sexta-feira, 29 de novembro de 2019

A Democracia Real, por ser ousada, é odiada pelas elites e a minoria mais rica.... Veja a análise de Fernando Horta sobre isto...



Tal qual a mulher empoderada é insuportável ao homem, a democracia-puta também o é. Ela tem a indignidade de flertar com os pobres, de se associar com os indigestos e não queridos

Foto: Amanda Perobelli/Reuters
A democracia-puta
Por Fernando Horta
Não é necessário muito estudo para perceber-se que as questões de gênero superam a mera colocação de um artigo antes de um substantivo para “melhor definição”. O gênero aporta ao substantivo um enorme grupo de visões e percepções construídas anteriormente ao substantivo que se está “definindo”. Quando se fala, por exemplo de “O” mercado e “A” democracia, está se dizendo já quais os níveis hierárquicos o século XX estabeleceu entre eles. É a replicação da dicotomia “natural – não natural” com que vivemos. “O” mercado é “natural” enquanto “A” democracia, quando muito, é uma construção social. Um (não aleatoriamente o masculino) é reconhecido como “força-motriz” de atuação que não pode ser ignorada. “A” outra (democracia) é um pacto artificial de questionável efetividade e forma, na visão dos conservadores.
Tudo tem, pois, um leque de definições assessórias conforme as suposições de gênero. E não é apenas o campo do “masculino” e o “feminino” que têm características pré-concebidas. O feminino também vive de arquétipos psicossociais mais ou menos claros. A mulher é sempre reduzida a um dos três: a mãe, a esposa e a puta. A mulher-mãe é o campo do sagrado, do perfeito e do intocado. É o “milagre da vida”, da progenitura, em seu viés “bondoso”. A progenitora é também a que perdoa, acolhe, aceita e protege. Muita tinta já foi gasta para mostrar esta associação com figuras como “Maria, a mãe de Jesus”, por exemplo. O arquétipo é tão forte que permite que machistas tenham ódio pelas mulheres e carinho pela sua mãe, num contrassenso que se desfaz na sacralidade da palavra “mãe”.
O segundo arquétipo conhecido da mulher é a mulher-esposa. Aquela que divide com o homem ALGUMAS das percepções de vida. Notadamente no campo do privado. É a dualidade entre a “companheira” e a “submissa”. A esposa é aquela que “ajuda a construir”, mas dentro – e somente dentro – dos limites autorizados pelo masculino. Entre o adjetivo “companheira” e “submissa”, impera o segundo. O século XX, especialmente em suas primeiras décadas via até cursos para ensinar à mulher o “seu” espaço. A “rainha do lar”, cujo pacto surdo é da proteção pela submissão. O marido, “chefe de família”, não “deixa faltar nada” para a “sua esposa” e exige dela fidelidade e silêncio. Como a sociedade muda, também mudam os espaços de permissão que a mulher-esposa pode transitar. Ela pode ser juíza, desde que o marido seja desembargador. Ela pode ser professora, desde que o homem ganhe mais do que ela em outra profissão. Alguns homens pensam em sinal de “modernismo” a ampliação dos espaços permitidos à mulher. Porém, sempre e somente na medida em que não forem concorrentes ou afrontosos ao entendimento do homem.
O terceiro arquétipo é a mulher-puta. A selvagem força da natureza que enfeitiça, ensandece e transforma a natureza “cordata” do homem. É a transpiração dos anseios e desejos sensuais masculinos. A mulher-puta é a transgressora por natureza. Capaz “das piores” coisas no mundo. Aquela que se dá e se deixa apenas pelo seu próprio instinto de necessidade e possibilidade. Incorrigível, indomável, violenta e incivilizada. A mulher-puta não tem dono. Dentro do entendimento deste arquétipo, a impossibilidade de reconhecimento de onde estão suas lealdades a transformam num elemento de instabilidade e perigo com o qual é permitido ao homem civilizado apenas o flerte. Flerte que serve apenas para saciar o lado selvagem do masculino. A meretriz, a “varzeana”, a vagabunda não o é pelo empoderamento da sua sexualidade, embora isto possa existir. Estes adjetivos são frequentemente empregados completamente alijados das questões sexuais e sempre como indicadores de imprevisibilidade, impossibilidade de controle e efetividade de ação.
Não é segredo, assim, que “A” democracia seja vista e entendida, por um grupo grande de pessoas, como enclausurada dentro de um destes três arquétipos. Os conservadores, por exemplo, admiram a “democracia-mãe”. Aquela que acolhe, recebe e promove ordem além de permitir a vida. A “democracia-mãe” é tão venerada quanto mais irreal ela for. É muito comum, nos discursos conservadores a reiterada imagem de apoio e apreço à “democracia”, sempre – contudo – querendo referir-se à irrealidade do arquétipo de mãe. Pode-se ser, na cabeça desta gente, contra a participação popular e “a favor da democracia”, ou contra “partidos políticos” e a favor da “democracia”, da mesma forma que se odiavam mulheres e amava a mãe. Esta é a democracia do fascismo. A democracia que Bolsonaro e seus apoiadores “defendem”. Irreal e sagrada. Impossível de ser atacada – porque sagrada – mas também impossível de ser colocada em prática, porque irreal.
A democracia-esposa é a democracia dos liberais. A que ajuda mas depende. Ajuda a manter a paz e a ordem social, mas depende do poder financeiro (do mercado) para existir. E se depende, não deve se insurgir contra ele. O espaço de existência da democracia-esposa é todo aquele delimitado e permitido pelo poder econômico. E este não se sente constrangido em podar, diminuir ou mesmo eclipsar a democracia caso “ela passe dos limites”. No fundo, o limite máximo é o código. A democracia só pode existir até onde “O” código permitir. Evo Morales é criminoso por fazer a democracia passar o código. A democracia-esposa é a democracia constrangida, amarrada e sufocada pela mão do poder financeiro que se embrutece em poder político e – no extremo – em poder militar. O auge do progressismo que se permitiu na história da América Latina é a democracia-mãe. E esta é sempre suscetível a ser silenciada quando “os homens de verdade” (normalmente armados) acreditam que “passou-se dos limites”.
A democracia-puta gera medo. Tal qual a mulher empoderada é insuportável ao homem, a democracia-puta também o é. Ela tem a indignidade de flertar com os pobres, de se associar com os indigestos e não queridos. Ela é incontrolável. A democracia das ruas precisa ser contida com cassetetes e tiros nos olhos, para que não possa mais ver. Da democracia-puta espera-se tudo. Tudo de pior, na visão dos conservadores. A ela precisa-se do AI-5. A virilidade bruta que “falta” a esta vagabunda. A democracia como força pura, imanente, transgressora, que subverte, modifica, revoluciona é, pois, puta. Mundana e não sagrada esta concubina da corrupção precisa ser contida. E, simbolicamente, precisa de paus grandes com os quais lhe espanquem. Assim como os fascistas de Bolsonaro adoram (no sentido de adoração religiosa e não material) a democracia-mãe, também abominam a democracia-puta. E, desde que destruíram a construção liberal da “democracia-esposa”, fogem da luta pela imposição da democracia-puta através da sacralização imaterial da democracia-mãe. A puta, somente os sujos, indigentes e não queridos, andam com ela. Os que a defendem, são, para este pensamento, bandidos.
A redução do feminino a arquétipos culturais atinge também a tudo o que se pode delimitar através do gênero. Daí que as diversas formas de entendimento de “democracia” estão em luta pelo mundo afora, hoje. A virada do século XX para o XXI fez questionar as binariedades básicas e, ao mesmo tempo, levantou ódio naqueles que se sentem ameaçados nos seus espaços de poder. Se a democracia-puta teve a coragem de questionar a democracia-esposa e refugar sua submissão ao (macho) mercado, então é preciso resgatar a “democracia-mãe”. Sagrada e inexistente. É com a imagem inverídica de uma virgem que pare um Deus que os cassetetes são empunhados contra os impuros, os não dignos e os vagabundos. É a visão objetificada e irreal do feminino, seus espaços de permissão político e social, que empunham os cassetetes pretos e os uniformes por toda a América Latina. A violência contra a democracia carrega o ódio pela puta. E toda a discussão sobre representatividade e limites legais “não pode ultrapassar o espaço da cozinha”.
E ainda há quem diga que “gênero” não deve ser ensinado aos jovens. Imagina se eles passassem a conhecer e defender a “democracia-puta”?

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Da coluna de Mônica Bergamo, na Folha: Comissão de Direitos Humanos Cardeal Arns denuncia Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional por incentivo ao genocídio de índios


O presidente Jair Bolsonaro foi denunciado nesta quarta (27) no Tribunal Penal Internacional (TPI) por “crimes contra a humanidade” e “incitação ao genocídio de povos indígenas” do Brasil. A representação é da Comissão Arns e do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos.
EU ACUSO 
O TPI avaliará se abrirá investigação. A denúncia diz que Bolsonaro incitou violência contra populações indígenas e tradicionais, enfraqueceu a fiscalização e foi omisso na resposta a crimes ambientais na Amazônia. 
DE FORA PARA DENTRO 
“Aqui não encontramos um caminho eficiente. Indo para lá [o TPI], esperamos estimular as forças internas do Brasil para apurarem essas questões”, diz o presidente da Comissão Arns, o ex-ministro José Carlos Dias.
Também assinam a peça o ex-ministro José Gregori e os advogados Antonio Carlos Mariz de Oliveira, Eloisa Machado e Juliana Vieira dos Santos. O TPI iniciou as atividades em 2002 e costuma se dedicar a casos de genocídio e crimes contra a humanidade.
(…)

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Leonardo Boff: Depois do ascenso da extrema direita o que virá?



 "A pergunta que se coloca agora é: o que virá após o conservadorismo atroz da direita? Será mais do mesmo? Mas isso é muito muito perigoso, pois podemos ir ao encontro de um armargedom ecológico-social pondo em risco o futuro comum da Terra e da Humanidade."

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Façamos algumas constatações: consolidou-se a aldeia global; ocupamos praticamente todo o espaço terrestre e exploramos o capital natural até os confins da matéria e da vida com a automação, robotização e inteligência artificial. Verificamos um ascenso atemorizador da extrema direita, bem expressa pelo ultra neoliberalismo radical e pelo fundamentalismo político e religioso. Estamos imersos numa angustiante crise civilizatória que ganha corpo nas várias crises (climática, alimentaria, energética, econômico-financeira, ética e espiritual). Inauguramos, segundo alguns, uma nova era geológica, o antropoceno, na qual o ser humano comparece como o Satã da Terra. Em contraposição, está surgindo uma outra era geológica, o ecoceno na qual a vida e não o crescimento ilimitado possui centralidade.
A pergunta que se coloca agora é: o que virá após o conservadorismo atroz da direita? Será mais do mesmo? Mas isso é muito muito perigoso, pois podemos ir ao encontro de um armargedom ecológico-social pondo em risco o futuro comum da Terra e da Humanidade. Tal tragédia pode ocorrer a qualquer momento se a Inteligência Artificial Autônoma, por algoritmos ensandecidos, deslanchar uma guerra letal, sem que os seres humanos se deem conta e possam previamente impedi-la.
Estamos sem saída, rumando para um destino sem retorno? No limite, quando nos dermos conta de que poderemos desaparecer aí temos que mudar: quem sabe, a saída possível será passar do capital materialpara o capital humano-espiritual. Aquele tem limites e se exaure. Este último é infinito e inexaurível. Não há limites para aquilo que são seus os conteúdos: a solidariedade, a cooperação, o amor, a compaixão, o cuidado, o espírito humanitário, valores em si infinitos, pois sua realização pode crescer sem cessar. O espiritual foi parcamente vivenciado por nós. Mas o medo de desaparecer e dada a acumulação imensa de energias positivas, ele pode irromper como a grande alternativa que nos poderá salvar.
A centralidade do capital espiritual reside na vida em toda a sua diversidade, na conectitividade de todos com todos e, por isso, as relações são inclusivas, no amor incondicional, na compaixão, no cuidado de nossa Casa Comum e na abertura à Transcendência.
Não significa que tenhamos que dispensar a razão instrumental e sua expressão na tecnociência. Sem elas não atenderíamos as complexas demandas humanas. Mas elas não teriam a exclusiva centralidade nem seriam mais destrutiva. Nestas, a razão instrumental-analítica constituía seu motor, no capital espiritual, a razão cordial e sensível. A partir dela organizar-se-iam a vida social e a produção. Na razão cordial se hospeda o mundo dos valores; dela se alimentam a vida espiritual a ética e os grandes sonhos e produz as obras do espírito, acima referidas.
Imaginemos o seguinte cenário: se no tempo do desaparecimento dos dinossauros, há cerca de 67 milhões de anos, houvesse um observador hipotético que se perguntasse: o que virá depois deles? Provavelmente diria: o aparecimento de espécies de dinos ainda maiores e mais vorazes. Ele estaria enganado. Sequer imaginaria que de um pequeno mamífero,nosso ancestral, vivendo na copa das árvores mais altas, alimentando-se de flores e de brotos e tremendo de medo de ser devorado por algum dinossauro mais alto, iria irromper, milhões de anos depois, algo absolutamente impensado: um ser de consciência e de inteligência – o ser humano – totalmente diferente dos dinossauros. Não foi mais do mesmo. Foi um salto qualitativo novo.
Semelhantemente cremos que agora poderá surgir um novo estado de consciência, imbuído do inexaurível capital espiritual. Agora é o mundo do ser mais que do ter, da cooperação  mais do que da competição, do bem-viver-e-conviver mais do que do viver bem.
O próximo passo, então, seria descobrir o que está oculto em nós: o capital espiritual. Sob sua regência, poderemos começar a organizar a sociedade, a produção e o cotidiano. Então a economia estaria a serviço da vida e a vida penetrada pelos valores da auto-realização, da amorização e da alegria de viver.
Mas isso não ocorre automaticamente. Podemos acolher o capital espiritual ou também recusá-lo. Mas mesmo recusado, ele se oferece como uma possibilidade sempre presente a ser abrigada. O espiritual não se identifica com nenhuma religião. Ele é algo anterior, antropológico, que emerge das virtualidades de nossa profundidade  arquetípica.Mas a religião pode alimentá-lo e fortalecê-lo, pois se originou dele.
Estimo que a atual crise nos abra a possibilidade de dar um centro axial ao capital espiritual. Dizem por aí que Buda, Jesus, Francisco de Assis, Gandhi, irmã Dulce e tantos outros mestres, o teriam antecipado historicamente.
Eles são os alimentadores de nosso princípio-esperança, de sairmos da crise global que nos assola. Seremos mais humanos, integrando nossas sombras, reconciliados conosco mesmos, com a Mãe Terra e com a Última Realidade.
Então seremos mais plenamente nós mesmos, entrelaçados por redes de relações ternas e fraternas com todos os seres e entre todos nós, co-iguais.
Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo e escreveu: Saudade de Deus – a força dos pequenos, Vozes 2019.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Cruzadas moralistas são armas política de racistas, elitistas e fascistass, por Andre Motta Araujo



Os ditadores em potencial vão testando o terreno com cuidado, testam os limites de sua força, passo a passo, a cada etapa ousam mais, precisam ver até onde os adversários recuam

Cruzadas moralistas são armas políticas

por Andre Motta Araujo, no GGN

Nenhuma ditadura começa anunciando que vai fazer o mal. Todas as ditaduras nascem anunciando boas intenções. A razão é evidente, no começo os potenciais ditadores ainda não têm todo o poder, ainda não estão firmes, precisam dar boa impressão para muitos grupos que poderiam derrubá-los, MAS assim que firmes no mando mostram a verdadeira cara e tornam-se autoritários e depois ditadores sem máscaras. Mussolini e Hitler começaram como cruzados a favor de boas causas em regimes democráticos, usaram a democracia como alavanca de entrada no poder.
A magistral frase de Umberto Eco “O fascismo começa caçando tarados” é um símbolo do uso da moral para chegar ao poder, uma aparente boa causa justifica quase tudo, mas seu verdadeiro alvo é através dela mandar na sociedade.
Os ditadores em potencial vão testando o terreno com cuidado, testam os limites de sua força, passo a passo, a cada etapa ousam mais, precisam ver até onde os adversários recuam e esses normalmente acham que recuando se salvam, assim achavam os industriais do Ruhr na Alemanha,  os nobres da Casa de Savoia e o Vaticano.
Eles seguiram a tática de acovardamento defensivo, não enfrentam o ditador em construção, fingem que o apoiam porque acham que ele não vai até o fim e vão cedendo, achando que assim fazendo são espertos. Quando o ditador em seu caminho ascendente ataca um adversário, aquele que não foi atacado acha que foi poupado, e até elogia o ditador porque este atingiu um rival, sem perceber que ele pode ser a próxima vítima, uma nova etapa no processo.
Esse roteiro aconteceu exatamente assim na Itália fascista e na Alemanha nazista e, muito antes na História, a Inquisição, como era conhecido o Tribunal do Santo Ofício, se propunha a eliminar o pecado e a heresia através da pregação moral que terminava na punição dos maus nas fogueiras, processo que foi do começo ao fim puramente político disfarçado de moralista e religioso. Através dos tempos a punição aos indignos serviu como instrumento da política e nunca os perseguidores foram puros, apenas farsantes disfarçados de portadores da mais alta moral.
O autoritário em potencial é geralmente muito inteligente, nunca ataca todos de uma vez, é um por vez, o outro ainda não atacado fica contente pensando “eu ainda estou seguro”. Os mecanismos de perseguição têm técnicas apuradas e a maior delas é convencer os ingênuos de sua pureza frente aos ímpios. A Inquisição durou dois séculos, durante os quais atrasou na História os reinos de Espanha e Portugal, que perderam a corrida da modernidade para a Inglaterra, a Inquisição dividia os homens entre os puros e os corruptos e neste roteiro destruiu uma sociedade.
Ao fim do processo de uma ditadura ninguém está seguro e todos serão dominados se uma reação ou um conflito não terminarem seu caminho. Na História, as ditaduras fascista na Itália e nazista na Alemanha foram eliminadas por uma derrota militar frente a inimigos externos, no caso do franquismo na Espanha e no salazarismo em Portugal pela doença e morte dos ditadores, o que mostra a dificuldade de eliminação de regimes autoritários por vias pacíficas.
Apesar de tantas lições da História, os países dificilmente aprendem com ela e novos processos se iniciam a cada década seguindo roteiros parecidos, vemos agora a Turquia seguindo um caminho padrão após seis décadas de democracia. Mas é interessante observar que todos esses traçados começam por alguém empunhando o estandarte da salvação pela moral, pelo combate à corrupção, pela perseguição às minorias e pela imposição de seus valores como sendo os únicos que devam ser seguidos por todos, mesmo por aqueles que tem outra visão da vida.
No passado os valores a impor vinham principalmente da religião, na Era Moderna vem da ideologia, no princípio do século o comunismo e o fascismo, hoje temos como ideologia impositiva o neoliberalismo e a salvação pelo mercado, mais uma farsa a encobrir processos autoritários por vias reflexas porque emparedam o debate. A ditadura econômica é uma nova forma de autoritarismo, como no passado foi a religião, apenas novos disfarces na luta pelo poder.
AMA

Papa Francisco em Hiroshima e Nagasaki se posicionando contra o militarismo dizimador assassino




Democracy Now: Papa Francisco em Hiroshima e Nagasaki

“O uso de energia nuclear para a guerra é, hoje mais do que nunca, um crime, não apenas contra a dignidade dos seres Humanos, mas também contra qualquer possibilidade de futuro para nossa casa comum."


Foto Vatican News

do Democracy Now

Papa Francisco em Hiroshima e Nagasaki

“Um mundo sem armas nucleares é possível e necessário.”
Estas foram as palavras do Papa Francisco, nesse fim de semana, quando visitou Hiroshima e Nagasaki, onde os EUA lançaram as primeiras bombas atômicas do mundo, em 1945, matando mais de 200 mil pessoas.
O Papa Francisco encontrou-se com sobreviventes dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki e declarou que a posse de armas nucleares é imoral, em Hiroshima, o Papa Francisco falou no Memorial pela Paz da cidade.
“O uso de energia nuclear para a guerra é, hoje mais do que nunca, um crime, não apenas contra a dignidade dos seres Humanos, mas também contra qualquer possibilidade de futuro para nossa casa comum. O uso da energia atômica para a guerra é imoral, da mesma forma que a posse de armas nucleares é imoral, como eu já tinha dito há dois anos.
Nós seremos julgados por isso. As gerações futuras vão se levantar para condenar nosso fracasso se falarmos de paz, mas não agirmos para trazê-la aos povos do mundo. Como podemos falar de paz se construímos terríveis armas novas de guerra? Como falar de paz se justificamos nossos atos ilegítimos com discursos repletos de discriminação e ódio?”
Para falar sobre a manifestação do Papa Francisco e a importância de eliminarmos as armas nucleares, Democracy Now! conversa com Daniel Ellsberg, que vazou os Documentos do Pentágono, em 1971, e contribuiu para o fim da Guerra do Vietnã, e com Martha Hennessy, ativista do grupo Ploughshares 7, que invadiu a base de submarinos nucleares de King’s Bay, para protestar com o arsenal atômico ali mantido.

Xadrez de como Bolsonaro herdou a retroativa rede neopentecostal de Eduardo Cunha, por Luis Nassif





Para entender o bolsonarismo, peça central é a questão da religião, especialmente do ativismo econômico e político das chamadas religiões neopentecostais.

Peça 1 – Bolsonaro e Eduardo Cunha

Para entender o bolsonarismo, peça central é a questão da religião, especialmente do ativismo econômico e político das chamadas religiões neopentecostais.
A base de apoio de Eduardo Cunha misturava religião, milícias e um mundo de negócios: igrejas, contrabando, produção clandestina de cigarros, tráfico de armas, segurança privada de novos ricos que precisam andar nas sombras, produção e distribuição de música e literatura religiosa, shows e eventos artísticos, etc. Apesar dessa confluência, obviamente a vinculação de igrejas com crime é parcela menor desse universo.
Jair Bolsonaro herdou essa base. Mesmo antes de seu Partido 38 entrar em operação, significa que ele continuará tendo uma base de apoio razoável e estável no Congresso.
Cunha construiu sua rede de apoio no Congresso e no Estado do Rio financiando deputados. Mas a base de lançamento foram neopentecostais que ele convocava nos boletins diários da rádio Melodia FM, com o bordão “afinal de contas, o nosso povo merece respeito”.
Em janeiro de 2015, a eleição de Cunha para a presidência da Câmara Federal foi entusiasticamente apoiada pelos 90 deputados da bancada evangélica, e pela bancada ruralista.
Para ambos, Cunha acenou com a rejeição a qualquer tentativa de liberalização do aborto e de criminalização da homofobia. Para os ruralistas, a promessa para que o Congresso tenha poder de demarcar terras indígenas.
O entusiasmo poderia ser medido pelas palavras do Pastor Everaldo, presidente nacional do PSC: “Cunha representa a possibilidade de termos uma Câmara independente onde serão colocados na pauta assuntos de interesse do Brasil e não somente do governo e do partido do governo”, disse ele.
Cunha pertencia à Igreja Sara Nossa Terra, com um milhão de fiéis. Trocou pela Assembleia de Deus, com 13 milhões. E obteve o apoio de dois dos principais líderes evangélicos do estado, o bispo Manoel Ferreira e o Pastor Everaldo.
Essa estrutura fio inteiramente absorvida por Bolsonaro.

Peça 2 – a lavagem de dinheiro

Não se trata apenas da economia da fé. A possibilidade de ganho fácil em uma economia informal acabou atraindo muitos jovens ambiciosos também que encontraram um terreno fértil para a ilegalidade.
Trata-se de um território absolutamente informal, no qual as doações não são documentadas nem regularizadas. Fiéis de igrejas pentecostais mais sérias tentaram definir regras, como a necessidade de o doador registrar CPF, mas não conseguiram avançar.
Criou-se, então, um campo fértil para o embricamento entre igrejas e economia clandestina, doações e lavagem de dinheiro, como comprovou o próprio Eduardo Cunha e suas relações obscuras com a Refinaria de Manguinhos.
Uma das denúncias da Lava Jato foi a de que a Igreja Evangélica Cristo em Casa fez um empréstimo de R$ 250 mil pra Cláudia Cruz, esposa de Eduardo Cunha, como forma de lavar dinheiro. A Igreja é presidida por Francisco Oliveira da Silva, ex-deputado federal e aliado de Cunha.
Na denúncia contra Cunha, o então Procurador Geral da República, Rodrigo Janot anotou que parte da propina a Cunha foi paga em doação para uma Assembleia de Deus em Campinas, presidida por Samuel Ferreira, irmão do pastor Abner Ferreira, presidente da Assembleia de Deus de Madureira, frequentada por Cunha.

Peça 3 – o empreendedorismo evangélico

É nesse quadro de informalidade, que se desenvolve o empreendedorismo evangélico, tendo como modelos os Jorge Paulo Lehmans da fé: Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus (patrimônio de US$ 950 milhões), Valdemiro Santigo, da Igreja Mundial do Poder de Deus (US$ 440 milhões), Silas Malafaia (US$ 150 milhões), R.R.Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus (US$ 125 milhões), Estevam e Sônia Hernandes, da Igreja Renascer (US$ 65 milhões).
Reportagem da revista norte-americana Forbes, especializada em negócios, descreveu bem o fenômeno.
Os dois pontos centrais da expansão da economia evangélica foram a ascensão das novas classes sociais e as facilidades de ingresso no negócio religião, tudo pavimentado pela chamada teologia da prosperidade.
No Brasil, diz a revista, com os muito ricos e os muito pobres permanecendo firmemente católicos, a maioria dos evangélicos protestantes no Brasil está na classe média ascendente, seguindo a teologia da prosperidade.
O segundo ponto foi a flexibilização na formação dos pastores. As igrejas protestantes mais tradicionais exigem de seus pastores pelo menos o curso de mestrado. As Neopentecostais, como a Universal do Reino de Deus, oferecem cursos intensivos de formação de pastores por até US$ 350,00 e alguns dias de aula.
Segundo a revista, trata-se de um mercado com ampla expansão. Os católicos representam 64,6% da população, contra 92% em 1970. E os evangélicos passaram de 15,4% para 22,3% da população, ou 42,3 milhões de pessoas, em apenas uma década.
Os novos pastores ganham bons salários – Malafaia paga até US$ 11 mil mensais para os pastores de maior talento -, mas também ganham poder. E o fascínio da riqueza fácil, mas a informalidade do setor, estimulou algumas aventuras mais agressivas no mundo da contravenção.

Peça 4 – o desenho do novo mercado

O caso do pastor Márcio Matos é bem significativo da resultante de uma atividade que mistura a economia da fé, informalidade, política e lavagem de dinheiro.
Matos é apontado como provável candidato a prefeito em Caxias pela REDE, de Marina Silva. É dono da Pentecostal Anabatista, com mais de 100 igrejas no Brasil, e uma em Miami, na Flórida.
É o maior distribuidor de cigarros na baixada Fluminense.
Ela e a esposa são donos de várias empresas ligadas a cigarro, a Clean Tabacos, a Quality Tabacos, a Gudang Tabacos do Brasil entre outras.
Seu empreendedorismo já foi enaltecido em um publieditorial (publicidade em forma de matéria, fornecida por terceiros) da revista Veja sobre a família Poncio, que controla distribuidora de tabacos, grife de roupa, agência de publicidade e marketing, empresa de aromatizantes, entre outras.

▫ A Operação Vícios

Em maio passado, a Justiça condenou diversas pessoas envolvidas em lavagem de dinheiro, e alvos da Operação Vícios, do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, deflagrada em 2015. Tratava-se de um esquema visando fraudar a Casa da Moeda e a Receita Federal, por uma empresa de nome SICPA Brasil Indústria de Tintas e Sistemas.
A SICPA prestava serviços de controle numérico e rastreamento de produção de bebidas. A partir de 2008 firmou com a Casa da Moeda um contrato de cinco anos, da ordem de R$ 3,3 bilhões, para execução de serviços relacionados ao Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe), da Receita Federal.
A licitação teria sido manipulada pelo auditor-fiscal Marcelo Fisch, que era coordenador geral de licitação. Seu cunhado Farid Raouf Merheb é conhecido doleiro de Brasilia. Entre suas atividades está a representação da Gudang Tabacos Brasil, do pastor Márcio, através da Duke Distribuidora.

▫ Operação Grande Rios

No dia 16 de abril passado, a Operação Grandes Rios, da Polícia Federal (PF), do Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte e da Receita Federal, desnudou o esquema de lavagem de dinheiro de fabricantes de cigarros. Eram abertas fábricas de cigarros em nomes de “laranjas”, que acumulava passivos fiscais. Quando a Receita cancelava o registro de funcionamento, nova empresa era aberta em nome de “laranjas”. Os lucros eram lavados no Brasil e no exterior.
Estimou-se que a fraude chegava a R$ 3,5 bilhões. A operação cumpriu 21 mandados de busca e apreensão no Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco.
Não foram divulgados nomes das empresas e pessoas envolvidas. Mas o modo de operação era significativo dos personagens que se entrecruzam nesse mercado cinzento.

Peça 5 – o apoio de Bolsonaro

Bolsonaro já acenou várias vezes com benefícios e estímulos à economia da fé.
Uma dessas medidas foi o apoio da Apex (Agência Brasileira de Promoção das Exportações) para a internacionalização do aplicativo Atos6, uma “plataforma cristã”, criada para auxiliar igrejas evangélicas no “recebimento de doações recorrentes online”.
É um aplicativo sofisticado, que permite doações, ofertas e dízimos em cartão de crédito e boleto bancário; pastoreio de membros da igreja e novos convertidos e uma integração com o Google Maps, para ajudar a identificar bairros adequados ao perfil dos cadastrados.
Foi anunciado um pacote desobrigando igrejas menores de se inscreverem no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ; e a elevação (de 1,2 milhão para 4,8 milhões de reais) do piso de arrecadação para que uma igreja seja obrigada a informar suas movimentações financeiras diárias.

Peça 6 – a rede Bolsonaro

No início do governo Bolsonaro, havia muita resistência das Igrejas evangélicas não-pentecostais, ao modelo desenvolvido por Eduardo Cunha. Gradativamente, passou a haver uma adesão cada vez mais ampla a Bolsonaro.
Hoje em dia, além do apoio espontâneo de segmentos a classe média e empresariais, o bolsonarismo conta com as seguintes redes de propagação, atuando em nível nacional.



segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Diálogo inter-religioso – Dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Sobel, as freiras do colégio e a espiritualidade de Lula, por Dora Incontri


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É preciso que os que trabalham com a espiritualidade de forma universalista, solidária e engajada na mudança das estruturas injustas da sociedade, se unam, se façam ouvir, criem pontes entre si e com outros…

Diálogo inter-religioso – O rabino Sobel, as freiras do colégio e a espiritualidade de Lula

por Dora Incontri

Eu tinha 16 anos e estudava no Colégio Maria Imaculada, das Madres Concepcionistas de Ensino em São Paulo e já era espírita de berço. Sempre fui respeitada pelas madres, que jamais forçaram qualquer coisa para me trazer ao catolicismo. Mais do que isso, havia espaço para falar de outras correntes, que não a católica, e me lembro de ter feito uma exposição sobre espiritismo na 8ª série, sob a acolhida de Madre Marina Gómez, que nos incentivava à pesquisa aberta de ideias e formas de fé. Hoje, meus livros Todos os Jeitos de Crer – de ensino inter-religioso, são adotados em inúmeros colégios católicos, Brasil afora.
Mas dizia… tinha 16 anos e num trabalho de pesquisa livre, na aula de filosofia, escolhi tratar sobre o tema morte. Lancei-me então a entrevistar filósofos e líderes religiosos para colher diferentes visões sobre o tema.
Pois houve um rabino judeu que me recebeu, com toda fidalguia e gentileza, expondo-me perspectivas judaicas sobre a morte. Jamais me esqueci daquele cordial encontro. O rabino era Henry Sobel.
Como jamais me esqueci das freiras, com quem mantive amizade e afeto durante anos, e que sempre me respeitaram a forma de ver o mundo, dando-me amplas provas de afeto e amizade.
Justamente nesses dias, em que soubemos da morte de Sobel – e só depois vim a entender o seu papel na resistência contra a ditadura militar, quando fiz jornalismo na Cásper Líbero e participava do Centro Acadêmico Vladimir Herzog – também está sendo lançado um livro de que tive alegria de participar: Lula e a Espiritualidade, Oração, meditação e militância. Um livro inter-religioso, em que representantes de diferentes tradições se manifestam a respeito do tema. Nessas incríveis conexões da vida, o organizador do livro, o jornalista Mauro Lopes, e criador do Canal Paz e Bem, foi meu veterano na Cásper e chegamos a escrever artigos lado a lado no jornal da faculdade.
Essas histórias vêm a propósito, porque desde muito cedo, aprendi e cultivei a convivência fraterna com pessoas de diferentes formas de fé ou sem nenhuma fé e tenho feito uma militância de anos, pelo diálogo inter-religioso e pela inserção da espiritualidade na educação, de forma plural. A convivência com o diferente – com quem sempre descobrimos muitas coisas em comum, é sempre enriquecedora e reconfortante, porque o que importa é o humano, o coração, a solidariedade e, sobretudo, a união na luta por um mundo melhor.
Esse livro sobre Lula e a Espiritualidade não é um livro de militância petista – eu mesma não sou petista – mas uma justa reflexão sobre um grande líder, que sofreu uma tremenda injustiça, como está fartamente demonstrado pelas revelações do Intercept, e se engrandeceu ainda mais como ser humano e como cultivador de uma espiritualidade cristã, mas aberta ao outro. Num momento histórico sombrio, em que os fundamentalismos fanáticos, intolerantes e persecutórios se instalam no poder, no Brasil, em outros países da América Latina e do mundo, é preciso que os que trabalham com a espiritualidade de forma universalista, solidária e engajada na mudança das estruturas injustas da sociedade, se unam, se façam ouvir, criem pontes entre si e com outros… esse livro, organizado por Mauro Lopes faz isso.
Ao mesmo tempo, rendemos a nossa homenagem ao Rabino Sobel, que junto com D. Paulo Evaristo Arns e o pastor James Wright, estenderam-se as mãos, para se opor às violências da ditadura no Brasil.