está na ilha por acaso, Jack é um racionalista que tem dificuldades em perceber as estranhas propriedadas da Ilha, mas quando, finalmente percebe, se dedica heroicamente a tentar desvendar suas implicações, indo às últimas conseqüências.
IV - Encontro com o mentor ou Ajuda Sobrenatural - O herói encontra um mentor que o faz aceitar o chamado e o informa e treina para sua aventura. Hurley encontra as almas dos que se foram, incluindo o estranho Jacob, que no final se faz visível aos demais principais personagens, com excessão de Said. Também Richard Alpert, o estranho homem que não envelhecia, servia de elo de ligação com forças superiores.
V - Cruzamento do Primeiro Portal - O herói abandona o mundo comum para entrar no mundo especial ou mágico. A fonte de energia da Ilha e o próprio universo paralelo são alguns dos exemplos encontrados na série.
VI - Provações, aliados e inimigos - O herói enfrenta testes, encontra aliados e enfrenta inimigos, de forma que aprende as regras do mundo especial. Precisa de exemplos na série?
VII - Aproximação - O herói pode sucumbir - vários dos personagens morrem no caminho -, mas alguns tem êxitos durante as provações
VIII - Provação difícil ou traumática - A maior crise da aventura, de vida ou morte. Lembram do sacrifício de Juliet e de como isso mexeu com todos?
IX - Recompensa - O herói enfrentou a morte, se sobrepõe ao seu medo e agora ganha uma recompensa. O "Universo Paralelo"
X - O Caminho de Volta - O herói deve voltar para o mundo comum. Não hoveram seis que retornaram ao mundo comum na quarta e quinta temporadas?
XI - Ressurreição do Herói - Outro teste no qual o herói enfrenta a morte, e deve usar tudo que foi aprendido. Todos se reencontraram na vida após a morte...
XII - Regresso com o prêmio - O herói volta para casa com o uma nova visão da realidade. Todos nós, no processo que Jung chama de "individuação" temos, na vida, a possibilidade de burilarmos nossas capacidades humanas, atingindo novas formas de ver e entender a realidade...
Em uma época onde na mídia existe o império da prostituição intelectual e a exploração religiosa por picaretas como Edir Macedo ou Silas Malafaya, seriados inteligentes e culturalmente instigantes como Lost são bem-vindos oásis refrescantes no meio do deserto da mediocridade.
Seriados semelhantes a Lost: Fringe (seriado muito bom, criado pelo mesmo idealizador de Lost, J. J. Abrahms, segue parte da mesma linha que Lost) e Ghost Whisperer (em sua quinta temporada, toca na questão da vida após a morte e na possibilidade de comunicação por meio da mediunidade e tem a acessoria de uma famoso psíquico americano, James van Praagh).