sexta-feira, 31 de março de 2023

Ditadura militar nunca mais! Artigo do professor de Direito Marcelo Uchôa

 

"Superado o perigo iminente, é hora de união na defesa do Estado Democrático de Direito", diz Marcelo Uchôa

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(Foto: Foto: Projetemos/Instagram)

Entre 31 de março e 2 de abril de 1964, as Forças Armadas, em conluio com parlamento e STF, protagonizaram um dos maiores crimes da história nacional: emplacaram um golpe de Estado contra um presidente alçado ao cargo democraticamente, que governava segundo a constituição.

Nos 21 anos seguintes, os militares, cuja presença na presidência deveria durar poucos meses, suspenderam o direito de voto presidencial e revezaram-se no poder. No período, coagiram e fecharam o Congresso, amordaçaram o STF, cassaram partidos políticos, oprimiram sindicatos e organizações da sociedade civil, impuseram a censura, suspenderam o habeas corpus e empreenderam um regime de terror baseado na perseguição à oposição, no sequestro, na tortura, nos desaparecimentos forçados, nas prisões injustas, além de instituírem um modelo de governança sustentado num amplo apoio colaborativo com outras ditaduras sul-americanas servis aos EUA, acumpliciado em um estado generalizado de corrupção sequer conhecido devido ao controle arbitrário das instituições.

Passadas décadas, os riscos de um novo golpe voltaram com o último presidente, chegando ao ápice em 8 de janeiro. Regressaram, porque os traidores de 64 empurraram goela abaixo uma Lei de Anistia que livrava da responsabilização penal os agentes do estado que praticaram crimes lesa-humanidade. Até 2016, o Brasil se empenhava em reconhecer tais violações, desculpava-se com as vítimas, reparando-as simbolicamente (formalidade irresponsavelmente suspendida nos últimos anos). Independentemente disso, jamais foi capaz de levar algozes à Justiça e tampouco reformou adequadamente suas instituições, despoluindo-as de vieses autoritários, hoje sentidos desproporcionalmente pelos setores mais vulneráveis da sociedade. Condescendeu com a covardia e, ao fazê-lo, não consolidou uma memória inabalável, capaz de passar incólume ao revisionismo retrógrado e ao fascismo latente.

Por isso, superado o perigo iminente, é hora de união na defesa do Estado Democrático de Direito. Sem democracia não há dignidade humana, estabilidade ou paz. E para que o cataclisma sessentista e modernas tentativas não se repitam, crimes precisam ser apurados e criminosos devem ser punidos. Verdade sem justiça não vivifica memória. Reparação sem reformas institucionais não imuniza contra golpes. Ditadura nunca mais!

terça-feira, 28 de março de 2023

Leonardo Boff: "Lula não deveria participar da Marcha para Jesus" por ser um movimento hipócrita e bolsonarista

 

"O Jesus desses evangélicos não é o Jesus dos evangelhos, amigo dos pobres. É mais próximo a Herodes", afirma o teólogo e ecólogo brasileiro Leonardo Boff

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(Foto: Divulgação)

247 - A partir da informação publicada por Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, de que o presidente Lula (PT) será convidado a participar da Marcha para Jesus, o teólogo Leonardo Boff afirmou pelo Twitter nesta terça-feira (28) que o mandatário não deveria participar do evento. 

"Sou da opinião que o presidente Lula não deveria participar da Marcha de Jesus. O Jesus desses evangélicos não é o Jesus dos evangelhos, amigo dos pobres, que estava sempre do lado da vida e da verdade, coisa que esses 'marchantes' não estão. O Jesus deles é mais próximo a Herodes", declarou.

Segundo o apóstolo Estevam Hernandes, idealizador da Marcha, os convites ainda estão sendo impressos e não foram disparados oficialmente. É praxe convidar os chefes do Executivo municipal, estadual e federal.

Em 2009, Lula sancionou a lei que instituiu o Dia Nacional da Marcha para Jesus.

Do site jurídico Conjur: suposta EXTORSÃO (corrupção) praticada por Moro e Dallagnol na Lava Jato de Curitiba vai ao STF e cai nas mãos de Lewandowski

 

"Além de enviar o caso ao STF, Appio determinou que Tacla Duran seja colocado no programa de proteção a testemunhas."


Do site Consultor Jurídico, o Conjur:

EM DEPOIMENTO

Tacla Duran implica Moro e Dallagnol em suposta extorsão; caso vai ao STF

O advogado Rodrigo Tacla Duran afirmou nesta segunda-feira (27/3) que foi alvo de uma tentativa de extorsão para que não fosse preso durante a finada "lava jato" e implicou o ex-juiz Sergio Moro, hoje senador, e o ex-procurador Deltan Dallagnol, hoje deputado federal, no suposto crime. Ele entregou fotos e vídeos que comprometeriam os parlamentares.

Advogado Tacla Duran prestou
depoimento nesta segunda-feira (27/3)
Reprodução

A declaração foi dada ao juiz Eduardo Fernando Appio, da 13ª Vara Federal de Curitiba, durante depoimento. Como a acusação envolve parlamentares, Appio decidiu enviar o caso ao Supremo Tribunal Federal, corte competente para julgar autoridades com prerrogativa de foro. O relator será o ministro Ricardo Lewandowski, prevento para analisar os processos envolvendo Tacla Duran. 

"Diante da notícia-crime de extorsão, em tese, pelo interrogado, envolvendo parlamentares com prerrogativa de foro, ou seja, deputado Deltan Dalagnol e o Senador Sergio Moro, bem como as pessoas do advogado (Carlos) Zocolotto e do dito cabo eleitoral (de Sergio Moro) Fabio Aguayo, encerro a presente audiência para evitar futuro impedimento, sendo certa a competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, na pessoa do Excelentíssimo Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, juiz natural do feito, porque prevento, já tendo despachado nos presentes autos", disse o juiz na audiência. 

Além de enviar o caso ao STF, Appio determinou que Tacla Duran seja colocado no programa de proteção a testemunhas.

No depoimento, o advogado disse que foi alvo da "lava jato" por não ter aceitado ser extorquido. "O que estava acontecendo era um bullying processual, em que me fizeram ser processado pelo mesmo fato em cinco países por uma simples questão de vingança", afirmou. 

Tacla Duran, que foi advogado da Odebrecht, foi preso preventivamente na "lava jato", em 2016. Seis meses antes, ele tinha sido procurado pelo advogado Carlos Zucolotto Júnior, que era sócio de Rosângela Moro, mulher do ex-juiz. 

Em conversa pelo aplicativo Wickr Me, Zucolotto ofereceu acordo de colaboração premiada, que seria fechado com a concordância de "DD" (iniciais do ex-procurador da República Deltan Dallagnol). Em troca, queria US$ 5 milhões. Zucolotto disse que os pagamentos deveriam ser feitos "por fora".

Um dia depois, seu advogado no caso recebeu uma minuta do acordo em papel timbrado do Ministério Público Federal, com o nome dos procuradores envolvidos e as condições negociadas com Zucolotto. 

Em 14 de julho de 2016, Tacla Duran fez transferência bancária para o escritório do advogado Marlus Arns, no valor de US$ 613 mil, o equivalente hoje a R$ 3,2 milhões. A transferência era a primeira parcela do pagamento pela delação. "Paguei para não ser preso", disse Tacla Duran em entrevista a Jamil Chade, do UOL

Porém, depois o advogado deixou de fazer os pagamentos, e Sergio Moro decretou sua prisão preventiva. Contudo, Tacla Duran, já estava fora do Brasil. Ele acabaria preso em Madri, na Espanha.

Neste domingo (26/3), o influencer Thiago dos Reis divulgou o documento de transferência bancária para a conta de Marlus Arns. O advogado foi parceiro de Rosângela em ações da Federação da Apae no Paraná e também na defesa da família Simão, um caso que ficou conhecido como "máfia das falências".

Em nota lançada após o depoimento, a assessoria de Sergio Moro afirmou que o senador é alvo de "calúnias" e que o político não teme "qualquer investigação". 

"Trata-se de uma pessoa que, após inicialmente negar, confessou depois lavar profissionalmente dinheiro para a Odebrecht e teve a prisão preventiva decretada na Lava Jato. Desde 2017 faz acusações falsas, sem qualquer prova, salvo as que ele mesmo fabricou. Tenta desde 2020 fazer delação premiada junto à Procuradoria-Geral da República, sem sucesso, por ausência de provas, o procedimento na PGR foi arquivado em 9/6/22", disse o ex-juiz. 

Dallagnol disse que o juiz Eduardo Fernando Appio "acreditou" em um acusado que "tentou enganar autoridades da Lava Jato". 

"Adivinha quem acreditou num dos acusados que mais tentou enganar autoridades na Lava Jato? Ele mesmo, o juiz lulista e midiático Eduardo Appio, que nem disfarça a tentativa de retaliar contra quem, ao contrário dele, lutou contra a corrupção", afirmou em seu perfil no Twitter.

Duran x Moro
Tacla Duran, que foi detido na Espanha em 2016 e obteve liberdade provisória três meses depois, continua vivendo no país europeu e acusa Moro de fazer "negociações paralelas" na condução da finada "lava jato".

O advogado foi incluído na lista de procurados da Interpol, mas teve seu nome retirado por decisão do Comitê de Controle de Arquivos, que considerou que ele teve seus direitos violados por Moro.

De acordo com a Interpol, a conduta do ex-juiz, responsável pela "lava jato" em Curitiba, lançou dúvidas sobre a existência de um julgamento justo contra o ex-empregado da Odebrecht. A organização apontou violação de leis, princípios, tratados e normas do Direito Internacional reconhecidos pelo Brasil.

Entre as evidências apresentadas pela defesa de Duran à Interpol estavam as reiteradas decisões de Moro de negar o arrolamento do advogado como testemunha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao fazê-lo, segundo o advogado de Duran, Sebastian Suarez, Moro desqualificou a fala de seu cliente antes mesmo de ouvi-la, como se a tivesse prejulgado.

Outra das evidências é a entrevista de Moro ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Nela, o então magistrado fala abertamente sobre o processo, o que viola regras éticas da magistratura.

Clique aqui para ler o termo de audiência
Processo 5019961-43.2017.4.04.7000

Blog da Cidadania: Juiz e PF aceitam provas de Tacla Duran para investigação contra Sérgio Moro, Rosangela Moro, Carlos Zucolloto, Marlus Arns e Deltan Dallagnol

 Do Canal Blog da Cidadania, de Eduardo Guimarães,  citando a Revista Veja:

O juiz Eduardo Appio, da 13a Vara Federal do PR, JÁ OUVIU Tacla Duran nesta segunda (27), recebe provas, entrega tudo à PF e material vai ao STF. Duran conseguiu implicar Moro e Dalagnol (!!!)


segunda-feira, 27 de março de 2023

Quando falou em "armação do Moro", Lula sabia que lavajatistas tentariam encurralar o governo, escreve o editor Márcio Chaer, do site jurídico Conjur

 

O editor responsável pelo maior site jurídico do País aponta as origens da nova armação do ex-juiz suspeito Moro e aponta aonde ele quer chegar


www.brasil247.com - Sérgio Moro e Luiz Inácio Lula da Silva
Sérgio Moro e Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado | Ricardo Stuckert/PR)

Por Márcio Chaer, editor do Conjur – Quando o presidente Lula disse ao site Brasil 247 que já teve ganas de destruir Sergio Moro e, mais tarde, que a pantomima sem provas subscrita por Gabriela Hardt era uma armação do seu inimigo, ele tinha mais informações do que deixou entrever.

O Palácio do Planalto já fora avisado de que Curitiba juntara um amontoado de ilações, sem materialidade alguma, descrito como um plano para sequestrar o hoje senador da República.

A questão, de início, encerra uma disputa de narrativas. A de Moro é que, por ter combatido o crime, grandes traficantes — sob o apelido de “PCC” — teriam decidido vingar-se dele. A contraparte, ao que se vê, enxerga no movimento uma investida política para enfraquecer o governo.

decisão da juíza Hardt não ajuda muito. Ela fundamenta suas conclusões em elementos frágeis e que não provam nada. Decreta que a pretensa testemunha foi um “faccionado do PCC” sem indicar de onde vem a certeza. Conclui que determinadas palavras significam outras coisas sem explicação alguma.

O pivô da tese é uma portaria de 2019, assinada por Sérgio Moro, quando ministro da Justiça, que restringiu visitas íntimas para traficantes presos em regime disciplinar diferenciado, mantendo o privilégio para delatores. Esse seria o motivo do alegado plano de vingança contra o hoje senador.

Essa “explicação” substituiu a de que a vingança seria por ter mudado de presídio um dos traficantes (suposto chefe do suposto PCC), quando se viu que não foi Moro quem transferiu o condenado. Mas também já desmanchou no ar, uma vez que Moro apenas reproduziu o que estabelecera uma portaria assinada no governo Michel Temer, pelo então ministro Torquato Jardim.

O movimento de Moro, um mestre no jogo de xadrez, não se esgota nas primeiras jogadas. Há tempos ele acompanha uma ação de descumprimento de preceito fundamental que o Partido dos Trabalhadores resolveu assumir — exatamente contra a tal portaria de 2019.

A primeira tentativa fora assinada por um ONG obscura chamada “Anjos da Liberdade” — que, pela narrativa da turma de Moro, é uma fachada jurídica para defesa de traficantes (também apelidados de “PCC”). O relator da ADPF no Supremo Edson Fachin, não aceitou a ONG como autora da ação, mas admitiu a titularidade do partido.

Esse sempre foi o objetivo dos órfãos da “lava jato”: associar o PT com o crime.

No começo deste mês, um movimento do governo acelerou a novela. Logo que soube do plano lavajatista, o ministro da Justiça, Flávio Dino; e o advogado-geral da União, Jorge Messias, correram para o STF. Era preciso sepultar a ADPF antes que o Planalto fosse fuzilado com ela. 

O adversário correu também. Colocaram a juíza titular da 9ª Vara Federal, Sandra Regina Soares de férias no dia 16, uma quinta-feira. Gabriela Hardt assume na sexta-feira e, em um exemplo extraterreste de agilidade, na terça-feira (21), logo cedo, já tinha pronta uma decisão de 69 páginas e mais uma centena de páginas com mandados de busca e apreensão, prisões e documentos que, teoricamente, seriam de alta complexidade para qualquer autor.

Foi também na manhã de terça-feira que Lula falou de seu ódio pelo ex-juiz. Nos sete dias da semana passada, o relógio da juíza funcionou em perfeita sincronia com as falas de Moro, de Lula e com os acontecimentos.

Na análise bem-humorada de Lenio Streck, o caso é digno de um conto machadiano: “Além de tudo ou além de nada, trata de uma ameaça de algo que não aconteceu, sendo que tudo foi descoberto depois que não aconteceu”.

Do ConJur, um dos maiores sites jurídicos do Brasil: Justiça Federal do Paraná (entenda-se ninho de Moro, com Gabriela Hardt no no comando) é incompetente para investigar suposto plano contra Sergio Moro

 

 

Do site Consultor Jurídico, ConJur:

Justiça Federal do Paraná é incompetente para investigar plano contra Sergio Moro


A Justiça Federal do Paraná não é competente para conduzir a investigação sobre o suposto plano para sequestrar o senador Sergio Moro (União Brasil-PR). Como os delitos em averiguação não seriam praticados devido ao fato de ele ser parlamentar, nem em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, o processo cabe à Justiça estadual.

Medidas cautelares contra suspeitos de planejar ataque a Sergio Moro foram ordenadas pela juíza Gabriela Hardt
Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

E sequer cabe à Justiça paranaense, mas à paulista. Afinal, foi ela que iniciou a apuração. E os primeiros atos preparatórios para colocar o eventual projeto em prática foram praticados por integrantes do Primeiro Comando da Capital em cidades de São Paulo.

processo que apura o suposto plano para sequestrar Moro está correndo na 9ª Vara Federal de Curitiba. A assessoria de imprensa da Justiça Federal do Paraná afirmou à revista eletrônica Consultor Jurídico que a competência é federal, e não estadual, porque a vítima é senador. O órgão citou a Súmula 147 do Superior Tribunal de Justiça. A norma estabelece que "compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função".

Além disso, a assessoria de imprensa sustentou que a investigação tramita em Curitiba por ser o local onde Moro reside e onde o suposto sequestro seria colocado em prática. Os primeiros atos de execução do tal plano ocorreram em dezembro de 2022, quando ele já tinha sido eleito, mas não empossado.

Porém, o fato de Moro ser senador ou ter sido ministro da Justiça — cargo no qual tomou medidas que desagradaram ao PCC, segundo a juíza Gabriela Hardt — não atrai a competência da Justiça Federal, afirma Afrânio Silva Jardim, professor aposentado de Direito Processual Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Ele afirma que o fato de a vítima de crime contra a pessoa — como sequestro ou eventual homicídio, delitos que supostamente poderiam ser praticados contra Moro — ser funcionário público não é hipótese de atribuição do caso a juízes federais, conforme a Constituição.

O artigo 109, IV, da Carta Magna estabelece que compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.

Jardim destaca que, no caso de sequestro, tentativa de sequestro ou homicídio, não houve início da execução. E levantar aspectos do cotidiano da eventual vítima não caracteriza começo da consumação do delito. De qualquer forma, seriam crimes praticados contra Sergio Moro pessoa física, não em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Portanto, a competência é da Justiça estadual, não da federal, opina o professor.

Se há um delito que já estava sendo praticado, destaca ele, é o de pertencimento a organização criminosa — que é de mera conduta e não tem vítima. Portanto, o fato de Moro ser senador e ter sido ministro da Justiça novamente não torna a Justiça Federal competente para conduzir a investigação.

Nessa mesma linha, Aury Lopes Jr., professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, afirma que não é o caso de aplicação da Súmula 147 do STJ.

"A competência da Justiça Federal seria atraída se o crime fosse praticado contra servidor público no exercício das funções. Tem de ter atualidade do exercício. Ele (Moro) é senador hoje, mas os crimes não têm qualquer relação com isso. Não vejo justificativa para incidência da súmula, tampouco para competência federal. Inclusive, todas as restrições que o STF estabeleceu — na Questão de Ordem na Ação Penal 937 — precisam ser consideradas nessa discussão. Se um crime praticado pelo servidor, após a cessação da prerrogativa, não atrai a atuação do tribunal (ou seja, não tem prerrogativa alguma), isso também se aplica no sentido inverso", avalia Lopes Jr, que é colunista da ConJur.

No caso citado pelo professor, julgado em 2018, o Plenário do STF restringiu o alcance do foro por prerrogativa de função. Para os ministros, parlamentares só têm foro especial se os fatos imputados a eles ocorrerem durante o mandato, em função do cargo. No caso de delitos praticados anteriormente a isso, o parlamentar deve ser processado pela primeira instância da Justiça, como qualquer cidadão. Com o fim do mandato, também acaba o foro privilegiado, fixou a corte.

Paraná ou São Paulo?


A investigação começou na Justiça estadual de São Paulo, estado onde os atos preparatórios para o suposto plano do PCC se iniciaram. Posteriormente, a parte que envolvia Sergio Moro foi cindida e enviada para a Justiça Federal do Paraná.

Se os atos preparatórios para o suposto plano se iniciaram em São Paulo, e a maioria das prisões e buscas e apreensões foi feita nesse estado, o caso deveria correr na Justiça estadual paulista.

Afrânio Silva Jardim menciona que, se a organização criminosa — o PCC — é sediada em São Paulo e começou a planejar o suposto sequestro em cidades paulistas, a competência é da Justiça estadual.

Com relação ao lugar, a competência é definida em função do crime mais grave, cita Aury Lopes Jr.. O suposto plano do PCC envolveria não apenas ataques a Moro, mas também ao promotor do Ministério Público de São Paulo Lincoln Gakiya. Ou seja, crimes de igual gravidade. Aí vale a regra da prevenção, segundo o professor. Assim, o processo deveria permanecer onde foi iniciado — na Justiça estadual de São Paulo, onde continua tramitando a apuração envolvendo o promotor.

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

sábado, 25 de março de 2023

Jurista Lênio Streck questiona juridicamente as "coincidências" envolvendo Moro e Hardt na pensada data de deflagração da operação contra PCC transformando Moro em pretensa vítima: “tudo muito estranho”

 

Da TV Fórum:

A Operação Sequaz, que resultou na prisão de integrantes do PCC que atentariam contra Sergio Moro e outras autoridades, teve seus mandados de busca e apreensão e de prisão assinados pela juíza Gabriela Hardt, que substituiu Moro na Lava Jato, e, apesar de se tratar de uma investigação antiga, a operação foi deflagrada um dia após fala de Lula sobre Moro. O jurista Lenio Streck comenta o caso no programa Fórum Onze e Meia e fala ainda do “problema dos julgamentos subjetivos” no Brasil.



segunda-feira, 20 de março de 2023

Portal do José: Cinismo bolsonarista ataca mas não irá livrar o grande criminoso-mor da cadeia. E o máfia dos bancos contra os interesses do povo brasileiro?

 

Do Canal Portal do José:

    Leia também o texto abaixo do vídeo


20/03/23 - MUITOS ENFRENTAMENTOS À VISTA. Falarei do caos deixado ao povo. Mas não podemos esquecer todos aqueles que fizeram a sua parte a favor da humanidade. O Brasil tem muitos deles!

Por outro lado, ELES ATACAM! Flávio Bolsonaro ataca governo Lula nas redes. Esconde de modo ultra-canalha que foi o governo do papai que elaborou o orçamento deste ano.

Criminosos e cínicos que tiraram vidas no Brasil. ainda são ouvidos pela grande mídia. As vezes somos obrigados a verificar a pobreza do jornalismos nacional.

Perguntas fundamentais não são feitas a criminosos no poder. De tudo que Flávio disse na entrevista que circula nas redes, podemos depreender que seu papai é um homem distraído. Capaz de tentar a posse e propriedade de 16 milhões e meio em joias e diamantes, Flávio procura nos fazer crer que o comportamento de seu progenitor seria idêntico diante de um copo d'água e um punhado de inocentes diamantes.

Bolsonaro escapou incólume de repórteres e de perguntadores básicos da imprensa durante a sua saga contra o povo durante 4 anos. Foragido, o gatuno distraído ainda está sendo poupado.

Enquanto isso, temos um governo que se equilibra sobre a realidade catastrófica deixada pelos genocidas. Lula terá peito para enfrentar bancos e o mercado? Sigamos.

domingo, 19 de março de 2023

Documentário BBC: Como a religião foi usada em movimento golpista/bolsonarista que culminou no 8 de janeiro

 

Da BBC News Brasil:

Pastores mobilizaram multidões nas redes sociais com supostas profecias e revelações sobre intervenção militar, ataque aos Poderes e retorno de Bolsonaro à Presidência. Neste documentário, nosso repórter João Fellet explica como religião e política se mesclaram e como isso influenciou os atos de 8 de janeiro, quando os prédios dos três Poderes foram invadidos e depredados em Brasília. Confira.



Manipulação fascistóides efetuadas por falsos profetas e mercadores da fé neopentencostais bolsonarentos: Atos golpistas: Evangélicos presos no 8/1 dizem à PF que foram mobilizados por igrejas, em reportagem do UOL

 

Do UOL:

Os depoimentos de evangélicos bolsonaristas que viajaram para Brasília para os atos golpistas do 8 de janeiro indicam que igrejas de vários estados bancaram ônibus e organizaram caravanas para o evento. A informação é do colunista Aguirre Talento. O jornalista Cesar Calejon comenta



terça-feira, 7 de março de 2023

Portal do José: Bolsonaro e o escândalo da jóias corroem ainda mais a imagem dos militares... Criminosos cúmplices ou mulas de contrabando?

 

Do Portal do José:

IMPRESSIONANTE! BOLSONARO fez eclodir o pior do que existia dentro das Forças Armadas do Brasil. Todos ganharam uma grana extra para servirem ao país. Mas o que se viu foi que esses personagens se prestaram a servir aos interesses pessoais próprios ou do Presidente de então. Os meios de comunicação ainda estão pegando leve nesse escândalo. Vamos ver os próximos capítulos. Mas estamos diante de crimes de prevaricação. O Almirante da Reserva é um otário ou um espertalhão? Sigamos.




segunda-feira, 6 de março de 2023

A atual angústia do capitalismo, por André Márcio Neves Soares

 

Desde a crise de 2008, o capitalismo selvagem, traduzido pela sua face horrenda, o neoliberalismo, parece ter perdido sua paz interior.


Max Ernst

A atual angústia do capitalismo

por André Márcio Neves Soares, no Jornal GGN

No momento em que escrevo este artigo, o capitalismo, o sistema econômico prevalente na modulação da vida humana na maioria dos países do globo terrestre, encontra-se angustiado.

De fato, desde a crise dos subprimes americanos em 2008, o capitalismo selvagem, traduzido pela sua face mais horrenda, qual seja o neoliberalismo, parece ter perdido sua paz interior. Após a crise financeira de 2008, que ocorreu devido a uma bolha imobiliária nos Estados Unidos – decorrente do aumento nos valores imobiliários, desvinculado do correspondente acréscimo na renda da população -, o capitalismo sofreu uma perda generalizada de confiança, e grandes setores do sistema financeiro da América e do mundo ainda estão com suspeitas pairando sobre suas cabeças.

No entanto, a angústia do capitalismo parece estar bem disfarçada na recente discussão que envolveu alguns pensadores da pós-modernidade, como Evgeny Morozov, Jodi Dean e Cédric Durand. Nesse sentido, antes de adentrar o cerne deste texto, considero importante resumir o que pensam esses intelectuais a respeito do futuro desse sistema econômico predominante há dois séculos. Só assim poderemos estender o debate teórico para além do circuito intelectual no primeiro mundo, e propiciar aos leitores uma visão crítica que englobe a perspectiva do porvir do ponto de vista de alguém do sul global. Entendo que a tarefa não é fácil, visto os sólidos argumentos de cada um. Entretanto, penso que escapa a todos eles a percepção mais elementar, a saber, o objetivo final do sistema (re)produtor de mercadorias (capitalismo), enquanto sujeito ativo da transformação ontológica do ser humano e, por tabela, as consequências já nefastas para o planeta.

Na ordem de como foi publicado na mídia, o primeiro texto que discorreu sobre a crise do capitalismo foi o de Evgeny Morozov (1). No seu texto, Morozov critica os intelectuais à esquerda (alguns não tão à esquerda assim), como Yanis Varoufakis, Mariana Mazzucato, Jodi Dean, Wolfgang Streeck, entre outros, por flertarem com conceitos de um suposto “tecnofeudalismo”, como uma nova fase de acumulação primitiva do excedente de toda a economia global, agora fortemente dominado pelas grandes empresas de tecnologias, mas ainda atrelado ao antigo conceito extrativista do feudalismo. Por conseguinte, a lógica econômica feudal, pela qual o excedente produzido pelos camponeses era  apropriado pelos latifundiários, seria a base para elucidar seu regime sucessor, o capitalismo. Este, ao contrário dos meios de extração de excedentes considerados extraeconômicos no feudalismo, ou seja, de natureza política, quando os bens são expropriados através da violência (ou simples ameaça), promove os meios de extração de excedentes inteiramente econômicos, ou seja, pessoas livres são obrigadas a vender sua força de trabalho para sobreviver numa economia monetária.

Todavia, Morozov não está muito interessado em qual paradigma deve ser considerado; se no dito acima, de viés marxista, ou no paradigma dos historiadores não marxistas, os quais sustentam que o feudalismo não era um modo de produção atrasado, mas um sistema sociopolítico atrasado, propício para surtos de violência arbitrária, dependências pessoais e laços de fidelidade baseados em crenças religiosas e fundamentos culturais. Para ele, o mais importante para a crítica de um “feudalismo digital” ou “neofeudalismo” é identificar as principais características do sistema feudal, para viabilizar o exame de como elas podem reaparecer novamente. Nessa toada, entende que o feudalismo como sistema econômico precisa ter uma classe dominante parasitária que desfrute de um estilo de vida luxuoso às custas da miséria das outras classes que domina. Por outro lado, afirma que o feudalismo como sistema sociopolítico possui como ponto central a privatização do poder anteriormente exercido pelo Estado, bem como sua dispersão por meio de instituições frágeis e não responsabilizáveis.

Apesar de Morozov entender os argumentos de alguns desses pensadores quanto ao que confere à economia digital seu peculiar sabor “neofeudal” ou “tecnofeudal”, a saber, que os trabalhadores permanecem explorados de todas as formas capitalistas antigas, e os novos gigantes digitais são os que mais se beneficiam com seus meios sofisticados de predação, ele não concorda que empresas como Google, por exemplo, que tem seu negócio a girar em torno dos acervos de dados que ele é capaz de indexar e operar para produzir sua mercadoria de resultados de pesquisa, possa ser considerado como um mero rentista, e não como uma empresa capitalista padrão. Dessa forma, Morozov entende que apenas uma concepção expandida do próprio capitalismo é capaz de abarcar a exploração e a expropriação em um único modelo. Para tal desidério, cita Jason Moore – um ex-aluno de Wallerstein e Arrighi –, que pode ter chegado, na visão dele, a um novo consenso, quando diz: “o capitalismo prospera quando ilhas de produção e trocas de mercadorias podem se apropriar de oceanos formados por porções de natureza potencialmente baratas – fora do circuito do capital, mas essenciais para sua operação”.

Nessa perspectiva, Morozov acredita que o marxismo político deveria abandonar sua concepção de capitalismo como um sistema marcado pela separação funcional entre o econômico e o político. Ele acredita, assim como Elle M. Woods, que a teoria econômica burguesa abstraiu os aspectos sociais e políticos que envolvem o sistema econômico e delegou ao capitalismo a capacidade de deslocar as questões essencialmente políticas da arena política para a esfera econômica. Logo, a emancipação socialista só poderia se dar com a consciência de que a separação entre essas duas esferas, política e econômica, é verdadeiramente artificial. Contudo, apesar de artificial, a esfera política foi fundamental para a constituição e consolidação da esfera econômica. Logo, apresentar o capitalismo como um sistema econômico que perpetua a separação entre o político e o econômico pode ser a forma pós-moderna de hibridizar a produtividade do capitalismo. Portanto, para ele, a impressionante acumulação que acontece por meio da inovação nas gigantes do setor de tecnologia, em vez da predação e da expropriação, é a ironia final que mostra que o capitalismo de sempre ainda está muito vivo, à moda marxiana, como sistema produtor de valor.

Na sequência, a teórica política e professora americana, Jodi Dean, rebateu Evgeny Morozov ao afirmar que não reconhecer a transição do capitalismo “de sempre” para uma espécie de “tecnofeudalismo” é reduzir a potência das lutas sociais (2). Segunda ela, as formas de captura da riqueza coletiva vão muito além da velha extração de mais-valor. E dá como exemplo a “uberização”, uma nova relação entre trabalhadores e empregados junto às megacorporações, onde estas adquirem um poder político inédito diante dos Estados, análogo ao dos senhores feudais. Nesse sentido, os chamados acordos de “livre” comércio também podem ser incluídos no rol dessa nova forma de captura das riquezas alheias, pois as empresas transnacionais usam seu poder econômico quase ilimitado para exigir as mais variadas formas de indenizações, sempre que o poder político local aprova leis soberanas que prejudicam seus lucros.

Por conseguinte, Dean critica Morozov por não atentar para as novas formas de exploração, pois apenas naturaliza o capitalismo na sua constituição de acumulação ao longo da história. Com efeito, segundo ela, o capitalismo mudou a forma dessa compulsão, ao transformar o que era uma forma direta e pessoal de dominação em algo impessoal, em outros termos, em uma dominação que passa a ser mediada pelas forças do mercado, ou seja, o poder econômico é separado do poder político. Dessa forma, entende Dean que o capitalismo pressupõe a dissolução do todo em partes. Nas suas palavras: “São as ferramentas que os empregam agora. Tudo o que estava presente na unidade originária ainda está lá, mas de uma forma diferente. Sob essa nova ordem, as condições separadas de produção se unem pela mediação do mercado”.

Aparentemente ainda insatisfeita com sua crítica a Morozov, Dean se questiona se existe, de fato, evidência de uma mudança nos elementos que constituem o capitalismo contemporâneo. E mais: questiona-se sobre a natureza da exploração econômica de plataformas como o Uber, se são manifestações do capitalismo sem freios, como argumentou Morozov, ou se elas são uma nova forma de servidão feudal. Nesse ponto, para tentar clarear seus argumentos, vai buscar no relato dos Grundrisse de Marx a solução para resolver essa inversão binária que envolve servidão e liberdade. Lá, segundo Dean: “Marx descreve a massa de trabalho vivo lançada no mercado como ‘livre em duplo sentido, livre das velhas relações de dependência, escravidão e servidão e, em segundo lugar, livre de todos os pertences e posses, das formas objetivas e materiais de ser, livre de toda propriedade”. Dessa maneira, podemos pensar os trabalhadores do Uber como contratados gratuitos, não pelo que conseguem usufruir com a flexibilidade da forma e do tempo de trabalho, mas pelo que perdem em termos de direitos e garantias fundamentais que todos os trabalhadores formais possuem.

Destarte, ao contrário do que pensa Morozov, os novos “senhores digitais” não são capitalistas inovadores, que investem seus lucros em pesquisas e desenvolvimento de novas atividades para produção de mercadorias modernas e atualizadas ao sabor do gosto dos consumidores, devendo ser vistos, na verdade, como “rentistas ociosos”, já que estão a promover a maximização de seus lucros para reinvestirem em excedentes de produção que, em muitos casos, estão destruindo o próprio capitalismo (Dean cita, nominalmente, o Uber, mas também o Airbnb, a DoorDash, entre outros). Logo, esses intermediários se inserem nas relações de troca, desarticulando mercados e destruindo setores produtivos. Para ela, para dominar o mercado, os novos “barões digitais” estão a acumular riqueza por meio de investimentos destrutivos em vez de produtivos. Nessa toada, o novo capitalismo de plataforma gasta bilhões para destruir concorrentes em potencial, em ver de competir com eles através de melhorias na sua eficiência. Ao fazer isso, tornam-se senhores de segmentos de mercados fragmentados e contornam regulamentações, além de aumentarem a pressão sobre trabalhadores e clientes. Nas palavras de Dean: “O capital se torna agora uma arma de conquista e de destruição em massa”.  

Daí ela entender que o neoliberalismo se transforma em “tecnofeudalismo”, porque implode as relações sociais de propriedade que existiam, ao romper os “grilhões” do Estado ou as restrições institucionais ao mercado. Realmente, ao massacrar a concorrência, os novos capitalistas de plataforma adquirem o status de quase donos do mundo no seu segmento de atuação (quando não diversificam para outras áreas econômicas de extração de mais-valor), e se tornam capazes de exercer um poder político e econômico sem precedentes na história, pari passu com o incremento da miséria em todo o planeta. Com efeito, essas novas relações de propriedade social, novos tipos de intermediários e novas leis de movimento desembocam em novos processos de emprego do capital excedente que, se no passado dirigiam-se para fora, ou seja, por meio do colonialismo e do imperialismo, agora voltam-se para dentro de si mesmos.

Por consequência, para Dean, o “neofeudalismo” ou “tecnofeudalismo” não é mais caracterizado por relações de dependência pessoal, mas pela dependência abstrata e algorítmica das plataformas que fazem a mediação da vida cotidiana. Hoje, a fragmentação e a expropriação extraeconômica são as palavras-chave, pois os “senhores digitais”, dotados de incomparável poder econômico, exercem pressão política com base nos termos e nas condições que eles mesmos estabeleceram. Com diz Dean: “Com o parcelamento privado da soberania, a autoridade política e o poder econômico se misturam. A lei não se aplica a bilionários poderosos já que eles podem evitá-la”. Portanto, em nome de uma pretensa liberdade hiperindividual, Dean entende que a contrarrevolução produzida pelo neoliberalismo tem consistido em privatização, fragmentação e separação dos trabalhadores pseudo-livres, que estão presos num novo tipo de servidão: são dependentes de redes e práticas por meio das quais as rendas são extraídas a cada passo econômico que dão na sociedade. 

Já o professor de economia francês Cédric Durand, também criticado por Morozov, argumenta em três frentes para concordar com o conceito do “tecnofeudalismo”: i) defende que o feudalismo deve ser entendido como um sistema de captura da riqueza, assegurado por constrangimento extraeconômico, num contexto de uma pequena produção individual; ii) sustenta que as novas tecnologias não conduzem à pequena produção individual, mas a uma coletivização do trabalho sem paralelo; iii) por fim, discorda de Morozov quanto ao padrão sequencial do capitalismo “de sempre”, pois esta pretensa socialização assume um caráter regressivo, ou seja, ela mercantiliza pouco a pouco todos os aspectos da vida social, até atingir sua máxima eficiência (ainda não atingida, diga-se de passagem) de transformar cada ato vivido em mercadoria.

Neste texto, vamos nos ater brevemente à terceira argumentação de Durand, já que em relação às duas primeiras não há controvérsia significativa.

O ponto máximo da celeuma entre os pensadores citados é que, para Durand, assim como para Dean, as megacorporações de plataformas não investem pesado para fornecer inovações úteis para as pessoas e para o planeta de uma forma geral. Na verdade, seus investimentos sequer são usados para dotar a sociedade global de uma maior equidade. Pelo contrário, elas estão a produzir um nível jamais visto de alienação social, além de promover um quase total desmanche no aproveitamento do trabalho. Paradoxalmente, essa alienação e o aumento da desigualdade no mundo tem reforçado o aumento do domínio dessas redes digitais. Por exemplo, no Brasil, segundo o World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais) – que integra a Escola de Economia de Paris e é codirigido pelo economista francês Thomas Piketty, autor do bestseller O Capital no Século 21 -, em relatório divulgado no início do ano passado, os 10% mais ricos no Brasil, com renda de 81,9 mil euros (R$ 253,9 mil em PPP), representam 58,6% da renda total do país. Ou, se preferirem, os 50% mais pobres ganham 29 vezes menos do que os 10% mais ricos. Isso significa dizer que a metade mais pobre no Brasil possui menos de 1% da riqueza do país e que o 1% mais rico possui quase a metade da fortuna patrimonial brasileira (3).

Para corroborar sua argumentação, Durand cita o filósofo francês Etienne Balibar, para captar com precisão o potencial regressivo da socialização contemporânea. Ele cita Balibar, que diz: “Tendencialmente, nenhuma forma de vida – como agência, atividade, passividade e até mesmo a morte – pode ser vivida fora da forma de mercadoria e da forma de valor que é, de fato, um momento no processo de valorização do capital”. O que Balibar está dizendo é que o contínuo processo de mercantilização da vida, de tudo em geral, ultrapassou a linha vermelha de significantes fundamentais para a vida humana e do planeta, como saúde, educação, conhecimento, arte, entretenimento, cuidado, sentimentos e tudo o mais na forma de “mercadorias fictícias”. Ora, isso se traduz em uma “subsunção total” ao mercado global, que resulta numa completa perda de identidade e de autonomia pessoal, em prol da lógica mercadológica que comanda a qualidade e a quantidade da vida humana. Esse é o cerne da hipótese tecno-feudal, ou seja, a mercantilização total leva à negligência de outras formas de socialização. As plataformas digitais passaram a ser os novos ecossistemas por onde flui um “oceano” de dinheiro. A função primeira dessas plataformas é, segundo Durand, “manipular as interações sociais com base nos padrões de comportamento entre pessoas não relacionadas entre si que detectam algoritmicamente”.

Dessa maneira, o novo cenário socioeconômico que está a ser criado é, na visão de Durand, o de uma “causação” cumulativa, na qual os pretensos monopolistas das gigantes digitais investem e inovam para acumular ativos intangíveis, que geram novas formas de controle social. Logo, por evidente, esses monopólios virtuais de conhecimento acarretam uma expansão sistemática de poder, que pode levar a uma troca de mercado desigual. Os usuários das novas tecnologias digitais, por sua vez, são uma nova classe de ativos dessas megacorporações, na medida em que são a matéria-prima por meio da qual elas criam e controlam os dados que lhes permitem gerar receitas. Daí que o “neofeudalismo” está no ambiente social criado e permitido/controlado por essas empresas, para a interação virtual de seus usuários (quanto mais e mais rápido, melhor) e não, necessariamente, no volume de negócios realizados dentro do espaço virtual. Onde tudo isso acaba, nenhum dos três conseguiu apontar. Mas é evidente o aumento exponencial da concentração de renda, desde que a globalização ultrapassou seus limites materiais e atingiu a estratosfera da financeirização do capital. Durand diz: “Esses desenvolvimentos são consistentes com o diagnóstico de um capitalismo disfuncional, onde a centralização do capital ocorre por meio de processos de predação amplamente desconectados das atividades produtivas – a lógica da apropriação do excedente na hipótese tecno-feudal”.

Depois dessa breve digressão a respeito da polêmica transformação do capitalismo, penso ser o momento adequado para discorrer sobre a atual angústia do capitalismo na contemporaneidade. De fato, muito mais do que um novo paradigma de concentração de riquezas com lucros historicamente excepcionais, o mais importante é atinar para as últimas palavras de Durand (motivo pelo qual o deixei no final), para o qual: “Quando a apropriação exceder a exploração capitalista, o sistema passou por uma mutação. Ou será que ela já aconteceu?”. Acredito que não existe, ainda, uma resposta pronta para essa questão. Entretanto, é possível apontar caminhos que tornem nossa investida nessa seara menos estafante em termos teóricos. Com efeito, a aparente contradição entre um modelo selvagem de exploração capitalista, o neoliberalismo, e a sua atual angústia por estar na berlinda do imaginário popular, que o faz ser alvo de todas as acusações de mal-estar civilizatório, pode levá-lo a ter que fazer uma espécie de “escolha de Sofia”: mutação ou maturação.

Outrossim, o professor de filosofia em Hamburgo-Alemanha, Samo Tomsic, escreveu recentemente dois textos complementares em que se perguntava se a sociedade não existe. Como o segundo texto não é para leigos em psicanálise, vou me ater principalmente ao primeiro (4), mas sem deixar de pontuar os aspectos mais importantes do segundo (5). Tomsic recorre aos fundadores das ciências humanas modernas (na visão de Michel Foucault), Nietzsche, Marx e Freud, para estabelecer os três eixos fundamentais da ordem simbólica: moral, econômico e linguístico. Juntos, esses três sistemas de pensamento giram em torno do que ele chamou de um “parasitismo” do infinito (o simbólico) sobre a finitude do corpo. Esse parasitismo é mais vulgarmente conhecido como “pulsão”. Como essa pulsão representa ao mesmo tempo uma força simbólica e material, e a ordem simbólica nunca é apenas uma abstração, mas também representa uma organização da materialidade, ou seja, uma economia, a característica comum dessas três ordens econômicas é que todas representam “economias afetivas”, ou seja, a questão da produção e organização dos afetos na concepção de laços sociais enquanto vínculos afetivos.

Donde Tomsic resgata a fala da ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher, afirmando que “Não existe isso, a sociedade”. O neoliberalismo – que deu seu “start” com forte influência dela e do então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan – pode ser definido justamente como uma doutrina socioeconômica que preza pela proliferação de afetos antissociais. Neste ponto, parece interessante que intelectuais do porte dos citados anteriormente – Morozov, Dean e Durand – ainda não tenham se dado conta de que a mutação, de fato, já começou. Ademais, perdem-se em longas discussões teóricas-conceituais que não vão chegar a lugar algum, no sentido prático de perceber o que está debaixo dos seus narizes. Afinal, salvo se uma hecatombe (provocada pelo ser humano ou não) acontecer e só restarem poucos de nós, o sistema feudal é parte do passado histórico da humanidade. Buscar novas nomenclaturas, como Dean e Durand estão a elocubrar, para definir o capitalismo em mutação, não é útil para tentarmos entender o caminho que estamos a percorrer. Da mesma forma, negar a mutação do capitalismo, como Morozov tentou fazer de maneira simplória, é reduzir o tamanho da mudança civilizatória que o ser humano está a submeter todo o planeta.

Ora, se não existe a sociedade, o que existe afinal? Os dois cavaleiros do apocalipse citados acima – Thatcher e Reagan – se esforçaram ao máximo para estabelecer uma nova ontologia política: o neoliberalismo. Como diz Tomsic: “O axioma de Margaret Thatcher é, portanto, antes de tudo uma proibição ontológica do social: a sociedade deve ser expulsa, não apenas dos programas políticos, mas da ordem do ser”. Essa exclusão radical da sociabilidade se traduz em um novo lógos (Platão) social, baseado em relações econômicas de competição e estruturas familiares tradicionais, ou seja, a já desgastada fórmula da desregulamentação econômica e da regulação patriarcal. É claro que Thatcher e Reagan sabiam que o neoliberalismo requer essencialmente um estado antissocial e um sistema de antissocialidade organizada. A busca do crescimento econômico a qualquer custo, sem o devido cuidado na repartição do bolo de maneira justa e global, impõe a permissão para que o intruso capital atue nas esferas públicas e privadas de acordo com o imperativo maior de extrair o máximo possível de mais-valor.

Acontece que algo saiu dos trilhos nessas quatro décadas de ganância desmedida do capital, que está deixando-o angustiado. Bem de ver, é muito pouco tempo para que um sistema econômico entre “em parafuso”. Por exemplo, o feudalismo levou mais de dez séculos para se ver suplantado por um novo sistema econômico. O próprio capitalismo industrial levou mais de dois séculos até ser ultrapassado pela sua pior versão, o neoliberalismo. Então o que tem dado errado para esse sistema selvagem de exploração capitalista? Ora, podemos começar por essa frase anterior, ou seja, o neoliberalismo nunca deixou de ser, em essência, uma porção nefasta do capitalismo. Mas o capitalismo clássico, que vigorou desde a primeira Revolução Industrial, no século XVIII, não pode mais ser reconhecido dentro do modelo neoliberal. A criatura desgarrou-se do seu criador. É nesse sentido que afirmo que a mutação capitalista já começou. Mas também é possível ver sinais claros de falha nessa mutação. Como na trilogia “Matrix” entre 1999 a 2003, em que a ocorrência de uma falha gerava o “déja vu” no sistema. Lá, o “déja vu” era a repetição de uma sequência de imagens. Na nossa matrix cotidiana, o “déja vu” da mutação do sistema neoliberal é a angústia dos seres vivos que estão inseridos em um modelo econômico hiper-tecnológico de exploração do mais-valor, e que está a transformá-los em monstros disfuncionais.

Desde Aristóteles, o ser humano é reconhecido como um animal relacional. Significa dizer que os laços sociais e afetivos com os outros seres humanos (e acrescento com a natureza de forma geral) foram e são essenciais para sua permanência como espécie. O neoliberalismo falhou justamente ao negar a “relacionalidade” constitutiva do ser humano. Ao contrário, o neoliberalismo confiou essa “relacionalidade” apenas à troca econômica de mercadorias, através da competição desenfreada e agressiva. O resultado simbólico da busca material dentro do deus-mercado tem sido ganância (Marx), ressentimento (Nietzsche) e inveja (Freud). Afinal, como alerta Brown (2019) no seu livro (6), as ruínas do neoliberalismo são, nada mais nada menos, do que as ruínas produzidas pelo neoliberalismo, a arruinar a sociedade e sua sociabilidade. Mais claro impossível, de que esse modelo econômico não poderia durar.

Não surpreende, portanto, que, se por um lado os universais políticos da Revolução Francesa (“Liberdade, Igualdade e Fraternidade”) ainda permanecem no imaginário popular – acrescidos de outros significantes, como solidariedade,  flexibilidade,  emancipação, bem  comum etc. -, por outro o  quadrivium político do liberalismo econômico apontado por Marx, a saber, “liberdade, igualdade, propriedade e Bentham” é o que de fato prevalece, sendo que o utilitarismo de “Bentham” simboliza o interesse privado sobre o bem comum, do antissocial sobre o social, no qual a forma mercadoria e a propriedade privada privilegiam a competição sobre a solidariedade e a produção ininterrupta do mais-valor desmantela cada dia mais os laços de coesão da sociedade. Como diz Tomsic: “Em última análise, ninguém é verdadeiramente dono da liberdade, exceto o mercado … enquanto sujeitos do modo de produção capitalista, todos nós estamos colocados em uma situação em que devemos delegar nossa liberdade potencial ao mercado, que será livre para nós”.   

Enquanto esse quadrivium marxiano imperar, a verdade é que estaremos submetidos à servidão, à desigualdade, à expropriação e à pulsão do capital. Daí Tomsic alertar para a potência desenfreada do capital, em denunciar qualquer tentativa de reverter a privatização capitalista do político como totalitária. A consequência exagerada dessa denúncia pode incrementar os populismos, tanto de direita como de esquerda, numa ambivalência que, segundo ele, “sugere que podemos estar lidando aqui com uma política de transição, nem inerentemente de esquerda nem inerentemente de direita”. O que Tomsic chama de ambivalência, eu chamo de ponto nevrálgico da mutação política capitalista. De fato, o arrefecer do simbólico “Welfare State” e o desmantelamento da alteridade humana na sua interdependência do outro, em prol de um individualismo extremo, tem nos levado a um modelo econômico que nem os mais gabaritados especialistas sabem aonde desembocará. Se um desses populismos se tornar hegemônico no mundo, o casamento entre a política e a economia será definitivamente sacramentado, e a mutação do capitalismo se concretizará, com nefastas consequências para o social. Afinal, temos visto as mazelas provenientes desse namoro nas últimas quatro décadas.

Nesse sentido, quando eu disse que escapou aos primeiros três pensadores citados o objetivo final do sistema (re)produtor de mercadorias (capitalismo), significa dizer que este se coloca como sujeito ativo intermediário da transformação ontológica do ser humano. Com efeito, não estamos mais falando do capitalismo de sempre em moldes digitais, nem mesmo de um arquétipo tecno-feudal de capitalismo, mas de uma mutação transumanista do ser humano. Realmente, se o casamento da política com a economia se consumar, o populismo totalitário, não importa de qual viés, proverá uma pequena parte da população mundial de benesses que ainda não podemos sequer imaginar. Porém, infelizmente, essas benesses estão prometidas para apenas uma minoria da humanidade, se o “Homo Deus” de Harari (2016) de fato vingar (7). Essa é a real mutação do capital e toda fonte de sua angústia: que novo Frankenstein (Shelley) sairá desse casamento? Será duradouro dessa vez ou será ainda mais efêmero e destrutivo do que seu anterior? Dará conta das garantias prometeicas que forneceu para suplantar a sociedade do bem comum?

Contudo, apesar de tanta angústia, é preciso aquiescer que promessas grandiosas não faltam, mesmo que eivadas de desconfianças e insucessos. Por exemplo, o astrofísico e professor britânico, Martin Rees, escreveu, ainda no início desse século, um livro alertando sobre os perigos de um desastre ambiental para o futuro da humanidade (8). Apesar de serem alertas muito importantes, o livro também desvela a crença desse humanista convicto nas potencialidades quase divinas da raça humana. Não por acaso, bem no final do livro ele se pergunta: “O cosmos mais amplo tem um futuro potencial que poderia ser definido como infinito. Mas serão estas vasta extensões de tempo preenchidas com vida, ou ficarão vazias como os primeiros mares estéreis da terra? A escolha pode depender de nós, neste século” (p. 205). Nessa perspectiva, se a vida não se extinguir no planeta terra, especialmente por ação humana, Rees parece corroborar com a ideia de que o ser humano pode (e deve) fazer todos os esforços possíveis para colonizar o espaço. Mas esse entendimento é em essência ambíguo, para não dizer contraditório, pois, como ele mesmo escreve no livro, o custo dessa exploração galáctica para o planeta, por assim dizer, também pode ser fatal para a vida na Terra. De fato, um simples erro de cálculo, caso o ser humano consiga conhecimento suficiente para tal empreitada, pode simplesmente explodir o globo terrestre.

Não surpreende, portanto, que o capitalismo angustiado esteja a se apegar ao que sempre enxergou como sua tábua de salvação, nos momentos de encruzilhada: a guerra. Como o cenário que Rees descreveu ainda parece bem distante, resta ao grande capital um conflito bélico de grandes proporções para tentar sair da “sinuca de bico” que a mutação digital vem ocasionando na vida cotidiana de todos/as. Isso sem olvidar a possibilidade dessa mutação fugir do controle do capital, o que parece, com efeito, estar a se confirmar. É por isso que o filósofo alemão Jurgen Habermas se mostra tão desesperado num artigo recente sobre a guerra no leste europeu (9). Ao aceitar a alternativa de compromissos toleráveis, Habermas parece antever o espectro que rondou as duas guerras mundiais anteriores, onde o sonambulismo dos principais atores daquela época quase levou o mundo ao colapso. Não obstante sua total condenação aos horrores desse conflito, Habermas é pragmático o suficiente para entender que não haverá vencedores e vencidos. Logo, pleiteia a fim da guerra, mesmo que isso implique em, como diz, “salvar a pele de ambos os lados”.

Apesar de louvável a atitude de Habermas, ele deixou de lado justamente o ponto fundamental desse conflito que estamos a esclarecer: a mutação do capital. Para além do predomínio de forças entre as nações, algo muito óbvio, está a capacidade do vencedor de gerenciar o avanço tecnológico de acordo com o seu interesse. Nesse sentido, não se trata mais de quantos mercados o capitalismo continuará explorando ou desenvolvendo, nem dos novos que porventura possa agregar. Como a nova criatura ultraliberal digital (Frankenstein) matou o seu criador, assim como o ex-Frankenstein (o capitalismo industrial) matou seu antigo criador, a saber, o mercantilismo, de monstros em monstros, o sistema de expropriação e apropriação do grande capital internacional parece ter chegado na encruzilhada de um novo alvorecer, de um tipo de transhumanismo que começou lá atrás, com as primeiras máquinas a vapor. De fato, com várias décadas de atraso, o capitalismo totalitário de George Orwell e Aldous Huxley vem imperando desde o início do século XXI, porém com roupagem mais parecida com a apresentada pela série “Altered Carbon” da Netflix.

Trata-se mais de uma mutação conjunta entre máquina/mercado e humano que só vingará se, realmente, o animal humano conseguir escapar do seu casulo terrestre. Pois, como bem frisou Rees, os recursos da terra estarão quase esgotados quando (e se) conseguirmos esse feito. O que restará para os desafortunados que aqui ficarem, relegados a meros sobreviventes num mundo sem vida pulsante, pode ser uma espécie de apocalipse zumbi, como na série “The Walking Dead”. Ao procurar incessantemente alternativas para aumentar as capacidades intelectuais, físicas e psicológicas humanas, para superar suas limitações fundamentais e impelir a erradicação do sofrimento causado por doenças e obtenção da imunidade aos efeitos do tempo (como envelhecimento e a morte), e a capacidade de se transformar em diferentes seres com habilidades altamente expandidas a partir da condição natural, esse único animal dotado de consciência (até prova em contrário) tem usado as forças poderosas do mercado, ainda que na maior parte do tempo inconscientemente, para transcender a si mesmo. Como indicou o biólogo Julián Huxley, considerado o fundador do transumanismo:

“Até agora, a vida humana tem sido geralmente, como Hobbes descreveu,´desagradável, brutal e curta´; a grande maioria dos seres humanos (se ainda não tenham morrido jovens) são atingidos com a miséria… podemos justificadamente manter a crença de que existem estas terras de possibilidade, e que as atuais limitações e frustrações miseráveis ​​de nossa existência podem ser, em grande medida superadas. A espécie humana superada pode, se o desejar, transcender a si mesmo – não apenas esporadicamente, um indivíduo aqui de uma maneira, um indivíduo lá de outra maneira, mas em sua totalidade, como a humanidade”. (10)

Ainda assim, enquanto esse casamento entre a política e o mercado não resultar concretamente no “Big Brother” orwelliano mundial, resta-nos uma esperança. Pessoalmente, faço parte do grupo pessimista que entende já termos ultrapassado o limite de retorno para uma vida sustentável no nosso planeta. Com efeito, não faltam evidências “pipocando” em artigos sérios de intelectuais a esse respeito. Mas também não compactuo com a tese derrotista de uma minoria que já entregou os pontos sem lutar. Se outra razão não tiver, esta tese vem bem a calhar aos detentores do grande capital digital na consumação do projeto final de abandono do que restar nessas paragens.

Nesse ponto, a real angústia do capital está em que condições chegará ao final dessa mutação. Se conseguir manter um exército de alienados-zumbis suficiente para consumir os recursos terrestres – seja de maneira mais acelerada em momentos de guerra, seja de forma mais cadenciada em tempos de puro espetáculo – sem interromper as cadeias de transformação do ser humano no estágio mais próximo possível do “homo deus”, então o capitalismo terá realizado a profecia do homem-máquina lá atrás de Marx. Se não conseguir manter estruturada minimamente uma sociedade dividida (cada vez mais feroz) em classes bem antagônicas, quanto ao resultado final dessa expropriação e apropriação do capital, porém homogêneas na sua alienação do prazer instantâneo de produzir e consumir bens descartáveis, aí o sistema (re)produtor de mercadorias infinitas corre o risco de, por assim dizer, chegar a um vale-tudo, um salve-se-quem-puder, que poria em risco o projeto de vida intergaláctico daqueles que realmente importam para ele: os donos do poder.

Assim como um vírus efetua sua mutação para sobreviver mais tempo no corpo do hospedeiro, e propiciar mais tempo de vida para ele continuar suas atualizações genéticas em busca de um equilíbrio que garanta sua permanência na natureza (vide recentemente a COVID-19 já com suas inúmeras mutações), o grande capital encetou recorrentes mutações na sua forma de sobreviver no hospedeiro humano. Apesar do equilíbrio nunca ter sido atingido, assim como na natureza o equilíbrio viral é muito tênue, ele sobreviveu aos solavancos de guerras, revoluções e, por que não, a tempos pacíficos. Mas a angústia capitalista sugere, assim como a COVID-19, que o trem que leva a aventura humana na terra pode estar a descarrilhar. Não é possível ter certeza de nada ainda. Porém, é possível visualizar alguns cenários. Estes, entretanto, ficarão para um futuro texto. 

REFERÊNCIAS:

  1. https://outraspalavras.net/pos-capitalismo/tecnofeudalismo-ou-o-capitalismo-de-sempre/;
  2. https://outraspalavras.net/pos-capitalismo/sistema-economico-igual-ao-que-sempre-foi/;
  3. https://wir2022.wid.world/www-site/uploads/2022/03/0098-21_WIL_RIM_RAPPORT_A4.pdf/Págs. 187 e 188;
  4. https://aterraeredonda.com.br/a-sociedade-nao-existe/;
  5. https://aterraeredonda.com.br/a-sociedade-nao-existe-parte-ii/
  6. BROWN, Wendy. Nas Ruínas do Neoliberalismo. São Paulo. Editora Politeia. 2019;
  7. HARARI, Yuval Noah. HOMO DEUS – Uma breve história do amanhã. São Paulo. Companhia das Letras, 2016;
  8. REES, Martin. HORA FINAL. O desastre ambiental ameaça o futuro da humanidade. São Paulo. Companhia das Letras. 2005.
  9. https://www.ihu.unisinos.br/categorias/626338-europa-entre-a-guerra-e-a-paz-artigo-de-juergen-habermas;
  10.  Huxley, Julian (1957). “Transhumanism”, 25 de junho de 2016, Wayback Machine. Retrieved February 24, 2006;

André Márcio Neves Soares é doutorando em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL.