Segue texto de Miguel do Rosário, extraído do blog
Tijolaço
Essa vai para o mais longo seriado político da vida brasileira: “Os intocáveis”.
Aliás, espero que um dia, quando tivermos mais canais de tv nacionais com autonomia para produzir ficção de verdade, não comprometida com os clichês de sempre, alguém possa contar a história de um partido cujos membros e aliados podiam fazer tudo; nunca são pegos. Procuradores guardariam processos em “gaveta errada”, sem que ninguém na imprensa fizesse uma campanha contra esse tipo de desculpa esfarrapada. Procuradores tentariam livrar a cara de quem foi pego transportando meia tonelada de cocaína num helicóptero. Para cada escândalo petista que ocupa 10 minutos no Jornal Nacional, 20 páginas na revista Época, edição especial do Fantástico, há uns 30 escândalos tucanos abafados pelos mesmos meios de comunicação.
Aqui é assim. André Vargas faz uma viagem no jatinho do doleiro e vira manchete por semanas a fio nos grandes jornais e na TV. A polícia flagra um helicóptero, pertencente a um senador da república que é um dos maiores aliados de Aécio Neves, com meia tonelada de pó, e jornalões fazem de tudo para acobertar o caso. Dão matérias discretas no miolo, apenas para constar, e jogam rapidamente a história para debaixo do tapete. Não há nenhuma pressão sobre o Judiciário para julgar o caso com dureza, nem para que a investigação se aprofunde.
O caso sequer é explorado pelos humoristas da grande mídia. Imagine se o helicóptero pertencesse a um senador da base aliado cheio de fotos íntimas com Lula ou Dilma?
Vale fazer uma paródia com aquela citação bíblica: o helicóptero veio do pó, e ao pó voltará.
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O amigo leitor ficou intrigado com a rapidez com que o senador Zezé Perrela e a seu filho deputado Gustavo – donos do helicóptero apreendido com quase meia tonelada de cocaína – foram descartados da investigação?
A distinta leitora ficou perplexa com a rapidez com que soltaram os homens presos em flagrante num esquema de tráfico internacional e nesta escala?
Pois você vão ficar muito mais impressionados com a notícia de que até o processo criminal sobre o caso corre o risco de ser anulado.
A história escabrosa foi publicada não por um grande jornal, ou por uma revista semanal destas que são capazes de descrever o que não viram e reproduzir o que não ouviram.
Quem narra, e com farta documentação, é o repórter Joaquim de Carvalho, do
Diário do Centro do Mundo, que revela que um conflito no MP faz surgir a suspeita de que a ação policial possa ter sido feita a partir de escutas ilegais, sem que se saiba a razão que levou a Polícia Federal a se mobilizar numa operação assim.
Ou, por outro lado, pode ser esta uma falsa versão, levantada por um promotor interessado em “melar” a operação e a fazer com que os envolvidos saiam livres de tudo.
Como a imprensa brasileira,
neste caso e em qualquer outro que mexa com interesses dos seus prediletos, não apura, não deixe de ler a
reportagem de Joaquim de Carvalho, um ótimo trabalho do DCM, financiado pelos seus leitores.
O processo que os servidores da Justiça Federal do Espírito Santo apelidaram de “Helicoca” nasceu do inquérito policial número 666/2013, aberto no dia 25 de novembro de 2013 e encerrado em 17 de janeiro de 2014. Em 53 dias, os policiais interrogaram 17 pessoas, entre eles os quatro presos em flagrante, e juntaram 44 documentos.
Mas aquela que é até agora a prova mais interessante do crime não é encontrada no inquérito, mas no YouTube. Trata-se de um vídeo de quase 13 minutos, em que um agente da Polícia Federal registra toda a ação.
O DCM teve acesso ao processo sigiloso em que o Ministério Público Federal diz que a investigação da “Helicoca” começou com uma farsa.
O vídeo da apreensão tem início quando desponta no céu da zona rural de Afonso Cláudio, no interior do Espírito Santo, o helicóptero cor de berinjela com faixa dourada e o prefixo GZP – G de Gustavo, Z de Zezé e P de Perrella, as iniciais de seus proprietários, o deputado estadual Gustavo Perrella, do Solidariedade, e o senador Zezé Perrella, do PDT, pai e filho.
É fim da tarde de domingo, 24 de novembro. A câmera é operada por um homem escondido atrás de um pé de café. O ronco do motor e o barulho da hélice não encobrem a fala do policial, que tem forte sotaque carioca e se comunica por rádio com equipes a postos para o flagrante.
As imagens, feitas de longe, são tremidas, o que mostra a falta de um apoio, um tripé. Aparece um carro branco, com porta-malas aberto, e mais duas pessoas, um de camisa rosa, que mais tarde seria identificado como o empresário Robson Ferreira Dias, do Rio de Janeiro, e outro de camisa verde clara, mais tarde identificado como Everaldo Lopes Souza, um sujeito simples, que se diz jardineiro, ligado a um empresário de Vitória, Élio Rodrigues, dono da propriedade onde a aeronave deveria ter pousado. Na última hora, o helicóptero acabou descendo na propriedade vizinha, que não é cercada.
A três minutos e quarenta segundos, o policial narra:
– Estão tirando a droga. O piloto correu para pegar o combustível e eles estão colocando a droga dentro do carro. O motor não foi cortado, o motor da aeronave não foi cortado. Estão carregando a droga na mala do carro, o motor não foi cortado, o copiloto foi buscar os galões. Cadê o helicóptero da PM?
A câmera volta para o plano aberto e fecha de novo na cena, muito tremida.
– São vários sacos pretos. Tem muita coisa, galera, muita coisa… vários sacos pretos. Eu acho que o piloto cortou… cortou o motor! Um segundo…Negativo, o piloto não cortou o motor… está descarregando a droga, e está começando a abastecer o primeiro galão.
Alguns segundos depois, avisa, triunfante:
– Positivo! Positivo! Cortou o motor, o helicóptero cortou o motor! Vamos lá, galera, pode ir. Quem conseguir pode ir. Vamos lá, tenente! Pode ir, Serra (com a pronúncia fechada, Sêrra). Eles estão abastecendo. Tem que ser rápido, tem que ir rápido!
Já são 7 minutos de gravação, a hélice para. Mais tarde, as imagens mostram três homens carregando a droga para o porta-malas do carro. Um deles está de camisa branca, que não aparece nas imagens anteriores. É Rogério Almeida Antunes, o piloto do senador Zezé Perrella e do deputado Gustavo Perrella. O outro piloto, Alexandre José de Oliveira Júnior, de camisa preta, não aparece nesta imagem. Ele se afastou para pegar mais combustível.
Imagens tremidas mostram a mata. Ouve-se chiado no rádio. Quando a câmera volta para a cena principal, mostra os acusados de tráfico com as mãos na cabeça, se abaixando. Tudo muito tranquilo.
– Positivo, positivo! Estão todos eles dominados. Vamos embora, tenente. Adianta o pessoal para dar apoio lá. Dominados lá os vagabundos. Parabéns, equipe, parabéns. Iurruuuuú. O show tá doido, maluco! DRE te pega, parceiro!
DRE é a sigla de Delegacia de Repressão a Entorpecentes, órgão da Polícia Federal. A câmera é desligada e volta com a imagem da droga no porta-malas e no banco traseiro do carro.
O vídeo foi apresentado à Justiça pelo procurador da República Fernando Amorim Lavieri como indício de crime. Não o de tráfico, demonstrado no inquérito, mas de fraude processual e falso testemunho. Nesse caso, os criminosos seriam os policiais que fizeram a prisão.
Na denúncia que transforma os policiais de caçadores em caça, o procurador Lavieri diz que desde o início desconfiou da versão da polícia para o flagrante. E procurou o responsável pelo inquérito, delegado Leonardo Damasceno, em busca de esclarecimento, quando teria ouvido a versão de que o flagrante era, na verdade, resultante de uma interceptação telefônica realizada em São Paulo.
O procurador também conversou com um agente da PF, Rafael Pacheco, que teria confirmado a versão do delegado Damasceno e acrescentado que, em São Paulo, a Justiça e o Ministério Público, “sensíveis ao flagelo do tráfico”, teriam autorizado interceptações telefônicas abrangentes, criando uma verdadeira “grampolândia”, daí resultando na apreensão da droga no helicóptero de Perrella.
Como os dois negaram na Justiça a versão de Lavieri, o procurador pediu afastamento do caso e se colocou na condição de testemunha do processo. Um testemunho que só serve como argumento para a defesa pedir a anulação do processo, como de fato já pediu.