quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A estarrecedora sinceridade de um sacerdote do deus Mercado



Carlos Antonio Fragoso Guimarães

A entrevista dada por um operador de mercados financeiros, Alessio Rastani, na BBC, em Londres, nesta última segunda-feita, repercutiu no mundo inteiro. Ele, talvez num frêmito fugaz de empolgação, dor de consciência e arrogância, teve o raro bom senso de ser sincero - coisa rara nos meios especultivos financeiros, onde a informação correta é instrumento de manipulação para imensos ganhos.

O que ele disse?  Em poucas palavras, o que pensam os grandes mega-especuladores e bancos operadores: que  que sonha com uma recessão mundial para ganhar muito mais dinheiro.

"Sonho com esse momento (de declínio econômico) há três anos. Vou confessar: sonho diariamente com uma nova recessão. Se você tem o plano certo, pode fazer muito dinheiro com isso", declarou Alessio Rastani, que trabalha junto ao banco Glodman Sachs
Ao ser indagado sobre o que faria o mercado confiar nos planos costurados para salvar economias em perigo, como a da Grécia, Espanha, Itália e Portugal, Rastani disse que, como operador financeiro do Goldman Sachs, não se importa nem um pouco no sucesso destes planos:
“Não ligamos muito para como vão consertar a economia. Nosso trabalho é ganhar dinheiro com isso”.
“Os governos não controlam o mundo. O (banco) Goldman Sachs controla o mundo. O Goldman Sachs não liga para esse resgate, nem os grandes fundos.”
“Estou confiante que esse plano (de recuperação da Grécia) não vai funcionar, independentemente de quanto dinheiro (os governos) puserem. O euro vai desabar”
“Em menos de 12 meses, ativos ( dinheiro, economias) de milhões de pessoas vão desaparecer”.

Ainda que a entrevista aponte as afirmações de um só indíviduo, ela reflete e mostra que o funcionamento dos mercados financeiros, tão glorificado pelas empresas midiáticas,  Globo e a Band entre elas, não agem pensando o crescimento econômico nem tampouco o bem-estar social.

Segundo Rastani, "qualquer um pode fazer dinheiro" com a crise, agindo no mercado de hedge e investindo em títulos de Tesouro. Isso se torna relativamente fácil, pois "Os mercados estão sendo governados pelo medo."

A entrevistadora da BBC, Martini Croxall, espantada, agradeceu a sinceridade do entrevistado e ainda fez uma última pergunta cuja resposta bem mostra a frieza nazista do mercado:

 - "Agradecemos sua sinceridade, mas (a atitude dos mercados) não nos ajuda muito, não?"

 A resposta de Rastani foi:

- "Essa crise é como um câncer. Se esperarmos, vai ser tarde demais. O que digo para as pessoas é: preparem-se. Não pensem que o governo vai consertar. Quero ajudar as pessoas, elas precisam aprender a fazer dinheiro com isso. Primeiro, protegendo seus ativos. Em menos de 12 meses, ativos de milhões de pessoas vão desaparecer".

Mirian Leitão, William Waack e Joelmir Beting não comentarão estas afirmações...

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Rubem Alves sobre a religiosidade e a religião


Quando me perguntam, eu deveria dizer que não sou religioso. Dizendo-me religioso os outros logo pensam que sou adepto de alguma religião, alguma igreja institucionalizada. Eles imaginam que as religiões e as igrejas são semelhantes aos supermercados: lugares onde a gente vai se abastecer de mercadorias sagradas, pagando por elas. Para eles, ter sentimentos religiosos sem freqüentar igrejas ou pertencer a religiões seria o mesmo que dizer que me abasteço de verduras, frutas, legumes, carnes, leite, cereais sem fazer compras.

Daí não entenderem que eu possa ter sentimentos religiosos sem freqüentar igrejas. De fato, eu não pertenço a grupo religioso algum. Meus sentimentos nada têm a ver com igrejas e rituais religiosos. Talvez eu devesse simplesmente dizer que sou místico sem religião. Se os religiosos disserem que isso não é possível, que é preciso ter uma religião, eu lhes direi que não há indicações de que Deus tenha concordado em se tornar numa mercadoria a ser distribuída com exclusividade pelos seus supermercados religiosos. Deus é livre como o Vento pelo menos foi isso que Jesus disse. Claro que há religiões que dizem que o Vento só pode ser obtido engarrafado. Elas se acreditam como distribuidoras de Vento engarrafado. Uma religião que afirme que o sagrado é um monopólio seu está dizendo que ela conseguiu engarrafar o Vento, que ela conseguiu por o Vento sob seu controle. E isso é idolatria. Os teólogos medievais sabiam que o finito não pode conter o infinito, e que o espírito que vive está acima e além de textos escritos em uma época que não é a nossa e que precisam ser contextualizados para se perceberem o que possuem de espiritual.

Sou uma nota numa sinfonia com milhares de notas, uma folha num jequitibá com milhares de folhas, uma única gota num mar com gotas sem fim. De um lado eu me descubro infinitamente pequeno. De outro lado eu me descubro imensamente grande: estou ligado tudo. Sou tão grande quanto o universo, que se transforma então no meu grande corpo.

Alguns dão o nome de Deus a esse Grande Corpo no qual todas as coisas existem. Gosto dessa idéia. Aconteceu faz muito tempo, quando ouvir o rádio exigia paciência e atenção. Havia a barulheira constante da eletricidade estática que era ouvida ora como pipocas estourando numa panela, ora como uma série de intermináveis assobios. Eu me lembro. Era noite. Já estava na cama. Luz apagada. Gostava de dormir com música. Rádio Ministério da Educação: havia sempre músicas do meu gosto. De repente, no meio dos estouros e assobios da estática, uma música linda que mal se podia ouvir. Mas, em meio aos ruídos sem sentido da estática, o meu ouvido percebia a beleza que mal se ouvia, perdida no meio da estática.

Aí eu pensei que o sentimento religioso é assim mesmo: em meio à barulheira da vida, a gente ouve uma melodia. Há um lindo texto de Nietzsche em que ele descreve precisamente essa experiência ele fala de uma melodia de beleza indescritível que repentinamente começou a ouvir dentro da sua alma, beleza tão grande que ele começou a chorar. Nietzsche era uma dessas pessoas possuídas por um profundo sentimento místico e que, precisamente por causa dele, tinha de ficar longe de todas as religiões. As igrejas o horrorizavam.

Dizia que elas mais se pareciam com sepulcros de Deus. E tinha horror das músicas que ali se cantavam, que ele comparava ao coro de rãs dentro de um charco... Sim. Sou religioso. O universo é o meu templo. O ruído dos regatos, o barulho do vento nas folhas dos eucaliptos, o perfume do jasmim, as cores do crepúsculo, as experiências de arte e de brinquedo são, todos, para mim, sacramentos fugazes experiências do sagrado. Deus nunca foi visto por ninguém. Mas sempre que tenho uma efêmera experiência de beleza e da amor é como se eu tivesse visto, num breve segundo, uma cintilação do sagrado.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Quando tudo se torna coisa, mercadoria, ridículo


"Quando a tecnologia e o dinheiro tiverem conquistado o mundo;
quando qualquer acontecimento em qualquer lugar e a qualquer tempo se tiver tornado acessível com rapidez;
quando se puder assistir em tempo real a um atentado no ocidente e a um concerto sinfônico no oriente;
 quando tempo significar apenas rapidez online;
 quando o tempo, como história, houver desaparecido da existência de todos os povos;
 quando um esportista ou artista de mercado valer como grande homem de um povo;
 quando as cifras em milhões significarem triunfo, - então, justamente então -- reviverão como fantasma as perguntas: para quê? Para onde? E agora?

A decadência dos povos já terá ido tão longe, que quase não terão mais força de espírito para ver e avaliar a decadência simplesmente como... Decadência.
Essa constatação nada tem a ver com pessimismo cultural, nem tampouco, com otimismo...

 O obscurecimento do mundo, a destruição da terra, a massificação do homem, a preferência pelo não pensar, a suspeita odiosa contra tudo que é criador e livre, já atingiu tais dimensões, que categorias tão pueris, como pessimismo e otimismo, já haverão de ter se tornado ridículas."



Martin Heidegger

domingo, 18 de setembro de 2011

Quando o mecanicismo e o cientificismo matarem o espírito...


  O 11 de setembro não foi um evento acidental... Como as crises de 2008 e 2011 também não o foram... são o resultado de uma época em que o mundo deixou de ter coração em uma hipertrofia da razão, mas não de uma razão voltada ao humano, mas de uma razão instrumental vltada ao acúmulo, à competição, à destruição...

  Bin Laden ou Saddan nãda mais eram que criaturas que, um dia, se voltaram contra os que os criaram ou treinaram. E as pessoas, em um mundo de rígidos horários, de nomes trocados por números, de identificação de caráter como sendo a possibilidade de acumular, ter e, tendo, aprentar deter o poder... em uma era em que casas se tornam caixas amontadas umas sobre as outras e isso se torna sinal de progresso... a quem as pessoas que se sentem perdidas e menos gente podem apelar? São alvos fáceis de quem, falando o que elas querem ouvir, as seduzem em troca de dízimos e de uma falsa certeza num entedimento mesquino do Absoluto quando nem mesmo das mínimas consciências da beleza e profundidade do relativo dão conta.... Buscam nos diversos fanatismos o consolo ao coração magoado pela indiferença e a orientação de quem, aparentemente, podem pensar mais e melhor que elas mesmas...

E é quando o mundo ficou menor que as pessoas mais se afastaram uma das outras que o que deveria ser óbvio se torna obscuro e o distorcido se torna a regra... individualismo extremo é a extrema forma de se ser menos pessoa.


Carlos Antonio Fragoso Guimarães
 
18/09/2011

Filosofia no filme A Árvore da Vida, de Terrence Malick


Carlos Antonio Fragoso Guimarães


  Este, certamente, não é um filme comum, ou, ao menos, passa bem longe de ser um dos padronizados filmes comerciais feitos em série por Hollywood, ainda que contenha a presença de Brad Pitt (aliás, muito bem nesta película) e do sempre politicamente esclarecido Sean Penn (que aparece pouco, mas traz sua carga de expressão existencial para o filme), com a direção segura e sensível de Terrence Malick (de "Cinzas do Paraíso", de 1978 e "Além da Linha Vermelha", de 1998).

  Este é um daqueles filmes que polarizam opiniões, fazendo com que uma singela minoria de pessoas saiam do cinema refletido sobre Deus, a vida e o Universo enquanto a imensa maioria, acostumada a uma dieta cinematográfica de histórias superficiais, mas regadas ao velho molho feito de explosões, violência, sexo e/ou sangue, sair provavelmente revoltada com a "perda de dinheiro" dado a um filme, para elas, sem sentido, enfadonho, envolvendo imagens do espaço com dinossauros e uma história de uma família de classe média que se questiona sobre se a vida tem alguma razão de ser.... Contudo, o filme "A Árvore da Vida" pode ser acusado de tudo, menos de não ter conteúdo, aliás, muito profundo. Não bastasse suas reflexões existenciais e espirituais, o filme conta com um competente desempenho dos atores - que além de Pitt e Penn, conta com o rosto expressivo da atriz Jessica Chastain que muitas vezes rouba boa em boa parte das cenas dramáticas. A Árvore da Vida conta igualmente com uma fotografia de encher os olhos além de juntar, ao mesmo tempo, filosofia, o Big Bang, a evolução dos seres vivos e o surgimento do homem que se pegunta sobre o sentido do existir e se existe um Deus que parece dar um sentido a tudo isso...

  A resposta do filme, e a maneira como é colocada, contudo, não é dada de modo discursivo, linear, fácil. O enredo se atrela ao drama de uma família que perde um dos filhos e do questionamento desta tragédia (que é a tragédia, enfim, de todos nós). A vida faz sentido? Por que existe a dor? O filme passa todo o tempo afirmando, embora não de modo direto, que sim, a existência tem uma razão de ser, contudo, como diria o filósofo existencialista dinamarquês Soren Kierkegaard, o sentido e a lógica da existência supera e  muito a lógica restrita e tantas vezes egocentrada do homem, egocentrismo também criado e disseminado por nada mais nada menos também que a  própria... religião! - e falo da religião instituicionalizada, aquela menos aprofundada, tradicional, mais voltada ao comércio e ao controle de atitudes superficiais de afiliação exclusivista a uma certa interpretação de Deus que ao estímulo á reflexão, à autonomia e maturidade espiritual e à vivência profunda de uma realidade transcendente.... Religião que tantas vezes é feita por homens que, exatamente por não viverem o transcendente, reduzem este a fórmulas e dogmas ou "verdades prontas" atreladas à literalidade de textos tantas vezes pouco refletidos ou contextualizados, antropomorfizando a Causa primeira de tudo o que há esperando poder exercer alguma influência sobre Esta, especialmente nas religiões/seitas mais populares, superficiais e exclusivistas, como as atuais igrejas neopentecostais parecem ser um exemplço perfeito - aliás, certamente estes farão parte dos que odiarão o filme em questão.

  Este é o tipo de filme que é bom, mas que não se deve aconselhar a todos. A força da mensagem não está nos diálogos ou em ações e aventuras, mas no impacto das imagens, na expressão da dor dos pais que perdem um filho, na imponência das nebulosas, das estrelas, das diversas imagens da natureza, o que dará a impressão de que o filme, para muitos, é arrastado, sem rítmo. Mas possui ele também toda uma estrutura simbólica que não escapará ao espectador com o mínimo de sensibilidade. Mas a força e originalidade de A Árvore da Vida está exatamente na mensagem transmitida não pelo discurso linear, racional e aristotélico, mas pela série de imagens que falam por si em toda uma estrutura simbólica que não escapará ao espectador com o mínimo de sensibilidade. Por exemplo, a frieza do concreto e do aço que acompanham Sean Penn (um arquiteto que, ao olhar para trás, compara a beleza da simplicidade e da dor da vida em família com a competitividade das corporações e se pergunta qual o sentido da vida em um mundo moderno, frio, mecanicista, racionalmente burocratizado) representando a vida racionalizada do frio e competitivo mundo dos engócios típico da civlização capitalista fica ainda mais realçada com as cenas do mar, das flores, da mensagem de que somos também Natureza e que é olhando para a vida, a natureza, mesmo no seu aspecto aparentemente cruel, que podemos encontrar também a beleza e o encanto de se estar vivo. Apenas as pessoas que, bem ou mal, conseguem se elevar um pouco acima das mesquinharias da selva de pedra do atual capitalismo falso-democrático e que possuem suficiente sensibilidade para se deixar levar por imagens que trazem em si uma mensagem poderão sentir e compreender esta obra prima do diretor Terrence Malick, com a deslumbrante fotografia de Emmanuel Lubezki e a montagem de um brasileiro, Daneil Rezende (de Cidade de Deus e Tropa de Elite 2).

. A cena final, onde todos se encontram depois de terem passado pela vida física, é de uma poesia sutil que poucos saberão apreciar.   Só uma observação: o filme tem uma trilha sonora baseada na obra de grandes clássicos da música ocidental, incluindo Bach, Couperin, Mozart, Smetana e Brahms. Mas tenha cuidado se comentar isso com seu amigo ou discutir a mensagem do filme com seu acompanhante no cinema, ou mesmo solfejar baixinho as notas da bela música que toca. Pode haver um imbecil na sua frente, fingindo-se de inteligente, que mande você calar a boca.

João Pessoa, 18/09/2011

sábado, 17 de setembro de 2011

A quem serve, de fato, a "ciência" da economia?





"A economia atual caracteriza-se pelo enfoque reducionista e fragmentário típico da maioria das ciências sociais. De um modo geral, os economistas não reconhecem que a economia é meramente um dos aspectos de tod um contexto ecológico e social: um sistema vivo composto de seres humanos em contínua interação e com seus recusos naturais, a maioria dos quais, por sua vez, também constituída de organismos vivos. O erro básico das ciências sociais consiste em dividir essa textura em fragmentos supostasmente independentes, dedicando-se a seu estudo compartimentalizado, em departamentos universitários separados. Assim, os cientistas políticos tendem a negligenciar as forças econômicas básicas, ao passo que os economistas não incorporam em seus modelos as realidades sociais e políticas. Essas abordagens fragmentárias tambvém se refletem no governo, na cisão entre política social e econômica (...).

"A evolução de uma sociedade, inclusive a evolução do seu sistema econômico, está intimamente ligada a mudança no sistema de valores (filosófico, éticos, sociais) que serve de base a todas as suas manifestasções. Os valores que inspiram a vidade de uma sociedade determinarão sua visão de mundo, assim como as instituições religiosas, os empreendimentos científicos e a tecnologia, além das ações políticas e econômicas que a caracterizam. Uma vez expresso e codificado o conjunto de valores e metas, ele constituirá a estrutura das percepções, intuições e opções da sociedade para que haja inovação e adaptação social. À medida que o sistema de valores culturais muda , surgem novos padorões de evolução cultural"

Fritjof Capra

Cabe, aqui, a pergunta: a atual economia, profundamente ligada ao mercado financeiro controlado por uma minoria de pessoas, cujos valores políticos se expressam bem em aberrações como Bush, como o Tea Party, como o FMI, possui um conjunto de valores compatível com a vida ou, ao contrário, a uma visão tecnicista que tenta justificar a exploração de muitos para o benefício de bem poucos?

Psicologia, Ética e Liberdade






Carlos Antonio Fragoso Guimarães


Desde que o sucesso da física de Isaac Newton em prever curvas balísticas, explicar as marés e o comportamentos visível dos planetas demonstrou uma aplicação de conceitos racionais quantiativos a fenômenos naturais e o declínio das explicações religiosas tornavam o homem menos dependendente de figuras da autoridade tradicionais, a academia buscou consolidar seu posicionamento frente às demais ciências mediante a adoção, mais ou menos estrita - dependendo dos teóricos - dos parâmetros das ciências exatas.  A Medicina e outras ciências da saúde buscaram adentrar seus estudos em um escopo profundamente mecanicista, especialmente no âmbito da anatomina e fisiologia.

A Psicologia foi levada ao reconhecimento científico e acadêmico a partir dos trabalhos de médicos e psicofísicos, como Wundt,  Fechner e Weber, que, partindo do modelo de cientificidade da física clássica como critério de validação, promovoeram as primeiras pesquisas laobratoriais em Psicologia. Estas pesquisas, contudo, não lograram a chamar a atenção dp grande público que viam nestas apenas trabalhos sem grande singificado para as pessoas. Só mais tarde algumas escolas, como a Gestalt desenvolvilda por Max Wertheimer, Wolfgang Köehler e Kurt Koffka ultrapassariam o modelo mecanicista, de substrato organicista, para desenvolver uma teoria puramente psicoloógica das percepções.

Posteriormente a revolução provocada por Sigmund Freud e seguidores causou uma verdadeira divisão de águas nas principais áreas de estudos humanos: surgia a Psicanálise como um modelo ao mesmo tempo mecanicista, e, por isso, atrelada ao paradigma da física clássica, e, igualmente, a-mecanicista por se basear em termos de uma nova estrutura explicativa do comportamento: o inconsciente. A partir daí, as teorias psicanalíticas da personalidade, principalmente em seus dois pilares mais básicos, Freud e Carl Gustav Jung, exatamente por se aterem, especialmente em Freud, aos princípios postivistas próprios das ciências biomédicas do século XIX, passaram a ditar, por sua enorme influência nos meios médicos, a visão de homem psíquico que imperou (e ainda impera em grande parte) em quase todo o século XX: o homem é um sistema energético (muito embora não se saiba muito bem definir como, em sua essência), cuja estrutura é semelhante a de um aparelho hidráulico ou térmico. A energia motivadora dos fenômenos psíquicos e a sua expressão, através do comportamento humano, se mantém em virtude de um contínuo intercâmbio com o meio externo. Este intercâmbio visa manter a estrutura funcionando, adaptando-a às necessidades do meio, a reprodução da espécie e, no caso mais em Jung, o prosseguimento do processo de maturação psicológica total (individuação).

Um dos principais problemas desta visão de mundo (no caso, mais em Freud que em Jung, que foi extremamente holístico em termos de coooperatividade entre self e ambiente), é a de que o homem assim entendido acaba por se encaixar numa visão já existente na biologia: a da sobrevivência dos mais aptos, na disputa pela vida; e de uma visão econômica própria do capitalismo: a da competitividade onde os fins, os ganhos individuais, justificam os meios. Tal quadro conceptual acaba por justificar e icentivar certos comportamentos em detrimentos de outros, certas tendências ao invés de outras. Estimula o hiper-desenvolvimento, por exemplo, de tendências auto-afirmativas competitivas mais que as tendências integrativas, fraternas. Causa, pois um desequilíbrio entre dos aspectos complementares do ser.

O ser, enquanto indivíduo, é o foco, atraindo mais atenção para o individual, e o seu destaque, mais que seu relacionamento, enquanto relacionamento em sí, em termos de coletividade, sociedade e meio-ambiente. Ainda que Jung tenha atingido insights da importância da rede ambiental-social na individuação da pessoa, sua estrutura teórica, em linhas gerais, continuava a ser a da psicologia do Indivíduo. Nesse caso, as duas principais correntes psicanalistas tinham muito a dever a Charles Darwin. Nesta herança, o darwinismo psíquico acabaria por aceitar, em parte, uma visão seletiva em que que algumas pessoas, a partir de qualidades estruturais internas, seriam mais ajustadas naturalmente que outras para a realização da adaptação ao meio e ao trabalho com o mesmo.

A partir daí, o estudo de casos patológicos, ou de comportamentos "anormais", tomou um vulto de enorme importância dentro da Psicanálise mais ortodoxa de Freud, a tal ponto que a teoria Psicanalítica clássica se fez, quase que em toda a sua totalidade, em cima do comportamento neurótico de pacientes da classe média mais abastada, tendo, mais tarde, sido ampliada para tentar enquadrar todo o funcionamento emocional humano, dentro do mapa teórico originalmente construído em cima do material trazido pelos pacientes (notar o termo médico) "não-saudáveis", inclusive em relação ao comportamento social, coletivo.
Ainda assim, com todo o sucesso que a Psicanálise clássica atraia devido a sua aceitação pelos meios médicos e seu enquadre biomecânico, outras pessoas não aceitavam o reducionismo de uma concepção estritamente biofísica de homem. A Gestalt, na alemanha, por exemplo, foi uma das escolas que questionavam este tendência. Da mesma forma, a Sociologia e a Antropologia se fortalaleciam como disciplinas independentes, da mesma forma que a Pedagogia passou a compreender o papel que desempenhava na formação de valores coletivos. Os sociólogos deram largas mostras de que o homem, enquanto conjunto de atitudes e comportamentos visíviveis, é produto de sua cultura, classe social e das instituições de seu meio; os antropólogos, por sua vez, foram até os chamados "primitivos" ou "selvagens", de regiões remotas do mundo, e demonstraram que o a aprendizagem humana é incrivelmente flexível, e o seu comportamento, maleável. Assim, tudo demonstrava que o homem também é produto das influências do meio em que vive, e não apenas uma caixa hidráulica cujos comportamentos são ditados unicamente a partir de choques energéticos e/ou de desvios de pulsões internas.

Gradualmente, estas ciências sociais foram se adentrando nos estudos de Psicologia, afastando muitos dos estudantes e teóricos do que eles consideravam uma formulação reducionista e projetiva intolerável, fruto de uma metáfora feita com um artefato humano, a máquina, que se enquadrava muito bem num desejo igualmente humano: previsão e controle do comportamento. Muitos dos mais importantes seguidores de Freud, entre eles o próprio Jung, não suportaram por muito tempo aquilo que parecia ser um defeito de percepção do pai da Psicanálise: os condicionamentos sociais da personalidade - portanto, muito mais que o do núcleo básico pai-mãe que formaria o complexo de Édipo. Entre os mais importantes teóricos que passaram a considerar uma adaptação da teoria psicanalítica à luz da Psicologia Social estão Alfred Adler, Karen Horney e Erich Fromm. Adler, segundo Fromm, foi o primeiro psicanalista a observar e enfatizar a natureza social na constituição dos seres humanos. Posteriormente, tanto Fromm quanto Horney utilizaram esta idéia como fundamento contra a tendência extremamente "instintivista" da psicanálise freudiana ortodoxa, o que vem sendo feito ainda hoje, aliás, principalmente hoje, no que, segundo alguns, se chama "a desconstrução da Psicanálise" enquanto teoria calcada quase exclusivamente em termos da sexualidade, sendo, atualmente, resgatado o conceito, percebido por Freud, mas não desenvolvido suficientemente por ele, de desamparo.

Erich Fromm

Nascido em 1900, em Frankfurt, Alemanha, Erich Fromm estudou Psicologia e Sociolgoia em Heidelberg, Frankfurt e Munich. Dotorou-se em Filosofia em Munich e recebeu sólida formação psicanalítica no Instituto Psicanalítico de Berlim. A partir de 1933, ano da ascenção de Hitler ao poder, passa a exercer o cargo de professor nos EUA, em Chicago, e, posteriormente, a exercer a clínica em Nova York. Foi professor em várias universidades, inclusive no México. E seus livros passaram a se ater em questões humanistas que atraíram a atenção de profissionais de vários campos, como Sociologia, Filosofia e Teologia. De certa forma, muitas de suas idéias foram contemporâneas das de várias abordagens humanistas, especialmente, em Psicologia, das formuladas por Carl Rogers.

Fromm sempre se mostou profudamente impressionado pelo que ele via como uma poda da liberdade humana, pelo modo como as pessoas se submetiam, inconscientemente, a desempenhar papeis mecânicos dentro da sociedade exclusivista estruturada na ideologia da capitalismo. Ele sempre se mostou particularmente impressionado pela obra de Karl Marx, particularmente, assim como ocorreu com Karl Popper, com seus primeiros trabalhos, como Os Manuscritos Econômicos e Filosóficos, de 1844. Fromm, então, magistralmetne faz uma comparação entre Freud e Marx, estudando suas idéias, e propondo uma síntese entre ambas. Em sua ótica, Fromm chega mesmo a considerar Marx mais profundo que Freud, e, portanto, usa a psicanálise como um complemento das lacunas deixadas pelo pensamento de Marx. Ao mesmo tempo, Fromm aponta algumas das limitações de Marx, e tentar propor um humanismo espiritual, um humanismo social e, como ponte, um humanismo dialético, todos altamente congruentes e adjacentes entre si, como forma de desenvolver as potencialidades humanas naquilo Maslow chamaria mais tarde de Metavalores.

O tema central da obra de Fromm é profundamente humanista, ou eco-ético-humanista: o homem se sente desamparado e só (tese que os atuais psicanalistas de ponta acreditam ser a alternativa mais propícia à ênfase na sexualidade) porque se separou ou deixou de desenvolver suas qualidades, potencialidades ou natureza mais propriamente humanas e deixou, por isso mesmo, de ter contato com as mesmas potencialidades e natureza das demais pessoas. Esta situação de alienação social, mesmo que maquiada - e principalmente enquanto tal - é uma característica trágica e que se encontra apenas entre os seres humanos, especialmente quando as condições materiais criam uma hierarquia de dominação.

Em um de seus livros mais famosos, Medo da Liberdade, Fromm propõe a tese de que o homem, paralelamente à liberdade material que tem conquistado através da história, tem se isolado cada vez mais de seus semelhantes, na busca por espaço e sucesso material. E, em paradoxo, a mesma liberdade material torna-se uma condição que assusta, e do qual tende a escapar, maquiando-a em situações de posse e de poder, ou de submissão passiva às autoridades e/ou de conformação à sociedade, o que lhe daria a ilusão de "TER" algo, ou de "PERTENCER" a algo que lhe permita sentir-se menos só. Como opção mais saudável, haveria o reconhecimento da riqueza do "outro" e da importância da cooperação e da solidariedade, num espírito de fraternidade onde o bem-estar social deveria ter a primazia, garantindo o bem-estar individual. Neste caso, a criatividade e as potencialidades humanas seriam usadas para sedimentar a liberdade co-responsável dentro de uma sociedade equilibrada; no primeiro caso, o homem construiria um novo tipo de servidão, aliás, bem conforme aos ideias do neoliberalismo e da globalização, extremamente selvagem em sua ganância e anulação do homem, enquanto indivíduo criativo.

Como base disto, Fromm aponta para o fato de que somos, ao mesmo tempo, animais e humanos, com necessidades fisiológicas importantes e imprescindíveis que precisam ser satisfeitas, assim como temos consciência, razão e compaixão, quer precisam ser exercitadas. Assim, no reconhecimento do humano dentro e ao lado das necessidades básicas, levaria a sociedade madura a perceber que a solução de seus conflitos está no reconhecimento de que nossas necessidades todas, inclusive as humanas, exige a participação de todas as demais pessoas. Além disso, existe também a necessidade de transcendência, como seria depois confirmado por Abraham Maslow, Carl Rogers e pela Psicologia Transpessoal, e que já foi utilizada por Jung, que se refere à necessidade humana de superar sua natureza animal, de tornar-se uma pessoa criativa e criadora. Se seus impulsos transcendentes forem bloqueados, o homem se torna neurótico, e sua criatividade acaba canalizada para a destruição. Estes mesmos conceitos básicos encontrei na linguagem incisiva e lúcida de Paulo Freire. Através de estradas aparentemente diversas, a Pedagogia e a Psicologia, Fromm, Freire e Rogers atingem, todos, o mesmo ponto focal: a causa da miséria ética e moral do homem pós-moderno está em sua renúncia, semi-inconsciente, aos seus próprios potenciais de desenvolvimento e integração sinérgica fraterna. Esta renúncia se expressa à perfeição ao nível de egoísmo homicida e de extrema ganância individual contra o delicado equilíbrio biossocial que o envolve, e que, hoje, pode ser enquadrada perfeitamente na ideologia neoliberal, ideologia que mostra a sua crueza por não possuir, para a refrear, o contrapeso de valores, idéias e ideais que lhe façam frente. O Socialismo, enquanto desempenho de tal freio, parece ter sido definitivamente vencido pelo capitalismo, pelo menos enquanto ideologia. E com eles, parecem terem-se ido também a crença no humano. Esta aceitação de tal idéia condiciona toda uma forma atual de ver o mundo. Só aproveitando a saudade do paraíso perdido, enquanto humanismo, podermos resgatar a ética e, com ela, os conceitos aparentemente vencidos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Resgatar o sonho e a utopia de que o mundo não é, como algo definitivo, mas torna-se aquilo que esperamos que ele seja, sempre e sempre...





João Pessoa, Paraíba, 07 de setembro de 1998.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Condicionamentos

Nos disseram um dia
Que para ser alguém
É necessário lutar
Competir por um lugar

Agora corremos,
Quase nunca porque queremos
O tempo parece ser cada vez menos
E tão inteligentes que somos
passamos pela vida, não vivemos

Meu vizinho é um estranho
Na estranheza de ser outro
Agora distante, não é mais gente
É um perigo que desejamos ausente

Só aprendemos a cuidar
De tudo o que não é mais nosso
Do ofício do escritório
Á máscara anônima do frio olhar

Corremos para trabalhar
O pouco que ganhamos, como esmola
Pensam os que nos compram a força de agir,
Nos serve para nos restaurar o suficiente - e olhe lá!
Para no outro dia
Mais uma vez labutar.

A natureza não é mais viva
Não é mais querida
Passou a ser mera coisa
Mera mercadoria

E nós somos os civilizados
Pensamos ser sábios e educados
Há real saber onde o que se faz importante
é tão somente aparentar desconhecendo nosso próprio ser?

Ser, crescer, ora, hoje, que significado terá?
Cedo se aprende a arte de fingir, mimetizar
Ganha mais a quem pode
Simular ser o robô que esperam que sejamos

Não importa mais se conhecer
Evoluir, se cultivar, para quê?
Não há mais sentido em se conviver
Amizade é algo que não se pode mais ter

Nada somos a não ser
acidentes fortuitos
em um desencatado, científico
competitivo mundo por nós mesmos tornado sem sentido

Não se perca tempo
Pensando viver em uma democracia
Vivemos sim, no clima de uma grande civilidade
onde só para consumir e produzir se faz a liberdade

E tão ciosos somos de sermos civilizados
Que bebemos, nos entorpecemos, fugimos de nós mesmos
Por que de todos os desconhecidos que nos possam cercar
Mais desconhecidos que somos de nós mesmos não podermos ficar.

Carlos Antonio Fragoso Guimarães, 14/09/2011

Quem me dera ao menos uma vez...


"Quem me dera ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem
Conseguiu me convencer que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha.
(...)
"Quem me dera ao menos uma vez
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
Fala demais por não ter nada a dizer.
"Quem me dera ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante
Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente.
(...)


Trechos da canção "Índios" de Renato Russo/Legião Urbana, 1984

O real retrato do "bispo" Edir Macedo & Cia. Ltda

Obs. Traços semelhantes são apresentados por demais televangelistas em seus impérios midiático-comerciais

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Beethoven e o testamento de Heilligenstadt


  Aos 24 anos, em 1794, Ludwig van Beethoven (1770-1827) sentiu os primeiros sinais da surdez que lhe iria acompanhar, de modo crescente, pelo resto de sua vida. Músico de talento, virtuose do piano, compositor promissor, tal descoberta o fez isolar-se cade vez mais das pessoas.

  Em 1802, seguindo ordens médicas, ele parte para passar o verão no então pequeno povoado de Heilligenstadt, próximo a Viena (e hoje um bairro da capital austríaca). Era no campo que ele se sentia em paz e onde lhe vinham as idéias musicais que, anotadas, eram posteriormente trabalhadas em Viena, e eram transformadas em sonatas, concertos, sinfonias de profundidade ímpar. Mas neste verão de 1802 a surdez havia progredido e o músico de 31 anos entrou em profunda depressão. Foi neste estado de alma que ele escreveu uma carta a seus dois irmãos, Karl e Johann, mas nunca enviada, e que foi descoberta depois da morte do compositor.

  Transcrevo a seguir o Testamento de Heilligenstadt. Nela podemos ver a dor e a grandeza da alma de Beethoven. A mesma profundidade nobre e heróica de suas composições se deixa notar nestas linhas escritas em desesperto... Se lembrarmos que muitas de suas obras primas, como a quinta, sexta, sétima e nona sinfonias, bem como suas sontas Appassionata, Waldestein e Lesa Adieux, e as opus 109,110 e 111 foram compostas após o agravamente de seu estado clínico, perceberemos o quão forte era o espírito de Beethoven.

  Boa leitura e reflexões,

  Carlos Antonio F. Guimarães



Testamento de Heilligenstadt







Oh homens, que me tendes em conta de rancoroso, insociável e misantrôpo, como sois injustos comigo! Não conheceis as secretas razões que me forçam a parecer deste modo.
Meu coração e meu ânimo sentiam-se desde a infância inclinados para o terno sentimento de carinho e sempre estive disposto a realizar generosas ações; porém considerai que, de seis anos para aqui, vivo sujeito a triste enfermidade, agravada pela ignorância dos médicos. Iludido constantemente, na esperança de uma melhora, fui forçado a enfrentar a realidade da rebeldia desse mal, cuja cura, se não for de todo impossível, durará anos talvez!
Nascido com um temperamento vivo e ardente, sensível mesmo às diversões da sociedade, vi-me obrigado a isolar-me em uma vida solitária. Por vezes, quis colocar-me acima de tudo, mas fui então duramente repelido, ao renovar a triste experiência da minha surdez!
Como confessar esse defeito de um sentido que devia ser, em mim, mais perfeito que nos outros, de um sentido que, em tempos atrás, foi tão perfeito como poucos homens dedicados à mesma arte que eu possuíam! Mas não me era contudo possível dizer aos homens: "-Falai mais alto, gritai, pois eu estou surdo!".
Perdoai-me se me vêdes afastar-me de vós! Minha desgraça é duplamente penosa, pois além do mais faz com que eu seja mal julgado. Para mim, já não há encanto na reunião dos homens, nem nas palestras elevadas, nem nos desabafos íntimos. Só a mais estrita necessidade me arrasta à sociedade. Devo viver como um exilado. Se me acerco de um grupo, sinto-me preso de uma pungente angústia, pelo receio que descubram meu triste estado. E assim vivi este meio ano em que passei no campo. Mas que grande humilhação quando ao meu lado alguém percebia o som longínquo de uma flauta e eu nada ouvia! Ou escutava o canto de um pastor e eu nada escutava! Esses incidentes levaram-me quase ao desespero e pouco faltou para que, por minhas próprias mãos, eu pusesse fim à minha existência. Só a arte me amparou! Pareceu-me impossível deixar o mundo antes de haver produzido tudo o que eu sentia me haver sido confiado, e assim prolonguei esta vida infeliz. Paciência é só o que aspiro até que as parcas inclementes cortem o fio de minha triste vida.
Melhorarei, talvez, e talvez não! Mas terei coragem. Na minha idade, já obrigado a filosofar, não é fácil, e mais penoso ainda se torna para o artista. Meu Deus, sobre mim deita teu olhar! Ó homens! Se vos cair isto um dia debaixo dos olhos, vereis que me julgaste mal! O infeliz se consola quando encontra uma desgraça igual à sua. Tudo fiz para merecer um lugar entre os artistas e entre os homens de bem. Peço-vos, meus irmãos (Karl e Johann) assim que eu fechar os olhos, se o professor Schimith ainda for vivo, fazer-lhe em meu nome o pedido de descrever minha moléstia e juntai a isto que aqui escrevo para que o mundo, depois de minha morte, se reconcilie comigo. Declaro-vos ambos hedeiros de minha pequena fortuna. Reparti-a honestamente e ajudai-vos um ao outro. O que contra mim fizestes, há muito, bem sabeis, já vos perdoei. A ti, Karl, agradeço as provas que me deeste ultimamente. Meu desejo é que seja a tua vida menos dura que a minha.
Recomendai a vossos filhos a virtude. Só ela poderá dar a felicidade, não o dinheito, digo-vos por experiência própria. Só a virtude me levantou de minha miséria. Só a ela e à minha arte devo não tere terminado em suicídio os meus pobres dias.
Adeus e conservai-me vossa amizade. Minha gratidão a todos os meus amigos. Sentir-me-ei feliz debaixo da terra se ainda vos puder valer.
Recebo com felicidade a morte. Se era vier antes que realize tudo o que me concede minha capacidade artística, apesar do meu destino, virá cedo demais e eu a desejaria mais tarde. Entretanto, sentir-me-ei contente pois ela me libertará de um tormento sem fim. Venha quando quiser, e eu corajosamente a enfrentarei.
Adeus e não vos esqueçais inteiramente de mim na eternidade. Bem o mereço de vós, pois muitas vezes, em vida, preocupei-me convosco, procurando dar-vos a felicidade. 
Sêde felizes!
Heilligenstadt, 6 de outubro de 1802.
Ludwig Van Beethoven











terça-feira, 6 de setembro de 2011

O Chefe do Executivo e os grandes exmpresários & Cia. Ltda

Devido a grande decepção que agrassa a muitos de minha terra...

Devido à hipocrisia da política cada vez mais vilipendiada nas mãos de uns poucos que pretendem fazer do serviço público meio de enriquecimento ilícito...

Devido ao sucateamento da saúde pública, transformada em moeda de troca...

Devido às benesses imobiliárias à mega-empresários ambientalmente criminosos que definem o que querem, e onde querem...

Devido à tentativa de se formar uma ditadura com membros manipulados e teleguiados, incluindo-se prefeitos...

Devido, enfim, a dor de milhares que são ludibriados em prol de uma piora da maioria para o benefício de uma minoria, transcrevo aqui um texto do professor Durval Glozio, da UPFB, sobre a transformação de uma promessa de luta para o bem social em um burguês ditatoria a comandar os destinos de um estado do Brasil....
Chefe de Executivo e grandes empresários Cia. Ltda. 05/09/2011

Blog Ponto Crítico Pb

O político “X” agora ocupa o posto mais alto da escala eleitoral de um dos vários estados da federação. Havia feito dos vários mandatos parlamentares (vereador e deputado) uma trincheira no combate a privatização dos serviços públicos do Estado e na crítica aos setores empresariais que se locupletavam das benesses patrocinadas por políticos mais interessados em engordar os profundos bolsos do que melhorar a qualidade de vida da população.

Os setores empresariais que mais criticava concentravam-se nos transportes públicos, na construção civil e em algum raro empresário do comércio instalado na Capital. Num dos bairros próximos a orla marítima chegou a solicitar, na Justiça, a demolição de um edifício que, de acordo com seu entendimento, estava fora dos padrões ou do gabarito que limitava a altura das edificações em um determinado número de andares. Quando ocupou uma das cadeiras da Câmara dos Vereadores e, mais tarde, da Assembléia Legislativa enxergava nas construtoras verdadeiras máquinas de moer o meio ambiente.

Ainda como parlamentar “X” criticava com voracidade os empresários dos transportes coletivos. Para o político esse era um dos setores mais atrasados do atrasado Estado que vivia e que almejava governar para mudar. Dizia existir uma relação promiscua entre poder público e os donos das empresas de ônibus. Fazia discursos quase semanais pregando a revisão das concessões e uma relação que beneficiasse mais a população e inibisse os constantes reajustes de tarifa.

Com o empresário do setor do comércio desenvolveu ódio visceral. Não só porque havia construído seu “império” sobre um manguezal, mas, sobretudo, por acreditar que este mesmo empresário comprava a tudo e a todos, que fazia e acontecia. O parlamentar via neste empresário um corruptor que mandava na cidade, incluindo-se os demais parlamentares da Câmara Municipal e da Assembléia Legislativa e o Chefe do Executivo. Ele dizia que, se um dia tivesse a oportunidade de governar a Capital ou o Estado, tudo mudaria e esse empresário, em particular, enfrentaria a publicização dos espaços urbanos e que o tráfego elaborado para beneficiar suas lojas seria revisto.

Casado, o parlamentar foi eleito prefeito da Capital. Mas, depois de uma crise conjugal voltou a descasar. Sua ex esposa fincou pé e não arredou do apartamento do político “X”, em ascensão. Ele havia mudado de um bairro classe média para o mais valorizado da cidade, acompanhando o padrão de vida que um Chefe de Executivo exige. Como brigão esboçou uma reação para retirar a ex do seu apartamento, mas julgou que a empreitada poderia deixar fissuras profundas na sua imagem de bom moço, já que ela poderia botar a boca no trombone.

É nessa ocasião que o empresário que odiava lhe solicita uma audiência para tratar de uma pendência relativa ao embargo de parte um edifício de sua propriedade, situado também no bairro mais caro da Capital. Quatro apartamentos nos andares mais altos estavam sem uso por infringir o Código de Postura e deveriam ser demolidos. O empresário fez as contas e percebeu que poderia doar um dos apartamentos em troca da liberação dos demais. Feita a proposta, o Chefe do Executivo da Capital pediu tempo para “consultar a legislação” e decidir sobre o tema.

Não tardou para decidir sobre o assunto. Sua reflexão levou em consideração alguns ganhos. O primeiro deles era o de não efetivar a demolição de todo um andar do edifício e obter ganhos que agradassem o maior número de pessoas envolvidas: ele mesmo (evidente), a ex esposa e o empresário. Acatou a proposta de não solicitar a derrubada da edificação que se encontrava fora da legalidade, agradou a ex esposa com um apartamento no mesmo nível e no mesmo bairro do seu e, estabeleceu laços de amizade com o empresário mais prospero da Capital.

Passou a perceber que aquele empresário que acreditava ser uma ameaça ao estado de direito e, sobretudo, ao meio ambiente, era um empregador de milhares de cidadãos, um excelente contribuinte de impostos e, de quebra, das futuras campanhas eleitorais. A amizade prosperou ao ponto de estabelecerem sociedade em empreendimentos imobiliários e comerciais. Agora, juntos, avançam na geração de empregos para os eleitores de um dos bairros mais populosos do Estado.