O Deus Mercado
Carlos Antonio Fragoso GuimarãesComo outros conceitos “metafísicos”, tais como o da “Mão Invisível do Mercado” e de “Investidores em Bolsa de Valores” , sem rostos, sem traços, o de “Neoliberalismo” se mostrou o pior de todos. Usa o termo “Neo”, como sendo novidade ou reformulação, e o de “liberalismo” para implicar a liberdade de compra e venda. Mas que liberdade? A de grandes corporações destruírem o o pequeno comércio local, despejando famílias em um exército de desempregados desesperados que, assim, podem ser contratados à preços ridículos chamados “salários” para se dedicar 110% à empresa com medo de serem despedidos?
Tal estado de coisas é muito bom para os empresários que buscam lucros crescentes às custas dos sacrifícios dos assalariados, entre os quais, as perdas de conquistas, como férias remuneradas, salário-família, décimo terceiro, conquistas estas que são vistos, pelos patões, como vestígios de uma prática “antiga”, “ultrapassada”, “getulista”, que precisa ser “reformada”, para ser “modernizada” em prol do desenvolvimento do “Mercado” – entenda-se, em prol do aumento absurdo dos lucros deles, a minoria exploradora. No final, a culpa é dos mais fracos e a luz e a razão esclarecida, dos que menos trabalham e mais se dão bem nesse sistema.
E tão grande é a ilusão de que palavras como mercado, bolsas, investimentos, refletem realidade mágicas e naturais, que por tanto serem ditas na Televisão – normalmente pertencentes a poucas famílias atreladas aos negócios capitalistas – acabam por, de fato, parecerem refletir leis naturais. Nas palavras de Frei Betto:
O mercado é o novo fetiche religioso da sociedade em que vivemos. Antigamente, nossos avós consultavam a Bíblia, a palavra de Deus, diante dos fatos da vida. Nossos pais, o serviço de meteorologia: "Será que vai chover?". Hoje, consulta-se o mercado: "O dólar desvalorizou? Subiu a Bolsa? Como oscilou o mercado de capitais?".
Diante de uma catástrofe, de um acontecimento inesperado, dizem os comentaristas econômicos: "Vamos ver como o mercado reage". Fico imaginando um senhor, Mr. Mercado, trancado em seu castelo e gritando pelo celular: "Não gostei da fala do ministro, estou irado." Na mesma hora os telejornais destacam: "O mercado não reagiu bem frente ao discurso ministerial".
Se algo dá errado com o Mercado, como por exemplo a crise de 2008 causada pela aposta de Bancos e Mega-especuladores financeiros, a culpa é da população contribuinte que terá seu dinheiro dos impostos utilizado para salver e enriquecer (e entenda-se, premiar) os mesmos Bancos e Mega-especuladores. Dinheiro que deveria ser do povo em forma de melhores condições de vida, de hospitais, de segurança e de educação. E a resposta destes exploradores não é um agradecimento, mas sim a de que se deve fazer reformas trabalhistas para se gastar menos com quem os salvam pelo consumo e uso dos impostos, e aumentar ainda mais o lucro vampiresco de Bancos e Mega-Especuladores, os regentes e sacerdotes do Deus Mercado.
E quem é este mercado? A população? Os trabalhadores? Os estudantes? Os aposentados? Os camponeses ou apenas uma parte elitista que manda, desmanda e, principalmente, influi na vida de todos os demais? Onde está a Democracia dos iguais? Onde as promessas de um mundo mais feliz e seguro?
Engraçado que até um tipo de religião se ergueu neste momento, uma de tipo neopentecostal e fundamentalista que tem seu maior atrativo nas promessas de crescimento econômico e financeiro – que, de fato, se faz visível na esnobação materialista de seus líderes: o televangelismo-midático-espetaculoso de uma Igreja Universal do Reino de Deus o da Assembléia de Deus de um Silas Malafaia e seu jatinho de meros 12 Milhões de Dólares são apenas alguns exemplos disto...
Ainda Frei Betto:
Antes, falava-se em Estado, o importante era fortalecer o Estado. Um ministro da ditadura militar chegou a declarar: "Vamos fazer crescer o bolo, depois haveremos de dividi-lo." Só que o bolo cresceu, e o gato comeu, não se viu o resultado. Aqueles mesmos políticos que advogavam o crescimento do Estado defendem, hoje, a sua destruição, com o sofisticado lema da ‘privatização’.
Não sou radicalmente contrário à privatização, nem estatista. Há países ricos - como a França e o Reino Unido - nos quais os serviços públicos estatais funcionam muito bem. Não é por serem públicas que as empresas e os serviços devem operar negativamente. A história é outra: muitos políticos, que deveriam ser homens públicos, estão prioritariamente ligados a empresas privadas, de maneira que não têm interesse em que as coisas públicas, estatais, funcionem bem. O maior exemplo disso é o serviço de saúde no Brasil. São US$ 8 bilhões circulando por ano nos planos privados de saúde, que atendem apenas 30 milhões de pessoas numa população de 190 milhões. Por que o SUS haveria de funcionar bem? Outrora, alguém ficava doente e dava graças a Deus por conseguir um lugar no hospital. Hoje, as pessoas morrem de medo de ir para o hospital. Hospital virou ante-sala de cemitério.
A privatização não é só econômica, é também filosófica, metafísica. Tem reflexos na nossa subjetividade. Também nos tornamos seres cada vez mais privatizados, menos solidários, menos interessados nas causas coletivas e menos mobilizáveis para as grandes questões. A privatização invade até mesmo o espaço da religião: proliferam as crenças ‘privatizantes’, que têm conexão direta com Deus. Isso é ótimo para quem considera que o próximo incomoda. É a privatização da fé, destituindo-a da sua dimensão social e política.