segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Jesus Camp: o fundamentalismo evangélico e a política



Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Em 2006 o mundo ainda livre ficou estarrecido com as cenas de um documentário que concorreu ao Oscar: Jesus Camp, a história de uma colônia de "férias" chamada Kids on Fire, em que se mostra todo um processo de doutinação de meninos e meninas para se transformarem em "soldados" da fé, ou seja, modelados para serem ativistas sectários com a missão de converter os não pentecostais e os que pensam diferente deles, ainda tornando-se defensores agressivos do modo americano de vida.

Uma das cenas mais marcantes do documentário, feito por Rachel Grady e Heide Swing, é a de quando a pastora Becky Fisher põe um poster em tamanho natural do sórdido George W. Bush e pondo as crianças se postem diante do mesmo, adorando-o e o abençoando, repetindo frases como a de que o "Líder" está construindo "uma nação para Deus". Esta é uma tática já conhecida desde os tempos da juventude hitlerista, baseada na fascinação obsessiva para fazela-as crer que Bush e sua equipe extra-ultra-conservadora foi um dos melhores bens já ocorridos ao EUA e ao mundo. Veja-se o video abaixo, extraído do documentário Jesus Camp:



Aliás, tirando algumas Igrejas Protestantes históricas européias, mais sérias, lúcidas e benéficas, a maior parte das Novas Igrejas Midiáticas fazem do culto à personalidade de seus líderes uma constante e a própria mensagem espiritual fica reduzida a um materialismo tranvestido de cristianismo, já que as promessas são sempre de "ganho", "vitória", "guerra santa" e vantagens pessoais desde que se pague aos pastores para reconhecer que eles detém a "verdade" sobre Cristo, o "Senhor" que servirá como o gênio da lâmpada dando tudo o que se pedir - bem diferente do mestre que pedia uma atitude ética e de amor para todos - e que deve ser aceito (como se ele fosse desconhecido e não amado por bilhões, mesmo os não pertecentes à igrejas).

O documentário Jesus Camp retrata com cenas fortes como o acampamento de férias da Kids on Fire transformava crianças em soldados para a "causa de Deus" transformando-os fanáticos de guerra. O objetivo era o de serem treinadas a seguirem cegamente o cristianismo biblicista, desconsiderando a mensagem de Cristo em Mateus de que nem todo o que diz "Senhor, Senhor" será salvo, mas adotando a visão de Paulo de que basta acreditar e ter fé na figura do estranho "Senhor Jesus" - que nada tem a ver com o Jesus meigo e tolerante dos evangelhos - e lutar para converter e implantar a todo o custo a visão fundamentalista e capitalista para ter assegurado um lugar no "céu".

Crianças treinadas a desconsiderar como "obra do maligno" (no final o grande aliado sempre chamado a retirá-los de situações intelectualmente desafiantes) qualquer tipo de informação que questionasse essa doutrina de acomodação, “aprendendo” a desprezar a lei factual da evolução da espécies descrita por Darwin em favor da crença "criacionista ” literal da Bíblia, sendo induzidas a acreditar que filmes como os de Harry Potter são manifestações ideológicas do Mal. Aprendem que católicos são perigosos idólatras (enquanto não reconhecem a si mesmos como bibliólatras que preferem "a letra que mata ao espírito que vivifica", como foi escrito pelo próprio Paulo de Tarso) e que árabes são demônios, que filmes que falem e denunciem contra o capitalismo são elementos criados pelo diabo para seduzir os incautos, já que o capitalismo é o mais justo dos sistemas, aprovada, segundo eles, pela própria Bíblia (presunção sem fundamento que foi brilhantemente posta abaixo por Michael Moore em seu excelente documentário "Capitalismo, uma História de Amor").

Como bem reflete sobre o assunto Frei Betto (http://alainet.org/active/7132&lang=es)

Escolas do Sul dos EUA, e também no Estado do Rio de Janeiro, rejeitam os avanços científicos resultantes das pesquisas de Darwin e ensinam que o homem e a mulher foram criados diretamente por Deus. Tal visão fundamentalista nem sequer reconhece que "Adão", em hebraico, significa terra, e "Eva", vida. Como os autores hebreus do Antigo Testamento não raciocinavam com categorias abstratas, à semelhança da gente simples do povo, o conceito ganhou plasticidade simbólica no causo de Adão e Eva.

Todo fundamentalista é, a ferro e fogo, um "altruísta". Está tão convencido de que só ele enxerga a verdade que trata de forçar os demais a aceitar o seu ponto de vista... para o bem deles! Há muitos fundamentalismos em voga, desde o religioso, que confessionaliza a política, ao líder político que se considera revestido de missão divina. Eles geram fanáticos e intolerantes. O mais próximo de nós, brasileiros, é o que vigora no governo dos EUA, convencido de que promove o bem contra as forças do mal, utilizando armas letais no extermínio do povo iraquiano e tratando os homossexuais como doentia aberração da natureza. Uma das melhores conquistas da modernidade é a separação entre a Igreja e o Estado. Nada de papas coroando reis, como na Idade Média, ou de presidentes consagrando a nação ao Sagrado Coração de Jesus, como há poucas décadas ocorria na Colômbia.


E para quem acha que isso só ocorre nos Estados Unidos ou países distantes do Brasil, é bom refletir sobre os mais famosos programas evangélicos da televisão e se questionar se um Silas Malafaia, um Edir Macedo, uma Igreja Renascer e outros parecidas não fazem coisa semelhante ou ainda pior por aqui... Também seria bom ter o mínimo senso crítico para se pensar eventos como o chamado ultra-reacionário "Encontro para a Consciência Cristã" que ocorre no Nordeste do Brasil e que foi criado para enfrentar o democrático, fraterno e ecumênico "Encontro para a Nova Consciência" criado há vinte anos na cidade de Campina Grande, Paraíba, para o diálogo entre religiões, filosofias e tradições em uma demonstração de respeito que os fundamentalistas consideram como coisa do demônio a ser destruida a todo custo, partindo da bancada evangélica na política, para se implantar a visão "correta de religião" à força, na Terra.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Marx, apesar das calúnias, mais atual do que nunca


texto de
Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Poucas pessoas no mundo tiveram tanta influência e, por isso mesmo, foram tão mal-compreendidas quanto Karl Marx (1818-1883).

Filósofo, Sociólogo, Historiador e Economista, todo o século XX teve a marca (ainda que deturpada) do seu gênio. Disciplinas como a História, a Sociologia e a Economia sofrerem um impacto e transformação por suas idéias a ponto de não serem mais as mesmas de antes de Marx. O problema surge quando sua obra passa a ser "apropriada" por pretensos seguidores e admiradores (e todo messias, infelizmente, tem seguidores que transformam o ouro da mensagem em cinzas a serem adoradas).

Marx, ao contrário da tradição intelectual ocidental, nunca postulou ou quis fazer um sistema ou doutrina que pretendesse ser uma visão acabada e indiscutível da realidade. Isso fica para as elocubrações da teologia ou a arrogância do positivismo generalizador e suas ramificações cientificistas.

Como bem aponta Denis Collin em seu excelente livro, "Compreender Marx" (editora Vozes), o pensamento de Marx é uma avaliação bem fundamentada de uma situação histórica, avaliação crítica do modo como os homens se associam para produzir sua subsistência em dado momento, suas característcas e o modo como perdem a consciência de serem atores e agentes de sua própria realidade, acreditando em um sistema que divide as pessoas desigualmente em classes sociais antagônicas.

É crítica de uma economia política que pretende passar a idéia, de modo formal, de que são "naturais" a exploração, a degradação da natureza pela indústria, a massificação do trabalho ao mesmo tempo que propoga um ideai de individualidade calcada no consumo. "Naturaliza" a padronização dos comportamentos e pensamentos e que são, no final, produtos de uma relação humana alienada, explorada por uma minoria que consegue a façanha de fazer a maioria deixar de perceber o óbvio: de que são as relações humanas que fazem a História, fazem a realidade social e as conflitantes e alienantes relaões de trabalho, produção e consumo (e pouca qualidade de vida) do capitalismo. Relações de conflito calcada em uma divisão entre uma minoria que possui bens de produção (fábricas, máquinas, terras, lojas) e os que só podem vender sua própria força de trabalho (assalariados) para garantir a subsistência e que também querem viver, amar, criar, crescer... Anseios que não são vistos com muito bons olhos pela minoria.
Esta crítica é a fonte da atualidade de Marx e continua a fortalecer àquelas pessoas que não se deixam coisificar, homgeineizar por uma sociedade de consumo, que avalia as aparências em detrimento das essências, endeusa o mercado, faz da TV a janela do mundo, separa as pessoas, banaliza a vida e a natureza. Compreender Marx é perceber este pensamento crítico, perspicaz. É questionar um tipo de ação e pensamento hegemônico que destrói o mundo, transformando-o em um lugar estranho à vida e ao próprio homem.

Para terminar, uma reflexão do jornalista Hélio Fernandes:

Marx caluniado

Helio Fernandes

Fazem tudo para desmoralizá-lo, diminuí-lo, jogá-lo contra a coletividade. Mas com tudo que tentam, não o atingem nem de raspão. Ainda na Tribuna impressa, escrevi dois artigos sobre o genial economista, com afirmações que reproduzo, gostaria de republicar, não há como entrar nos prédios da Tribuna.

1 – A parte Social do “Manifesto” de 1848, é dele e dos ensinamentos de Jesus Cristo. Marx não fez a menor força para refutar os que diziam isso.

2 – Deixava bem clara a minha posição em relação ao genial economista, e na comparação que faziam do “Capital” e as “descobertas” de Adam Smith. “Marx não ligava a mínima para os críticos”.

3 – Terminava afirmando: “O mundo CAMINHA com Marx ou se ARREGIMENTA contra ele. E isso ficará para sempre na História”. 162 anos depois do “Manifesto”. Marx irrita e revolta anões que se exaltam para diminuí-lo.

O potencial que perdemos durante a vida




"Todos nós nascemos originais e morremos cópias."

Carl Gustav Jung (1875-1961)

sábado, 15 de janeiro de 2011

Chuvas, tragédia e despreparo



Carlos Antonio Fragoso Guimarães


Vivemos em um país maravilhoso por natureza, com a maioria de seu povo formado por gente decente que tenta viver e ser feliz. Apesar disso, em toda a história republicana, vemos na prática anos de descaso para com esta população que trabalha - e muito - para doar grande parte de seu suor aos cofres públicos e estes, por sua vez, enviar rios de dinheiro a banqueiros que nada mais fazem que exigir novos juros, nova sangria, e aos corruptos sempre a rondarem, como ogros, o poder. Dinheiro que deveria ser usado na educação que não interessa (pode a educação de qualidade despertar a conscientização política, de que o homem é quem faz a sua realidade social e, com isso, o desejo de intervir na história e exigir respeito das autoridades ao povo que as sustenta), na saúde (pública? Por quê? Vamos incentivar a busca pela saúde privada, ainda que muitos médicos sejam formados em universidades pagas pelo povo. Os planos de saúde e a indústria farmacêutica exigem isso), e moradia (mas quê? Se existem tragédias, como disse Sérgio Cabral, isso é culpa do povo que vai morar em locais perigosos).

Disse o sábio governador Sérgio Cabral: "É muita irresponsabilidade dessas famílias que vão morar em lugares inacessíveis, áreas de risco permanente, morrem e traumatizam o país" Mas onde a alternativa? Onde o mapeamento e a fiscalização e, mais ainda, a infra-estrutura de informação e assistência? Isso demanda exatamente dinheiro, educação e interesse pelo bem comum e não a uma minoria de capitalistas predatórios - os mesmos que forçam a venda de carros para congestionar os espaços urbanos e poluir o ambiente, agravando o efeito estufa que causam mais chuvas intensas e secas fenomenais e evitam o uso e desenvolvimento de transportes coletivos, como trens, bondes e metrôs. Mas o governo, em suas várias instâncias, em geral visa apenas administrar os intesses de uma minoria privilegiada de sempre, desde o tempo do golpe que implantou o arremedo de República neste país.
Em São Paulo, Geraldo Alckimin diz que não tem culpa se chove e que não pode resolver os problemas da cidade com a chuva em 24 horas. Mas o PSDB - com Alckmin dentro dele - governa o estado de São Paulo há 16 anos, e todos os anos qualquer chuva forte inunda a cidade... Não são 24 horas, são 16 anos de descaso e foco apenas na disputa do poder.

No final, a população pode contar apenas com o heroísmo e solidariedade da própria população usada, explorada e desrespeitada pelos donos do poder....

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Passeio Sócratico: avaliando a alienação moderna


Frei Betto

Fonte: http://www.freibetto.org/index.php/artigos/73-passeio-socratico


Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos dependurados em telefones celulares; mostravam-se preocupados, ansiosos e, na lanchonete, comiam mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, muitos demonstravam um apetite voraz. Aquilo me fez refletir: Qual dos dois modelos produz felicidade? O dos monges ou o dos executivos?

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: “Não foi à aula?” Ela respondeu: “Não; minha aula é à tarde”. Comemorei: “Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir um pouco mais”. “Não”, ela retrucou, “tenho tanta coisa de manhã...” “Que tanta coisa?”, indaguei. “Aulas de inglês, balé, pintura, piscina”, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: “Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!’”

A sociedade na qual vivemos constrói super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas muitos são emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram que, agora, mais importante que o QI (Quociente Intelectual), é a IE (Inteligência Emocional). Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!

Uma próspera cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: “Como estava o defunto?”. “Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!” Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi­nho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…

A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções -, é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da imbecilidade coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: “Se tomar este refrigerante, vestir este tênis,­ usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!” O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba­ precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma su­gestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globocolonizador, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer de uma cadeia transnacional de sanduíches saturados de gordura…

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: “Estou apenas fazendo um passeio socrático.” Diante de seus olhares espantados, explico: “Sócrates, filósofo grego, que morreu no ano 399 antes de Cristo, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz.”


Frei Betto é escritor, autor do romance “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.

Uma visão ecológica não pode ser consumista


10.01.11 - MUNDO

O antropoceno: uma nova era geológica

Leonardo Boff *

fonte: Adital


As crises clássicas conhecidas, como por exemplo a de 1929, afetaram profundamente todas as sociedades. A crise atual é mais radical, pois está atacando o nosso modus essendi: as bases da vida e de nossa civilização. Antes, dava-se por descontado que a Terra estava aí, intacta e com recursos inesgotáveis. Agora não podemos mais contar com a Terra sã e abundante em recursos. Ela é finita, degradada e com febre não suportando mais um projeto infinito de progresso.
A presente crise desnuda a enganosa compreensão dominante da história, da natureza e da Terra. Ela colocava o ser humano fora e acima da natureza com a excepcionalidade de sua missão, a de dominá-la. Perdemos a noção de todos os povos originários de que pertencemos à natureza. Hoje diríamos, somos parte do sistema solar, de nossa galáxia que, por sua vez, é parte do universo. Todos surgimos ao longo de um imenso processo evolucionário. Tudo é alimentado pela energia de fundo e pelas quatro interações que sempre atuam juntas: a gravitacional, a eletromagnética e a nuclear fraca e forte. A vida e a consciência são emergências desse processo. Nós humanos, representamos a parte consciente e inteligente da Via-Láctea e da própria Terra, com a missão, não de dominá-la mas de cuidar dela para manter as condições ecológicas que nos permitem levar avante nossa vida e a civilização.

Ora, estas condições estão sendo minadas pelo atual processo produtivista e consumista. Já não se trata de salvar nosso bem estar, mas a vida humana e a civilização. Se não moderarmos nossa voracidade e não entrarmos em sinergia com a natureza dificilmente sairemos da atual situação. Ou substituímos estas premissas equivocadas por melhores ou corremos o risco de nos autodestruir.A consciência do risco não é ainda coletiva.
Importa reconhecer um dado do processo evolucionário que nos perturba: junto com grande harmonia, coexiste também extrema violência A Terra mesma no seu percurso de 4,5 bilhões de anos, passou por várias devastações. Em algumas delas perdeu quase 90% de seu capital biótico. Mas a vida sempre se manteve e se refez com renovado vigor.

A última grande dizimação, um verdadeiro Armagedon ambiental, ocorreu há 67 milhões de anos, quando no Caribe, próximo a Yucatán no México, caiu um meteoro de quase 10 km de extensão. Produziu um tsunami com ondas do tamanho de altos edifícios. Ocasionou um tremor que afetou todo o planeta, ativando a maioria dos vulcões. Uma imensa nuvem de poeira e de gases foi ejetada ao céu, alterando, por dezenas de anos, todo o clima da Terra. Os dinossauros que por mais de cem milhões de anos reinavam, soberanos, por sobre toda a Terra, desapareceram totalmente. Chegava ao fim a Era Mesozóica, dos répteis e começava a Era Cenozóica, dos mamíferos. Como que se vingando, a Terra produziu uma floração de vida como nunca antes. Nossos ancestrais primatas surgiram por esta época. Somos do gênero dos mamíferos .

Mas eis que nos últimos trezentos anos o homo sapiens/demens montou uma investida poderosíssima sobre todas as comunidades ecossistêmicas do planeta, explorando-as e canalizando grande parte do produto terrestre bruto para os sistemas humanos de consumo. A conseqüência equivale a uma dizimação como outrora. O biólogo E. Wilson fala que a "humanidade é a primeira espécie na história da vida na Terra a se tornar numa força geofísica" destruidora. A taxa de extinção de espécies produzidas pela atividade humana é cinquenta vezes maior do que aquela anterior à intervenção humana. Com a atual aceleração, dentro de pouco - continua Wilson - podemos alcançar a cifra de mil até dez mil vezes mais espécies exterminadas pelo voraz processo consumista. O caos climático atual é um dos efeitos.

O prêmio Nobel de Química de 1995, o holandês Paul J. Crutzen, aterrorizado pela magnitude do atual ecocídio, afirmou que inauguramos uma nova era geológica: o antropoceno. É a idade das grandes dizimações perpetradas pela irracionalidade do ser humano (em grego ántropos). Assim termina tristemente a aventura de 66 milhões de anos de história da Era Cenozóica. Começa o tempo da obscuridade.

Para onde nos conduz o antropoceno? Cabe refletir seriamente.



*Leonardo Boff é teólogo, filósofo, conferencista e escritor

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Sectarização e falsa espiritualidade: me engana que eu gosto



Escrito por Ed René Kivtz, Doutor em Ciências da Religião

As culturas devem ser lidas nas linhas e entrelinhas. As linhas falam da coisa em si. As entrelinhas falam do espírito da coisa. As entrelinhas podem distorcer e até mesmo destruir o que está dito nas linhas.

Com a cultura cristã não é diferente. Veja o exemplo da assinatura da Igreja Universal do Reino de Deus, a saber, Jesus Cristo é o Senhor. De acordo com o Novo Testamento, isso significa que devemos viver como escravos dos propósitos de Jesus Cristo: ele manda e a gente obedece, ele propõe e a gente executa, ele dirige e a gente segue, pois afinal de contas, Ele é o Senhor. Mas na cultura da IURD, as entrelinhas dessa afirmação fazem com que ela signifique que Jesus pode realizar todos os seus desejos, afinal de contas Ele é o Senhor.


A relação fica invertida: você clama e ele responde, você reivindica e ele atende, você pede com fé e ele lhe dá o que foi pedido, você participa da corrente de oração e se submete aos 318 pastores e Jesus faz a sua vida próspera e confortável, pois Jesus Cristo é o Senhor e você é “filho do rei”, de modo que não há qualquer motivo para que você continue nessa vida miserável, daí a segunda convocação da IURD: “para de sofrer”. Percebe como as linhas dizem uma coisa e as entrelinhas dizem outra?

O movimento evangélico é mestre em fazer confusão e promover distorção do Evangelho em virtude desse jogo de linhas e entrelinhas. Um exemplo disso é a mensagem VAI DAR TUDO CERTO, que recebi essa semana.

SALMO 22
VAI DAR TUDO CERTO

DEUS me pediu que te dissesse que tudo irá bem contigo a partir de agora.
Você tem sido destinado para ser uma pessoa vitoriosa e conseguirá todos teus objetivos.
Nos dias que restam deste ano se dissiparão todas as tuas agonias e chegará à vitória.
Esta manhã bati na porta do céu e DEUS me perguntou...
'Filho, que posso fazer por você ?'
Respondi:
'Pai, por favor, protege e bendiz a pessoa que está lendo esta mensagem'.
DEUS sorriu e confirmou: 'Petição concedida'.
Leia em voz baixa...
'Senhor Jesus :
Perdoa meus pecados.
Amo-te muito, te necessito sempre, estás no mais profundo de meu coração, cobre com tua luz preciosa a minha família, minha casa, meu lugar, meu emprego, minhas finanças, meus sonhos, meus projetos e a meus amigos'.
Passe esta oração a 5 pessoas, no mínimo.
Receberás um milagre amanhã.
Não o ignore.

Deus tem visto suas Lutas.
Deus diz que elas estão chegando ao fim.
Uma benção está vindo em sua direção.
Se você crê em Deus, por favor envie esta mensagem para 20 amigos.
Se acredita em Deus envia esta mensagem a 20 pessoas,
se rejeitar lembre Jesus disse:
“se me negas entre os homens, te negarei diante do pai” Dentro de 4 minutos te dirão uma notícia boa

Deixo de lado a crítica gramatical e o péssimo uso da lingua portuguesa. Dedico minha atenção ao conteúdo da mensagem que, travestida de cristã, é absolutamente anti-cristã: mentirosa, fantasiosa, desprovida de qualquer sentido bíblico, desalinhada com o todo do ensino e experiência de Jesus, seus apóstolos, e seus primeiros seguidores, totalmente alinhada com os dircursos baratos da auto-ajuda e da enganação religiosa, enfim, uma versão barata e piedosinha da superstição sincrética do espiritualismo popular.

A afirmação “vai dar tudo certo”, lida de acordo com as linhas do Novo Testamento, significaria, por exemplo, que os propósitos de Deus prevalecerão, a marcha da igreja de Jesus Cristo contra os poderes do mal será vitoriosa, a vontade de Deus será um dia feita na terra como o céu. Mas também significaria que os seguidores de Jesus seriam sempre ovelhas em meio aos lobos [Mateus 10.16], odiados pelo sistema sócio-político-econômico anti reino de Deus, ameaçados de morte, rejeitados, caluniados, e perseguidos por causa do nome de Jesus [Mateus 5.10-12], e passariam por muito sofrimento e tribulação antes de receberam a vitória plena no reino eterno de Deus [Atos 14.22]. Isto é, antes de dar tudo certo, daria tudo errado.

A convicação de que “em Cristo somos mais que vencedores” [Romanos 8.37], e que “em Cristo Deus sempre nos conduz em triunfo” [2Coríntios 2.14], é também acompanhada de uma profunda compreensão a respeito dos custos de se colocar ao lado de Deus e do reino de Deus, em oposição à injustiça e aos agentes promotores e mantenedores da morte no mundo.

Fica, portanto, muito evidente que quando os cristãos do Novo Testamento diziam que “vai dar tudo certo” estavam afirmando coisas completamente diferentes dessas afirmadas na mensagem que recebi pela internet, que diz:

Tudo irá bem contigo a partir de agora.

Você tem sido destinado para ser uma pessoa vitoriosa e conseguirá todos teus objetivos.

Nos dias que restam deste ano se dissiparão todas as tuas agonias e chegará à vitória.

Cobre com tua luz preciosa a minha família, minha casa, meu lugar, meu emprego, minhas finanças, meus sonhos, meus projetos e a meus amigos'.

Receberás um milagre amanhã.

Uma benção está vindo em sua direção.

Dentro de 4 minutos te dirão uma notícia boa.

Meu amigo, minha amiga, não é verdade que “tudo irá bem contigo a partir de agora”, e também não é verdade que “você tem sido destinado para ser uma pessoa vitoriosa e conseguirá todos teus objetivos”. Não se iluda, pois não é verdade que “nos dias que restam deste ano se dissiparão todas as tuas agonias e chegará à vitória”.

Preste atenção: o compromisso cristão não suplica que Deus cubra com sua luz “minha família, minha casa, meu lugar, meu emprego, minhas finanças, meus sonhos, meus projetos e a meus amigos”. Na verdade, o compromisso cristão exige que você deixe de viver para seus sonhos, seus planos e seus projetos e passe a viver para realizar o Reino de Deus e justamente por isso é que quem deseja seguir a Jesus deve lembrar o que Jesus disse:

"Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá, mas quem perder a sua vida por minha causa, a encontrará. Pois, que adiantará ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou, o que o homem poderá dar em troca de sua alma?” [Mateus 16.24-26]

Também não é verdade que “receberás um milagre amanhã” e que “dentro de quatro minutos te dirão uma notícia boa”.

Pelo amor de Deus, jogue fora esse evangelho açucarado, que promete o que Deus jamais prometeu, e gera falsas esperanças nas pessoas. Respeite o sofrimento e a dor das milhares de pessoas que, apesar de sua fé, e talvez justamente por causa de sua fé, passam fome, não têm mínimas condições de sobrevivência, sofrem as consequências de tragédias pessoais e fatalidades naturais, são vítimas de um sistema mundano cruel, que as condena à escravidão e a uma vida sem futuro.

Lembre dos cristãos que vivem na África, na Índia, na América Latina, e nos rincões miseráveis do Brasil. Seja solidário com as minorias: os negros escravizados, as mulheres violentadas, as crianças abusadas, as populações indígenas dizimadas, os refugiados de guerra, os perseguidos políticos, os desaparecidos. Respeite a grandeza dos cristãos perseguidos e mortos. Pense um pouco se essa mensagem “vai dar tudo certo, todos os seus sonhos se realizarão, você vai receber um milagre amanhã” faz algum sentido na ala infantil do Hospital do Câncer, no campo de refugiados (mutilados) de Angola, ou nos casebres secos do sertão brasileiro.

Construa sua fé sobre um alicerce mais sólido. Por exemplo, o Salmo 22, aviltado com essa mensagenzinha “vai dar tudo certo”. Aliás, é bom lembrar que Bíblia não é um livro que pode ser manuseado por qualquer pessoa, de qualquer jeito. Da mesma maneira que não é qualquer pessoa que pode dar palpite a respeito do direito, de medicina, da engenharia, ou do marketing, também a teologia exige um mínimo de preparo, senão, muito preparo mesmo. Digo isso porque talvez o autor dessa mensagenzinha não saiba que o Salmo 22 é um dos Salmos messiânicos, que profetiza o sofrimento e o fracasso do Messias, que foi (1) abandonado por Deus e pelos homens [Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste? Por que estás tão longe de salvar-me, tão longe dos meus gritos de angústia? Meu Deus! Eu clamo de dia, mas não respondes; de noite, e não recebo alívio! Não fiques distante de mim, pois a angústia está perto e não há ninguém que me socorra], (2) rejeitado [Mas eu sou verme, e não homem, motivo de zombaria e objeto de desprezo do povo], (3) insultado [Caçoam de mim todos os que me vêem; balançando a cabeça, lançam insultos contra mim], (4) dilacerado pela dor que lhe foi brutalmente imposta [Como água me derramei, e todos os meus ossos estão desconjuntados. Meu coração se tornou como cera; derreteu-se no meu íntimo. Meu vigor secou-se como um caco de barro, e a minha língua gruda no céu da boca; deixaste-me no pó, à beira da morte. Cães me rodearam! Um bando de homens maus me cercou! Perfuraram minhas mãos e meus pés], e por fim (5) cuspido na cara e crucificado como impostor.

Para esse Messias não deu nada certo. Ele não recebeu uma boa notícia quatro minutos após sua agonia no Getsêmani, e também não recebeu um milagre no dia seguinte. No dia seguinte foi crucificado.

Mas esse Messias, apresentado pelo profeta como “homem de dores, que sabe o que é padecer” [Isaías 53], “Deus exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai” [Filipenses 2.9-11]. Isso sim é dar tudo certo.

Provavelmente alguém vai dizer que é isso o que a mensagenzinha da internet quis dizer. Mas não foi. Nas linhas, pode ter sido. Mas no contexto da religiosidade popular e da subcultura evangélica, a mensagenzinha sugeriu que “os seus sonhos e os seus projetos” darão certo, e que você pode esperar para amanhã aquela resposta milagrosa de Deus para resolver seus problemas e dificuldades particulares, e que em quatro minutos você vai receber uma notícia boa, muito provavelmente trazendo a você uma benção na forma de conforto e prosperidade.

Em síntese, a mensagenzinha pode ser interessante, pode trazer uma esperança e um conforto para quem está lutando contra um sofrimento ou uma dificuldade medonha, e pode até mesmo trazer um alívio do tipo “eu sei que não é bem assim, mas é bom pensar que é, ou acreditar que pode ser”. Mas definitivamente essa mensagenzinha não tem nada a ver com o Evangelho de Jesus Cristo.

Vamos viver unindo o aparentemente divergente



"Vamos rir, chorar e aprender. Aprender especialmente como casar Céu e Terra, vale dizer, como combinar o cotidiano com o surpreendente, a imanência opaca dos dias com a transcendência radiosa do espírito, a vida na plena liberdade com a morte simbolizada como um unir-se com os ancestrais, a felicidade discreta nesse mundo com a grande promessa na eternidade. E, ao final, teremos descoberto mil razões para viver mais e melhor, todos juntos, como uma grande família, na mesma Aldeia Comum, generosa e bela, o planeta Terra."

Leonardo Boff

O Tea Party conservador de Sarah Palin e a tragédia de Tucson, nos Estados Unidos



Escrito por Joana Azevedo Viana, Publicado em 11 de Janeiro de 2011

O americano de 22 anos tido como principal suspeito no tiroteio de sábado em Tucson, Arizona, estudara o homicídio público da congressista democrata Gabrielle Giffords há vários meses. A descoberta foi feita por agentes do FBI, que ontem encontraram vários planos para o tiroteio numa caixa-forte na casa de Jared Lee Loughner, ontem presente ao tribunal federal de Phoenix, pela morte de seis pessoas - entre elas o juiz federal John Roll e uma criança de apenas nove anos.

O atentado tinha como alvo a congressista, que desde as eleições de Novembro fazia parte de uma lista criada por Sarah Palin com os nomes dos democratas que apoiam a reforma da saúde nos Estados Unidos em benefício dos mais carentes. Desde o ataque, o FBI aconselhou os funcionários públicos a "estarem alerta", nas palavras do director da agência federal, Robert Mueller.

Mas as atenções viram-se agora para os políticos. A republicana Palin é uma das que tomaram lugar central no centro do furacão de críticas. Desde sábado, o Partido Democrata desdobra-se em ataques à ex-governadora do Alaska, por ter publicado um mapa com miras de armas a assinalar os estados dos "alvos". Da mesma forma, o Tea Party toma lugar central no acontecimento.

Richard Durbin, senador democrata pelo Illinois, foi uma das vozes mais críticas. Ontem, em entrevista à CNN, Durbin subli-nhou que, assim como o gráfico de Palin, os slogans que o movimento ultraconservador Tea Party usou durante a campanha para as intercalares do final do ano passado podem levar "pessoas instáveis a pensar que actos de violência são aceitáveis". O senador fala em "retórica de ódio envenenada", criticando a imprensa por não divulgar que tais palavras de ordem "ultrapassam os limites".

As respostas republicanas aos ataques da Esquerda não tardaram. "Devíamos ser mais prudentes quanto a imputar as ações de um indivíduo mentalmente perturbado a um grupo particular de americanos que tem as suas convicções políticas", defendeu ao mesmo canal o senador republicano pelo Tennessee, Lamar Alexander. O atirador (acrescentou fantasiosamente o senador de direita tentando reverter a imagem ruim sobre seu partido), "lia" Karl Marx e Hitler e tinha desenhado a ferro quente a bandeira norte-americana no braço, "o que não corresponde ao típico perfil de um membro do Tea Party".

Fonte: http://www.ionline.pt/conteudo/97848-tucson-esquerda-critica-retorica-odio-do-tea-party-e-sarah-palin

domingo, 9 de janeiro de 2011

Edir Macedo e a Rede Record... Mais um capítulo




Edir Macedo, inocente ou culpado? Há 11 anos parado no TRF de São Paulo, finalmente o processo que questiona a legitimidade da compra da Rede Record pelo bispo vai a julgamento na quarta-feira, dia 12


Carlos Newton, "Tribuna da Imprensa"


O relator da apelação do Ministério Público Federal é o juiz convocado José Eduardo Leonel Júnior, da 4ª Turma. O processo está parado há 11 anos, e as sucessivas denúncias da Tribuna da Imprensa serviram de subsídio para comunicar ao Conselho Nacional de Justiça e à presidência do Tribunal Regional Federal a absurda lentidão com que esse processo vem tramitando.

Como indagou um dos comentaristas deste blog: Quem deu o dinheiro para a compra da Rede Record de Televisão e quem é o verdadeiro dono da poderosa organização de comunicação que hoje é avaliada em três bilhões de dólares? Edir Macedo ou a Igreja Universal doReino de Deus (IURD)?

Como já divulgado, o autor da ação contra o bispo Edir Macedo, a TV Record e a IURD – Igreja Universal do Reino de Deus, é o Ministério Público Federal de São Paulo, representado inicialmente pela procuradora Maria Luisa Rodrigues de Lima Carvalho Duarte.

Objetivou o autor da ação a decretação da nulidade da transferência do canal 7, antes pertencente a Silvio Santos, para o bispo Edir Macedo, mediante o pagamento de cerca de TRINTA MILHÕES DE DÓLARES.

Como o bispo, que não fez voto de pobreza, não tinha recurso para comprar nem um carro zero quilômetro, em 1990, por certo, não teria também trinta milhões de dólares para concretizar a transação. Deduziu-se, então, que o conhecido religioso se apropriou dos milionários dízimos entregues diariamente à IURD por milhões de evangélicos, brasileiros, trabalhadores e que buscam nessa igreja consolo, bênçãos e prosperidade.

A pergunta que se faz é a seguinte: poderia o bispo Macedo se apropriar desses milionários recursos, para, em seu nome e no de sua esposa, Ester Eunice Bezerra, transformar-se anos depois no proprietário da segunda maior rede de televisão do país, mediante a utilização dessa montanha de dinheiro pertencente à IURD?
Ao julgar o processo em primeira instância, em 26 de janeiro de 1999, a hoje desembargadora Marli Barbosa da Silva sentenciou a ação do Ministério Público como improcedente.
Para a magistrada, “é intuitivo que os réus, ao se valerem de empréstimos obtidos da IURD para a compra das ações do Grupo Record, cujos valores foram obtidos através de campanhas junto aos fiéis da IURD, não assumiriam em princípio que efetivaram as negociações para si mesmos, e não para a IURD. Primeiro, porque isto poderia levar à descrença e à desmobilização dos fiéis que, sentindo-se enganados, abandonariam a instituição religiosa. Segundo, porque tal assunção poderia caracterizar o DELITO DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA,já que não necessitaram da aprovação de quem quer que seja para obter os aludidos empréstimos da IURD. E terceiro, porque dizendo que compraram as ações do Grupo Record para a IURD poderia esta continuar se beneficiando da imunidade que a Constituição Federal lhe confere, subtraindo-se todos aos efeitos da tributação”.

E mais: “se os empréstimos foram simulados – e há indícios DE QUE O FORAM – cabe uma única indagação a respeito: a quem aproveita a simulação dos contratos de mútuo realizados entre Edir Macedo Bezerra, Marcelo Bezerra Crivella, suas esposas e a IURD? À Igreja Universal do Reino de Deus ou aos primeiros?

O Ministério Público Federal entende que tudo não passou de uma simulação para que a Igreja Universal do Reino de Deus obtivesse a propriedade e o controle acionário do Grupo Record, o que lhe é vedado pela Constituição Federal. Tal tese, porém, como já mencionamos alhures, NÃO FICOU COMPROVADA.

Há possibilidade de que os réus somente agora estejam dizendo a verdade e TENHAM ADQUIRIDO PARA SI AS AÇÕES DO GRUPO RECORD porquanto nenhuma prova produzida nestes autos teve o condão de infirmar suas respostas, ao contrário da prova oral colhe-se a informação de que os empréstimos e a compra das ações foram declarados pelos réus a um só tempo e os mútuos devidamente contabilizados com correção monetária pela IURD.
Por todo o exposto, concluiu a juíza Marli Barbosa, não há como prosperar o pedido de cassação judicial das concessões com base na simulação dos contratos de mútuo, por total ausência de provas quanto à ilegitimidade dos atos administrativos e, subjacentemente, dos atos negociais praticados na esfera privada”.

Enfim, se de fato, Edir Macedo usou o dinheiro da IURD para se transformar no segundo mais poderoso homem de TV do Brasil, quem deveria discordar dessa simulação ou dessa apropriação considerada indébita pelo Ministério Público Federal, seria uma única pessoa, o próprio Bispo Chefe da IURD, que não era outra pessoa, senão o empresário Edir Macedo, novo e vitorioso controlador da Rede Record de Televisão.
Se o Tribunal Regional Federal confirmar a sentença de primeira instância, Edir Macedo, com IURD ou sem IURD, estará se transformando num dos mais novos e mais poderosos bilionários do Brasil, inclusive com respeitável força junto ao Congresso Nacional – a conhecida e todo-poderosa bancada dos evangélicos, que vota com o governo para garantir poder parte do poder a si. Sem dúvida, a fé remove montanha, faz milagres e até faculta a prosperidade – e ponha prosperidade nisso.

E se a sentença for anulada? Bem, aí… É melhor aguardarmos o julgamento de quarta-feira.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O homem: fazer ou se deixar levar pela História?




Ensina-nos o genial educador Paulo Freire em seu livro "Educação como prática da Liberdade", criticando o sujeito moderno, midiatizado e alienado pelos meios de comunicação comerciais:

"A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. Faz cultura. (...) E é ainda o jogo destas relações do homem com o mundo e do homem com os homens, desafiando e respondendo ao desafio, alternando, criando, que não permite a imobilidade, a não ser em termos de relativa preponderância, nem das sociedades, nem das culturas. E, na medida em que cria, recria e decide, vão se conformando as épocas históricas. É também criando, recriando e decidindo, que o homem deve participar destas épocas.
E o fará melhor toda vez que, integrando-se ao espírito delas, se aproprie de seus temas fundamentais, reconheça suas tarefas concretas. Uma das grandes, se não a maior, tragédia do homem moderno está em que é hoje dominado pela força dos mitos fabricados e comandado pela publicidade organizada, ideológica, ou não, e por isso vem renunciando cada vez, sem o saber, à sua capacidade de refletir. As tarefas de seu tempo não são captadas pelo homem simples, mas a ele apresentadas por uma 'elite' que as interpreta e lhas entrega em forma de receita, de prescrição a ser seguida. E, quando julga que se salva seguindo as prescrições, afoga-se no anonimato nivelador da massificação, sem esperança nem fé, domesticado e acomodado: já não é sujeito. Rebaixa-se a puro objeto. Coisifica-se".

A polêmica do Caso Cesare Battisti



Carlos Antonio Fragoso Guimarães


O engraçado é que, quando refugiado na França, tão perto, a Itália nada fez, nada clamou para a volta de Battisti ao seu solo. E agora, sem que tenha feito ou tomado medidas reais para ajudar sua própria população e diminuir os efeitos da crise econômica do modelo neoliberal em seu país, Sílvio Berlusconi, que não é propriamente um modelo de moral, buscando solapar a lembrança de suas muitas lambanças e continuar no poder - apesar de todos os sinais e evidências de corrupção - viu no caso Battisti uma forma de distração, de circo, para entreter parte da população do país em uma polêmica do qual espera tirar benefícios políticos, insuflando os italianos contra o Brasil, e isso bem antes mesmo da decisão final de Lula, em 31 de dezembro.

Nenhuma país julgou o Brasil quando este recebeu ditadores de direita, como o famigerado Alfredo Stroessener, ou mentirosos senhores da "Guerra Contra o Terror", que tantas vidas tiraram - e ainda tiram -, quando aqui vieram.

Muitas conquistas sociais que hoje os italianos estão usufruindo como país de primeiro mundo foram obitidas graças à luta de uma minoria que sonhou em construir um mundo melhor, como ocorreu aqui no Brasil nos anos de chumbo da ditadura militar apoiada pelas mesmas elites de hoje e que, como bem vimos no uso da mídia nas últimas eleições, fazem de tudo para modelar a realidade de acordo com seus interesses.

Alguns destes utópicos que se dedicaram, talvez romanticamente, à luta por um mundo melhor são julgados à revelia por "crimes" mais propriamente denunciados que tecnicamente provados, do mesmo modo como hoje, no Brasil, a direita quer tentar abafar as atrocidades dos golpistas de 64 e taxarem de criminosos as vítimas do regime.
No surreal Brasil da época da Ditadura militar, criminosos reais conhecidos, como o famoso "assaltante do trem pagador inglês" Ronald Biggs, foram não só aceitos no país, durante muitos anos, como a mídia quase os elevou à estatura de heróis...

Mas, claro, a mesma mídia de então, dominada por poucas famílias, e que hoje forma a espinha do PIG - Partido da Imprensa Golpista - tudo fará para tirar o máximo proveito contra um governo que, bem ou mal, possui o potencial de contrariar (mas que dificilmente o fará) a FIESP, as multinaicionais e as elites. Terá o PIG, lógico, Boris Casoy, Diogo Mainardi, Jabor e a Revista Veja à frente e outros parecidos, e vários editoriais "imparciais". Vão aproveitar para agir como Berlusconi, sedo mesmo até mais explícitos, pois irão, na prática, exaltar a Itália e chamar o Brasil de atrasado, especialmente por ainda não ter "privatizado" tudo. Como diz o lúcido jornalista Hélio Fernandes:

O Supremo e a negativa de extradição de Battisti

Helio Fernandes

Não se pode mais revogar a negativa de extradição do prisioneiro italiano. O mais alto tribunal do país, pode determinar o tipo de vida que ele levará no Brasil. O Supremo tem duas opções sobre o tipo de liberdade que terá no Brasil.
Muito se tem comentado o perigo que corre a decisão de Lula, já que Gilmar Mendes é o relator, o processo irá direto para ele. Votou pela extradição, pode (e irá) votar pelo tipo de permanência mais opressivo para ele. Mas é apenas um voto.
Quanto à alegada afirmação de Berlusconi, “a ação ainda não acabou”, pura divagação de um corrupto, que não sabe quanto tempo ainda ficará em liberdade. Difícil ganhar na Corte da Haya, pois na Itália Battisti foi JULGADO À REVELIA.

Não absolvo nem condeno Battisti, condeno irrevogavelmente o governo da Itália, pelo desprezo que sempre demonstrou pelo governo do Brasil.

Na chamada questão Battisti, o que deve ser levado em consideração é apenas isso. A Itália, desabonadoramente insensata, exigiu a entrega de Battisti. Antes mesmo de qualquer decisão do mais alto tribunal do Brasil (o Supremo), já fazia acusações, transformou o exame de um Tratado numa intimidação visível e invisível. Anunciava sanções e retaliações, no caso do Brasil não entregar (que eles chama acintosamente de extraditar) o cidadão Battisti.

O governo (c-o-r-r-u-p-t-í-s-s-i-m-o) de Berlusconi, que se agüenta no Poder por 1 voto (nominalmente por três), fez disso uma bandeira para tentar recuperar a popularidade que jamais conquistou, sempre comprou. Para início de conversa, “chamou” o embaixador, começou as hostilidades.
E o próprio Berlusconi usou a mídia italiana (da qual, uma parte muito importante pertence a ele) para atingir o Brasil. Uma delas, a mais acintosa: “A questão Battisti ainda não acabou”. Como não acabou, se a última palavra cabe e coube ao presidente do Brasil?

PS – Nada realmente ficou provado a respeito das mortes. Quase 20 anos depois dele ter desaparecido (e mais de 6 anos morando na França sem que a Itália se manifestasse), pedem a extradição ao Brasil, na tentativa de intimidação.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Características do sectarismo




Reflete com muita propriedade o educador brasileiro Paulo Freire, sobre as características do sectário fundamentalista, seja ele religioso ou político (ou, quase sempre, religioso e político):


“a sectarização tem uma matriz preponderantemente emocional e acrítica. É arrogante, antidialógica e por isso anticomunicativa (entre os diferentes). É reacionária, seja assumida por direitista, que para nós é um sectário de ‘nascença’, ou se diga esquerdista. O sectário nada cria porque não ama. Não respeita a opção dos outros. Pretende a todos impor a sua, que não é opção, mas fanatismo. Daí a inclinação do sectário ao ativismo de conversão, que é ação sem vigilância da reflexão. Daí seu gosto pela slonganização que dificilmente ultrapassa a esfera dos mitos e, por isso mesmo, morrendo nas meias verdades, nutre-se do puramente relativo a que atribui valor de absoluto.”

Paulo Freire, em “Educação como prática da Liberdade”, Editora Paz e Terra, São Paulo, 2009, p. 59.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Um Dia...




Um dia descobrimos que, apesar de nosso secreto anseio, nós não somos imortais…
Um dia percebemos que ser simples com graça exige muita sofisticação…
Um dia descobrimos que ter coragem significa ir em frente, a pesar do medo que se sente...
Um dia entendemos que ser alguém comum não significa ser alguém banal…
Um dia compreendemos que amar não significa dominar...
um dia entendemos o motivo de alguém nos ter dito "não"…
Um dia percebemos que o silêncio por vezes encobre uma gritante lembrança...
Um dia percebemos que o reconhecimento pode vir muito tarde...
Um dia percebemos que não somos nada para algumas pessoas que nos importam, e que somos tudo para alguém que não reconhecemos…
Um dia a gente olha pra trás e vê que, ainda que errando, fizemos muitas vezes o que podíamos...
Um dia nós poderemos dizer: pelo muito que aprendi, valeu a pena viver

Somos almas...



"A alma é uma borboleta...
há um instante em que uma voz nos diz
que chegou o momento de uma grande metamorfose..."

Rubem Alves

Entre o fugaz do poder e a permanência do que importa



Sêneca, filósofo romano do século I, escreveu:

Todos aqueles que a fortuna pôs em evidência, que se distinguiram como agentes e partícipes de um poder alheio, somente gozaram de reputação e viram as suas casas cheias de visitantes enquanto em posição de destaque: assim que desapareceram, rapidamente foram esquecidos. Em contrapartida, o apreço que se dá aos homens de génio cresce sempre; e não são apenas eles que recebem homenagem, mas tudo quanto está ligado à sua memória.

A luz distingue-se do reflexo por ter a sua origem em si mesma, enquanto o reflexo brilha com luz alheia; a mesma diferença separa os dois tipos de vida: a vida mundana tira o seu brilho de circunstâncias exteriores, e o mínimo obstáculo imediatamente a torna sombria; a vida do sábio, essa brilha com a sua própria luminosidade!


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A vida não se deixa resumir em uma teoria





Miguel Torga

A vida... e a gente põe-se a pensar em quantas maravilhosas teorias os filósofos arquitetaram na severidade das bibliotecas; em quantos belos poemas os poetas rimaram na pobreza das mansardas, ou em quantos fechados dogmas os teólogos não entenderam na solidão das celas. Nisto, ou então na conta do sapateiro, na degradação moral do século, ou na triste pequenez de tudo, a começar por nós.

Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.
A vida é o que eu estou a ver: uma manhã majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz e uma rapariga — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar.


Miguel Torga, "Diário (1941)"

Feliz Ano Novo!



Mais uma vez, o calendário recomeça mudando apenas o nome do ano. Mais uma vez sonhamos com uma vida melhor, com um mundo melhor. Os mais egoístas pensaram em uma vitória individual melhor... Não importa... Sonhar é preciso. Toda a realização foi um dia sonho... Assim, então, a todos, um Ano Novo de muitas alegrias e grandes conquistas!


Carlos Antonio Fragoso Guimarães