Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Diferentemente da Argentina, que fez filmes e peças maravilhosas revelando a crueldade da ditadura militar ocorrida lá no lado portenho - o que no final logou por na cadeia criminosos tais quais o General Videla -, ou no Chile cujos autores, como Isabell Allende, fez dos seus romances armas de esclarecimento mundial e que ganharam as telas (A Casa dos Espíritos, De Amor e de Sombras), no Brasil falar sobre os crimes de militares e de canalhas sádicos atuantes no DOPS e no DOI-CODI causa "chiliques" em culpados e é ainda tabu, apesar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA já ter dito duas vezes que a tal "Lei" da Anistia, que protege esses criminosos, não tem validade contra crimes contra a humanidade (torturas e assassinados oficiosos em um estado de excessão) e o Brasil deve sim abrir os arquivos da Ditadura.
Foi só uma novela aparecer com o tema ("Amor e Revolução", do SBT) para que algumas de suas excelências da caserna se sentissem agredidos. Ora, agredidos foram os estudantes, os intelectuais, a democracia e a inteligência nacional com o golpe,cujas más-consequencias e rios de sangue ainda repercutem em nosso país. Quem não sente vergonha ao tratamento dados pelos ditadores a um Paulo Freire, a um Darcy Ribeiro, a um Hélio Fernandes, a um Geraldo Vandré ou a um Dom Hélder Câmara? Por que, ao contrário da Argentina, do Chile, do Uruguai, do Paraguai, o Brasil não pode enfrentar a verdade dessa "pagina infeliz de nossa História"?
Os porões da ditatura, com seus "paus-de-arara" e suas "cadeiras do dragão" já eram conhecidos e comentados na Europa, como prova o excelente filme (francês) de Costa-Gavras, "Estado de Sítio", de 1973, que fala muito sobre as torturas correntes no Brasil, mostrando mesmo militares assistindo a um "show" de tortura, sob instrução de agentes dos EUA, tendo por trás a bandeira do Brasil.
Na verdade, seria mesmo um resgate e um serviço às Forças Armadas mostrar e provar que não eram todos os militares que concordaram com o Golpe e seus métodos, tendo alguns deles mesmo sido "afastados" das três armas por serem oposicionistas tanto ao Golpe Militar quanto das tortura, senão diretamente praticadas, estimuladas pela linha-dura fardada de extrema direita, contra civis.
Sobre a celeuma causada em alguns pela novela Amor e Revolução, enfim, segue trecho de uma reflexão do escritor Walcyr Carrasco, autor de novelas da Globo, extraído de seu blog:
Que mania temos de esconder tudo embaixo do tapete!
A novela “Amor e Revolução”, de Tiago Santiago (SBT), mal estreou e já causou apreensão entre os militares. O Judiciário não aceitou o questionamento da novela. Mas houve uma tentativa de tirar a novela do ar. Eu me pergunto: qual o problema? Já se sabe que houve tortura durante o governo militar. Temos uma presidente que foi, ela própria, vítima da tortura. Então, por que a oposição dos militares a uma novela que quer, simplesmente, retratar um momento da História?
Os governos militares e a guerrilha produziram obras de arte de alto nível em países próximos. O filme argentino “A História Oficial” ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro. A chilena Isabel Allende escreveu livros de reconhecimento internacional, como “A Casa dos Espíritos” e “De Amor e de Sombras”. E nós? Basta alguém tocar no tema e lá vem uma minicrise. Mas como projetar o futuro sem avaliar o passado?
Eu conheço jovens que não tem a menor idéia do que foi a Ditadura Militar. Pessoas sem consciência do que foi o país é que votam num palhaço para parlamentar, como se isso fosse engraçado. Não sabem valorizar a Democracia, que, com todos os seus problemas, ainda é a Democracia.