domingo, 28 de janeiro de 2018

Mensagem do jurista e sociólogo Boaventura Souza Santos aos democratas brasileiros


   "Para alguém, como eu e tantos outros que nas últimas décadas se dedicaram a estudar o sistema judicial brasileiro e a promover uma cultura de independência democrática e de responsabilidade social entre os magistrados e os jovens estudantes de direito, este é um momento de grande frustração. Para alguém, como eu e tantos outros que estiveram atentos aos objectivos das forças reacionárias brasileiras e do imperialismo norte-americano no sentido de voltarem a controlar os destinos do país, como sempre fizeram mas pensaram que desta vez as forças populares e democratas tinham prevalecido sobre eles, este é um momento de algum desalento. As emoções fortes são preciosas se forem parte da razão quente que nos impele a continuar, se a indignação, longe de nos fazer desistir, reforçar o inconformismo e municiar a resistência, se a raiva ante sonhos injustamente destroçados não liquidar a vontade de sonhar." - Boaventura Souza Santos, Jurista e sociólogo português



do Público (republicado pelo GGN)
por Boaventura Sousa Santos
A democracia brasileira está em perigo, e só as forças políticas de esquerda e de centro-esquerda a podem salvar.
Dirijo-me aos democratas brasileiros porque só eles podem estar interessados no teor desta mensagem. Vivemos um tempo de emoções fortes. Para alguém, como eu e tantos outros que nestes anos acompanhamos as lutas e iniciativas de todos os brasileiros no sentido de consolidar e aprofundar a democracia brasileira e contribuir para uma sociedade mais justa e menos racista e menos preconceituosa, este não é um momento de júbilo. Para alguém, como eu e tantos outros que nas últimas décadas se dedicaram a estudar o sistema judicial brasileiro e a promover uma cultura de independência democrática e de responsabilidade social entre os magistrados e os jovens estudantes de direito, este é um momento de grande frustração. Para alguém, como eu e tantos outros que estiveram atentos aos objectivos das forças reacionárias brasileiras e do imperialismo norte-americano no sentido de voltarem a controlar os destinos do país, como sempre fizeram mas pensaram que desta vez as forças populares e democratas tinham prevalecido sobre eles, este é um momento de algum desalento. As emoções fortes são preciosas se forem parte da razão quente que nos impele a continuar, se a indignação, longe de nos fazer desistir, reforçar o inconformismo e municiar a resistência, se a raiva ante sonhos injustamente destroçados não liquidar a vontade de sonhar. É com estes pressupostos que me dirijo a vós. Uma palavra de análise e outra de princípios da ação. 
Porque estamos aqui? Este não é o lugar nem o momento para analisar os últimos 15 anos da história do Brasil. Concentro-me nos últimos tempos. A grande maioria dos brasileiros saudou o surgimento da operação Lava-Jato como um instrumento que contribuiria para fortalecer a democracia brasileira pela via da luta contra a corrupção. No entanto, em face das chocantes irregularidades processuais e da grosseira seletividade das investigações, cedo nos demos conta de que não se tratava disso mas antes de liquidar, pela via judicial, não só as conquistas sociais da última década como também as forças políticas que as tornaram possíveis. Acontece que as classes dominantes perdem frequentemente em lucidez o que ganham em arrogância. A destituição de Dilma Rousseff, a Presidente que foi talvez o Presidente mais honesto da história do Brasil, foi o sinal que a arrogância era o outro lado da quase desesperada impaciência em liquidar o passado recente. Foi tudo tão grotescamente óbvio que os brasileiros conseguiram afastar momentaneamente a cortina de fumo do monopólio mediático. O sinal mais visível da sua reação foi o modo como se entusiasmaram com a campanha pelo direito do ex-Presidente Lula da Silva a ser candidato às eleições de 2018, um entusiasmo que contagiou mesmo aqueles que não votariam nele, caso ele fosse candidato. Tratou-se pois de um exercício de democracia de alta intensidade.
Temos, no entanto, de convir que, da perspectiva das forças conservadoras e do imperialismo norte-americano, a vitória deste movimento popular era algo inaceitável. Dada a popularidade de Lula da Silva, era bem possível que ganhasse as eleições, caso fosse candidato. Isso significaria que o processo de contra-reforma que tinha sido iniciado com a destituição de Dilma Rousseff e a condução política da Lava-Jato tinha sido em vão. Todo o investimento político, financeiro e mediático teria sido desperdiçado, todos os ganhos econômicos já obtidos postos em perigo ou perdidos. Do ponto de vista destas forças, Lula da Silva não poderia voltar ao poder. Se o Judiciário não tivesse cumprido a sua função, talvez Lula da Silva viesse a ser vítima de um acidente de aviação, ou algo semelhante. Mas o investimento imperial no Judiciário (muito maior do que se pode imaginar) permitiu que não se chegasse a tais extremos.
Que fazer? A democracia brasileira está em perigo, e só as forças políticas de esquerda e de centro-esquerda a podem salvar. Para muitos, talvez seja triste constatar que neste momento não é possível confiar nas forças de direita para colaborar na defesa da democracia. Mas esta é a verdade. Não excluo que haja grupos de direita que apenas se revejam nos modos democráticos de lutar pelo poder. Apesar disso, não estão dispostos a colaborar genuinamente com as forças de esquerda. Porquê? Porque se vêem como parte de uma elite que sempre governou o país e que ainda não se curou da ferida caótica que os governos lulistas lhe infligiram, uma ferida profunda que advêm do fato de um grupo social estranho à elite ter ousado governar o país, e ainda por cima ter cometido o grave erro (e foi realmente grave) de querer governar como se fosse elite.
Neste momento, a sobrevivência da democracia brasileira está nas mãos da esquerda e do centro-esquerda. Só podem ter êxito nesta exigente tarefa se se unirem. São diversas as forças de esquerda e a diversidade deve ser saudada. Acresce que uma delas, o PT, sofre do desgaste da governação, um desgaste que foi omitido durante a campanha pelo direito de Lula a ser candidato. Mas à medida que entrarmos no período pós-Lula (por mais que custe a muitos), o desgaste cobrará o seu preço e a melhor forma de o estabelecer democraticamente é através de um regresso às bases e de uma discussão interna que leve a mudanças de fundo. Continuar a evitar essa discussão sob o pretexto do apoio unitário a um outro candidato é um convite ao desastre. O patrimônio simbólico e histórico de Lula saiu intacto das mãos dos justiceiros de Curitiba & Co. É um património a preservar para o futuro. Seria um erro desperdiçá-lo, instrumentalizando-o para indicar novos candidatos. Uma coisa é o candidato Lula, outra, muito diferente, são os candidatos de Lula. Lula equivocou-se muitas vezes, e as nomeações para o Supremo Tribunal Federal aí estão a mostrá-lo.
A unidade das forças de esquerda deve ser pragmática, mas feita com princípios e compromissos detalhados. Pragmática, porque o que está em causa é algo básico: a sobrevivência da democracia. Mas com princípios e compromissos, pois o tempo dos cheques em branco causou muito mal ao país em todos estes anos. Sei que, para algumas forças, a política de classe deve ser privilegiada, enquanto para outras, as políticas de inclusão devem ser mais amplas e diversas. A verdade é que a sociedade brasileira é uma sociedade capitalista, racista e sexista. E é extremamente desigual e violenta. Entre 2012 e 2016 foram assassinadas mais pessoas no Brasil do que na Síria (279.000/256.000), apesar de este último país estar em guerra e o Brasil estar em “paz”. A esquerda que pensar que só existe política de classe está equivocada, a que pensar que não há política de classe está desarmada.

A farsa judicial decretou a ditadura no Brasil, pelo Professor Jeferson Miola


  "Quando o judiciário perde imparcialidade e isenção e se transforma num órgão político de perseguição a inimigos ideológicos, acaba a democracia e prevalece o desmando institucional e o obscurantismo."



O dia 24 de janeiro de 2018 tem o mesmo significado e o mesmo efeito que o 13 de dezembro de 1968. A farsa judicial do tribunal de exceção da Lava Jato feriu gravemente o Estado de Direito.
Quando o judiciário perde imparcialidade e isenção e se transforma num órgão político de perseguição a inimigos ideológicos, acaba a democracia e prevalece o desmando institucional e o obscurantismo.
O justiçamento do Lula evidencia que o regime de exceção evoluiu para uma verdadeira ditadura jurídico-midiático-policial. A truculência dos 3 justiceiros na condenação sem provas assombrou o mundo.
As posturas odiosas daqueles verdugos que atuaram como promotores de acusação e não como julgadores justos e imparciais, são equiparáveis às práticas inquisitoriais da justiça militar na ditadura anterior.
Em dezembro de 1968, o regime civil-militar apoiado pela Rede Globo decretou o Ato Institucional 5 para aprofundar o golpe de 1964 e implantar o terror ditatorial que foi finalmente encerrado pela resistência democrática em 1985.
Os golpistas de hoje, togados e uniformizados de preto, não trajam farda verde-oliva e tampouco empunham baionetas; mas nem por isso são menos violentos e menos nefastos à democracia e ao Estado de Direito que aqueles que usurparam o poder em 1964.
Já não existe ordem legal no país; a Constituição foi detonada. É mentira que tudo transcorre dentro da normalidade institucional, como afirmam os golpistas. Estamos sob a vigência de um regime de livre arbítrio da mídia hegemônica liderada pela Rede Globo e juízes, procuradores e policiais federais tucano-emedebistas.
O aprofundamento ditatorial do regime é a resposta dos golpistas à ameaça da eleição do Lula, fato que interromperia este projeto de poder anti-democrático, anti-nacional e anti-popular que devasta o Brasil desde o impeachment fraudulento da Presidente Dilma.
A comunidade jurídica internacional testemunha, estarrecida, a destruição do Estado de Direito – a perseguição midiática, jurídica e policial ao Lula com o cínico pretexto do combate à corrupção deixou esta verdade exposta.
O advogado australiano Geoffrey Robertson compareceu no TRF4. Ele representa Lula na ONU, e será condecorado pela rainha Elisabeth por sua notoriedade jurídica. Robertson resume a reação do mundo diante da farsa operada no tribunal de exceção da Lava Jato:
 "Foi uma triste experiência ver que normas internacionais sobre o direito a um julgamento justo não parecem ser seguidas no sistema brasileiro.
Uma Corte de Apelação é uma situação em que três juízes escutam os argumentos sobre a decisão de um primeiro juiz, que pode estar certo ou não. Os juízes hoje falaram cinco horas lendo um script. Eles tinham a decisão escrita antes de ouvir qualquer argumento. Nunca escutaram, então isso não é uma sessão justa, não é uma consideração apropriada do caso.
Tem um juiz que investiga o caso, define grampos e ações de investigação, para depois também julgar a pessoa no tribunal. Isso é considerado inacreditável na Europa; impossível, pois isso tira o direito mais importante de quem está se defendendo: ter um juiz imparcial no seu caso.
Moro demonizou Lula, contribuiu para filmes e livros que difamaram o ex-presidente e encorajou o público a apoiar sua decisão. Moro jamais poderia se comportar assim na Europa.  Depois, divulgou para a imprensa áudios capturados de forma irregular, de conversas entre Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff. Pediu desculpas, mas imediatamente deveria ter sido retirado do caso.
Tenho experiência com casos de corrupção e, aqui nesta sessão, não vi evidências de corrupção. Foi uma experiência triste sobre o sistema judiciário brasileiro".
A ditadura está instalada no Brasil. A caçada midiática, judicial e policial hoje voltada contra Lula, em breve será uma caçada disseminada contra qualquer crítico da ditadura; contra qualquer ativista social, contra qualquer cidadão comum na luta por direitos e liberdade.
Ditaduras não costumam economizar o uso de dispositivos autoritários para dizimar quem ameace sua existência.
O terror midiático-jurídico é tão ou mais perverso que o terror militar. Quando princípios fundamentais – como devido processo legal, presunção da inocência e ônus da prova – são pervertidos, o cidadão fica totalmente desprotegido, sujeitado ao arbítrio e à pior das tiranias.
A farsa judicial montada para aniquilar Lula decretou a ditadura no Brasil.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

The New York Times discute a ditadura da toga em voga no Brasil e sua estratégia para enterrar Lula, por Hernán Bruera O Jornal de todos Brasis NYT: Uma estratégia para enterrar Lula, por Hernán Bruera, Doutor em Desenvolvimento pela Universidade de Sussex (Reino Unido)



  "Parece que, no poder judiciário brasileiro, vale tudo em um julgamento anticorrupção: de romper as regras de um processo criminal, inventar figuras legais inexistentes ou manipular mecanismos de prisão preventiva" - Dr. Henán Bruera


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Jornal GGN - Para o professor do Instituto Mora (Cidade do México) e doutor em Desenvolvimento pela Universidade de Sussex (Reino Unido), Hernán Gómez Bruera, o julgamento da apelação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva corrobora uma intensa estratégia para apagar a força política do candidato petista.
Como analista político, ele vem criticando fortemente o papel de setores da Justiça brasileira responsável por judicializar, mais do que nunca, uma eleição no país. No artigo a seguir, publicando no News York Times, ele costura os pontos que comprovam o objetivo final de enterrar a figura de Lula, destacando: 
"Os juízes não só ignoraram as declarações de 73 testemunhas que contradizem as acusações do ex-diretor da empreiteira OEA, e os diversos recursos interpostos pela defesa do ex-presidente, como também não consideraram uma carta aberta assinada por numerosos intelectuais, ativistas e políticos latino-americanos". 
Ainda que, nas manobras para acabar com a imagem do petista, lancem mão de qualquer expediente anticonstitucional e que coloquem em risco o Estado de Direito no Brasil, o pesquisador pondera que "Lula continuará a influenciar a política brasileira por muitos anos." Acompanhe a seguir o artigo na íntegra. 
Para o público que não conhece as particularidades do caso, a notícia de que um ex-presidente é julgado por corrupção em uma nação latino-americana - onde a impunidade geralmente é a regra - pode parecer um avanço. No entanto, um processo judicial em que os promotores e juízes atuaram de forma parcial, sem aderência à lei e violando as garantias do réu, constitui uma grande ameaça para a democracia e um evento que - no meio do ano eleitoral - será um motivo para incerteza e tensão entre os brasileiros.
A sentença do juiz Sérgio Moro, ratificada esta semana, acontece dezessete meses depois que Dilma Rousseff foi afastada da presidência por meio de uma operação política de legalidade duvidosa e depois de o Congresso isentar o presidente Michel Temer, sobre quem há provas de corrupção.
Ao ratificar a sentença impostas a Lula e aumentá-la de nove a doze anos, os três juízes federais - em busca de estrelato político semelhante ao do famoso Moro - validaram por unanimidade um julgamento falido desde sua origem e sem o tipo de evidência que exige um processo criminal.
A investigação nunca conseguiu provar que Lula tinha uma única conta bancária ou uma propriedade indevida. Os juízes não só ignoraram as declarações de 73 testemunhas que contradizem as acusações do ex-diretor da empreiteira OEA, e os diversos recursos interpostos pela defesa do ex-presidente, como também não consideraram uma carta aberta assinada por numerosos intelectuais, ativistas e políticos latino-americanos, nem o estudo detalhado da sentença por mais de uma centena de advogados e estudiosos que desmantelaram todas as premissas da sentença do juiz Moro. Juristas internacionalmente reconhecidos criticaram duramente o processo. Mesmo o teórico da garantia legal, Luigi Ferrajoli, advertiu que o julgamento contra Lula se caracterizava por sua "impressionante falta de imparcialidade".
Os próximos meses serão de incerteza para o Brasil, onde um processo eleitoral judicializado será realizado. A decisão não é a última instância. Lula poderá levar o seu caso ao Supremo Tribunal Federal. Embora ele possa ser preso nas próximas semanas, é mais provável que os juízes lhe permitam esgotar o processo em liberdade.
Quanto às eleições, o Partido dos Trabalhadores (PT) provavelmente registrará Lula como candidato e levará a disputa até o fim. Até lá, se a condenação for ratificada pelo tribunal mais alto do país, [seu nome na legenda] poderá ser substituído até vinte dias antes da eleição.
Com a decisão, os juízes brasileiros deram carta branca a um conjunto de perigosas práticas legais que criam um estado de exceção típico dos regimes autoritários. Parece que, no poder judiciário brasileiro, vale tudo em um julgamento anticorrupção: de romper as regras de um processo criminal, inventar figuras legais inexistentes ou manipular mecanismos de prisão preventiva.
Para mim, é difícil encontrar outra motivação para permitir essas irregularidades do que separar Lula da Silva da campanha presidencial deste ano, na qual o líder ex-sindical ainda é claramente favorito. Da pesquisa mais conservadora (Datafolha) para a mais esquerdistas (Vox Populi), concorda-se que o ex-presidente receberia mais de 40 milhões de votos nas eleições de outubro.
O direito brasileiro há muito compreendeu que Lula é eleitoralmente imbatível. Talvez seja por isso que uma via judicial foi desenhada para removê-lo do poder, transferindo para os tribunais uma decisão que em uma democracia deveria corresponder aos cidadãos. Talvez seja por isso que a Bolsa de Valores de São Paulo reagiu com alegria na ratificação da decisão.
A estratégia não é só procura desabilitar eleitoralmente o ex-presidente (em poucos meses, saberemos se isso finalmente acontece), como também minar a sua imagem e reputação.  O objetivo é pôr fim ao mito de um líder que capacitou os setores populares, causar um golpe mortal à esquerda brasileira e promove uma agenda econômica, política e social conservadora.
Assim, desde o primeiro momento, o julgamento contra Lula foi travado na mídia - esmagadoramente contrária a Lula e ao PT -, onde os juízes e procuradores se dedicaram a expressar opiniões políticas e até mesmo a comentar os processos que estavam sob sua jurisdição exibindo seu viés
No escândalo Lava Jato, onde a investigação contra Lula foi inserida, políticos de todas as partes estão envolvidos, tanto do governo como da oposição, bem como os donos das maiores empresas de construção (incluindo OEA e Odebrecht). A corrupção é sistêmica e consubstancial com a política brasileira. Sem corrupção, as campanhas políticas não são financiadas (no Brasil não há financiamento público para campanhas) nem as maiorias parlamentares são garantidas.
Claro que combater essa corrupção não só é louvável como também é necessário. O problema da suposta cruzada moral é que os promotores e juízes que estão à frente, em sua ânsia de se tornar super-heróis e promoverem-se politicamente, investigaram com maior agilidade e dedicação figuras de partidos políticos de esquerda e Lula com uma particular violência. Não em vão, o juiz Moro tornou-se tão popular em setores identificados com o direito, na medida em que aparece em algumas pesquisas como concorrente potencial.
O objetivo do processo para Lula da Silva não foi promover o surgimento de uma nova república de honestidade e transparência, mas tirar o rival mais temido do caminho. Portanto, embora Lula eventualmente tenha emergido ileso desse julgamento, ele terá que enfrentar vários outros processos, talvez "igualmente infundados e politicamente motivados", como muitos analistas dizem.
Se Lula não chegar ao fim da corrida para a presidência, outros candidatos menos competitivos podem fazê-lo com seu apoio, como o advogado Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo ou o ex-ministro Ciro Gomes, hoje afiliado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) , com quem o PT poderia se aliar.
Independentemente do que finalmente acontecer, a verdade é que, presente ou não nas próximas eleições, a figura de Lula continuará a influenciar a política brasileira por muitos anos, ainda que as elites de direita se empenhem em enterrá-lo a troco de um incalculável custo político que isso poderia ter para a democracia brasileira.
Hernán Gómez Bruera é pesquisador especializado em América Latina no Instituto Mora na Cidade do México. Ele publicou, entre outros livros, "Lula, o Partido dos Trabalhadores e o dilema da governança no Brasil".

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

As Sequelas da Operação Lava Jato, pelo jurista Afrânio Silva Jardim, Professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente de Direito Processual (Uerj). Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do E.R.J.


"A realidade é muito instigante e nos faz refletir. Ela desperta a nossa consciência e também, em uma perspectiva mais crítica, nos faz ver melhor a verdade que se oculta por trás dos fatos e atos do nosso cotidiano.

 "Recentemente, foram amplamente divulgadas, pela grande imprensa, algumas notícias que, se bem compreendidas, demonstram que o nosso “sistema de justiça penal” está ideologicamente assumindo “partido”. - Professor Afrânio Silva Jardim




Do site Empório do Direito:



AS SEQUELAS DA OPERAÇÃO LAVA JATO

16/01/2018

Prévia reflexão: "Os prejuízos causados à Petrobrás, pela forma inadequada de agir da Lava Jato, superam em muito os danos que lhe foram causados pela corrupção". 

A realidade é muito instigante e nos faz refletir. Ela desperta a nossa consciência e também, em uma perspectiva mais crítica, nos faz ver melhor a verdade que se oculta por trás dos fatos e atos do nosso cotidiano.

Recentemente, foram amplamente divulgadas, pela grande imprensa, algumas notícias que, se bem compreendidas, demonstram que o nosso “sistema de justiça penal” está ideologicamente assumindo “partido”. Vale dizer: “escola sem partido” e “justiça penal com partido” ...

Como tenho constantemente salientado, a estratégia punitivista de se socorrer da grande mídia para lograr punições, previamente desejadas, “está dando bastante certo”.

Aliás, esta estratégia perversa encontra agora um “terreno fértil”, pois os nossos órgãos de persecução penal e do Poder Judiciário, com as costumeiras exceções, são compostos por pessoas de formação conservadora, acrítica e, por vezes, profundamente elitista.

A falta de cultura geral torna polícias, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário em “presas fáceis” do autoritarismo, de posturas simplistas e mais voltadas para o “senso comum”.

Na verdade, são raros os profissionais do Direito que, aprovados nos respectivos concursos públicos, continuam estudando e lendo sistematicamente. A falta de cultura geral é uma realidade em nossa atual sociedade. Os motivosdesta “letargia” são vários e não cabe aqui elencá-los e comentá-los.

De qualquer forma, entendo que há um certo despreparo para o desempenho mais consequente destas relevantes funções, mormente quando se deflagra um ativismo judicial desmedido, quando se busca ampliar a discricionariedade no processo penal e quando somos dominados pelo poder econômico, que se utiliza da grande imprensa para padronizar comportamentos e pensamentos conservadores.

O pior é que se somam a tudo isso comportamentos insólitos de alguns magistrados e membros do Ministério Público, misturando-se estrelismo com messianismo ingênuo.  

Estamos presenciando juízes abandonando a sua necessária posição de sujeito processual imparcial, que deve ser indiferente ao resultado do processo. Estamos presenciando Procuradores da República e Promotores de Justiça agindo como verdadeiros “advogados de acusação”.

Tudo isso fica muito claro na chamada “Lava Jato”, pautada pelo estardalhaço e exibicionismo de vários agentes que atuam em nosso sistema de justiça criminal.

O chamado “processo penal do espetáculo” criou danos irreparáveis para a nossa sociedade. Não só prejudicou fortemente a imagem de pessoas que sequer eram rés, como tornou vulnerável a diversas críticas juízes e procuradores da república.

Cabe também salientar que a forma espetaculosa que foi imprimida nesta operação, previamente articulada com alguns órgãos da grande imprensa, causou imenso dano a várias empresas nacionais e à nossa economia em geral.

Note-se que não estamos afirmando que o combate à corrupção foi danoso, mas sim que a forma usada para efetivar este combate foi a maior responsável pelos imensos prejuízos acima apontados. Um exemplo claro disso, dentre tantos outros, foi a “Operação Carne Fraca”, irresponsavelmente tornada pública por alguns delegados da polícia federal.

Ademais, não resta dúvida de que os danos que o processo penal do espetáculo causou à Petrobrás são absurdamente maiores do que lhe causava a deletéria corrupção. Para comprovar o que acabamos de dizer, basta citar o pagamento de quase dez bilhões de reais que a Petrobrás acordou com seus acionistas norte-americanos.

Nada obstante tudo isso, julgo que as sequelas maiores deixadas pela Lava Jato não são os danos patrimoniais, mas sim a disseminação, perante a opinião pública, de que vale a pena “flexibilizar” regras jurídicas de garantias, inclusive os chamados Direitos Fundamentais, previstos na Constituição da República, em prol de um combate à corrupção em nosso país, mais simbólico do que efetivo, como demonstrou o professor Jessé Souza, em sua excelente obra intitulada “A Elite do Atraso”.

Outra sequela indelével foi a total “desarrumação” do nosso já precário sistema processual penal. A introdução, em nosso sistema de justiça criminal, do “negociado sobre o legislado”, através de acordos de cooperação premiada em flagrante desacordo com o disposto no Código Penal e Lei de Execução Penal, criando regras processuais absurdas, chegou ao ponto de violar o princípio “nulla poena sine judicio”, fundante do Estado Democrático de Direito.

Assim, o descalabro chegou ao ponto de se tentar executar diretamente o acordo de cooperação premiada, independente de uma necessária sentença condenatória, vale dizer, execução penal por título extrajudicial !!!

Enfim, o passageiro e decrescente prestígio que a Lava Jato outorgou ao Ministério Público Federal criou um sedutor incentivo para que alguns de seus membros buscassem, inclusive no plano legislativo, um poder discricionário no processo penal, totalmente incompatível com o Estado Democrático de Direito, previsto na Constituição da República.

A prova do que se disse acima, vale a pena repetir, é a insólita tentativa do Conselho Superior do Ministério Público de legislar sobre Direito Processual Penal, criando um sistema paralelo ao disciplinado no código vigente, consoante se constata da sua Resolução 181/16, cuja posterior pequena modificação não infirma todo o ato normativo de inconstitucionalidades formais e materiais.


Imagem Ilustrativa do Post: Martelo da Justiça e Algemas // Foto de: Fotografia cnj // Sem alterações

Disponível em: https://flic.kr/p/y49zVZ

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

A anatomia de uma Farsa Jurídica, pelo criminologista e advogado Leonardo Isaac Yarochewsky

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   "Ao condenarem o Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a pena de 12 (doze) anos os desembargadores do TRF-4 comprovaram na verdade o que todos já sabiam e o que já vinha sendo anunciado. Estavam ali para cumprir o papel que lhes cabia na destruição do Estado democrático de direito. Não se pode olvidar que o judiciário tem se tornado o maior aliado da elite brasileira. O golpe que culminou com a destituição da Presidenta Dilma Rousseff do poder continua fazendo suas vítimas e caminha a passos largos para o completo aniquilamento da democracia." - Leonardo Isaac Yarochewsky, Doutor em Ciências Penais

Do Justificando:


Quarta-feira, 24 de Janeiro de 2018

Às 08h30min desta quarta-feira o TRF-4, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, começou a julgar em grau de apelação o Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva condena a 09 anos e 06 meses de prisão e multa pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba-PR.
Depois da formalidades de praxe, o procurador da República e o advogado assistente da acusação (representando a Petrobrás) em suas respectivas sustentações se limitaram a fazer ilações ao invés de analisar as provas e o processo, ambos adotaram discursos políticos pobres e sem qualquer consistência. Dostoievski e Monteiro Lobato foram citados completamente fora de contexto.
Por seu turno, a defesa a cargo do advogado Cristiano Zanin Martins com técnica e rigidez cientifica, além da combatividade própria dos criminalistas destruiu um a um os argumentos da acusação que foram caindo como num efeito dominó.
Desde as preliminares de nulidade, notadamente, no que se refere à incompetência do juízo e da sua suspeição até a análise detida da completa falta de provas para a condenação, a defesa demonstrou claramente que a condenação do Ex-Presidente Lula pelo juiz de piso não pode se sustentar.
O julgamento prosseguiu com o desastroso voto do relator da apelação no TRF-4. Ao condenar o Ex-Presidente a pena de 12 anos e 1 mês de prisão o desembargador relator não só atropelou direitos e garantias fundamentais do apelante Lula como mandou às favas o direito (penal e processual penal) e a prova.
O desembargador relator passou como um trator por cima de mais de uma dezena de preliminares alegadas pela combativa defesa, principalmente em relação às preliminares de incompetência do juízo e da suspeição do juiz Sérgio Moro.
O relator desembargador João Pedro Gebran Neto portou-se, antes de tudo, como advogado de defesa do juiz de piso e destilou todo seu ódio ao Partido dos Trabalhadores.
Logo no início de seu extenso voto o relator defendeu a condução coercitiva do Ex-Presidente Lula e em seguida justificou o injustificável: a interceptação telefônica que alcançou o escritório de advocacia de seus advogados. O desembargador relator também abonou a interceptação telefônica e o consequente vazamento da conversa entre o Ex-Presidente e a então Presidenta da República Dilma Rousseff.
Ao adentrar no mérito, o desembargador relator, na esteira do juiz da 13ª Vara Federal, concluiu – contrariamente à prova dos autos – que o famigerado “Triplex do Guarujá” pertence ao Ex-Presidente.
Em seu frágil voto condenatório o desembargador relator se apega aqueles que defendem o absurdo de que para caracterização do crime de corrupção é dispensável o ato de ofício identificado e delimitado. Confundindo a desnecessidade da prática do ato de ofício (a corrupção é crime formal) com a necessidade da demonstração do ato de ofício determinado.
Por fim, resta lamentar que em um Estado que se pretende democrático e de direito o homem seja transformado em meio. Desgraçadamente em nome de um fantasmagórico combate a corrupção prevaleça à perversa lógica de que “os fins justificam os meios” e que o direito e a prova são mandados às favas.
Os demais desembargadores na linha moralista e adotando o mesmo discurso em defesa das instituições e de combate a corrupção e em momentos vários se desviaram dos autos e viajaram em outros processos, inclusive no já extinto processo do “mensalão”.
Ao condenarem o Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a pena de 12 (doze) anos os desembargadores do TRF-4 comprovaram na verdade o que todos já sabiam e o que já vinha sendo anunciado. Estavam ali para cumprir o papel que lhes cabia na destruição do Estado democrático de direito. Não se pode olvidar que o judiciário tem se tornado o maior aliado da elite brasileira. O golpe que culminou com a destituição da Presidenta Dilma Rousseff do poder continua fazendo suas vítimas e caminha a passos largos para o completo aniquilamento da democracia.
A elite e boa parte da classe média jamais aceitou que um retirante nordestino, de origem humilde, pobre e trabalhador fosse o Chefe do Poder Executivo.
Infelizmente, por tentar construir um país mais igualitário, justo e verdadeiramente democrático Luiz Inácio Lula da Silva vem pagando um alto preço pela sua história, pela sua luta e pela sua origem. O preconceito e a discriminação nunca, absolutamente nunca, deixaram de acompanhar o Ex-Presidente. Não é sem razão que Lula vem sendo tratado como inimigo, sem direitos e garantias, que deve ser aniquilado.
Hoje Luiz Inácio Lula da Silva, sétimo dos oito filhos de um casal de lavradores analfabetos que vivenciaram a fome e a miséria na zona mais pobre de Pernambuco, Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de Melo, é condenado por homens que representam o poder. Amanhã será Lula julgado e absolvido pela história.
Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado e Doutor em Ciências Penais.

Batalha das Ideias: em video, Jessé Souza, Leonardo Attuch e Paulo Moreira Leite discutem o Lawfare e a farsa à jato como exemplos máximos do ódio de classe da Elite do Atraso


Para reflexão nesses dias de alienação, midiotia e Estado de Exceção

Do Canal TV 247:


Comentários sobre uma Sentença (como mostrou o "ato falho" da Bandeirantes) Esperada, por Luis Nassif



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Do Canal GGN:

O rescaldo da votação do TRF4, por Luis Nassif

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quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Entrevista com o jurista e advogado da ONU, Geoffrey Robertson, sobre o Lawfare da "justiça" brasileira contra Lula


A entrevista a seguir, do Advogado Internacional, representante da ONU, Geoffrey Robertson, foi dada a César Locatelli e Milene Abreu, membros dos Jornalistas Livres:

Geoffrey faz um trocadilho entre “Moro’s prosecution” e “Moro’s persecution” contra Lula. As duas palavras são bem semelhantes no inglês, a primeira é o processo e o segundo a perseguição, de Moro contra Lula. Ele criticou Moro, criticou o desembargador Thompson Flores, presidente do tribunal ao qual Lula apelou, criticou a Ajufe, Associação dos Juízes Federais do Brasil.
Veja a íntegra da entrevista que Geoffrey Robertson concedeu a Milena Abreu e César Locatelli, com edição de Iolanda Depizzol, Jornalistas Livres.

Armandinho sobre o Lawfare


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Do Le Monde Diplomatique: Contrarreforma da Previdência e “corte” de benefícios: o lucro com a miséria



Do Le Monde Diplomatique Brasil:


BRAZIL-POLITICS/

Michel Temer e Henrique Meirelles – não se fala sobre os reais objetivos dos “cortes”

O que acontecerá com os segurados que tiveram seus benefícios “cortados”? Serão reaproveitados nas empresas de origem? O mais provável é que os quase 200 mil trabalhadores fiquem desempregados, sejam privados do atendimento de suas necessidades e elevem os percentuais de miséria

Tem sido notícia frequente o corte de benefícios do INSS por incapacidade e assistenciais administrados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), além do Bolsa Família. Em geral, as notícias trazem o montante de benefícios “cortados” acompanhado das justificativas de “economia” aos cofres públicos. Mas não se faz relação entre os “cortes” e a contrarreforma (redução de direitos) da seguridade social. Também não se fala sobre possíveis impactos na vida das pessoas que têm os benefícios “cortados” nem sobre os reais objetivos dos “cortes”. Não é dito que estes aprofundam a miséria e que há quem ganhe com ela. É disso que trata este artigo.

O movimento de contrarreforma da seguridade social em contexto de crise

A Constituição Federal de 1988 foi elaborada em uma conjuntura de lutas por reformas (ampliação de direitos), favorecendo conquistas como a instituição do sistema de seguridade social referente aos direitos de saúde, previdência e assistência social. Os objetivos do sistema apontam para a universalidade de cobertura, equidade de participação no custeio e gestão democrática. A previdência social agregou direitos como o valor mensal dos benefícios não inferior ao salário mínimo e a irredutibilidade desses valores, vinculados ao último salário. A assistência trouxe o Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário mínimo, para os idosos e as pessoas com deficiência cuja família tenha renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo. A saúde assumiu a forma de direito de todos, dever do Estado.

O sistema possui um orçamento único constituído por receitas de fontes de base diversificadas (contribuições de empregados, empregadores, importadores de bens ou serviços do exterior, contribuições sobre a receita de jogos de loterias, orçamentos públicos das três esferas e outras), o que possibilita balanços superavitários, como têm mostrado grupos de estudos e pesquisas de universidades e instituições especializadas, como a Fundação Anfip. Mas o desenho da seguridade social não agradou ao capital, que vê saúde e previdência como mercadorias lucrativas. Assim, ele nem chegou a ser todo colocado em prática e tornou-se alvo de um movimento de contrarreforma, ora agressivo e com reação social, ora sutil, a depender da correlação de forças, dos instrumentos usados para viabilizá-lo e do grau de comprometimento dos governos com o capital.

Esse movimento é a conjugação de medidas restritivas de direitos de seguridade social que compõem a política de austeridade fiscal que sustenta a disputa do fundo público, em favor dos capitais. É um movimento que força a redução da previdência e da saúde públicas para dar lugar à expansão da previdência e saúde privadas. As medidas que mais chamam atenção são as viabilizadas por mudanças na Constituição Federal. Contudo, a contrarreforma também ocorre por leis complementares, medidas provisórias, leis ordinárias, decretos ou decisões gerenciais sob a forma de resoluções, entre outros. Assim, desde os anos 1990 ocorre no Brasil um movimento de contrarreforma da seguridade social. Aqui, a ênfase é a da assistência e previdência social pela extinção, dificuldade de acesso e/ou redução dos valores e do tempo de usufruto dos benefícios e serviços, além do desfinanciamento da seguridade social pelas renúncias tributárias e desvios de recursos. A revisão de benefícios por incapacidade tornou-se regra desde 1999. Porém, “os cortes” de benefícios se acentuam em tempos agudos de contrarreforma.

No entanto, quais são os determinantes estruturais desse movimento de contrarreforma? Em quais argumentos ele se sustenta? Quais são seus reais propósitos?

A crise manifesta no início de 1970, com aprofundamento a partir de 2008, é uma típica crise estrutural do capital e traz sérias consequências para a humanidade. Em seu curso, uma das características do capitalismo é a centralidade do capital financeiro nas relações econômicas e sociais, associado a grupos industriais. Isso ocorreu porque a dívida dos Estados-nação forçou a liberalização dos mercados e as políticas para atrair créditos, estimulando a expansão do mercado financeiro. Assim, seu poder beneficiou-se da dívida pública, da política de juros altos e da supervalorização do mercado de ações.

Entre as instituições constitutivas do capital financeiro, além dos bancos, os investidores institucionais (fundos de pensão, fundos coletivos de aplicação, sociedades de seguros, entre outros) expandiram-se. Segundo o professor emérito da Universidade de Torino Luciano Galindo, em Finanzcapitalismo (2016), esses fundos de investimentos alcançaram em 2017 quase um terço do PIB mundial, cerca de US$ 17,5 trilhões. Destes, US$ 8,5 trilhões correspondiam a contratos previdenciários geridos por companhias de seguros, bancos e outros entes financeiros. Isso mostra a força dos fundos e explica a pressão para a privatização da previdência e saúde públicas.

Em geral, os argumentos a favor da contrarreforma são: o envelhecimento populacional e a insustentabilidade da seguridade social pelo regime de repartição simples; o elevado custo do trabalho; e a expansão da dívida pública pelo investimento em políticas sociais. Tais argumentos são capciosos. Os balanços orçamentários da seguridade têm sido superavitários. Este ano, a Anfip fez circular na mídia o saldo da seguridade social em 2015, de R$ 11,2 bilhões, apesar do desvio de R$ 63 bilhões para formar superávit primário pela incidência da Desvinculação de Receitas da União (DRU), enquanto o governo falava em déficit da previdência. Quanto ao custo da produção, as empresas são beneficiadas por renúncias tributárias. Além disso, são os serviços da dívida que corroem o orçamento, e não as políticas sociais. Segundo a equipe da Auditoria Cidadã da Dívida, em 2016 43,94% do orçamento destinaram-se aos juros e às amortizações da dívida, e 22,54%, à previdência social.1 Isso mostra a falácia do argumento. A contrarreforma atende à pressão do capital sobre o Estado para direcionar o fundo público a seu favor, suprimir ou limitar as aposentadorias, pensões e assistência à saúde pela seguridade, para forçar as famílias, com renda, a procurá-las no mercado.

Na década de 1990, o governo Fernando Henrique, diante da dívida e do baixo crescimento econômico, cedeu às pressões do FMI e do Banco Mundial, comprometendo-se com o projeto neoliberal e a política de austeridade fiscal. Reduziu direitos, privatizou estatais e iniciou o movimento de contrarreforma da seguridade social. A Emenda Constitucional n. 20, de 1998, retirou direitos previdenciários.

O governo Lula se iniciou sob expectativa popular e condições econômicas adversas, porém já comprometido com o grande capital. A Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, apontou para um mercado de consumo de massa e para a “reforma” da previdência e do trabalho. Dito e feito. Melhorou o desempenho da economia, os indicadores do trabalho, valorizou o salário mínimo e reduziu os índices de pobreza, mas sua política macroeconômica não fugiu à perspectiva neoliberal. Prosseguiu a contrarreforma da previdência, atingindo, sobretudo, os regimes dos servidores públicos pelas emendas constitucionais n. 41 e 42, de 2003, e n. 47, de 2005. Em 2008, com o agravamento da crise, usou os benefícios previdenciários e do Bolsa Família para estimular o consumo, deixando aposentados e pensionistas endividados, sob controle do capital financeiro.

O governo Dilma seguiu a trilha. Em 2012, criou a Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais. No contexto de agravamento da crise e da expansão da dívida, cedeu a novas pressões e, em 2014, as medidas provisórias n. 664 e 665, convertidas em leis em junho de 2015, dificultaram o acesso à pensão por morte, ao auxílio-doença, à aposentadoria por invalidez, ao seguro-desemprego e outros. Em 2015, as renúncias tributárias atingiram R$ 276 bilhões, reduzindo o financiamento da seguridade social, como diz a Anfip, na Análise da Seguridade Social 2015. Naquele ano, criou o Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e de Previdência Social, para propor mudanças. Com o impeachment da presidenta, o relatório do fórum serviu ao governo Temer na PEC n. 287/2016 – a mais agressiva proposta de contrarreforma da seguridade.

Assim, o movimento de contrarreforma, iniciado em 1998, segue, sob as pressões do capital, na disputa pelo fundo público. A dívida pública é seu determinante estrutural. Ao se tornar fonte de poder dos fundos de investimento, pressiona por austeridade fiscal, incluindo o desinvestimento em políticas sociais e as privatizações.

Conivente com o grande capital, o governo Temer leva ao extremo a política de austeridade fiscal. Para reduzir investimentos em políticas públicas, formar superávit primário e garantir os serviços da dívida, instituiu o novo regime fiscal pela Emenda Constitucional n. 95, de 2016, que congela os limites constitucionais para as despesas primárias da administração pública federal por vinte anos e deixa passível de aumentos os investimentos financeiros. Essa medida é central para a contrarreforma da seguridade social, associada à extinção do Ministério da Previdência Social e Trabalho e à transferência dos órgãos estratégicos da previdência social e a competência em matéria de previdência para a Fazenda. São medidas com fins políticos, econômicos e ideológicos, que reforçam a Fazenda para conduzir a contrarreforma e favorecem a influência do capital.

Os “cortes” de benefícios: o lucro com a miséria

Outro lado da moeda é o “corte” de benefícios ativos da seguridade social. Pela Medida Provisória n. 739 foi criado o bônus de R$ 60 para os médicos peritos do INSS por cada revisão de auxílio-doença com mais de dois anos ou de aposentadoria por invalidez. Em agosto de 2016, os dados oficiais registravam 28,181 milhões de benefícios previdenciários. Destes, 1,659 milhão eram auxílios-doença e 3,22 milhões eram aposentadorias por invalidez. Seriam revisados cerca de 530 mil auxílios-doença e 1,2 milhão de aposentadorias por invalidez. Em novembro, essa medida provisória perdeu a validade. O governo divulgou que em sua vigência foram revisados 20,964 milhões de auxílios-doença; 16,782 milhões (80,5%) foram cortados.2

As revisões foram retomadas em janeiro de 2017 por força da Medida Provisória n. 767, transformada em lei em junho, contendo as mesmas regras, inclusive o bônus-perito. O governo pretende “economizar” com as revisões. Os médicos peritos são servidores do INSS, e essa atividade compõe suas atribuições. Por que estão sendo duplamente pagos para realizá-la? Qual seria o propósito? Multiplicando-se o número de perícias pelo valor do bônus-perito, nota-se que, na primeira fase da revisão, o governo gastou R$ 1.257.840 em bônus. Em agosto de 2017, o governo divulgou que até 14 de julho foram realizadas 199.981 perícias e 180.268 benefícios foram “cortados”. O percentual acima de 80% de “corte” foi mantido e o gasto com bônus pulou para R$ 11.998.860. Como a meta é revisar cerca de 1,7 milhão de benefícios, o gasto com bônus-perito será de R$ 102,2 milhões. O governo divulgou que quer “economizar” R$ 10 bilhões ao ano em auxílio-doença e aposentadorias por invalidez.3 Que tipo de proteção é essa, cujo controle visa apenas alcançar uma meta econômica? A capacidade laboral das pessoas não conta? E por que os médicos peritos do INSS estão sendo tão privilegiados em um contexto de restrição de direitos, congelamento de salários e demissões? A Portaria n. 291, de 12 de setembro de 2017, orienta os cargos e entidades do serviço público civil federal quanto ao programa de demissão voluntária e impede os peritos do INSS de aderir ao programa. Por que será? A categoria é estratégica para a proteção social, é verdade, mas os dados e fatos nas revisões sugerem o oposto. Sua atuação parece voltar-se mais a reforçar a meta governista de reduzir investimentos em proteção social. O “corte” de mais de 80% dos benefícios revisados inquieta os conhecedores dos altos níveis de adoecimento dos trabalhadores nesta conjuntura de crise. Será que algo extraordinário teria acontecido a esses segurados para torná-los capazes para o trabalho, em um passe de mágica? Ou será que os mais de 80% “cortados” estariam com benefícios “indevidos”? Mas como isso poderia acontecer se os médicos peritos que efetuam os “cortes” são os mesmos que reconheceram as incapacidades para conceder grande parte dos benefícios? É dito que o elevado percentual de “cortes” se deve à concessão judicial de parte dos benefícios. Teriam os médicos peritos da justiça e do INSS errado tanto em suas avaliações? Dados e fatos até agora são obscuros para a sociedade.

No dia 13 de setembro, circulou nas redes sociais uma minuta de regimento interno do INSS que valoriza a posição dos médicos peritos na estrutura organizacional e retira o serviço social desta. O artigo 88 da Lei n. 8.213, de julho de 1991, diz que compete ao serviço social esclarecer aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e buscar com eles a solução dos problemas decorrentes de sua relação com a previdência social. Ou seja, a atuação desse serviço deve voltar-se para ampliar o acesso aos direitos – o oposto da lógica perversa de “cortes” de benefícios para economizar com o investimento em políticas sociais e direcionar os recursos para o capital por meio dos juros e amortização da dívida pública. Isso explica a valorização da perícia e a fragilização do serviço social. É a força do lucro esmagando os direitos.

E o que acontecerá com os segurados que tiveram seus benefícios “cortados”? Serão reaproveitados nas empresas de origem? O mais provável é que os quase 200 mil trabalhadores fiquem desempregados, sejam privados do atendimento de suas necessidades e elevem os percentuais de miséria. Espera-se que suas capacidades laborais estejam restabelecidas. Para esses desempregados, com o acesso ao seguro-desemprego e o retorno ao auxílio-doença dificultados pelas novas regras que aumentaram as carências para esses benefícios, o cenário é complexo. É a lógica do lucro com a miséria se impondo.

O “corte” de benefícios não se limitou à previdência. Ao final de 2016, o governo divulgou parciais da revisão do Programa Bolsa Família – “corte” de 469 mil benefícios e plano para revisar benefícios de 1,4 milhão de famílias.4 De junho a agosto de 2017, os benefícios de mais 543 mil famílias foram cortados, restando, em julho, 12,7 milhões de benefícios.5 O “corte” de mais de 1 milhão de auxílios é o maior da história do programa. Mais fome à vista.

Em novembro de 2016, a Portaria Interministerial n. 2 determinou a revisão do BPC destinado às pessoas idosas e àquelas com deficiência. Em agosto de 2016, os dados oficiais mostravam 4.361.829 de BPC ativos. Todos com mais de dois anos serão revisados, sob controle ferrenho, como indica a minuta de regimento interno do INSS, cujo inciso II, do artigo 178, atribui à Divisão de Gerenciamento de Benefícios Assistenciais “supervisionar as ações que fortaleçam a revisão do BPC”. Leia-se cortes?

Na sequência dos “cortes”, uma surpresa: o Conselho Nacional de Assistência Social sugeriu incluir na Lei Orçamentária Anual de 2018 R$ 59 bilhões para a assistência social; destes, R$ 2,7 bilhões para os serviços (Resolução CNAS 12/2017). Porém, em 6 de setembro, ele foi surpreendido com a destinação de apenas R$ 78 milhões. O que pretende o governo? Acabar com os serviços de assistência social? Além da redução do BPC, é o que as medidas sugerem. Serão mais quantos milhões de pessoas sem proteção social? Enquanto isso, a dívida ativa dos quinhentos maiores devedores da União atinge quase R$ 1 trilhão – R$ 422 bilhões são de dívida previdenciária.6 E os devedores, poupados. Esta é a lógica perversa da contrarreforma refletida no “corte” de benefícios e serviços: ônus para os trabalhadores, bônus para os “cortadores” e lucro para o capital.

As propostas de contrarreforma não findam aqui. A PEC 287, cujo substitutivo (com alterações) aguarda votação na Câmara dos Deputados, é muito restritiva. As exigências de 65 anos de idade e 25 anos de contribuição para fins de aposentadoria para homens e mulheres, e a elevação da idade de 65 para 70 anos para fins de acesso ao BPC pelos idosos podem ser um adeus à aposentadoria e ao BPC para muitas pessoas. Se essa PEC for aprovada, ou seu substitutivo, a restrição de direitos imporá fraturas irrecuperáveis à seguridade social, deixando as camadas mais pobres sem proteção, direcionando os recursos para os serviços da dívida e empurrando os que têm renda para a previdência complementar. É a fome de alguns tornando-se o lucro de outros. Somente uma forte reação da classe trabalhadora inibirá esta “miséria lucrativa”.

*Maria Lucia Lopes da Silva é assistente social, doutora em Política Social e professora da graduação em Serviço Social e do mestrado e doutorado em Política Social da Universidade de Brasília.

1 Disponível em: .

2 Daniel Lima, “INSS vai remarcar quase 6 mil perícias após MP 739 perder validade”, Agência Brasil, 5 nov. 2016.

3 As informações referentes à segunda fase de revisão estão mais facilmente disponíveis em: Guilherme Mazui, “Após 200 mil perícias, governo cancela 180 mil auxílios-doença, diz ministério”, G1, 27 jul. 2017.

4 “Pente-fino no Bolsa Família encontra irregularidades em 1,1 milhão de benefícios”, MDS, 7 nov. 2016.

5 Carlos Madeiro, “Com redução de 543 mil benefícios em 1 mês, Bolsa Família tem maior corte da história”, UOL, 11 ago. 2017.

6 Guilherme Balza, “Dívida com a Previdência dobra em 5 anos e atinge R$ 420 bi; JBS lidera”, CBN, 15 set. 2017.