sexta-feira, 30 de novembro de 2012
O perigo do fundamentalismo evangélico de direita, no documentário Jesus Camp
O documentário acompanha um acampamento para crianças sob a direção da pastora Becky Fischer, Nele se vê claramente qual é o foco da modelação ou lavagem cerebral feita por seitas de "renascidos" ao mesmo tempo que mostra a crescente e irracional influência de grupos evangélicos pentecostais de extrema direita, semelhantes aos que aqui florescem no Brasil pelas mãos de exploradores como Edir Macedo ou Silas Malafaia. Uma das cenas mais chocantes é aquela em que as crianças são incentivadas a elevarem os braços em direção à figura do "grande líder" George W. Bush, em oração. O objetivo, segundo a pastora dirigente, é que as crianças se tornem "soldados de Jesus" ou do "exército de Deus", aprendendo também a serem acríticos, individualistas, imersos nos antigos valores da propriedade e do orgulho ufanista (ao estilo fascista) e profundamente reacionários e conservadores.
O documentário foi dirigido por Heidi Ewing e Rachel Grady e foi lançado em 2006, tendo recebido inúmeros prêmios, como o Festival de Tribeca, dirigido por Robert De Niro.
O fundamentalismo pentecostal e a ameaça ao Estado Laico
"Nem todo aquele que diz 'Senhor', 'Senhor' entrará no Reino dos Céus
(...) Naquele dia, muitos vão me dizer:
‘Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizamos? Não foi em teu nome que expulsamos
demônios? E não foi em teu nome que fizemos muitos milagres?’ Então, eu lhes declararei:
‘Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade’."
Jesus Cristo
Jesus de Nazaré, em partes variadas no Evagelho de Mateus, critica a teocracia e superficialidade dos falsos doutores da Lei que se preocupam mais em viajar por mares e terras em busca de fazer prosélitos convertidos que ajudá-los e apoiá-los nas lutas e dificuldades da vida. No fim, tais "doutores" acabam por produzir pessoas menos humanas, longe do amor, da tolerância e da caridade, e que são tão radicais ou ainda mais quanto a eles mesmos, sempre prontos a verem qualquer pequeno cisco no olho dos demais quando possuem uma enorme trave de conceitos duros em frente aos próprios olhos... São como cegos guiando cegos na certeza de que assim poderão obter graças dos céus pela loucura da quantidade e homogeinidade do pensar.E mais, embora Jesus de Nazaré seja a meiga e sublime pessoa conhecida e amada de todas (inclusive admirada por não cristãos), eles, os fundamentalistas cristãos, querem que as pessoas aceitem o Jesus igrejeiro, para eles fiscalizador, recompensador e exclusivista, como o "único que salva", algo diferente do Jesus histórico, como pesquisadores do porte de um James Charlesworth, Geza Vermes, Gherd Theissen, Bart Ehrman e outros discutem. Do contrário, por melhor que seja a pessoa em obras e caráter (como é o quer o Jesus de Nazaré dos Evangelhos, mas não propriamente dos "evangélicos"), ela impreterivelmente estará condenada ao inferno...
Isso é ser cristão do Cristo ou uma corruptela de uma interpretação literalista dos textos sagrados, em especial os de Paulo de Tarso, que não conviveu com Jesus mas ajudou a disseminar uma religião sobre ele, com a estranha base de que só a fé é suficiente, e não dele, Jesus, que tanto disse que obras e mudança íntima para o bem a todos é o que mais importa e não o fato de se dizer mesmo discípulo dele, como no texto de Mateus transcrito acima?
Falam também estes novos doutores literais da Lei tanto no surgimento de Falsos Profetas nos últimos dias e muitas das seitas fundamentalistas pró-pentecostais são de, no máximo, menos de quarenta anos...
Engraçado como as pessoas, que se reconhecem limitadas em tantas coisas, possam achar que detém a avaliação correta e defintiva sobre um Absoluto sempre inacessível, quase podendo engarrafá-Lo e vendê-Lo como propiedade particular, de acordo com seus interesses....
Imagine-se, então, se tais pessoas, multiplicando o número de membros de suas agremiações por promessas muitas vezes de ganho material pela cômoda dádiva de uma "salvação" sem muitos eforços além de "aceitar" a interpretação deles de Jesus, pagar impreterivelmente o dízimo ao pastor - por vezes tão altruista que agride outras pessoas que não sejam da sua Igreja para o "bem" delas - e forçar a paciência dos outros gritando e impedindo o sono da vizinhança, quiserem tomar o poder?
Isto parece um absurdo, mas é exatamente o que está acontecendo nos últimos anos e a tomada do horário nobre e das madrugadas de rádios e tvs por estanhos e ensaiados "espetáculos" da fé demonstram claramente isso e até Edir Macedo escreveu um livro chocante e explítico sobre suas pretensões políticas.
Mas o estado moderno não é laico? As concessões de rádios e tvs são são feitas pelo governo laico para o bem de todos, independentemente de diferenças de credo? Já não está provado que a união Estado-Clero é sinônimo de retrocesso e perseguição? Para eles, não.
A procuradora Simone Andréa Barcelos Coutinho, procuradora em Brasília do município de São Paulo, preocupada com o andar das coisas neste sentido, defende corajosamente uma reforma no código eleitoral que impeça no Congresso Nacional a existência de representações religiosas, ainda que informais, como a da poderosa bancada evangélica e, em reação a esta, a de outras denomiaçãoes religiosas.
Para ela, essas representações são incompatíveis com o Estado laico estabelecido pela Constituição brasileira: "O Poder Legislativo é um dos Poderes da União; se não for o Legislativo laico, como falar-se em Estado laico?"
Em artigo no site Consultor Jurídico, Simone escreveu muito apropriadamente que há duas formas de separação entre o Estado e as instituições religiosas, uma é total e outra é atenuada - e esta é o caso brasileiro.
"Num Estado laico todo poder emana da vontade do ser humano, e não da ideia que se tenha sobre a vontade dos deuses ou dos sacerdotes", escreveu. "Se o poder emana do ser humano, o direito do Estado também dele emana e em seu nome há de ser exercido."
Por isso, acrescenta ela, a importância do interesse público, resguardando o direito íntimo do livre-pensar, "jamais poderá ser aferido segundo sentimentos ou ideias religiosas, ainda que se trate de religião da grande maioria da população."
O que define um Estado verdadeiramente laico, argumenta a procuradora, não são apenas a garantia da liberdade religiosa e a inexistência formal de relações entre esferas governamental e religiosa, mas também a vigência de normas que proíbam qualquer tipo de influência das crenças na atividade política e administrativa do país.
Vejam, agora, algumas absurdas propostas de Lei a tramitarem no congresso, nas assembléias legislativas e nas câmaras municipais de todo o Brasil pela ala dos fundamentalistas:
- Projeto de Resolução que determinada obrigatoriedade de leitura de versículo bíblico antes de cada sessão na Câmara dos Deputados (PRC 4/1999) e no Senado Federal (PRS 10/2007)
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=21630 e
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=80322
- Projeto de Lei (873/1999) que obriga leitura de versículos bíblicos antes de cada aula nas escolas públicas de SP
http://webspl1.al.sp.gov.br/internet/download?poFileIfs=2480350&%2F01_0873_1999_2480350.tif%22
- Projeto de Lei (256/2011) que obriga todos estabelecimentos de ensino (públicos e privados) do Estado de SP a fixar crufixos em local e em tamanho de fácil visualização, em área de circulação.
http://webspl1.al.sp.gov.br/internet/download?poFileIfs=22010914&%2Fpl256.doc%22
- Emenda evangélica ao projeto de lei acima obrigando também os estabelecimentos de ensino públicos e privados de SP a exporem uma Bíblia em cima da mesa de cada sala de aula.
http://webspl1.al.sp.gov.br/internet/download.do?poFileIfs=22041287&%2Fsl49.doc
- Projeto de Lei (PL 7924/2010) que determina que só terão validade legal os casamentos celebrados por instituições religiosas.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=487034
Conclusão? Para o bem de todos e para a manutenção da paz e da liberdade, que Deus nos ajude a que não venhamos a cair no retrocesso de uma teocracia fundamentalista!
Carlos Antonio Fragoso Guimarães
A Igreja Universal dissecada em um documentário internacional
Segue abaixo partes de um excelente documentário francês sobre a Igreja Universal mostrando como Edir Macedo enriquece, manipula mentes e tenta conquistar o poder. Exemplo que contagiou a outros, como Silas Malafaia, R. R. Soares, o casal Hernandes, etc. em um processo de lavagem cerebral que ajuda a imbecilizar o povo, enfraquecendo a sociedade e a democracia...
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O dia histórico - e raro - em que a Rede Globo teve de beber publicamente de seu próprio veneno...
Este vídeo apresenta a condenação dada pela Justiça à Rede Globo, em março de 1994, impondo à mesma uma espaço de Direito de Resposta dado a Leonel Brizola - a quem as organizações dos Marinho tanto perseguiu do mesmo modo que sordidamente persegue a outros hoje. Um fato a ser lembrando sempre, uma vitória - ainda que pequena diante do poder da Mídia, ainda que os serviços de radiotelevisão seja concessões teoricamente públicas - diante do poder manipulador da Rede Globo...
A Psicologia Holística: Teorias Sistêmicas da Personalidade
Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Desde que René Descartes estabeleceu seu método de análise como um instrumento cientificamente eficaz no estudo dos fenômenos físicos e humanos, exaltando o reducionismo e as relações causais entre as partes que constituem um todo complexo, no século XVII, e postulou uma divisão estrita entre corpo e mente - ou entre a res extensa e a res cogitans -, que as diversas disciplinas acadêmicas tentam se adaptar a um esquema cartesiano de explicação dos diversos fenômenos a que se dedicam. Assim sendo, na esteira da tradição biomédica, a Psicologia foi, desde Wundt, moldada como uma disciplina voltada para a análise do comportamento humano de acordo com preceitos academicamente aceitos de reducionismo e mecanicismo. Tal bagagem referencial vem dificultando o entendimento das relações complementares e a maneira como a mente e o corpo interagem.
Wundt, que é considerado o pai da Psicologia experimental moderna, seguindo a tradição empírica tão cara ao século XIX - tradição esta que advém dos enormes sucessos da Física Clássica de Issac Newton, que, por seu turno, foi precedida pela preparação de uma filosofia racionalista apropriada e em grande parte desenvolvida por René Descartes - estabeleceu uma orientação atômica ou elementarista dos processos mentais, a qual sustentava que todo o funcionamento do nosso psiquismo poderia ser analisado em elementos básicos, elementares e indivisíveis ( como os átomos elementares e indivisíveis que constituiriam o universo mecânico imaginado por Newton), e que seriam os tijolos constituintes das nossas sensações, sentimentos, memória, etc. Esta abordagem reducionista e mecanicista, muito simplória para dar conta de toda a imensa e complexa riqueza do psiquismo humano, logo suscitaram uma forte oposição entre muitos psicólogos e filósofos europeus, que não aceitavam a natureza extremamente fragmentária da psicologia de Wundt. Estes críticos europeus enfatizavam uma compreensão unitária entre a consciência e a percepção, e, em parte, de sua inter-relação com o organismo como um todo. Esta pioneira abordagem holística em Psicologia deu origem a uma importante escola na Alemanha: a Gestalt.
A Psicologia da Gestalt
Formulada entre fins do século passado e início do nosso século, a Psicologia dos Padrões de Totalidade ou de Totalidades Significativas(Gestalten, em alemão) surgiu como um protesto contra a tentativa de se compreender a experiência psíquico-emocional através de uma análise atomística-mecanicista tal como era proposto por Wundt - análise esta no qual os elementos de uma experiência são reduzidos aos seus componentes mais simples, sendo que cada um destes componentes são peças estudadas isoladamente dos outros, ou seja, a experiência é entendida como a soma das propriedades das partes que a constituiriam, assim como um relógio é constituído de peças isoladas.
A principal caraterística da abordagem mecanicista é, pois, a de que a totalidade pode ser entendida a partir das características de suas partes constituidas. Porém, para os psicólogos da Gestalt, a totalidade possui características muito particulares que vão muito além da mera soma de suas partes constitutivas. Como exemplo, poderíamos tomar uma fotografia de jornal é que constituída por inúmeros pontinhos negros espalhados numa área da folha de jornal. Nenhum desses pontinhos, isoladamente, pode nos dizer coisa alguma sobre a fotografia. Apenas quando tomamos a totalidade da figura, é que percebemos a sua significação. A própria palavra Gestalt significa uma disposição ou configuração de partes que, juntas, constituem um novo sistema, um todo significativo.
Sendo assim, o princípio fundamental da abordagem gestáltica é a de que as partes nunca podem proporcionar uma real compreensão do todo, que emerge desta configuração de interações e interdependências de partes constituintes. O todo se fragmenta em meras partes e/ou deixa de ter um significado quando é analisado ou dissecado, ou seja, deixa de ser um todo. Esta escola teve como principais expoentes Max Wertheimer, Wolfgang Kohler e Kurt Koffka. Posteriormente, Kurt Lewin elaboraria uma teoria da personalidade com base na compreensão gestáltica da totalidade significativa, onde se estipula que o comportamento do indivíduo é a resultante da configuração de elementos internos num "espaço vital", que é a totalidade da experiência vivencial do indivíduo num dado momento ( ou seja, todo o conjunto de experiências que se faz sentir num dado momento, de acordo com a percepção/interpretação do indivíduo ).
Estas idéias foram, em parte, adotadas por Carl Rogers em sua teoria da personalidade, conhecida como Abordagem Centrada na Pessoa já que é o cliente que dirige o andamento do processo psicoterapêutico, trazendo e vivenciando o material pessoal exposto nas sessões. Já o psicoterapeuta Frederick S. Perls desenvolveria uma corrente de psicoterapia baseada nos fundamentos da escola da gestalt, pondo em prática uma ação terapêutica voltada aos padrões vivenciais significativos do indivíduo. Esta corrente é conhecida como Gestalt-Terapia.
A Psicologia Organísmica de Kurt Goldstein
Jan Smuts, militar e estadista inglês, que se tornou uma figura importante na história da África do Sul, é freqüentemente reconhecido e citado como o grande pioneiro e precursor filosófico da moderna teoria organísmica ou holística do século XX. Seu livro seminal intitulado Holism and Evolution, de 1926, exerceu uma grande influência sobre vários cientistas e pensadores, muito embora, na época de seu lançamento, tenha passado quase despercebido da elite intelectual da primeira metade do século, tendo só aos poucos ganhando seu merecido espaço nos meios acadêmicos e filosóficos, principalmente graças ao impacto que exerceu em pensadores e teóricos do porte de um Alfred Adler, famoso teórico da personalidade e discípulo dissidente de Sigmund Freud; ou de um Adolf Meyer, psicobiólogo; ou na recente e menos mecanicista linha médica, dentro da alopatia, chamada de psicossomática, etc. Smuts cunhou o termo holismo da raiz grega holos, que significa todo, inteiro, completo. Mas as verdadeiras bases da concepção holística, ou do pensamento holístico, vêm verdadeiramente de muito antes, desde Heráclito, Pitágoras, Aristóteles e Plotino até Spinoza, Goethe, Schelling, Flammarion e Willian James (Hall e Lindzey, 1978; Crema, 1988; Guimarães, 1996).
Um dos maiores expoentes do pensamento holístico em psicologia e em psiquiatria é Kurt Goldstein. Ele formulou a sua teoria holística da psique a partir de seus estudos e observações clínicas realizados em soldados lesionados no cérebro durante a I Guerra Mundial, e de estudos sobre distúrbios de linguagem. Deste leque de observações, Goldstein chegou à conclusão (hoje mais ou menos óbvia) de que um determinado sintoma patológico não pode ser compreendido ou reduzido a uma mera lesão orgânica localizada, mas como tendo características e/ou fortes reforços ou abrandamentos do organismo como um todo, como um conjunto integrado, como um holos e não como um conjunto de partes mais ou menos independentes.
Segundo Goldstein, o corpo e a mente não podem ser vistos como entidades separadas, tais como separamos o software do hardware, pois ambos só se expressam na conjunção, na união e íntima conexão de ambos. O organismo é uma só unidade e o que ocorre em uma parte afeta o todo, como já era reconhecido pela da medicina Homeopática e pelas artes da cura não ocidentais, como na medicina chinesa, e na sabedoria das tradições populares e xamanísticas de povos ditos "primitivos" (Capra, 1986; Eliade, 1997; Guimarães, 1996).
Qualquer fenômeno, quer seja positivo ou não, se passa tanto ao nível fisiológico quanto psicológico, ou seja, se passa sempre no contexto do organismo como um todo, a menos que se tenha isolado artificialmente este contexto, como se fez nas ciências e nos meios acadêmicos desde Descartes, com as esferas da Res Cogitans, que é a esfera do mental, e da Res Extensa ou a esfera do físico, e a ramificação entre ciências naturais e ciências humanas. Ora, não existe real diferenciação (no sentido de mensuração) entre estes dois ramos. Assim, qualquer redução ou caracterização em um ou outro destes critérios (físico e mental) é um isolamento artificial e, consequentemente, parcial.
As leis do organismo são as leis de uma totalidade dinâmica, que harmoniza as "diferentes" partes que constituem esta totalidade. Portanto, é necessário descobrir as leis pelas quais o organismo inteiro funciona, para que se possa compreender a função de qualquer de seus componentes, e não o inverso, como se tem feito até hoje (Hall e Lindzey, 1978). É este o princípio básico da teoria organísmica ou holística em saúde, principalmente em Psicologia.
Goldstein acreditava que os sintomas patológicos eram uma interferência do meio sobre a organização do todo, ou eram, em menor grau, conseqüências de anomalias internas. Mas, de qualquer forma, a tendência intrínseca ao equilíbrio dinâmico poderia levar o indivíduo a se adaptar à nova realidade, desde existam os meios que sejam apropriados para isso. Assim, Goldstein via em todo o ser vivo uma tendência de auto-realização que significaria uma esforço constante para a realização das potencialidades inerentes dos seres vivos, mesmo que haja um meio hostil. É assim que, mesmo em ambientes não propícios, vemos nascerem plantas que, mal grado, não consigam se desenvolver totalmente, mesmo assim teimam em nascer, mesmo que venham a morrer ou a se atrofiarem em breve, mas a ânsia de viver é mais forte. Esta idéia de auto-realização ou de auto-atualização foi, posteriormente, adotada por teóricos vários, desde Carl Rogers até biólogos, como Maturana.
Andras Angyal e o conceito de Biosfera
Assim como Goldstein, Andras Angyal, húngaro naturalizado americano, não poderia conceber uma ciência que não fosse holística, alcançando a pessoa e a vida como um todo. Mas, ao contrário de Goldstein, Angyal não podia admitir numa distinção entre o organismo e o meio-ambiente, assim como um físico relativista não pode acreditar numa separação rígida entre matéria e energia. Angyal afirma que organismo e meio ambiente se interpenetram de uma forma tão complexa que qualquer tentativa para separá-lo expressa uma visão mecanicista do mundo que destrói a unidade natural de todas as coisas (unidade sutil, é verdade, mas bem visível na interdependência bio-ecológica e social de todos os seres vivos), o que cria uma diferenciação artificial e patológica entre o organismo e o meio (Hall e Lindzey, 1978; Capra, 1986), o que estimula todo o tipo de crime social e ecológico que vemos em nosso século. Se, na história da humanidade, houve grandes catástrofes naturais e grandes genocídios através da mão humana em nome da religião, por exemplo, mesmo assim nunca se matou tanto como em nossos dias, em nome de uma concepção de mundo mecanicista- racionalista e capitalista, onde tudo foi separado de tudo, e os seres vivos são vistos como máquinas e nada mais.
Angyal criou o termo biosfera para traduzir uma concepção holística ou ecológica que compreenda o indivíduo e o meio "não como partes em interação, não como constituintes que tenham uma existência independente dos demais, como peças de um relógio, mas como aspectos de uma mesma realidade, que só podem ser separados realizando-se uma abstração" (Angyal, cit. em Hall e Lindzey, 1978, p. 43).
A biosfera, portanto, em seu sentido mais amplo seria mais ou menos como a atual concepção de Gaia, ou da Terra viva. A biosfera pode ser vista em vários níveis, inclusive no nível humano, onde um indivíduo constitui uma biosfera particular em relação ao seu conjunto orgânico e psíquico, assim como uma sociedade, etc. Assim, a Biosfera inclui tanto os processos somáticos quanto os psicológicos (individuais e coletivos) e os sociais, que podem ser estudados assim, separadamente, mas só até certo ponto.
Segundo Hall e Lindzey (1978), embora seja a Biosfera um todo indivisível, ela é composta e organizada por sistemas estruturalmente articulados. A tarefa do cientista seria, assim, de identificar as linhas de demarcação determinadas na biosfera pela estrutura natural do todo em si mesmo. Assim, um homem se diferencia de outro homem, mas ambos possuem características que nos permitem classificá-los como homens e não como peixes, etc.
O organismo individual, um sujeito, portanto, constitui um pólo da biosfera, e o meio ambiente, natural e social, o outro polo. Toda a dinâmica essencial da vida está fundada na interação entre estes dois pólos. Angyal postula que não são os processos de um ou de outro que determinam ou refletem a realidade, mas a interação contínua de ambos. Assim, a vida como um todo unitário nos daria uma nova visão e a possibilidade de percebermos fenômenos e detalhes que nos escapam no estudo polar de ambos os níveis da realidade.
Bibliografia
- Hall, Calvin S. & Lindzey, Gardner. Theories of Personality, 3º Ed., Jonh Wiley & Sons, Inc. 1978
- Fadiman, James & Frager, Robert. Teorias da Personalidade. Ed. Harbra, São Paulo, 1986
- Capra, Fritjof. O Ponto de Mutação, Ed. Cultrix, São Paulo, 1986.
- Guimarães, Carlos. Percepção e Consciência, Ed. Persona, João Pessoa, 1996
O arquétipo do Caminho, segundo Leonardo Boff
O caminho como arquétipo
Leonardo Boff
28/11/2012
Tenho especial fascínio por caminhos, especialmente caminhos de roça, que sobem penosamente a montanha e desaparecem na curva da mata. Ou caminhos cobertos de folhas de outono, multicores e em tardes mortiças, pelos quais andava nos meus tempos de estudante, nos Alpes do sul da Alemanha. É que os caminhos estão dentro de nós. E há que se perguntar aos caminhos o porquê das distâncias, porquê, por vezes, são tortuosos, cansativos e difíceis de percorrer. Eles guardam os segredos dos pés dos caminhantes, o peso de sua tristeza, a leveza de sua alegria ao encontrar apessoa amada.
O caminho constitui um dos arquétipos mais ancestrais da psiqué humana. O ser humano guarda a memória de todo o caminho perseguido pelos 13,7 bilhões de anos do processo de evolução. Especialmente guarda a memória de quando nossos antepassados emergiram: o ramo dos vertebrados, a classe dos mamíferos, a ordem dos primatas, a família dos hominidas, o gênero homo, a espécie sapiens/demens atual.
Por causa desta incomensurável memória, o caminho humano apresenta-se tão complexo e, por vezes, indecifrável. No caminho de cada pessoa trabalham sempre milhões e milhões de experiências de caminhos passados e andados por infindáveis gerações. A tarefa de cada um éprolongar este caminho e fazer o seu caminho de tal forma que melhore e aprofunde o caminho recebido, endireite o torto e legue aos futuros caminhantes, um caminho enriquecido com sua pisada.
Sempre o caminho foi e continua sendo uma experiência de rumo que indica a meta e, simultaneamente, ele é o meio pelo qual se alcança a meta. Sem caminho nos sentimos perdidos, interior e exteriormente. Mergulhamos na escuridão e na confusão. Como hoje, a humanidade, sem rumo e num voo cego, sem bússula e estrelas a orientar as noites ameaçadoras.
Cada ser humano é homo viator, é um caminhante pelas estradas da vida. Como diz o poeta cantante indígena argentino Atahulpa Yupanki, “o ser humano é a Terra que caminha”. Não recebemos a existência pronta. Devemos construí-la. E para isso importa rasgar caminho, a partir epara além dos caminhos andados que nos antecederam. Mesmo assim, o nosso caminho pessoal e particular nunca é dado uma vez por todas. Tem que ser construído com criatividade e destemor. Como diz o poeta espanhol António Machado: “caminhante, não há caminho, se faz caminho caminhando”.
Efetivamente, estamos sempre a caminho de nós mesmos. Fundamentalmente, ou nos realizamos ou nos perdemos. Por isso, há basicamente dois caminhos como diz o primeiro salmo da Bíblia: o caminho do justo e o caminho do ímpio, o caminho da luz ou o caminho das trevas, o caminho do egoísmo ou o caminho da solidariedade, o caminho do amor ou o caminho da indiferença, o caminho da paz ou o caminho do conflito. Numa palavra: ou o caminho que leva a um fim bom ou o caminho que leva a um abismo.
Mas prestemos a atenção: a condição humana concreta é sempre a coexistência dos dois caminhos e o entrecruzamento entre eles. No bom caminho se esconde também o mau. No mau, o bom. Ambos atravessam nosso coração. Essa é o nosso drama que pode se transformar em crise e até em tragédia.
Como é difícil separar totalmente o joio do trigo, o bom do mau caminho, somos obrigados fazer umaopção fundamental por um deles: pelo bom embora nos custe renúncias e até nos traga desvantagens; mas pelo menos nos dá a paz da consciência e a percepção de fazermos o certo. E há os que optam pelo caminho do mal: este é mais fácil, não impõe nenhum constrangimento, pois vale tudo contanto que traga vantagens. Mas cobra um preço: a acusação da consciência e os riscos de punições e até da eliminação.
Mas a opção fundamental confere a qualidade ética ao caminho humano. Se optamos pelo bom caminho, não serão pequenos passos equivocados ou tropeços que irão destruir o caminho e seu rumo. O que conta realmente frente à consciência e diante d'Aquele que a todos julga com justiça, é esta opção fundamental.
Por esta razão, a tendência dominante na teologia moral cristã é substituir a linguagem de pecado venial ou mortal por outra mais adequada à unidade do caminho humano: fidelidade ou infidelidade à opção fundamental. Não se há de isolar atos e julga-los desconectados da opção fundamental. Trata-se de captar a atitude básica e o projeto de fundo que se traduz em atos e que unifica a direção da vida. Se esta opta pelo bem, com constância e fidelidade, será ela que conferirá maior ou menor bondade aos atos, não obstante os altos e baixos que sempre ocorrem mas que não chegam a destruir o caminho do bem. Este vive no estado de graça. Mas há também os que optaram pelo caminho do mal. Por certo passarão pela severa clínica de Deus caso acolherem misericórdia de suas maldades.
Não há escapatória: temos que escolher que caminho construir e como seguir por ele, sabendo que “viver é perigoso”(G. Rosa). Mas nunca andamos sós. Multidões caminham conosco, solidárias no mesmo destino acompanhadas por Alguém chamado:”Emanuel, Deus conosco”.
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
Jean Wyllys soube como desmascarar Silas Malafaia
É realmente estarrecedor, ao mesmo tempo que interessante, a forma como a mesquinharia, o preconceito, o esnobismo e a maldade maquiada de religiosidade (mas, de fato, não passando de hipocrisia e mediocridade) vem trazendo, ultimamente, o pior das pessoas....
Parabéns ao deputado do PSOL, Jean Wyllys, pela coragem e clareza de enfrentar um hipócrita Silas Malafaia, que posa de científico "psicólogo" além de moralista encobridor do explorador de fé que, de fato, é! Wyllys soube, em poucas palavras, desnudar a empáfia, a arrogância, a imbecilidade e a superficialidade verborrágica mas vazia do pastor, legítimo representante do que existe de pior e mais retrógrado a contaminar, tal como uma doença, o Brasil atual...
Abaixo, videos de Cábio Fábio sobre as armações e mentiras dos pentecostais, especialmente da espécie malafáica...
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quarta-feira, 28 de novembro de 2012
Eduardo Galeano: "Quem deu a Israel o direito de negar todos os direitos?"
O exército israelense, um dos mais modernos e sofisticados do mundo, sabe a quem mata. Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas de “danos colaterais”, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez “danos colaterais”, três são crianças
O texto abaixo é de Eduardo Galeano
fonte: Revista Fórum
Para justificar-se, o terrorismo de Estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los.
Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma armadilha sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições em 2006. Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e, desde então, viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.
São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras que foram palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há muitos anos, o direito à existência da Palestina.
Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel está apagando-a do mapa. Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam a pilhagem, em legítima defesa.
Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel devorou outro pedaço da Palestina, e os almoços seguem. O apetite devorador se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.
Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que burla as leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros.
Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não conseguiu bombardear impunemente ao País Basco para acabar com o ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência manda chuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?
O exército israelense, o mais moderno e sofisticado mundo, sabe a quem mata. Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas de “danos colaterais”, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez “danos colaterais”, três são crianças. E somam aos milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando com êxito nesta operação de limpeza étnica.
E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cem palestinos mortos, um israelense. Gente perigosa, adverte outro bombardeio, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a crer que uma vida israelense vale tanto quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a acreditar que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.
A chamada “comunidade internacional”, existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos adotam quando fazem teatro?
Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se ilumina uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade.
Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E, como sempre, os países europeus esfregam as mãos. A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama alguma que outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caçada de judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada dos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão pagando, com sangue constante e sonoro, uma conta alheia.
A autonomia da Felicidade e a incompletude da Tristeza
A felicidade se contenta em si....
Já a tristeza busca a solidariedade...
Carlos Antonio Fragoso Guimarães
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
Os pretensos auto-intitulados "Conscientes 'Cristãos' " - do evangelismo narcísico, lucrativo e exclusivista - deveriam refletir sobre isto
Imagine um país que se diz laico, e na lei se faz Laico, e tem setores religiosos que se julgam superiores aos demais e que, por isso, politicamente pressiona prefeituras para financiar com dinheiro público mega-encontros de propaganda evangélica em uma cidade do interior.... Cuspindo maldições a quem pensa diferente, exalando preconceitos medievais contra ateus, agnósticos, espíritas, budistas ou apenas tem um outro modo de ver o mundo e as coisas, se dizem, assim mesmo, membros de um pretenso "Encontro da Consciência Cristã"? O que achara do fato de alguns de seus membros ou simpatizantes não se sentem constrangido de por fogo em pneus para ameaçar um encontro anterior ao deles, não apenas mais antigo como mais democrático e tolerante, chamado Encontro para a Nova Consciência, que existia pacificamente e anteriormente ao outro, posto que não-religioso, mas ecumênico, você consideraria este um encontro de membros realmente cristãos? Sim? Pois, seria bom você refletir sobre este texto acima e, mais abaixo, um vídeo de Cáio Fábio....
Depois, escute um áudio muitíssimo lúcido do pastor e teólogo evangélico Ed René Kivitz (se achar muito longo, há um resumo escrito, mais sucinto, da palestra de Ed René mais abaixo) e, então, espero que o leitor se pergunte se faz sentido este tal encontro de uma pretensa consciência "cristã", quando muito mais preciso seria o título de encontro da "hipocrisia" pretensamente cristã, tãop pródigos em criticarem os demais mais farisaicamente prontos a se auto-exaltarem como os pretensos exemplos a s erem seguidos, aliás, os únicos.... As fotos e desenhos ao lado do texto ajudam a esclarecer a prática televangélica-materialista e absurda de hoje...
Depois, escute um áudio muitíssimo lúcido do pastor e teólogo evangélico Ed René Kivitz (se achar muito longo, há um resumo escrito, mais sucinto, da palestra de Ed René mais abaixo) e, então, espero que o leitor se pergunte se faz sentido este tal encontro de uma pretensa consciência "cristã", quando muito mais preciso seria o título de encontro da "hipocrisia" pretensamente cristã, tãop pródigos em criticarem os demais mais farisaicamente prontos a se auto-exaltarem como os pretensos exemplos a s erem seguidos, aliás, os únicos.... As fotos e desenhos ao lado do texto ajudam a esclarecer a prática televangélica-materialista e absurda de hoje...
O Evangelho dos Evangélicos
Ed René Kivtz
Fonte: http://outraespiritualidade.blogspot.com.br/2006/09/o-evangelho-dos-evanglicos.html
“Nem todo aquele que me diz Senhor, Senhor, entrará no Reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus.” - Jesus Cristo
Estou convencido de que um é o evangelho dos evangélicos, outro é o evangelho do reino de Deus. Registro que uso o termo “evangélico” para me referir à face hegemônica da chamada igreja evangélica, como se apresenta na mídia radiofônica e televisiva.
O evangelho dos evangélicos é estratificado. Tem a base e tem a cúpula. Precisamos falar com muito cuidado da base, o povo simples, fiel e crédulo. Mas precisamos igualmente discernir e denunciar a cúpula. A base é movida pela ingenuidade e singeleza da fé; a cúpula, muita vez é oportunista, mal intencionada, e age de má fé. A base transita livremente entre o catolicismo, o protestantismo e as religiões afro. A base vai à missa no domingo, faz cirurgia em centro espírita, leva a filha em benzedeira, e pede oração para a tia que é evangélica. Assim é o povo crédulo e religioso. Uma das palavras chave desta estratificação é “clericalismo”: os do palco manipulando os da platéia, os auto-instituídos guias espirituais tirando vantagem do povo simples, interesseiro, ignorante e crédulo.
A cúpula é pragmática, e aproveita-se desse imaginário religioso como fator de exploração e de crescimento da pessoa jurídica, e enriquecimento da pessoa física. Outra palavra chave é “sincretismo”. A medir por sua cúpula, a igreja evangélica virou uma mistura surreal de macumba, protestantismo e catolicismo. Tem igreja que se diz evangélica promovendo “marcha do sal”: você atravessa um tapete de sal grosso, sob a bênção dos pastores, e se livra de mal olhado, dívida, e tudo que é tipo de doença. Já vi igreja que se diz evangélica distribuir cajado com água do Jordão (i.é, um canudo de bic com água de pia), para quem desejasse ungir o seu negócio, isto é, o seu business. Lembro de assistir a um programa de TV onde o apresentador prometia que Deus liberaria a unção da casa própria para quem se tornasse um mantenedor financeiro de sua igreja.
O povo religioso é supersticioso e cheio de crendices. Assim como o Brasil. Somos filhos de portugueses, índios, africanos, e muitos imigrantes de todo canto do planeta. Falar em espíritos na cultura brasileira é normal. Crescemos cheios de crendices: não se pode passar por baixo de escada; gato preto dá azar; caiu a colher, vem visita mulher, caiu garfo, vem visita homem; e outras tantas idéias sem fundamento. Somos assim, o povo religioso é assim. Tem professor de universidade federal dando aula com cristal na mão para se energizar enquanto fala de filosofia.
E a cúpula evangélica aproveita a onda e pratica um estelionato religioso: oferece uma proposta ritualística que aprisiona, promove a culpa e, principalmente, ilude, porque promete o que não entrega. Aliás, os jornais começam a noticiar que os fiéis estão reivindicando indenizações e processando igrejas por propaganda enganosa.
O evangelho dos evangélicos é estratificado. A base é movida pela ingenuidade e singeleza da fé, e a cúpula é oportunista. A base transita entre o catolicismo, o protestantismo e as religiões-afro, e a cúpula é pragmática. A base é cheia de crendices e a cúpula pratica o estelionato religioso.
O evangelho dos evangélicos é mercantilista, de lógica neoliberal. Nasce a partir dos pressupostos capitalistas, como, por exemplo, a supremacia do lucro, a tirania das relações custo-benefício, a ênfase no enriquecimento pessoal, a meritocracia – quem não tem competência não se estabelece. Palavra chave: prosperidade. Desenvolve-se no terreno do egocentrismo, disfarçado no respeito às liberdades individuais. Palavra chave: egoísmo. Promove a desconsideração de toda e qualquer autoridade reguladora dos investimentos privados, onde tudo o que interessa é o lucro e a prosperidade do empreendedor ou investidor. Palavra chave: individualismo. Expande-se a partir da mentalidade de mercado. Tanto dos líderes quanto dos fiéis. Os líderes entram com as técnicas de vendas, as franquias, as pirâmides, o planejamento de faturamento, comissões, marketing, tudo em favor da construção de impérios religiosos. Enquanto os fiéis entram com a busca de produtos e serviços religiosos, estando dispostos inclusive a pagar financeiramente pela sua satisfação. Em síntese, a religião na versão evangélica hegemônica é um negócio.
O sujeito abre sua micro-empresa religiosa, navega no sincretismo popular, promete mundos e fundos, cria mecanismos de vinculação e amarração simbólicas, utiliza leis da sociologia e da psicologia, e encontra um povo desesperado, que está disposto a pagar caro pelo alívio do seu sofrimento ou pela recompensa da sua ganância.
Em terceiro lugar, o evangelho dos evangélicos é mágico. Promove a infantilização em detrimento da maturidade, a dependência em detrimento da emancipação, e a acomodação em detrimento do trabalho.
Pra ser evangélico você não precisa amadurecer, não precisa assumir responsabilidades, não precisa agir. Não precisa agregar virtudes ao seu caráter ou ao processo de sua vida. Primeiro porque Deus resolve. Segundo porque se Deus não resolver, o bispo ou o apóstolo resolvem. Observe a expressão: “Estou liberando a unção”. Pensando como isso pode funcionar, imaginei que seria algo como o apóstolo ou bispo dizendo ao Espírito Santo: “Não faça nada por enquanto, eles não contribuíram ainda, e eu não vou liberar a unção”.
Existe, por exemplo, a unção da superação da crise doméstica. Como isso pode acontecer? A pessoa passa trinta anos arrebentando com o seu casamento, e basta se colocar sob as mãos ungidas do apóstolo, que libera a unção, e o casamento se resolve. Quem não quer isso? Mágica pura.
O sujeito é mau-caráter, incompetente para gerenciar o seu negócio, e não gosta de trabalhar. Mas basta ir ao culto, dar uma boa oferta financeira, e levar para casa um vidrinho de óleo de cozinha para ungir a empresa e resolver todos os problemas financeiros.
Essa postura de não assumir responsabilidades, de não agir com caráter, e esperar que Deus resolva, ou que o apóstolo ou bispo liberem a unção tem mais a ver com pensamento mágico do que com fé.
Em quarto lugar, o evangelho dos evangélicos tem espírito fundamentalista. Peço licença para citar Frei Beto: “O fundamentalismo interpreta e aplica literalmente os textos religiosos, não sabe que a linguagem simbólica da Bíblia, rica em metáforas, recorre a lendas e mitos para traduzir o ensinamento religioso.” O espírito fundamentalista é literalista, e o mais grave é que o espírito fundamentalista se julga o portador da verdade, não admite críticas, considerações ou contribuições de outras correntes religiosas ou científicas.
Quem tem o espírito fundamentalista não dialoga, pois considera infiéis, heréticos, ou, na melhor das hipóteses, equivocados sinceros, todos os que não concordam com seus postulados, que não são do mesmo time, e não têm a mesma etiqueta. Quem tem o espírito fundamentalista se considera paradigma universal. Dialoga por gentileza, não por interesse em aprender. Ouve para munir-se de mais argumentos contra o interlocutor. Finge-se de tolerante para reforçar sua convicção de que o outro merece ser queimado nas fogueiras da inquisição. Está convencido de que só sua verdade há de prevalecer.
Mais uma vez Frei Beto: “o fundamentalista desconhece que o amor consiste em não fazer da diferença, divergência”. Por causa do espírito fundamentalista, o evangelho dos evangélicos é sectário, intolerante, altamente desconectado da realidade. O evangelho dos que têm o espírito do fundamentalismo é dogmático, hermético, fechado a influências, e, portanto, é burro e incoerente.
Em quinto lugar, o evangelho dos evangélicos é um simulacro. Simulacro é a fotografia mais bonita que o sanduíche. Não me iludo, o evangelho dos evangélicos é mais bonito na televisão do que na vida. As promessas dos líderes espirituais são mais garantidas pela sua prepotência do que pela sua fé. Temos muitos profetas na igreja evangélica, mas acredito que tenhamos muito mais falsos-profetas. Os testemunhos dos abençoados são mais espetaculares do que a realidade dos cristãos comuns. De vez em quando (isso faz parte da dimensão masoquista da minha personalidade) fico assistindo estes programas, e penso que é jogada de marketing, testemunho falso. Mas o fato é que podem ser testemunhos por amostragem. Isto é, entre os muitos que faliram, há sempre dois ou três que deram certo. O testemunho é vendido como regra, mas na verdade é apenas exceção.
A aparência de integridade dos líderes espirituais é mais convincente na TV e no rádio do que na realidade de suas negociatas. A igreja evangélica esta envolvida nos boatos com tráficos de armas, lavagem de dinheiro, acordos políticos, vendas de igrejas e rebanhos, imoralidade sexual, falsificação de testemunho, inadimplência, calotes, corrupção, venda de votos.
A integridade do palco é mais atraente do que a integridade na vida. A fé expressa no palco, e nas celebrações coletivas é mais triunfante, do que a fé vivida no dia a dia. Os ideais éticos, e os princípios de vida são mais vivos nos nossos guias de estudos bíblicos e sermões do que nas experiências cotidianas dos nossos fiéis. Os gabinetes pastorais que o digam: no ambiente reservado do aconselhamento espiritual a verdade mostra sua cara.
Estratificado, mágico, mercantilista, fundamentalista, e simulacro. Eis o evangelho dos “evangélicos”.
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quarta-feira, 21 de novembro de 2012
O Corvo, de Edgar Allan Poe
O Corvo
( The Raven)
de
Edgar Allan Poe
(1809-1849)
escrito em 1845
Tradução de
Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Era meia-noite fria; e eu, já fraco e triste, lia
vagos volumes de saberes ancestrais.
Já quase ia adormecendo, quando ouvi lá fora um bater
como o de alguém a querer atravessar os meus portais.
“É um visitante que intenta atravessar os meus umbrais” –
pensei. – “Apenas isto e nada mais!”
Ah, quão claramente me lembro! Era então o gélido dezembro;
e o fogo lançava ao chão – bem lembro – sombras fantasmais.
Pela madrugada eu lamentava e nos livros procurava
esquecer a amada que hora errava entre legiões celestiais –
a chamada Lenora entre as legiões celestiais,
e que aqui já não terá seu nome dito nunca mais.
E como cada suave movimento do escuro cortinado
me deprimia e a mim enchia de terrores espectrais;
eu, palpitante, calando o peito ofegante,
repetia ainda mais:
“É uma visita que pede guarita e quer cruzar meus umbrais,
uma tardia visita, apenas, que vem cruzar meus portais.
Apenas isto e nada mais.”
Assim refeito num instante, minh'alma não mais se fez hesitante.
“Senhor” – disse eu– “ou senhora que lá fora me chamais.
Eu, porque quase dormia, mal percebi que alguém batia,
e tão levemente chamava por detrás de meus umbrais,” –
mumurei abrindo os portais – “que espero possais desculpar-me.”
E então apenas trevas e nada mais.
A escuridão observando, lá fiquei, tremendo, ouvindo,
imaginando, em incógnitas, imagens que mortal algum jamais sonhou iguais.
Mas o escuro insistia, e a calma era profunda e vazia,
e a única voz que eu ouvia eram os meus profundos ais
ao dizer o nome dela, repetido sorrateiro pelos ecos, dos meus tristes ais.
Foi isto apenas e nada mais.
Ao quarto retornando – e minha alma em mim se conturbando –,
novamente ouvi batidas, mais fortes, por detrais dos meus umbrais.
“É alguém que bate fora, junto à minha janela agora
buscando um abrigo, talvez, e implora” – pensei e assim busquei sinais. –
“Acalma-te, coração, pois que deve ser por isso estes sinais...
Ou só o vento e nada mais.”
Abri, então, a janela, e eis que vejo por ela
adentrar vistoso Corvo daqueles de tempos ancestrais.
Entrou sem deferimento, não fez qualquer cumprimento,
mas com ares agourentos pousou sobre os meus portais.
Pousou num alvo busto de Palas, que existe sobre os meus umbrais,
Foi lá pousar e nada mais.
Frente à tão estranha ave, surpresa, sorriu-se a minha tristeza
ante o solene decoro de seus ares senhoriais.
“Tens aspecto tosado,” – falei eu – “e assim pareces ousado,
rígido e pretérito Corvo, emergido dos noturnos litorais.
Diz-me se tens um nome lá nas trevas infernais!”
E o corvo disse: “Nunca mais.”
Qual não foi o meu espanto ao ouvir palavras claras e tais
Embora não fizessem sentido ainda que soassem naturais.
Contudo seria assim possível, de ter alguém então já visto
uma ave assim pousada por cima dos seus umbrais
com um tal nome “Nunca mais”?
Mas o pássaro sobre o busto nada mais disse, solene,
além dessas palavras, como se nelas dirigesse toda a alma.
E nada mais pronunciou, nenhuma pena agitou,
De som só o murmurar de meus ais: “Amigos já não os tenho.
Na manhã, como os meus anseios, aqui também não estarás mais.”
E o Corvo disse: “Nunca mais.”
Atônito pela clara frase ouvida, perturbado
eu falei ainda: “É tudo o que sabes dizer, e mais que isso não dirás.
Aprendestes ao ouvir de algum dono a cujo triste
destino e abandono acaso acompanhaste com teus olhos penumbrais –
e cuja dor se exprimia em sílabas plenas de ais
em seu surrado falar: ‘Nunca mais.’”
Mas, ainda a ele vir, voltou minha alma a sorrir;
e uma poltrona empurrei para junto dos umbrais.
E, então ali me pondo, uns aos outros fui juntando
mil devaneios, pensando na ave de eras ancestrais,
na lenta, negra, agourenta ave de eras penumbrais
que dizia tão somente “Nunca mais”.
Lá fiquei, ainda, a cogitar, sem mais nada ao Corvo falar
ainda que seus olhos fixos em meu peito furassem como punhais;
lá fiquei, absorto e mudo, sentado sobre o veludo
a cabeça em tal estudo, sob fagulhas espectrais –
no veludo que então Lenora, entre as sombras desiguais,
não voltará a tocar nunca mais.
Senti que o ar ficou mais denso, como o perfume de algum incenso
que anjos esparzissem com passagens angelicais.
“Teu Deus” – disse-me a mim – “pelos seus anjos mandou-te
o esquecimento, aliviando-te de dores brutais!
Bebe o nepente e esquece de tuas dores infernais!”
Mas o Corvo disse: “Nunca mais.”
“Profeta ou demônio” – eu então falei – “que de negro te vestisse!
Se foi a tormenta ou o diabo quem te trouxe aos meus portais;
pergunto se nesta terra arrasada, deserta, agra e amaldiçoada,
se nesta casa assombrada pelo horror, em que não pareces querer sair,
existe alívio – eu te indago, a ti que daí não te queres mais sair!”
E o Corvo disse: “Nunca mais.”
“Profeta ou demônio” – eu ainda disse – “que de negro te vestisse!
Pelo alto Céu que nos encobre, pelo Deus a quem ambos nos curvamos,
dize a esta alma – te ordeno – se nalgum Éden futuro
ela há de rever o puro ser que agora já não vê mais,
de Lenora a radiante e pura existência que não se sente mais.”
E o Corvo disse: “Nunca mais.”
“Que do nosso adeus seja esse teu dito, ave ou negro ente!
Retorna, pois, à tormenta e às trevas infernais!
Sequer uma pluma reste a lembrar do que disseste
em minha solidão! Deixa, pois, os meus umbrais!
Tira o negro bico do meu peito e vai-te embora dos meus portais!”
E o Corvo disse: “Nunca mais.”
E o Corvo lá ficou, na noite infinda e ainda lá se demora,
pousado no busto branco de Palas, sobre os meus umbrais,
com a aparência tristonha de algum demônio que sonha;
enquanto a luz, no piso, desenha sombras fantasmais;
e eis que, perdida nos contornos das sombras espectrais,
permanece a minh'alma que do chão não se erguerá – nunca mais!
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