quarta-feira, 31 de julho de 2013

O sujeito egoísta de nossos dias: um burocrata capitalista



Um burocrata é aquele cara que deixa de ter traços pessoais para representar os traços de uma empresa, corporação ou agrupamento. Ele se torna imediatista, plutocrático, não tem ou distorce uma visão de conjunto. Se torna tão artificial que deixa de ser considerado pessoa, se tornando um Darth Vader. 

Sobre isso convém ler esta coluna do jornalista Luis Nassif:

O negociador comedor de fígado


Autor: 
 
Coluna Econômica
O avanço do capitalismo nas últimas décadas, os sistemas de bônus de desempenho e participação em resultados acabaram criando um personagem tipicamente corporativo, o sujeito - em geral sem visão de conjunto - que, nas negociações, toma por objetivo levar vantagem em tudo. É o chamado “comedor de fígado”. E, muitas vezes, acaba comprometendo negociações importantes por falta de visão de conjunto, sensibilidade humana, de não entender que, na outra ponta, há pessoas, não computadores.
***
Um dos grandes empresários brasileiros, Walther Moreira Salles, fez carreira como investidor visionário mas, principalmente, pela confiabilidade que passava aos sócios..
Contou-me certa vez que Nelson Rockefeller interessou-se em tornar-se sócio da Fazenda Bodoquena, que ele tinha em Mato Grosso. Acertaram o negócio, percentual e preço, e deixaram para sacramentar em Nova York.
Lá, um exército de advogados esmerou-se em encontrar pelo em ovo, chifre em cabeça de cavalo e dente em bico de galinha. Foram interrompidos por Rockefeller: "Já acertamos o negócio. O papel de vocês é facilitar, não o de dificultar".
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Em parte essa gana do tecnocrata decorre do profundo sentido litigante implantado pela advocacia empresarial norte-americana. Em parte, pelo fim do capitalismo de família norte-americano, período que começa a se esgotar nos anos 1960, com o crescimento das sociedades anônimas e a diluição da herança das primeiras gerações capitalistas.
No modelo anterior, o poder era exercido por uma seleção restrita de famílias, o chamado grande mundo empresarial, um clube fechado ao qual poucos tinham acesso. Por restrito e baseado em relações pessoais, havia um conjunto de regras tácitas disciplinando as relações de negócio. Mesmo restrito, as regras de conduta e negociação acabaram se refletindo nos escalões inferiores das próprias empresas, forjando uma ética capitalista - injusta para com os de fora, mas rigorosa para com os de dentro. 
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Esse modelo começa a se esgarçar com a era dos grandes CEOs, processo que se acelera com o próprio advento do chamado neoliberalismo - o período que sucede o fim da paridade dólar-ouro, em 1972. O negociador comedor de fígado torna-se rei, criando uma cultura muitas vezes nociva para os negócios.
Na linha de frente, ele negocia em nome da empresa. Mas seu foco são os centavos que irá ganhar naquela operação específica - centavos em relação aos valores tangíveis e intangíveis que estão em jogo. Com a enorme complexidade dos tempos modernos, essa prática acaba se espalhando por todos os setores da empresa, nas negociações com fornecedores, parceiros.
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Agora, com o advento da Internet, o modelo passa a ser colocado em xeque. O modelo convencional de negócios é substituído pelo trabalho em rede, por milhares de desenvolvedores, startups, inovando não apenas os produtos, como as formas de parceria. A grande corporação é obrigada a se civilizar, principalmente porque os novos tempos acabam com a estratificação empresarial do período anterior. E as negociações são feitas com jovens empreendedores, ariscos a toda forma de hierarquização, ao burocratismo das grandes organizações.
O chamado "fio no bigode" torna-se mais relevante que o comedor de fígado.
Fonte: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-negociador-comedor-de-figado


segunda-feira, 29 de julho de 2013

Em discurso duro aos bispos da América Latina, o Papa Francisco cobra mudanças na Igreja



Em discurso duro, papa critica bispos e pede reforma da Igreja

Em encontro com o Celam, Francisco atacou o abuso de poder na Igreja, a mentalidade de 'príncipes' entre os cardeais, o carreirismo e a distância imposta pelos bispos aos fiéis

28 de julho de 2013 | 16h 02


RIO - O papa Francisco fez neste domingo uma autocrítica antes de deixar o Brasil: a Igreja está "atrasada" e mantém "estruturas caducas". Para ele, chegou o momento de a instituição entender que precisa se modernizar e deixar de viver de tradições ou de vender esperanças para o futuro. Em seus improvisos, porém, deixou claro que é preciso mudar sem perder dogmas nem valores.
A ocasião escolhida para apresentar seu "programa de governo" para a Igreja – baseado no documento de 2007 da Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, em Aparecida – foi a reunião que manteve com os cardeais, ontem à tarde no Rio. Francisco fez um ataque ao abuso de poder na Igreja, à mentalidade de "príncipes" entre os cardeais, à inclusão de ideologias sociais no Evangelho – tanto marxistas quanto liberais – e uma denúncia frontal contra o carreirismo e contra a distância imposta pelos bispos aos fiéis.
Em um duro discurso, o papa Francisco apelou por uma Igreja "atual" e apresentou um raio X dos problemas da Igreja que, segundo ele, estão impedindo seu crescimento e fazendo proliferar sua "imaturidade". As reformas na Cúria começarão a ser apresentadas já em setembro. Mas, para o papa, mudanças nas estruturas não bastarão. É preciso adotar nova atitude.
No centro de seu projeto estão a renovação interna da Igreja e a insistência de que sacerdotes deixem a sacristia e tomem as ruas, dando especial atenção às periferias – não só das cidades, mas também aos segmentos marginalizados da sociedade. "O que leva a mudar os corações dos cristãos é justamente a missionariedade", declarou, lembrando que isso "exige gerar a consciência de uma Igreja que se organiza para servir a todos os batizados e homens de boa vontade". "O discipulado-missionário é o caminho."
Vícios e tentações. Francisco, porém, ao apresentar sua estratégia para reconquistar fiéis e retomar a influência da Igreja, alertou para vícios e tentações que a instituição atravessa e precisa abandonar para poder retomar sua credibilidade. Disse de improviso que, "com o início do pontificado, recebe cartaz, propostas, chegam-lhe inquietudes, propostas que... se casem os padres, que se ordenem as monjas (risos), que se dê a comunhão aos divorciados". Francisco chega a falar em catolicismo ilustrado e dizer que essas questões "não vão ao problema de fundo, real".
Outra crítica foi dirigida à "ideologização da mensagem evangélica". O argentino, porém, fez questão de atacar não apenas a Teologia da Libertação, mas tendências liberais. "A tentação engloba os campos mais variados, desde o liberalismo de mercado até a categorização marxista", declarou.
O papa também combate o que chama de "restauracionismo" dos movimentos tradicionalistas da Igreja que, segundo ele, usam justamente os ritos para reafirmar a Igreja. Para o papa, essa não é a solução.
Para ele, outra ameaça à Igreja é o "funcionalismo" que paralisa a instituição. "Reduz-se a realidade da Igreja à estrutura de uma ONG. O que vale é o resultado palpável e as estatísticas. A partir disso, chega-se a todas as modalidades empresariais de Igreja. Constitui uma espécie de ‘teologia da prosperidade’ no organograma da pastoral", disse, uma referência a movimentos pentecostais. "A Igreja é instituição, mas, quando se erige em ‘centro’, se funcionaliza e, pouco a pouco, se transforma em uma ONG."
O papa também criticou o clericalismo, "uma tentação muito atual na América Latina". Ele denunciou a "cumplicidade viciosa entre o sacerdote que clericaliza e o leigo que lhe pede por favor que o clericalize, porque, no fundo, lhe resulta mais cômodo". O resultado seria uma Igreja com "falta de maturidade adulta e de liberdade cristã". 
Leia a íntegra do discurso no encontro com o Comitê de Coordenação do Celam no Centro de Estudos do Sumaré:
"Agradeço ao Senhor por esta oportunidade de poder falar com vocês, Irmãos Bispos responsáveis do Celam no quadriênio 2011-2015. Há 57 anos que o Celam serve as 22 Conferências Episcopais da América Latina e do Caribe, colaborando solidária e subsidiariamente para promover, incentivar e dinamizar a colegialidade episcopal e a comunhão entre as Igrejas da região e seus pastores.

Como vocês, também eu sou testemunha do forte impulso do Espírito na V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, em Aparecida no mês de maio de 2007, que continua animando os trabalhos do Celam para a anelada renovação das Igrejas particulares. Em boa parte delas, essa renovação já está em andamento. Gostaria de centrar esta conversação no patrimônio herdado daquele encontro fraterno e que todos batizamos como Missão Continental.
Características peculiares de Aparecida

Existem quatro características típicas da referida V Conferência. Constituem como que quatro colunas do desenvolvimento de Aparecida que lhe dão a sua originalidade.

1) Início sem documentoMedelín, Puebla e Santo Domingo começaram os seus trabalhos com um caminho preparatório que culminou em uma espécie de Instrumentum laboris, com base no qual se desenrolou a discussão, a reflexão e a aprovação do documento final. Em vez disso, Aparecida promoveu a participação das Igrejas particulares como caminho de preparação que culminou em um documento de síntese. Este documento, embora tenha sido ponto de referência durante a V Conferência Geral, não foi assumido como documento de partida. O trabalho inicial foi pôr em comum as preocupações dos pastores perante a mudança de época e a necessidade de recuperar a vida de discípulo e missionário com que Cristo fundou a Igreja.

2) Ambiente de oração com o Povo de DeusÉ importante lembrar o ambiente de oração gerado pela partilha diária da Eucaristia e de outros momentos litúrgicos, tendo sido sempre acompanhados pelo Povo de Deus. Além disso, realizando-se os trabalhos na cripta do Santuário, a “música de fundo” que os acompanhava era constituída pelos cânticos e as orações dos fiéis.

3) Documento que se prolonga em compromisso, com a Missão ContinentalNeste contexto de oração e vivência de fé, surgiu o desejo de um novo Pentecostes para a Igreja e o compromisso da Missão Continental. Aparecida não termina com um documento, mas prolonga-se na Missão Continental.

4) A presença de Nossa Senhora, Mãe da América É a primeira Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe que se realiza em um Santuário mariano.
Dimensões da Missão Continental. A Missão Continental está projetada em duas dimensões: programática e paradigmática. A missão programática, como o próprio nome indica, consiste na realização de atos de índole missionária. A missão paradigmática, por sua vez, implica colocar em chave missionária a atividade habitual das Igrejas particulares. 
Em consequência disso, evidentemente, verifica-se toda uma dinâmica de reforma das estruturas eclesiais. A “mudança de estruturas” (de caducas a novas) não é fruto de um estudo de organização do organograma funcional eclesiástico, de que resultaria uma reorganização estática, mas é consequência da dinâmica da missão. O que derruba as estruturas caducas, o que leva a mudar os corações dos cristãos é justamente a missionariedade. Daqui a importância da missão paradigmática.
A Missão Continental, tanto programática como paradigmática, exige gerar a consciência de uma Igreja que se organiza para servir a todos os batizados e homens de boa vontade. O discípulo de Cristo não é uma pessoa isolada em uma espiritualidade intimista, mas uma pessoa em comunidade para se dar aos outros. Portanto, a Missão Continental implica pertença eclesial.
Uma posição como esta, que começa pelo discipulado missionário e implica entender a identidade do cristão como pertença eclesial, pede que explicitemos quais são os desafios vigentes da missionariedade discipular. Me limito a assinalar dois: a renovação interna da Igreja e o diálogo com o mundo atual.
Renovação interna da Igreja
Aparecida propôs como necessária a Conversão Pastoral. Esta conversão implica acreditar na Boa Nova, acreditar em Jesus Cristo portador do Reino de Deus, em sua irrupção no mundo, em sua presença vitoriosa sobre o mal; acreditar na assistência e guia do Espírito Santo; acreditar na Igreja, Corpo de Cristo e prolongamento do dinamismo da Encarnação.
Neste sentido, é necessário que nos interroguemos, como pastores, sobre o andamento das Igrejas a que presidimos.
Estas perguntas servem de guia para examinar o estado das dioceses quanto à adoção do espírito de Aparecida, e são perguntas que é conveniente pôr-nos, muitas vezes, como exame de consciência.
1. Procuramos que o nosso trabalho e o de nossos presbíteros seja mais pastoral que administrativo? Quem é o principal beneficiário do trabalho eclesial, a Igreja como organização ou o Povo de Deus na sua totalidade?

2. Superamos a tentação de tratar de forma reativa os problemas complexos que surgem? Criamos um hábito proativo? Promovemos espaços e ocasiões para manifestar a misericórdia de Deus? Estamos conscientes da responsabilidade de repensar as atitudes pastorais e o funcionamento das estruturas eclesiais, buscando o bem dos fiéis e da sociedade?

3. Na prática, fazemos os fiéis leigos participantes da missão? Oferecemos a palavra de Deus e os sacramentos com consciência e convicção claras de que o Espírito se manifesta neles?

4. Temos como critério habitual o discernimento pastoral, servindo-nos dos Conselhos Diocesanos? Tanto estes como os Conselhos paroquiais de Pastoral e de Assuntos Econômicos são espaços reais para a participação laical na consulta, organização e planejamento pastoral? O bom funcionamento dos Conselhos é determinante. Acho que estamos muito atrasados nisso.

5. Nós, Pastores Bispos e Presbíteros, temos consciência e convicção da missão dos fiéis e lhes damos a liberdade para irem discernindo, de acordo com o seu processo de discípulos, a missão que o Senhor lhes confia? Apoiamo-los e acompanhamos, superando qualquer tentação de manipulação ou indevida submissão? Estamos sempre abertos para nos deixarmos interpelar pela busca do bem da Igreja e da sua
Missão no mundo?

6. Os agentes de pastoral e os fiéis em geral sentem-se parte da Igreja, identificam-se com ela e aproximam-na dos batizados indiferentes e afastados?
Como se pode ver, aqui estão em jogo atitudes. A Conversão Pastoral diz respeito, principalmente, às atitudes e a uma reforma de vida. Uma mudança de atitudes é necessariamente dinâmica: “entra em processo” e só é possível moderá-lo acompanhando-o e discernindo-o. É importante ter sempre presente que a bússola, para não se perder nesse caminho, é a identidade católica concebida como pertença eclesial.
Diálogo com o mundo atual

Faz-nos bem lembrar estas palavras do Concílio Vaticano II: As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e atribulados, são também alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos discípulos de Cristo. Aqui reside o fundamento do diálogo com o mundo atual.
A resposta às questões existenciais do homem de hoje, especialmente das novas gerações, atendendo à sua linguagem, entranha uma mudança fecunda que devemos realizar com a ajuda do Evangelho, do Magistério e da Doutrina Social da Igreja. Os cenários e areópagos são os mais variados. Por exemplo, em uma mesma cidade, existem vários imaginários coletivos que configuram “diferentes cidades”. Se continuarmos apenas com os parâmetros da “cultura de sempre”, fundamentalmente uma cultura de base rural, o resultado acabará anulando a força do Espírito Santo. Deus está em toda a parte: há que saber descobri-lo para poder anunciá-lo no idioma dessa cultura; e cada realidade, cada idioma tem um ritmo diferente.
Algumas tentações contra o discipulado missionário

A opção pela missionariedade do discípulo sofrerá tentações. É importante saber por onde entra o espírito mau, para nos ajudar no discernimento. Não se trata de sair à caça de demônios, mas simplesmente de lucidez e prudência evangélicas. Limito-me a mencionar algumas atitudes que configuram uma Igreja “tentada”. Trata-se de conhecer determinadas propostas atuais que podem mimetizar-se em a dinâmica do discipulado missionário e deter, até fazê-lo fracassar, o processo de
Conversão Pastoral.

1. A ideologização da mensagem evangélica. É uma tentação que se verificou na Igreja desde o início: procurar uma hermenêutica de interpretação evangélica fora da própria mensagem do Evangelho e fora da Igreja.
Um exemplo: a dado momento, Aparecida sofreu essa tentação sob a forma de assepsia. Foi usado, e está bem, o método de “ver, julgar, agir”. A tentação se encontraria em optar por um "ver" totalmente asséptico, um “ver” neutro, o que não é viável. O ver está sempre condicionado pelo olhar. Não há uma hermenêutica asséptica. Então a pergunta era: Com que olhar vamos ver a realidade? Aparecida respondeu: Com o olhar de discípulo. Assim se entendem os números 20 a 32. Existem outras maneiras de ideologização da mensagem e, atualmente, aparecem na América Latina e no Caribe propostas desta índole. Menciono apenas algumas:
a) O reducionismo socializante. É a ideologização mais fácil de descobrir. Em alguns momentos, foi muito forte. Trata-se de uma pretensão interpretativa com base em uma hermenêutica de acordo com as ciências sociais. Engloba os campos mais variados, desde o liberalismo de mercado até a categorização marxista.

b) A ideologização psicológica. Trata-se de uma hermenêutica elitista que, em última análise, reduz o “encontro com Jesus Cristo” e seu sucessivo desenvolvimento a uma dinâmica de autoconhecimento.
Costuma verificar-se principalmente em cursos de espiritualidade, retiros espirituais, etc. Acaba por resultar numa posição imanente autorreferencial. Não tem sabor de transcendência, nem portanto de missionariedade.

c) A proposta gnóstica. Muito ligada à tentação anterior. Costuma ocorrer em grupos de elites com uma proposta de espiritualidade superior, bastante desencarnada, que acaba por desembocar em posições pastorais de “quaestiones disputatae”. Foi o primeiro desvio da comunidade primitiva e reaparece, ao longo da história da Igreja, em edições corrigidas e renovadas. Vulgarmente são denominados “católicos iluminados” (por serem atualmente herdeiros do Iluminismo). Uma gnose a partir da qual se interpreta o Evangelho e a vida pastoral. Com o início do pontificado, chegam cartas, propostas, inquietudes de fiéis e católicos, com desejos: de que se casem os padres, que se ordenem as freiras, que se dê a comunhão dos divorciados. Não vão ao problema de fundo real, mas a estas pequenas posturas ilustradas que nascem precisamente deste tipo de hermenêutica. [trecho improvisado do discurso]
d) A proposta pelagiana. Aparece fundamentalmente sob a forma de restauracionismo. Perante os males da Igreja, busca-se uma solução apenas na disciplina, na restauração de condutas e formas superadas que, mesmo culturalmente, não possuem capacidade significativa. Na América Latina, costuma verificar-se em pequenos grupos, em algumas novas Congregações Religiosas, em tendências para a “segurança” doutrinal ou disciplinar. Fundamentalmente é estática, embora possa prometer uma dinâmica para dentro: regride. Procura “recuperar” o passado perdido. 
2. O funcionalismo. A sua ação na Igreja é paralisante. Mais do que com a rota, se entusiasma com o “roteiro”. A concepção funcionalista não tolera o mistério, aposta na eficácia. Reduz a realidade da Igreja à estrutura de uma ONG. O que vale é o resultado palpável e as estatísticas. A partir disso, chega-se a todas as modalidades empresariais de Igreja. Constitui uma espécie de “teologia da prosperidade” no organograma da pastoral.
3. O clericalismo é também uma tentação muito atual na América Latina. Curiosamente, na maioria dos casos, trata-se de uma cumplicidade viciosa: o sacerdote clericaliza e o leigo lhe pede por favor que o clericalize, porque, no fundo, lhe resulta mais cômodo. O fenômeno do clericalismo explica, em grande parte, a falta de maturidade adulta e de liberdade cristã em boa parte do laicato da América Latina: ou não cresce (a maioria), ou se abriga sob coberturas de ideologizações como as indicadas, ou ainda em pertenças parciais e limitadas. Em nossas terras, existe uma forma de liberdade laical através de experiências de povo: o católico como povo. Aqui vê-se uma maior autonomia, geralmente sadia, que se expressa fundamentalmente na piedade popular. O capítulo de Aparecida sobre a piedade popular descreve, em profundidade, essa dimensão. A proposta dos grupos bíblicos, das comunidades eclesiais de base e dos Conselhos pastorais está na linha de superação do clericalismo e de um crescimento da responsabilidade laical.
Poderíamos continuar descrevendo outras tentações contra o discipulado missionário, mas acho que estas são as mais importantes e com maior força neste momento da América Latina e do Caribe.
Algumas orientações eclesiológicas
1.
 O discipulado-missionário que Aparecida propôs às Igrejas da América Latina e do Caribe é o caminho que Deus quer para “hoje”. Toda a projeção utópica (para o futuro) ou restauracionista (para o passado) não é do espírito bom. Deus é real e se manifesta no “hoje”. A sua presença, no passado, se nos oferece como “memória” da saga de salvação realizada quer em seu povo quer em cada um de nós; no futuro, se nos oferece como “promessa” e esperança. No passado, Deus esteve lá e deixou sua marca: a memória nos ajuda encontrá-lo; no futuro, é apenas promessa... e não está nos mil e um “futuríveis”. O “hoje” é o que mais se parece com a eternidade; mais ainda: o “hoje” é uma centelha de eternidade. No “hoje”, se joga a vida eterna.
O discipulado missionário é vocação: chamada e convite. Acontece em um “hoje”, mas “em tensão”. Não existe o discipulado missionário estático. O discípulo missionário não pode possuir-se a si mesmo; a sua imanência está em tensão para a transcendência do discipulado e para a transcendência da missão. Não admite a autorreferencialidade: ou refere-se a Jesus Cristo ou refere-se às pessoas a quem deve levar o anúncio dele. Sujeito que se transcende. Sujeito projetado para o encontro: o encontro com o Mestre (que nos unge discípulos) e o encontro com os homens que esperam o anúncio.
Por isso, gosto de dizer que a posição do discípulo missionário não é uma posição de centro, mas de periferias: vive em tensão para as periferias... incluindo as da eternidade no encontro com Jesus Cristo. No anúncio evangélico, falar de “periferias existenciais” descentraliza e, habitualmente, temos medo de sair do centro. O discípulo-missionário é um descentrado: o centro é Jesus Cristo, que convoca e envia. O discípulo é enviado para as periferias existenciais.
2. A Igreja é instituição, mas, quando se erige em “centro”, se funcionaliza e, pouco a pouco, se transforma em uma ONG. Então, a Igreja pretende ter luz própria e deixa de ser aquele “mysterium lunae” de que nos falavam os Santos Padres.
Torna-se cada vez mais autorreferencial, e se enfraquece a sua necessidade de ser missionária. De “Instituição” se transforma em “Obra”. Deixa de ser Esposa, para acabar sendo Administradora; de Servidora se transforma em “Controladora”. Aparecida quer uma Igreja Esposa, Mãe, Servidora, facilitadora da fé e não controladora da fé.
3. Em Aparecida, verificam-se de forma relevante duas categorias pastorais, que surgem da própria originalidade do Evangelho e nos podem também servir de orientação para avaliar o modo como vivemos eclesialmente o discipulado missionário: a proximidade e o encontro. Nenhuma das duas é nova, antes configuram a maneira como Deus se revelou na história. É o “Deus próximo” do seu povo, proximidade que chega ao máximo quando Ele encarna. É o Deus que sai ao encontro do seu povo. Na América Latina e no Caribe, existem pastorais “distantes”, pastorais disciplinares que privilegiam os princípios, as condutas, os procedimentos organizacionais... obviamente sem proximidade, sem ternura, nem carinho.
Ignora-se a "revolução da ternura", que provocou a encarnação do Verbo. Há pastorais posicionadas com tal dose de distância que são incapazes de conseguir o encontro: encontro com Jesus Cristo, encontro com os irmãos. Este tipo de pastoral pode, no máximo, prometer uma dimensão de proselitismo, mas nunca chegam a conseguir inserção nem pertença eclesial. A proximidade cria comunhão e pertença, dá lugar ao encontro. A proximidade toma forma de diálogo e cria uma cultura do encontro. Uma pedra de toque para aferir a proximidade e a capacidade de encontro de uma pastoral é a homilia. A pastoral é, em última instância, o exercício de maternidade da Igreja. Como são as nossas homilias? Estão próximas do exemplo de Nosso Senhor, que “falava como quem tem autoridade”, ou são meramente prescritivas, distantes, abstratas?
4. Quem guia a pastoral, a Missão Continental (seja programática seja paradigmática), é o bispo. Ele deve guiar, que não é o mesmo que comandar. Além de assinalar as grandes figuras do episcopado latino-americano que todos nós conhecemos, gostaria de acrescentar aqui algumas linhas sobre o perfil do Bispo, que já disse aos Núncios na reunião que tivemos em Roma. Os bispos devem ser pastores, próximos das pessoas, pais e irmãos, com grande mansidão: pacientes e misericordiosos. Homens que amem a pobreza, quer a pobreza interior como liberdade diante do Senhor, quer a pobreza exterior como simplicidade e austeridade de vida. Homens que não tenham “psicologia de príncipes”. Homens que não sejam ambiciosos e que sejam esposos de uma Igreja sem viver na expectativa de outra. É o fenômeno dos bispos polígamos. Estão casados com uma, mas esperando ver quando terão a promoção. Homens capazes de vigiar sobre o rebanho que lhes foi confiado e cuidando de tudo aquilo que o mantém unido: vigiar sobre o seu povo, atento a eventuais perigos que o ameacem, mas sobretudo para cuidar da esperança: que haja sol e luz nos corações. Homens capazes de sustentar com amor e paciência os passos de Deus em seu povo. E o lugar onde o bispo pode estar com o seu povo é triplo: ou à frente para indicar o caminho, ou no meio para mantê-lo unido e neutralizar as debandadas, ou então atrás para evitar que alguém se desgarre mas também, e fundamentalmente, porque o próprio rebanho tem o seu olfato para encontrar novos caminhos.

Não quero juntar mais detalhes sobre a pessoa do bispo, mas simplesmente acrescentar, incluindo-me a mim mesmo nesta afirmação, que estamos um pouco atrasados no que a Conversão Pastoral indica. Convém que nos ajudemos um pouco mais a dar os passos que o Senhor quer que cumpramos neste 'hoje' da América Latina e do Caribe. E seria bom começar por aqui.

Agradeço-lhes a paciência de me ouvirem. Desculpem a desordem do discurso e lhes peço, por favor, para tomarmos a sério a nossa vocação de servidores do povo santo e fiel de Deus, porque é nisso que se exerce e mostra a autoridade: na capacidade de serviço. Muito obrigado!"

domingo, 28 de julho de 2013

O silêncio da mídia sobre o propinoduto Tucano, denunciado pela Isto É, demonstra a tendendenciosidade da Globo, Veja e quase toda a mídia brasileira



Carlos Antonio Fragoso Guimarães

O império da Rede Globo, até três dias atrás, nada falou do propinoduto tucano. Contudo, diante das pressões das redes sociais, ela passou a citar algo sobre o caso, mas fazendo do PSDB quase uma vítima das grandes empresas. É assim que haje a grande mídia: tendenciosamente torcendo os fatos de acordo com seus interesses. Para a poderosa Globo, que deve quase 1 bilhão à União, só existem corruptos e ladrões, e quadrilhas, e imbecis no governo do PT enquanto do lado fascista do PSDB da privataria, da compra da reeleição, do SIVAM e da filha super rica do Zé Serra, só existem gente boa e homens de bem. Assim, mesmo, depois de muito tempo, falando algo, o mulçumano chefe dos telejornais globais, Ali Kamel, tenta blindar muito bem Serra, Alckimin e o falecido Covas, de olho nos interesses políticos conservadores da Globo que, aliás, são os os mesmos dos outros grandes conglomerados midiáticos familiares brasileiros, como as organizações Abril da sujíssima revista Veja, e outros. A tática de falar sobre o caso, mais do que denunciar com luvas de pelica, no que tange aos jornais da Globo, se resume no quadro ao lado.


Mas vejamos do que se trata esta nova face da tendência privatarista tucana:

Trecho (resumido) da reportagem da Isto é 

Ao analisar documentos da Siemens, empresa integrante do cartel que drenou recursos do Metrô e trens de São Paulo, o Cade e o MP concluíram que os cofres paulistas foram lesados em pelo menos R$ 425 milhões

Duas revistas em duas semanas. Na primeira, a Isto É apresenta depoimento de um ex-funcionário da Siemens que revelou como funcionava o esquema de propinas nas licitações, viciadas, para o metrô nos governos tucanos. A segunda revista, com capa sobre o mesmo tema, demonstra um superfaturamento de 425 milhões,  desviados para o PSDB. Durante esta semana, quantas vezes você ouviu o Jornal Nacional ou a Folha de São Paulo falar, mostrar ou escrever uma linha sequer sobre isto? Em compensação, faltaram as sempre presentes críticas ao governo federal? Isso prova ou não prova a tendenciosidade e o comprometimento da mídia mais rica com os setores mais exploradores da sociedade?

Resumo da ópera:

A revista  ISTO É, na sema passada, publicou vários documentos inéditos e o depoimento voluntário de um ex-funcionário da multinacional alemã Siemens, feito junto ao Ministério Público. Com este material, percebeu-se um esquema multimilionário montado por empresas da área de transporte sobre trilhos em São Paulo para vencer e lucrar com licitações públicas durante os  governos do PSDB, nos últimos 20 anos. Constituiu-se etão um propinoduto milionário que desviou dinheiro das obras para vários políticos tucanos. Toda a documentação, inclusive um relatório do que foi revelado pelo ex-funcionário da empresa alemã, está em poder do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para quem a Siemens – ré confessa por formação de cartel – vem denunciando desde maio de 2012 as falcatruas no Metrô e nos trens paulistas, em troca de imunidade civil e criminal para si e seus executivos. 

A análise da papelada e depoimentos colhidos até agora fez os integrantes do Cade e do Ministério Público se surpreenderam com a quantidade de irregularidades encontradas nos acordos firmados entre os governos tucanos de São Paulo e as companhias encarregadas da manutenção e aquisição de trens e da construção de linhas do Metrô e de trens. Uma das autoridades envolvidas na investigação chegou a se referir ao esquema como uma fabulosa história de achaque aos cofres públicos, num enredo formado por pessoas-chaves da administração – entre eles diretores do metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) –, com participação especial de políticos do PSDB, parcela dos principais beneficiários. Durante a apuração, ficou evidente que o desenlace dessa trama é amargo para os contribuintes paulistas, mas estes, capitaneados por uma classe média exclusivista e acomodada com uma visão de mundo maniqueísta e deturpada, apoia indelevelmente a classe política representada pelo PSDB. A investigação revela que o cartel superfaturou cada obra em 30%.  Foram analisados 16 contratos correspondentes a seis projetos. De acordo com o MP e o Cade, os prejuízos aos cofres públicos somente nesses negócios chegaram a RS 425,1 milhões. Os valores, dizem fontes ligadas à investigação ouvidas por ISTOÉ, ainda devem se ampliar com o detalhamento de outros certames vencidos em São Paulo pelas empresas integrantes do cartel nesses e em outros projetos.


No blog da revista Isto é, temos também que

Entre os contratos em que o Cade detectou flagrante sobrepreço está o de fornecimento e instalação de sistemas para transporte sobre trilhos da fase 1 da Linha 5 Lilás do metrô paulista. A licitação foi vencida pelo consórcio Sistrem, formado pela empresa francesa Alstom, pela alemã Siemens juntamente com a ADtranz (da canadense Bombardier) e a espanhola CAF. Os serviços foram orçados em R$ 615 milhões. De acordo com testemunhos oferecidos ao Cade e ao Ministério Público, esse contrato rendeu uma comissão de 7,5% a políticos do PSDB e dirigentes da estatal. Isso significa algo em torno de R$ 46 milhões só em propina. “A Alstom coordenou um grande acordo entre várias empresas, possibilitando dessa forma um superfaturamento do projeto”, revelou um funcionário da Siemens ao MP. Antes da licitação, a Alstom, a ADtranz, a CAF, a Siemens, a TTrans e a Mitsui definiram a estratégia para obter o maior lucro possível. As companhias que se associaram para a prática criminosa são as principais detentoras da tecnologia dos serviços contratados.

O responsável por estabelecer o escopo de fornecimento e os preços a serem praticados pelas empresas nesse contrato era o executivo Masao Suzuki, da Mitsui. Sua empresa, no entanto, não foi a principal beneficiária do certame. Quem ficou com a maior parte dos valores recebidos no contrato da fase 1 da Linha 5 Lilás do Metrô paulista foi a Alstom, que comandou a ação do cartel durante a licitação. Mas todas as participantes entraram no caixa da propina. Cada empresa tinha sua própria forma de pagar a comissão combinada com integrantes do PSDB paulista, segundo relato do delator e ex-funcionário da Siemens revelado por ISTOÉ em sua última edição. Nesse contrato específico, a multinacional francesa Alstom e a alemã Siemens recorreram à consultoria dos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira. Documentos apresentados por ISTOÉ na semana passada mostraram que eles operam por meio de duas offshores localizadas no Uruguai, a Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A. Para não deixar rastro do suborno, ambos também se valem de contas em bancos na Suíça, de acordo a investigação.

A pergunta que não quer calar é esta: Além da Privataria Tucana, que num primeiro momento contou com o silêncio obsiquioso da Mídia em geral, o que prova o silêncio da mesma mídia quanto a este novo escândalo do PSDB?



sábado, 27 de julho de 2013

O Cristo socialista e a classe média coxinha



Pois é... Mataram Cristo antes por ter sido considerado  um subversivo, um revolucionário a questionar o status quo, um crítico social.... Imagina agora, com a classe média coxinha frequentadora do templo Shopping? E os médicos elitistas-corporativos? Estes aceitariam a concorrência divina sem revalidação do diploma?

Carlos Antonio Fragoso Guimarães




Leonardo Boff: "O Papa da Liberdade"



O Papa da liberdade de espírito e da razão cordial



texto de
Leonardo Boff

Fonte: Leonardo Boff

Uma das maiores conquistas da pessoa humana em seu processo de individuação é a liberdade de espírito. Liberdade de espírito é a capacidade de ser duplamente livre: livre das injunções, regras, normas e protocolos que foram inventados pela sociedade e pelas instituições para uniformalizar comportamentos e moldar personalidades segundo tais determinações. E significa fundamentalmente ser livre para ser autêntico, pensar com sua própria cabeça e agir consoante sua norma interior, amadurecida ao largo de toda vida, na resistência e na tensão com aqueles injunções.
E essa é uma luta titânica . Pois todos nascemos dentro de certas determinações que independem de nossa vontade seja na  família, na escola, na roda de amigos, na religião e na cultura que moldam nossos hábitos. Todas estas instâncias funcionam como super egos que podem ser limitadores e em alguns casos até castradores. Logicamente, estes limites desempenham uma função reguladora importante. Pelo fato de o rio possuir margens e limites é que ele chega ao mar. Mas estes podem também represar as águas que deveriam fluir. Então se esparramam pelos lados e se transformam em charcos.
As atitudes e comportamentos surpreendentes do atual bispo de Roma, como gosta de se apresentar, comumente chamado  de Papa, Francisco, nos evocam esta categoria tão determinante da liberdade de espírito.
Normalmente o cardeal nomeado Papa logo incorpora o  estilo clássico, sacral e hierático dos Papas, seja nas vestimentas, nos gestos, nos símbolos do supremo poder sagrado e na linguagem. Francisco, dotado de imensa liberdade de espírito, fez o contrario: adaptou a figura do Papa a seu estilo pessoal, aos seus hábitos e às suas convicções. Todos conhecem as rupturas que introduziu sem a maior cerimônia. Aliviou-se de todos os símbolos de poder, especialmente, a cruz de ouro e pedras preciosas e o mantelo (mozetta) colocado aos outros, cheio de brocados e preciosidades, outrora símbolo dos imperadores romanos pagãos: sorrindo disse ao secretário que queria colocá-lo a seus ombros: “guarde-o porque o carnaval já acabou”. Veste-se na maior sobriedade, de branco, com seus sapatos pretos habituais e, por baixo, com sua calça também preta. Dispensou todas as facilidades atribuídas ao supremo Pastor da Igreja, desde o palácio pontifício substituido por uma hospedaria eclesiástica, comendo junto com outros. Reporta-se antes ao pobre Pedro que era um rude pescador ou a Jesus que, segundo o poeta Fernando Pessoa, “não entendia nada de contabilidade nem consta que tinha biblioteca”, pois era um “factotum” e simples campones mediterrâneo. Sente-se successor do primeiro e representante do segundo. Não quer que o chamem de Sua Santidade, pois se sente “irmão entre irmãos”, nem quer presidir a Igreja no rigor do direito canônico, mas na caridade calorosa.
Em sua viagem ao Brasil mostrou sem nenhuma espetacularização, esta sua liberdade de espírito: deseja como transporte um carro popular, um jeep coberto para locomoção no meio do povo, pára para abraçar crianças, para tomar um pouco de chimarrão, até trocar seu “solideo papal branco” da cabeça, por um outro, meio desengonçado oferecido por um fiel. Na cerimônia oficial de acolhida por parte do Governo que obedece a um rigoroso protocolo, após o discurso, vai à Presidenta Dilma Rousseffe e a beija para estarrecimento do mestre de cerimônia. E muitos seriam os exemplos.
Esta liberdade de espírito lhe traz uma inegável irradiação feita de ternura e vigor, as carcaterísticas pessoais de São Francisco de Assis. Trata-se de um homem de grande inteireza. Tais atitudes serenas e fortes mostram um homem de grande enternecimento e que realizou uma significativa síntese pessoal entre o seu eu profundo e o seu eu consciente. É o que esperamos de um líder, especialmente religioso. Ele evoca ao mesmo tempo leveza e segurança.
Esta liberdade de espírito é potenciada pelo resgate esplêndido que faz da razão cordial. A maioria dos cristãos está cansada de doutrinas e é cética face a campanhas contra reais ou imaginados inimigos da fé. Estamos todos impregnados até a medula pela razão intelectual, funcional, analítica  e eficientista. Agora vem alguém que a todo momento fala do coração como o fez em sua fala na comunidade(favela) de Varginha ou na ilha de Lampedusa. É no coração que mora o sentimento profundo pelo outro e por Deus. Sem o coração as doutrinas são frias e não suscitam nenhuma paixão. Face aos sobreviventes vindos de África, confessa:”somos uma sociedade que esqueceu a experiência de chorar, de “padecer com’: a globalização da indiferença tirou-nos a capacidade de chorar”. Sentencia com sabedoria:”A medida da grandeza de uma sociedade é dada pelo modo como trata os mais necessitados”.
Por esta medida, a sociedade mundial é um pigmeu, anêmica e cruel.
A razão cordial é mais efetiva na apresentação do sonho de Jesus que qualquer doutrina erudita e tornará o seu principal arauto, o Francisco de Roma, uma figura fascinante que vai ao fundo do coração dos cristãos e de outras pessoas.
De Leonardo Boff acaba de sair Francisco de Assis e Francisco de Roma, Mar de Ideias, Rio 2013.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Leonardo Boff: "Francisco é um libertador sem usar a expressão Teologia da Libertação"




Do editor Murilo, do blog Conversa Afiada:

O Papa pediu para ler o livro de Leonardo Boff.

É um papa que prefere ler livros ao invés de "queimá-los".

confirmado pelo Jornal de Notícias:

O papa Francisco manifestou interesse em ler o livro do teólogo Leonardo Boff, principal expoente da Teologia da Libertação no Brasil, que o opôs à Cúria do Vaticano na década de 1980, noticia, esta terça-feira, a imprensa brasileira.
"Ele quer receber o meu livro, mandou essa mensagem por uma amiga. Já entreguei a obra ao arcebispo do Rio de Janeiro e espero que o papa receba", afirmou o próprio Boff, citado pelo diário "O Globo".

O livro em questão é "Igreja: Carisma e Poder", no qual Boff contesta a estrutura hierárquica da Igreja. À época, a obra gerou forte crítica do Vaticano que, como punição, o depôs de suas funções ligadas ao ensino religioso e o obrigou a um ano de silencioso obsequioso.
O processo que levou à sua condenação foi realizado pela Congregação para a Defesa da Fé, então sob a direção de Joseph Ratzinger, o papa emérito Bento XVI.
A pena foi suspensa em 1986. Porém, seis anos mais tarde, diante de uma nova ameaça de punição feita pelas autoridades de Roma, Boff renunciou às suas atividades de padre e desligou-se da Ordem Franciscana.
O papa está de visita ao Brasil, onde preside à Jornada Mundial da Juventude, um evento para o qual são esperados perto de dois milhões de fiéis.


O texto a seguir, cim as colocações de Leonardo Boff, foi extraído do português Público:

LEONARDO BOFF: “FRANCISCO É UM LIBERTADOR SEM USAR A EXPRESSÃO TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO”




Onde está Leonardo Boff, protagonista da Teologia da Libertação, afastado pelo Vaticano enquanto padre? Nos arredores de Petrópolis, plena serra imperial. Mas tão activo que, com o apoio da igreja brasileira, continua a casar, baptizar e enterrar onde faltam padres, e faltam muito. Além disso, acaba de lançar mais um livro: Francisco de Assis e Francisco de Roma: uma nova primavera na Igreja? O Papa soube, disse que gostaria de o ler e o cardeal do Rio, dom Orani João Tempesta, vai entregar-lhe um exemplar dedicado.

“Esta visita será importante para o mundo inteiro”, diz Boff por telefone, desde a serra. “Vai permitir ver a linha política, teológica. Ele vem num momento de grande inquietação da juventude. Já declarou em Roma que os políticos devem escutar a voz da rua e que os protestos são legítimos.”

Resta ver como isso se confirmará: “Ele fará dois tipos de discursos. Um dirigido aos políticos, cobrando transparência, atenção à rua, abertura à participação popular. Outro dirigido aos jovens, com um apelo à vitalidade, para ajudar à transformação: não que sejam melhores cristãos, mas que sejam melhores pessoas. Fará uma crítica dura à violência dos vândalos, mas a tónica será positiva.”

E não centrada no reforço da igreja. “O foco é a desigualdade, a fome, evitar uma possível catástrofe mundial. Como a igreja pode ajudar a humanidade a superar a sua crise.” Uma visão diferente da anterior, diz. “Os dois últimos Papas viam a igreja como uma fortaleza sendo atacado por todos os lados, mas era uma fortaleza em ruínas, cheia de pedófilos, padres, bispos, três cardeais. E corrupção financeira, com os escândalos do Banco do Vaticano utilizado pelas máfias. Quando Bento XVI recebeu o relatório com tudo isso, disse: não tenho força psíquica nem física. E abdicou.”

O seu sucessor “é um Papa do Terceiro Mundo, da América Latina, e a igreja aqui fez opções muito importantes pelos pobres desde os anos 50″. Daí veio a Teologia da Libertação, movimento que o Vaticano veio a condenar como sendo pró-marxista.

“Francisco é um libertador sem usar a expressão Teologia da Libertação. É um Papa para reforçar as pastorais sociais, dos sem-tecto, das mulheres, dos indígenas, do ambiente. Ele vem desse tipo de igreja, que não é romana, europeia e vai continuar a linha dessa igreja. O discurso dele é o que fazemos há muitos anos. Ele próprio diz que é um peronista, da teologia da cultura popular. Faz críticas duras ao sistema capitalista global, que está a martirizar países como a Grécia e Portugal. Ele vai fazer polémica contra isso, reconciliando a comunidade teológica.”

Conheceram-se em 1970. O actual Papa era então o padre Bergoglio. E Boff, franciscano, dá grande importância ao facto dele, sendo jesuíta, ter escolhido chamar-se Francisco. “Não é um nome, é um projecto de igreja. Ele escutou esse apelo franciscano: vai e restaura a minha igreja arruinada. É um jesuíta sagaz com espírito franciscano, que pode fazer intervenções duras. Tem uma bondade, um desapego pessoal, e mão firme.”

Fundamental para enfrentar “uma Cúria com mais de 1000 anos e 1000 mecanismos”, sublinha. “Então ele escolheu oito cardeais do mundo inteiro. Será o primeiro governo colegial para dirigir a igreja. Juntos vão fazer a reforma.”




quarta-feira, 24 de julho de 2013

A elitista Máfia de Branco e o seu juramento dos hipócritas


Antes de ler o texto abaixo, veja este vídeo e as charges críticas posteriores:

vídeo de médico que vê paciente morrendo e não levanta da cadeira








A medicina vem se tornando mais e mais um clube exclusivista e fechado de parte da classe média... É mais um espaço de status e poder que profissão de gente dedicada ao humanismo, à cumprir o juramento de Hipócrates... Isto fica explicitamente claro no corporativismo da elite de branco e na mentalidade exclusivista, economicista e mecanicista de seus representantes... 

Carlos Antonio Fragoso Guimarães






A Folha de São Paulo e o médico que teria "desistido" do Mais Médicos

Fonte: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-folha-e-o-medico-que-teria-desistido-do-mais-medicos

No Facebook do Página Dois
A incrível história do médico do Sírio Libanês que ~teria~ se inscrito no programa “Mais Médicos” fica melhor a cada lance.
Como definiu Paulo Nogueira no Diário do Centro do Mundo, “Cesar Camara cobra 450 reais por consulta, é assistente de um dos urologistas mais caros do Brasil e apareceu na Folha como um candidato desencantado de um programa cujo alvo são médicos no início da carreira”.
Camara foi retratado numa matéria da repórter Claudia Colucci como um dos médicos que teriam desistido de entrar no programa “Mais Médicos” por não concordar com os termos do contrato. "Não há direito algum. Fica complicado aceitar um trabalho nessas condições".
É o personagem perfeito. O sonho de um repórter. O cara que, além de confirmar a pauta ainda dá uma aspa que não precisa de edição.
O problema é que tudo não passou de uma alegoria inventada por Colucci.
Trabalhei com Colucci na Folha. Ela é uma das mais experientes repórteres de Saúde do país. Realmente entende do assunto, tem ótimas fontes médicas e trânsito em hospitais como Einstein e Sírio Libanês.
Afinal, como perguntou Paulo Nogueira, qual o motivo de um médico que ganha 450 paus por consulta iria se internar no Brasil profundo, largar tudo, para trabalhar no SUS?
Paulo explica: “Diante do flagrante de mau jornalismo, eis a resposta da jornalista responsável pela reportagem: “Em nenhum momento da entrevista, Cesar Camara se identificou como assistente do urologista Miguel Srougi no HC ou no Sírio-Libanês. Disse, sim, que era médico de uma clínica particular em Heliópolis.”
Camara não disse nada sobre ser do HC-USP e do Sírio porque Colucci sabia. Camara atende pacientes de Heliópolis usando um jaleco do Sírio. Além disso seu perfil no LinkedIn dá a capivara completa do médico urologista. Estranhamente o perfil no LinkedIn foi apagado recentemente, mas o Google mantém uma cópia (http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache%3AlAqdA_IyT0AJ%3Abr.linkedin.com%2Fin%2Fcesarcamara+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br)
Além disso, Camara é doutor pela USP, um título público que pode ser conferido na Plataforma Lattes.
É preciso entender como se dá a dinâmica de um jornal para entender como Colucci chegou a Camara.
No dia 16, o chefe de Camara, Miguel Srougi escreveu um artigo para Folha em que ataca o programa “Mais Médico”. “Esse estágio coercitivo é compatível com a prerrogativa de liberdade, direito inegociável da existência humana?”, pergunta o urologista. “Instrutores e professores qualificados aceitarão migrar com suas famílias para os grotões remotos do país, amparando os estagiários?”, continuou no artigo. (http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/07/1311622-miguel-srougi-mais-medicos-ou-menos-indecencias.shtml)
Para a suíte da cobertura sobre o “Mais Médico”, Colucci setorista de Saúde da Folha, foi acionada. Era preciso correr atrás de médicos que teriam recusado o “Mais Médico”, confirmando os argumentos de Srougi.
(No jornalismo corporativo, não existe a possibilidade de derrubar a pauta. Um médico é o suficiente para justificar uma matéria contra o programa, mesmo que o universo de inscritos beire os 12 mil médicos)
Mas onde achar um médico disposto a defender os argumentos de Srougi? Talvez ele próprio tenha alguém para indicar. No mesmo dia da publicação do artigo, o assistente de Srougi publicou um chamado em seu Facebook. Procurava alguém que teria desistido do programa “Mais Médicos”. “Alguém desistiu de se increver ou não cogitou se inscrever (sic) por causa da falta de direitos trabalhistas”, perguntou Camara.
(https://pbs.twimg.com/media/BPi1CEGCcAAi3y1.jpg)
A pauta de um jornal diário está sempre atrasada um dia. Como dia 16 a noite o jornal do dia 17 já estava na gráfica, a matéria de Colucci saiu no dia 18.
Nela, Colucci afirma que Camara “fez a inscrição e desistiu de efetiva-la”.
Mais tarde, Camara disse a própria Folha que agiu de boa-fé para tentar atuar como médico tutor no programa Mais Médicos. “Meu recuo (não confirmei a inscrição no programa) baseou-se apenas na falta de explicações sobre um programa de tutores e na questão da falta de garantias de estabilidade do programa.”
Ok. Se é o que ele diz a gente acredite. Ao menos que ele mude de idéia.
Para justificar “boa-fé”, Camara se apegou numa questão mal resolvida no “Mais Médico”: como ficará a situação dos professores. Ou “tutores” como ele chama que vai supervisionar os residentes.
Não há novidade, no entanto. Srougi, no artigo do dia 16, cantou a bola.
Mesmo assim, Camara confirma que se inscreveu mas não “confirmou” a inscrição. Ou como Colucci definiu “desistiu de efetivá-la”
Em uma terceira versão, publicada no Facebook, Camara diz que “não aderiu ao programa (não se inscrevendo) (http://twitter.yfrog.com/obz4cxoj)
Pode parecer preciosismo, mas há uma diferença entre se inscrever e não confirma e não se increver.
Diante de três versões, é importante perguntar: a) o médico Cesar Camara mentiu ao dizer que tinha se inscrito? b) A repórter sabia da mentira? c) Foi a repórter da Folha que contatou Camara ou ele pediu ajuda no Facebook a pedido do chefe? d) A matéria de Colucci falou com dois médico: Camara e um psiquiatra que atende na Prefeitura de Barretos. Ninguém estranhou a estranha relação de 2/12000? E, por fim, e) uma repórter experiente não lembrou que Camara ficou conhecido o ano passado após uma matéria do Estadão mostrar a iniciativa de abrir uma clínica particular na favela de Heliópolis?

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Os fundamentalistas não se encontram apenas entre os "religiosos"


Fundamentalistas tanto podem ser "religiosos" quanto "céticos".
 Tudo depende do modo como radicalizam na percepção distorcida do outro...

Carlos Antonio Fragoso Guimarães



Luis Nassif: O Brasil que existe nos jornais está longe do real


O Brasil que existe nos jornais



Existe um jornalismo fast-food que se limita a seguir todo movimento de manada, a apresentar visões extraordinariamente simplistas da realidade ou a exercitar a opinião (leiga) sobre assuntos da maior profundiade.
Em todos esses casos, valem-se do expediente da "autoridade" - no caso, a possibilidade de sua opinião, por mais primária que seja, saia publicada em jornais de alta circulação ou em jornais de TV.
Esse movimento teve início no pós-redemocratização e está estreitamente ligado ao florescimento dos âncoras de rádio de TV e seus bordões de fácil alcance - tipo "isto é uma vergonha".
Sempre valeu para rádio e TV, mas não tinha espaço entre formadores de opinião - categoria na qual se enquadravam os jornais, antes da deblacle dos últimos anos.
Um dos mais fáceis recursos de marketing consiste em juntar um conjunto de temas negativos para concluir que tudo está negativo - ou o inverso.
Por exemplo, junto a tortura a quatro réus acusados de um crime aqui, com um ato de vandalismo ali, algumas tragédias sanitárias acolá e passo ao leitor a percepção de que aqueles fragmentos de realidade se constituem no todo.
Ora, países, estados, cidades, grandes empresas, são organizações complexas, das quais se pode extrair centenas de exemplos positivos e negativos.
Poderia falar do evento da SBPC em Recife, da euforia dos jovens com a redescoberta da política, da ascensão da nova música brasileira, dos resultados da indústria naval, do trabalho excepcional de ONGs e OSCIPs em parceria com o setor público, da universidade do MST, da recuperação pontual das bolsas e dizer que o país é uma maravilha.
O tal país terminal ou pujante não é o país real: é aquele que existe na cobertura da mídia, na cabeça do jornalista, no cérebro de quem não consegue enxergar além do retrato em branco e preto do momento.
É o marketing da notícia, uma opção que os jornais escolheram para se tornarem irrelevantes junto à opinião pública que conta.