Seu trabalho e seus princípios inspiraram a criação de museus, centros culturais e instituições psiquiátricas no Brasil e no exterior
Nise da Silveira"Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: Vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas ajuizadas.” (Nise da Silveira)
Rio - Dia desses, assisti, com imperdoável atraso, “Nise - O Coração da Loucura”, um longa metragem brasileiro, de 2016, dirigido por Roberto Berliner. O filme é a cinebiografia da psiquiatra brasileira Nise da Silveira, interpretada por Glória Pires.
Uma história comovente. Um filme maravilhoso.
Nise Magalhães da Silveira foi uma psiquiatra brasileira reconhecida por transformar o tratamento de saúde mental no Brasil em meados do século XX.
Filha do jornalista e diretor do "Jornal de Alagoas", Faustino Magalhães da Silveira e da pianista Maria Lídia da Silveira, Nise realizou sua formação básica em um colégio de freiras - na época exclusivo para meninas - o Colégio Santíssimo Sacramento.
Nascida em Maceió, Alagoas, em 15 de fevereiro de 1905; de 1921 a 1926 cursou a Faculdade de Medicina da Bahia, onde se formou como a única mulher entre os 157 homens daquela turma.
Foi nessa época que conheceu e casou-se com o sanitarista Mário Magalhães da Silveira, seu colega de turma na faculdade, com quem viveu até seu falecimento em 1986. O casal não teve filhos.
Em 1927, já casada e formada, mudou-se com o marido para o Rio de Janeiro onde teriam mais oportunidades de trabalho. Na então capital do Brasil, Nise tornou-se psiquiatra. Atuando em hospitais do Rio, a médica se voltou contra os métodos agressivos normalmente usados em pacientes, como eletrochoques e a lobotomia. Em substituição aos métodos violentos, desenvolveu e aplicou tratamentos humanos como a arteterapia e a interação com animais.
Ela amava os loucos e os gatos: “Os gatos são excelentes companheiros de estudos, amam o silêncio e cultivam a concentração. Admiro a independência dos felinos, sempre ronronando ao seu redor. Cultivo muito a independência. Por isso gosto do gato. Muita gente não gosta da liberdade que ele precisa para viver. No circo você vê tigre e urso, mas não vê um gato. O gato é altivo, e o ser humano não gosta de quem é altivo.” - dizia.
Nise desenvolveu um importante trabalho no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Ingressou na instituição em 1944 e travou uma verdadeira luta contra os métodos violentos de tratamento que eram comuns na época.
Por isso, foi redirecionada à área da terapia ocupacional, que era menosprezada no local. Lá, ela teve como enfermeira assistente, Ivone, uma jovem negra que mais tarde viria se tornar a grande dama do samba, Dona Ivone Lara.
Foi assim que conseguiu aplicar em seus pacientes - chamados pela médica de “clientes” - uma nova forma de cuidado mental.
Aluna do psiquiatra suíço Carl G. Jung, Nise valorizava o tratamento humanizado e inseriu a pintura e modelagem em argila como técnicas de atendimento. Isso possibilitou que as pessoas se expressassem através da arte, transmitindo em cores, formas e símbolos suas angústias mais profundas, no que mais tarde foi chamado de arteterapia.
Além disso, Nise era contra o confinamento e isolamento dos internos. Foi inserida a convivência com animais - que a médica chamava de co-terapeutas - o que contribui muito para baixar os níveis de estresse e ansiedade, diminuindo crises dos pacientes.
Em 1936, durante a Intentona Comunista, denunciada por uma enfermeira pela posse de livros marxistas, foi afastada do serviço público durante a ditadura Vargas (1936-1944) e presa como comunista no presídio Frei Caneca, por 18 meses.
Durante a prisão, conheceu e tornou-se amiga do escritor Graciliano Ramos, de quem tornou-se uma das personagens de seu livro ‘Memórias do Cárcere”.
Ainda nos anos 30, militou no Partido Comunista Brasileiro e foi uma das poucas mulheres a assinar o "Manifesto dos trabalhadores intelectuais ao povo brasileiro". No entanto, acabou por ser expulsa de sua célula, sob a acusação de trotskismo.
De 1936 a 1944 permaneceu na semi-clandestinidade. Durante esse período fez uma profunda leitura reflexiva das obras de Spinoza, material publicado em seu livro Cartas a Spinoza, de 1995.
Com a anistia, fundou, em 1946, a Seção de Terapêutica Ocupacional no Centro Psiquiátrico Pedro II.
Em 20 de maio de 1952, criou o Museu de Imagens do Inconsciente, um centro de estudo e pesquisa. Vinculado aos ateliês de pintura e modelagem, o Museu não cessou de crescer, seu acervo possui atualmente cerca de 350 mil documentos entre telas, desenhos, pinturas e modelagens.
Em 1956, criou também a ‘Casa das Palmeiras’, primeira clínica brasileira destinada ao tratamento psiquiátrico em regime de externato.
Introduziu a Psicologia Junguiana no Brasil. Escreveu vários livros dentre os quais destacam-se ‘Imagens do Inconsciente’ (1982) e ‘O Mundo das Imagens’ (1992).
Como reconhecimento de sua obra recebeu condecorações, títulos e prêmios em diferentes áreas do conhecimento. Seu trabalho e seus princípios inspiraram a criação de museus, centros culturais e instituições psiquiátricas no Brasil e no exterior.
A médica faleceu aos 94 anos, em 1999, no Rio de Janeiro, de insuficiência respiratória.