Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Este, certamente, não é um filme comum, ou, ao menos, passa bem longe de ser um dos padronizados filmes comerciais feitos em série por Hollywood, ainda que contenha a presença de Brad Pitt (aliás, muito bem nesta película) e do sempre politicamente esclarecido Sean Penn (que aparece pouco, mas traz sua carga de expressão existencial para o filme), com a direção segura e sensível de Terrence Malick (de
"Cinzas do Paraíso", de 1978 e
"Além da Linha Vermelha", de 1998).
Este é um daqueles filmes que polarizam opiniões, fazendo com que uma singela minoria de pessoas saiam do cinema refletido sobre Deus, a vida e o Universo enquanto a imensa maioria, acostumada a uma dieta cinematográfica de histórias superficiais, mas regadas ao velho molho feito de explosões, violência, sexo e/ou sangue, sair provavelmente revoltada com a
"perda de dinheiro" dado a um filme, para elas, sem sentido, enfadonho, envolvendo imagens do espaço com dinossauros e uma história de uma família de classe média que se questiona sobre se a vida tem alguma razão de ser.... Contudo, o filme
"A Árvore da Vida" pode ser acusado de tudo, menos de não ter conteúdo, aliás, muito profundo. Não bastasse suas reflexões existenciais e espirituais, o filme conta com um competente desempenho dos atores - que além de Pitt e Penn, conta com o rosto expressivo da atriz Jessica Chastain que muitas vezes rouba boa em boa parte das cenas dramáticas.
A Árvore da Vida conta igualmente com uma fotografia de encher os olhos além de juntar, ao mesmo tempo, filosofia, o
Big Bang, a evolução dos seres vivos e o surgimento do homem que se pegunta sobre o sentido do existir e se existe um Deus que parece dar um sentido a tudo isso...
A resposta do filme, e a maneira como é colocada, contudo, não é dada de modo discursivo, linear, fácil. O enredo se atrela ao drama de uma família que perde um dos filhos e do questionamento desta tragédia (que é a tragédia, enfim, de todos nós). A vida faz sentido? Por que existe a dor? O filme passa todo o tempo afirmando, embora não de modo direto, que sim, a existência tem uma razão de ser, contudo, como diria o filósofo existencialista dinamarquês Soren Kierkegaard, o sentido e a lógica da existência supera e muito a lógica restrita e tantas vezes egocentrada do homem, egocentrismo também criado e disseminado por nada mais nada menos também que a própria... religião! - e falo da religião instituicionalizada, aquela menos aprofundada, tradicional, mais voltada ao comércio e ao controle de atitudes superficiais de afiliação exclusivista a uma certa interpretação de Deus que ao estímulo á reflexão, à autonomia e maturidade espiritual e à vivência profunda de uma realidade transcendente.... Religião que tantas vezes é feita por homens que, exatamente por não viverem o transcendente, reduzem este a fórmulas e dogmas ou "
verdades prontas" atreladas à literalidade de textos tantas vezes pouco refletidos ou contextualizados, antropomorfizando a Causa primeira de tudo o que há esperando poder exercer alguma influência sobre Esta, especialmente nas religiões/seitas mais populares, superficiais e exclusivistas, como as atuais igrejas neopentecostais parecem ser um exemplço perfeito - aliás, certamente estes farão parte dos que odiarão o filme em questão.
Este é o tipo de filme que é bom, mas que não se deve aconselhar a todos. A força da mensagem não está nos diálogos ou em ações e aventuras, mas no impacto das imagens, na expressão da dor dos pais que perdem um filho, na imponência das nebulosas, das estrelas, das diversas imagens da natureza, o que dará a impressão de que o filme, para muitos, é arrastado, sem rítmo. Mas possui ele também toda uma estrutura simbólica que não escapará ao espectador com o mínimo de sensibilidade. Mas a força e originalidade de
A Árvore da Vida está exatamente na mensagem transmitida não pelo discurso linear, racional e aristotélico, mas pela série de imagens que falam por si em toda uma estrutura simbólica que não escapará ao espectador com o mínimo de sensibilidade. Por exemplo, a frieza do concreto e do aço que acompanham Sean Penn (um arquiteto que, ao olhar para trás, compara a beleza da simplicidade e da dor da vida em família com a competitividade das corporações e se pergunta qual o sentido da vida em um mundo moderno, frio, mecanicista, racionalmente burocratizado) representando a vida racionalizada do frio e competitivo mundo dos engócios típico da civlização capitalista fica ainda mais realçada com as cenas do mar, das flores, da mensagem de que somos também Natureza e que é olhando para a vida, a natureza, mesmo no seu aspecto aparentemente cruel, que podemos encontrar também a beleza e o encanto de se estar vivo. Apenas as pessoas que, bem ou mal, conseguem se elevar um pouco acima das mesquinharias da selva de pedra do atual capitalismo falso-democrático e que possuem suficiente sensibilidade para se deixar levar por imagens que trazem em si uma mensagem poderão sentir e compreender esta obra prima do diretor Terrence Malick, com a deslumbrante fotografia de Emmanuel Lubezki e a montagem de um brasileiro, Daneil Rezende (de
Cidade de Deus e
Tropa de Elite 2).
. A cena final, onde todos se encontram depois de terem passado pela vida física, é de uma poesia sutil que poucos saberão apreciar.
Só uma observação: o filme tem uma trilha sonora baseada na obra de grandes clássicos da música ocidental, incluindo Bach, Couperin, Mozart, Smetana e Brahms. Mas tenha cuidado se comentar isso com seu amigo ou discutir a mensagem do filme com seu acompanhante no cinema, ou mesmo solfejar baixinho as notas da bela música que toca. Pode haver um imbecil na sua frente, fingindo-se de inteligente, que mande você calar a boca.
João Pessoa, 18/09/2011