Se a tentativa de golpe em 8 de janeiro fosse vitoriosa, certamente essas páginas e este que escreve não estaríamos mais aqui
Lula Marques – Agência BrasilGeneral Heleno é o elo histórico
por Francisco Celso Calmon
Levamos nosso protesto para as ruas, para o povo somar na luta. Quando o povo engrossou as fileiras, nos prenderam e nos torturaram, não mais cantamos com as flores nas mãos, a melodia seguiu o ruído das balas dos revólveres e o chispar das metralhadoras.
A democracia é conquista nossa, custou mortes e sofrimentos ocasionados pelos militares.
Nossos heróis morreram nos calabouços da ditadura, seus corpos ainda desparecidos onde estão?
Temos o direito mais sagrado de prestarmos as últimas homenagens e enterrá-los.
Gal. Heleno foi cínico e debochado durante o seu depoimento na CPMI. Foi irônico, desrespeitoso com a Casa Legislativa, com xingamentos, colhido pelo microfone, à relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA).
Teve uma postura que demonstrou desdém pelo decoro do ambiente e subestimação da inteligência dos parlamentares, contrapondo com a sua arrogância de se achar capaz de ludibriá-los e até de ofender com baixos palavrões a uma mulher senadora da República.
O presidente da CPMI foi leniente com o depoente, porque merecia, após xingar a relatora, no mínimo, uma admoestação severa.
Heleno abusou de figuras de linguagem, ora para esquecer quando lhe convinha e ora para lembrar quando lhe interessava. Ora para se apegar ao sentido estrito de um vocábulo, ora para lhe dar sentido alargado.
Achincalhou com falsos silogismos a inteligência e a paciência alheias.
O general da reserva e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), afirmou nesta terça-feira (26) que as recentes revelações do ex-ajudante de ordens do genocida Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, não passam de “fantasia”. E não aceitou a veracidade das informações colhidas e noticiadas pela imprensa.
Afirmou que o GSI é encarregado da segurança das instituições. O que está incorreto, o órgão cuida somente da segurança da presidência; são essas errôneas e alargadas interpretações, à semelhança da compressão golpista do artigo 142 da Constituição, que prosperaram entre os conspiradores e o gado aquartelado nos acampamentos, que duraram até o dia 10 de janeiro, sob a proteção dos militares.
O militar Augusto Heleno é golpista de longa data, foi, como capitão, ajudante de ordens do ministro do Exército, Silvio Frota, que, em 1977, tentara subverter o plano de distensão do general-presidente Ernesto Geisel.
Silvio Frota era líder da linha dura da ditadura. E seu ajudante, Augusto Heleno, tem muito orgulho de ter sido ajudante de Frota, como declarou à revista Veja.
Orgulho de um ministro do Exército insurgente ao comandante-em-chefe de todas as Forças, íntimo do mentor e articulador da intentona de 8 de janeiro, Jair Bolsonaro, e incentivador dos acampamentos na frente dos quarteis dos bolsonaristas extremados.
General Heleno é o elo histórico mais forte entre a linha dura da ditadura militar e o bolsonarismo golpista.
Em 1977 Bolsonaro era tenente, também entusiasta da linha dura, também indisciplinado, agitador-terrorista, larápio e muambeiro no Exército.
Os saudosistas da ditadura, de sua face mais dura, mais terrorista, revanchistas para reescrever a história, cujo desejo declarado, às claras, era fuzilar uns trinta mil esquerdistas.
Se a tentativa de golpe em 8 de janeiro fosse vitoriosa, certamente essas páginas e este que escreve não estaríamos mais aqui.
Desacreditou a imprensa como portadora veraz da delação do Mauro Cid. Posto em dúvida, é obrigação da Polícia Federal tornar público, até onde possível sem minar o trabalho investigativo, afinal, delação premiada é um meio para chegar aos delinquentes maiores com provas irrefutáveis.
Do Exército à Marinha.
Almir Garnier Santos, estudou na escola naval desde bem jovem e galgou o oficialato durante a ditadura. Era o Comandante da Marinha durante as tratativas da intentona bolsonarista. Não era chefe de si mesmo, tinha o poder de mando e representava essa instituição permanente de Estado, a Marinha de Guerra do Brasil.
Sendo as Forças Armadas organização baseada na disciplina e hierarquia, não é aceitável separar seu comandante da instituição que comandava.
Segundo noticiado pelo jornal Folha de S. Paulo, o ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, compartilhou detalhes das conversas que manteve com Bolsonaro a alguns militares, quanto a possibilidade de um golpe de Estado para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o jornal, ao menos oito generais confirmaram que Freire Gomes relatou os encontros a oficiais próximos – sem informar o Alto Comando da Força – e que ele sempre teria se posicionado de forma contrária a uma intentona golpista”.
Por que essas revelações não vieram antes? Se um golpe estava sendo armado, qual o dever de um comandante que prestou juramento à Constituição?
Traíram à Carta Maior do país!
Há muitos detalhes que não corroboram com a narrativa de que o comandante do Exército impediu o golpe de ser concretizado, e que a sugestão de acionar a GLO, feita pelo Múcio ao presidente Lula, também era para impedir o golpe, mas passando o comando do presidente para as Forças Armadas nas ruas.
A história não dá credibilidade às FFAA, notadamente ao Exército, de serem defensoras e garantidoras da democracia. Pelo contrário, são autoras de uns 10 golpes.
Do Plano Cohen ao gal. Mourão filho, passando pelo gabinete militar de Jango, é uma teia de altas traições ao Estado democrático de direito.
Se a Forças não querem conviver com a suspeição, o caminho não é negando a história, mas dela se redimindo.
Começando por pedir perdão à nação brasileiras pelos graves crimes cometidos.
Há um plano negacionista em curso, através do qual querem transformar em heróis os sabotadores da democracia e do respectivo Estado de direito.
Parece que os erros são caminhos tortuosos da contrição sem verdadeiro arrependimento, e, sim, de oportunismo e falsificação com a memória e a verdade, tal como fizeram até a instalação da Comissão Nacional da Verdade em relação às atrocidades da ditadura.
O ministro do Supremo, Dias Toffoli, inaugurou o recente caminho e já ergueu o Augusto Aras à estrategista da defesa da institucionalidade democrática; o ministro da Defesa, Múcio, nega a história recente da intentona bolsonarista e dá linha ao seu novelo até o golpe de 64 e decorrente ditadura militar, somando à delação do tenente-coronel Mauro Cid, publicada pela mídia, estão todos a colocar o Exército como salvador das instituições democráticas.
A cantilena pós ditadura era a que houvera excessos de alguns, o sentido é o mesmo com a simplória e insustentável parábola do joio e do trigo no presente.
Os relatórios da CNV comprovam que os chamados excessos eram na verdade política do alto comando da ditadura.
No presente, os recortes atuais não se sustentam, afinal, por que esses “salvadores” foram tão lenientes e cúmplices com os acampados, verdadeiras barracas de campanha como trincheiras para as invasões e depredações das sedes dos três poderes da República.
E se a bomba, nas imediações do aeroporto de Brasília, tivesse explodido, e se o Lula tivesse acionado a GLO?
O autor da bomba já teve a prisão preventiva relaxada, Mauro Cid já está em prisão domiciliar, por decisões do ministro Alexandre de Moraes.
Bolsonaro, envolvido até a cueca com a intentona; as FFAA estão na defensiva, mas, armando uma narrativa na qual são os heróis, e o Congresso meio que barata voa.
Este é o timing para a prisão cautelar do genocida golpista.
Apesar de serem bons atores, o script da delação do Cid tem vício de origem, tem algumas desconfianças, até pela razão de não terem vindo a público na íntegra.
E a que e a quem está servindo apenas pedaços da delação?
Parece ter gato na tumba.
Sem a cumplicidade ideológica e orgânica das Forças, Bolsonaro não teria existido como político, teria ido para o esgoto, logo após a sua expulsão pelo seu comando no Exército, e numa barganha no STM foi para a reserva remunerada como capitão.
Os militares devem cuidar de suas corporações, das fronteiras do país, e deixar a política para os políticos. É a história que os aconselha, pois fracassaram como gestores em todas as quadras que administraram o país. E é a Constituição que os obriga.
Militares são servidores de Estado e ainda por cima detentores da força das armas, ao participarem de governos perdem essa condição de servirem ao Estado para servirem a um governo.
Não cabe, por todo o exposto, militares na estrutura de governo. Porque, objetivamente, mesmo não sendo filiados, partidarizam-se ao programa do governo a que servem.
A democracia é conquista nossa, apesar e contra os militares.
A justiça de transição é condição sine qua non, é imperativo para a superação e pacificação dessas feridas e contradições históricas.
Esconder a memória, falsificar a verdade, mitigar a reparação e perpetuar a impunidade dos autores dos imprescritíveis crimes de lesa-humanidade e lesa-pátria, é manter a fratura exposta da história política do Brasil.
Golpes e ditaduras nunca mais – se a sociedade ficar de olho vivo nos militares, o Judiciário for servo da Constituição e o povo bem organizado, para prevenirem antes de termos que remediar mais uma vez.
Não há que separar o joio do trigo, porque essa colheita foi irrigada com o sangue e mortes dos nossos compatriotas, companheiros de ideais democráticos, heroicos camaradas de uma luta desigual.
Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral – E o PT com isso?, Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula. Coordenador do canal Pororoca e um dos organizadores da RBMVJ.