segunda-feira, 31 de julho de 2017
Do Congresso em Foco: Preces para Themis - a deusa grega da Justiça... Pois a cidadania esclarecida só erá adoradora da Justiça quando esta for realmente destinada a todos. Artigo de Cézar Brito
A deusa grega Themis, também chamada de Justitia pelos romanos, era filha de Urano e Gaia, sendo considerada a personificação da Ordem e do Direito Divino, ratificados pelo Costume e pela Lei. No Olimpo, ocupava o destacado cargo de conselheira .
Preces para Themis – a cidadania se tornará adoradora da Justiça quando esta for destinada a todos
A deusa grega Themis, também chamada de Justitia pelos romanos, era filha de Urano e Gaia, sendo considerada a personificação da Ordem e do Direito Divino, ratificados pelo Costume e pela Lei. No Olimpo, ocupava o destacado cargo de conselheira de todos os deuses, sentava-se ao lado do poderoso Zeus, selava o destino da sociedade, determinava as regras morais, sociais e religiosas e, enfim, julgava a todos com o dom da infalibilidade. Tornou-se, com este currículo, a deusa da Justiça, ainda mais quando impressionava o seu austero exemplo divino, bem representado no fato de que se apresentava com os olhos vendados, segurando uma balança e uma tábua de leis.
E para quem não está familiarizado com o jeito de ser da badalada deusa, esclarece-se que ela não vendava os seus próprios olhos por capricho, marketing religioso ou assumido prazer masoquista. Ao contrário, assim agia por deliberado querer funcional, pois, não enxergando a classe social, o poder econômico, a aparência física ou o aspecto intelectual dos suplicantes, poderia melhor julgar e aplicar a Justiça requerida.
As tábuas de leis que acompanham a sua indumentária, significam que todos devem seguir, universalmente, as mesmas regras e os mesmos princípios preestabelecidos, independentemente da condição humana ou divina do julgado. A balança que porta simboliza o equilíbrio que deveria pautar o mundo, observando-se que os deuses, as pessoas e os seus atos têm seus pesos quantificados, igualitariamente, tanto em relação aos seus respectivos erros e acertos, quanto aos prêmios e os castigos. É escrever em outras palavras: não olhando “o quem” postulava, seria mais justa e sensível para escutar e julgar “o que” se buscava.
Assim, não poderia surpreender a constatação de que a deusa Themis tivesse se tornado uma verdadeira popstar entre gregos, troianos, romanos e todos aqueles que acreditavam na divindade dos que habitavam o Olimpo. Ela era invocada por todos aqueles que se sentiam injustiçados, oprimidos ou indefesos diante dos poderosos deuses, das pessoas que se diziam deuses e dos que endeusavam a arbitrariedade.
Os seus devotos sabiam que poderiam contar com a sua voz defensiva nas reuniões dos deuses, especialmente quando violados os ordenamentos impositivos inscritos em suas famosas tábuas, desequilibrando a balança da vida. E, segundo consta dos livros sagrados divulgados pelas sacerdotisas de seus templos, ela sempre atendia as súplicas mais justas. Sobrevivendo aos caprichos implacáveis do tempo, assistindo de camarote a derrocada da própria mitologia grega que a revelou para o mundo, o deslumbrante charme de Themis continuou conquistando a atenção de todos os povos do planeta, inclusive os ateus e os que professam o monoteísmo, fundamentalista ou não.
Basta constatar que Themis foi presença cativa em vários episódios que deixaram marcas profundas na História, até porque não se pode falar em igualdade, liberdade e fraternidade sem clamar por Justitia. E não se pode esquecer que a sua imagem, desde o início do seu culto, está edificada em vários prédios públicos, escritórios privados de advocacia e museus, além de impressa em incomensuráveis cartazes, convites, papéis timbrados, diplomas, cartões profissionais e milhares de peças publicitárias que pregam a prática da equidade, da ética, do direito e da justiça entre todos e para todos.
E toda esta imortal popularidade ocorre em razão de Themis ter se adaptado ao mundo contemporâneo na sua caminhada pelo tempo. É que, não mais contando com os deuses do Olimpo para exigir o cumprimento de suas deliberações, adotou novas práticas, abriu incontáveis templos e empossou sacerdotes em vários cantos do planeta. Além da tábua de leis e da sua impenetrável venda, a eterna deusa passou a portar em seu traje uma reluzente espada, símbolo maior da força do Estado e do seu poder de polícia para exigir o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Também passou a compartilhar com os mortais seres humanos a tarefa de inscrever na tábua das leis o ordenamento jurídico que vigoraria em cada país.
Da mesma forma, descentralizou para o mesmo grupo de mortais a tarefa de julgar, permitindo que os próprios seres humanos cuidassem das acusações, das defesas e das decisões judicias. A virtude da democratização legislativa e judicial que permitiu a imortalidade de Themis, paradoxalmente, provocou um grave risco para a sobrevivência da própria humanidade. É que os seres humanos não foram aquinhoados com os dons da onisciência, da onipotência e da onipresença.
Não podendo saber de tudo que ocorre, não tendo o poder de tudo fazer e sem condições de estar em todos os lugares os seres humanos podem errar em sua avaliação, desconhecer as circunstâncias em que os fatos ocorreram, ignorar as razões dos atos praticados, não sentir o sentimento em debate ou mesmo não compreender por nunca ter vivido a situação. Ademais, os seres humanos não estão isentos dos defeitos que podem viciar os atos decisórios e judicias, assim como não estão imunes à corrupção, às paixões políticas, às vaidades, às invejas e aos preconceitos sociais. Daí a razão da necessidade de se observar, como antídoto à possibilidade da falha humana, o equilíbrio democrático na representatividade parlamentar e o rígido cumprimento da norma processual que impeça o olhar parcial do julgador.
O fervor fanático de sua legislação destruidora dos direitos sociais não encontra qualquer paradigma na História do Brasil. E não se parou na transformação da classe trabalhadora em serva eterna não aposentável do senhor Capital, pretende-se transformar o brasileiro em estrangeiro em sua própria terra natal. Entrega-se a exploração de óleo e gás na camada pré-sal para o capital estrangeiro, vende-se os aeroportos, os lotes de terra, as companhias aéreas e tudo que possa reluzir como ouro. E tudo isso sob suspeito manto batizado por Chico Buarque e Francis Hime como “tenebrosas transações”.
Confiscado o caráter de equilíbrio na tábua das leis, restaria a imparcialidade dos seres humanos que receberam a delegação de acusar, defender e julgar os seus semelhantes. Neste campo de atuação Themis teria uma experiência impecável, não permitindo que os julgamentos fossem fundamentados segundo critérios de classe social e poder econômico. Mas eis que, repentinamente, das tintas das sentenças judiciais se proíbe o direito de manifestação, a presunção de inocência, o princípio do contraditório, a ampla publicidade dos atos processuais e a igualdade de armas entre a acusação e a defesa. Tudo praticado sob a lógica de que “quem recebe a delegação divina também divino é”, especialmente no que se refere ao dom da infalibilidade, jamais poderia cometer erros graves ou falhas processuais gritantes.
O julgamento do ex-presidente Lula reflete a equivocada lógica da sacralidade na delegação implementada por Themis. Inicialmente, quando fora violada a Tábua Constitucional na parte em que refere ao princípio da segurança enquanto direito fundamental, expressamente previsto no caput do art. 5º e no caput do art. 6º.
A Tábua brasileira Republicana inverteu a lógica repressiva da investigação, substituindo o conceito de segurança nacional destinada a proteger o regime militar para o de segurança como direito fundamental protetor do cidadão contra o poder de polícia exercido de forma abusiva pelo Estado. Exatamente por isso criou competências específicas para os diversos atores da investigação, indicando um sistema que conjuga autonomia e controle em cada fase apurativa, do inquérito policial até o acatamento da denúncia. O objetivo era impedir que o Estado (polícia, Ministério Público e magistrado), controlasse de forma uniforme todas as fases da apuração criminal, não permitindo a fiscalização dos atos praticados.
A chamada Força Tarefa da Lava-Jato misturou todos em um só pacote, não mais se sabendo quem era policial, procurador da República ou magistrado. Os três, agindo como uma única e orquestrada voz, impediram que os freios e os contrapesos constitucionais fossem disparados, comprometendo a necessária imparcialidade do que seria depois julgado. Neste campo, como se sabe, tudo era decidido coletivamente, desde o vazamento estratégico de gravações ilegais, passando por coletivas de imprensa sensacionalistas, executando-se conduções coercitivas abusivas, forçando-se prisões para obtenção de liberatórias delações premiadas ou mesmo pelo induzimento como reais de fatos que sequer constavam dos autos.
O que realmente importava era a estratégia ter o apoio da opinião publicada para convencer a opinião pública, pouco importando a verdade real ou processual. Era como se estivessem recitando como “grito de guerra” o famoso chavão retirado do célebre livro “Os Três Mosqueteiros”, escrito pelo francês Alexandre Dumas: – Um por todos e todos por um!
Não custa lembrar que a acusação, centralizada na “onisciente convicção que dispensa prova”, fez do processo um debate que rendeu holofotes, autógrafos, palestras milionárias, livros autobiográficos ou de biografia autorizada. E neste pacote popular, o próprio julgador fazia do processo uma emocionante novela especial, comunicando no Facebook familiar as cenas dos próximos capítulos, algumas delas anunciadas em concorridas palestras, em viagens internacionais, em audiências parlamentares ou em badaladas entrevistas nas redes televisivas.
Tudo sem mencionar a autorização para que fossem produzidos filmes comerciais sobre o próprio processo, quando passariam a ser “vultos históricos” da passarela brasileira. E, sob as luzes dos holofotes, apresentaram uma inovação na milenar indumentária de Themis, agora ela se exibia sorridente, vaidosa e, sobretudo, sem a venda que a impedia de olhar “o quem”.
E como não esperar outro resultado além da condenação? Como acreditar que a acusação, repentinamente, perderia o apoio do julgador? Como se poderia pensar em julgamento imparcial quando acusador e julgador abandonam os autos para abraçarem, juntos, a escadaria da fama? Como esperar que dissessem que todo processo foi um grave erro, que eram falsos os fundamentos dos livros publicados, que deveriam ser rasgados os autógrafos concedidos e que não mais seriam convidados para palestras, entrevistas e viagens internacionais? Como extrair do acusador e do julgador a sua natureza humana, suas vaidades, paixões políticas ou compreensões ideológicas? As respostas foram dadas em forma de uma sentença inconsistente, não fundamentada nos autos e destinada a desaparecer do currículo de Themis.
Se poderia então concluir, que a deusa Themis resolveu abandonar o Brasil nesta quadra do tempo? Algum estudioso do tema talvez chegue à conclusão de que os templos brasileiros trabalham muito, mas os problemas são maiores do que a capacidade organizacional do Estado para resolvê-los. Poderia afirmar, ainda, que a deusa Themis nunca habitou ou construiu templos em terras tupiniquins, também eles vítimas de extermínio. É possível, também, que ele aponte os ferozes inimigos da Justitia como responsáveis diretos pela diária tentativa de se decretar a sua morte definitiva e sem direito à ressurreição. Ele dirá, quem sabe, que vândalos atacaram o seu culto, corromperam os sacerdotes, desmoralizam os templos, ameaçaram os devotos e espalharam que ela desistiu da própria santidade. Pode até dizer que ela fora “curada” da venda que a impedia de enxergar “o quem”, tornando-se uma simples mortal que, sem qualquer remorso, julga inaudível “o que” se postula.
Independentemente da resposta, é necessário dizer que a cidadania brasileira somente se tornará uma das grandes adoradoras da deusa Themis quando a Justitia for efetivamente destinada a todos. Neste dia, certamente para ela rezariam os trabalhadores, os desempregados e os aposentados, suplicando que se torne vitoriosa a compreensão de que nasceram para viver com dignidade, e não apenas considerados custos de produção, estatísticas sociais ou dispêndios orçamentários.
Orariam também os camponeses, os excluídos, os abandonados e os que não têm moradia e terra, todos esperançosos de que suas preces seriam ouvidas e, assim, poderiam ser considerados detentores de direitos. Rezariam os pobres, os “pretos” e as prostitutas – os desgastados 3P – para que não mais se tornassem os “compulsórios frequentadores” das delegacias e dos presídios brasileiros. Também por ela clamariam as mulheres, pedindo que não mais sejam vítimas do machismo que mata, violenta e suga qualquer possibilidade de serem tratadas com dignidade, igualdade e respeito. Rezaríamos todos nós, brasileiros e brasileiras que não se cansam de lutar.
* Advogado, integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e preside a Comissão de Relações Internacionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Foi presidente do Conselho Federal da OAB e da União dos Advogados de Língua Portuguesa (Ualp). Mantém perfil no Twitter no endereço @cezar_britto.
domingo, 30 de julho de 2017
Agora que Moro desempenhou o papel que a Globo queria e que as apurações abarcam grande parte da cúpula de "notáveis" do corrupto e golpista governo Temer e de caciques do PSDB, a tal "gande impensa" começou (com grande atraso) a reconhecer que a Lava Jato de Moro e Dellagnol destroçou a economia
"Agora que as apurações enfrentam boa parte da cúpula do governo de Michel Temer e caciques do PSDB, como o senador Aécio Neves (MG), a mídia tradicional começou a dar voz para os impactos na economia brasileira. Um deles foi diretamente no desemprego, contraditoriamente em momento que o atual governo peemedebista tenta convencer que sua gestão foi benéfica para geração de empregos."
Lava Jato acabou com 500 mil empregos no Brasil, diz levantamento de jornal
Jornal GGN - Os riscos da Operação Lava Jato para a economia, com a divulgação indiscriminada e aberta para o mundo sobre os esquemas de corrupção deflagrados na Petrobras, estatais e diversas empreiteiras brasileiras, ao contrário de fazer jus a sigilo de investigações em nome da soberania nacional, são expostos pelo GGN e imprensa alternativa desde o início dos avanços da força-tarefa de Curitiba.
Mas agora que as apurações enfrentam boa parte da cúpula do governo de Michel Temer e caciques do PSDB, como o senador Aécio Neves (MG), a mídia tradicional começou a dar voz para os impactos na economia brasileira. Um deles foi diretamente no desemprego, contraditoriamente em momento que o atual governo peemedebista tenta convencer que sua gestão foi benéfica para geração de empregos.
Nesse sentido, levantamento feito pelo blog de Ancelmo Gois mostra que a Operação Lava Jato exterminou, pelo menos, 500 mil empregos no país. O repórter Tiago Rogero fez um cálculo com base na Petrobras, Sete Brasil, e nas principais empreiteiras na mira das investigações: a Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS, UTC, Engevix, além de outras empresas.
A publicação ressaltou que não foram somados às contas as demissões nas empresas: Queiroz Galvão, Alumini, Mendes Júnior, Iesa, Skanka Brasil, GDK, Carioca Christiani Nielsen Engenharia, MPE Montagens e Projetos, Tomé Engenharia, Construcap, Egesa, Aratec, Mossack, Jaraguá Equipamentos e Sanko Sider. Acompanhe, abaixo, a lista de cortes por essas empresas, privadas e estatais, após o avanço das investigações, reproduzido da coluna de O Globo:
- Com a venda de Alpargatas, Vigor e Eldorado, o grupo J&F, que hoje tem 270 mil funcionários, deve passar a contar com 240 mil;
- A Andrade Gutierrez tinha 60 mil empregados, em 2013 (a Lava-Jato começou em 2014). Em 2016, eram 20 mil;
- O grupo Odebrecht fechou 2016 com 85 mil, depois de chegado a quase 200 mil;
- A Petrobras foi afetada não só pela Lava-Jato, mas, como se sabe, também pela queda no preço do barril de petróleo. O número de empregados próprios caiu de 62,7 mil, em 2013, para 47,6 mil. O de terceirizados passou de 320,1 mil, em 2013, para 98,4 mil;
- A OAS tinha em seus quadros 120 mil pessoas; hoje, são uns 30 mil. Há quatro anos, eram 20 mil terceirizados; hoje, são 1,7 mil;
- Na UTC, o total passou de 27,3 para 1,5 mil;
- A Engevix, agora Nova Engevix, contava, em 2013, com 17,2 mil funcionários; agora, são 1,1 mil. Eram 8,1 mil prestadores de serviço; hoje, são 1,5 mil;
- Na Promon Engenharia, eram 1.000; agora, são 300;
- A Eldorado Brasil foi na contramão: o número de trabalhadores passou de 2,9 mil, em 2013, para os atuais 4 mil;
- A natimorta Sete Brasil tinha 82 funcionários em 2013; hoje, tem sete. Eram 35 terceirizados; agora, são 25;
Foto: Reprodução
sábado, 29 de julho de 2017
George Monbiot, professor, ambientalista e articulista do jornal londrino The Guardian: Na ação dos irmaõs Koch, o exemplo do projeto secreto (e perverso) do capitalismo
Como Charles Koch e outros bilionários financiaram, nas sombras, um projeto político que implica devastar o serviço público e o bem comum, para estabelecer a “liberdade total” do 1% mais rico
Manifestantes em protesto contra as contribuições dos irmãos Koch (reprodução)
Por George Monbiot | Tradução: Antonio Martins | Publicação: Outras Palavras e Pragmatismo Político
É o capítulo que faltava, uma chave para entender a política dos últimos cinquenta anos. Ler o novo livro de Nancy MacLean,Democracy in Chains: the deep history of the radical right’s stealth plan for America [“Democracia Aprisionada: a história profunda do plano oculto da direita para a América] é enxergar o que antes permanecia invisível.
O trabalho da professora de História começou por acidente. Em 2013, ela deparou-se com uma casa de madeira abandonada no campus da Universidade George Mason, em Virgínia (EUA). O lugar estava repleto com os arquivos desorganizados de um homem que havia morrido naquele ano, e cujo nome é provavelmente pouco familiar a você: James McGill Buchanan. Ela conta que a primeira coisa que despertou sua atenção foi uma pilha de cartas confidenciais relativas a milhões de dólares transferidos para a universidade pelo bilionário Charles Koch1.
Suas descobertas naquela casa de horrores revelam como Buchanan desenvolveu, em colaboração com magnatas e os institutos fundados por eles, um programa oculto para suprimir a democracia em favor dos muito ricos. Tal programa está agora redefinindo a política, e não apenas nos Estados Unidos.
Buchanan foi fortemente influenciado pelo neoliberalismo de Friedrich Hayek e Ludwig von Mises e pelo supremacismo de proprietários de John C Carlhoun. Este último argumentava, na primeira metade do século XIX, que a liberdade consiste no direito absoluto de usar a propriedade – inclusive os escravos – segundo o desejo de cada um. Qualquer instituição que limitasse este direito era, para ele, um agente de opressão, que oprime homens proprietários em nome das massas desqualificadas.
James Buchanan reuniu estas influências para criar o que chamou de “teoria da escolha pública. Argumentou que uma sociedade não poderia ser considerada livre exceto se cada cidadão tivesse o direito de vetar suas decisões. Queria dizer que ninguém deveria ser tributado contra sua vontade. Mas os ricos, dizia ele, estavam sendo explorados por gente que usa o voto para reivindicar o dinheiro que outros ganharam, por meio de impostos involuntários usados para assegurar o gasto e o bem-estar social. Permitir que os trabalhadores formassem sindicatos e estabelecer tributos progressivos eram, sempre segundo sua teoria, formas de “legislação diferencial e discriminatória” sobre os proprietários do capital.
Qualquer conflito entre o que ele chamava de “liberdade” (permitir aos ricos fazer o que quiserem) e a democracia deveria ser resolvido em favor da “liberdade”. Em seu livro The Limits of Liberty [“Os limites da liberdade”], ele frisou que “o despotismo pode ser ser a única alternativa para a estrutura política que temos”. O despotismo em defesa da liberdade…
Ele prescrevia o que chamou de uma “revolução constitucional”: criar barreiras irrevogáveis para reduzir a escolha democrática. Patrocinado durante toda sua vida por fundações riquíssimas, bilionários e corporações, ele desenvolveu uma noção teórica sobre o que esta revolução constitucional seria e uma estratégia para implementá-la.
Ele descreveu como as tentativas de superar a segregação racial no sistema escolar do sul dos Estados Unidos poderiam ser frustradas com o estabelecimento de uma rede de escolas privadas, patrocinadas pelo Estado. Foi ele quem primeiro propôs a privatização das universidades e cobrança de mensalidades sem nenhum subsídio estatal: seu propósito original era esmagar o ativismo estudantil. Ele recomendou a privatização da Seguridade Social e de muitas outras ações do Estado. Queria romper os laços entre os cidadãos e o governo e demolir a confiança nas instituições públicas. Ele queria, em síntese, salvar o capitalismo da democracia.
Em 1980, pôde colocar este programa em prática. Foi chamado ao Chile, onde ajudou a ditadura Pinochet a escrever uma nova Constituição – a qual, em parte devido aos dispositivos que Buchanan propôs, tornou-se quase impossível de revogar. Em meio às torturas e assassinados, ele aconselhou o governo a ampliar seus programas de privatazação, austeridade, restrição monetária, desregulamentação e destruição dos sindicatos: um pacote que ajudou a produzir o colapso econômico de 1982.
Nada disso perturbou a Academia Sueca que, por meio de Assar Lindbeck, um devoto na Universidade de Estocolomo, conferiu a James Buchanan o Nobel de Economia de 1986. Foi uma das diversas decisões que tornaram duvidosa a honraria.
Mas seu poder realmente intensificou-se quando Charles Koch, hoje o sétimo homem mais rico nos EUA, dicidiu que Buchanan tinha a chave para a transformação que desejava. Para Koch, mesmo ideólogos neoliberais como Milton Friedman e Alan Greenspan eram vendidos, já que tentavam aperfeiçoar a eficiência dos governos, ao invés de destruí-los de uma vez. Buchanan era o realmente radical.
Nancy MacLean afirma que Charles Koch despejou milhões de dólares no trabalho de Buchanan na Universidade George Mason, cujos departamentos de Direito e Economia parecem muito mais thinktanks corporativos que instituições acadêmicas. Ele encarregou o economista de selecionar o “quadro” revolucionário que implementaria seu programa (Murray Rothbard, do Cato Institute, fundado por Koch, havia sugerido ao bilionário estudar as técnicas de Lenin e aplicá-las em favor da causa ultraliberal). Juntos, começaram a desenvolver um programa para mudar as regras.
Os documentos que Nancy Maclean descobriu mostram que Buchanan via o sigilo como crucial. Ele afirmava a seus colaboradores que “o sigilo conspirativo é essencial em todos os momentos”. Ao invés de revelar seu objetivo último, eles deveriam agir por meio de etapas sucessivas. Por exemplo, ao tentar destruir o sistema de Seguridade Social, sustentariam que estavam salvando-o e argumentariam que ele quebraria sem uma série de “reformas” radicais. Aos poucos, construiriam uma “contra-inteligência”, articulada como uma “vasta rede de poder político” para, ao final, constituir um novo establishment.
Por meio da rede de thinktanks financiada por Koch e outros bilionários; da transformação do Partido Republicano; de centenas de milhões de dólares que destinaram a disputas legislativas e judiciais; da colonização maciça do governo Trump por membros de sua rede e de campanhas muito efetivas contra tudo – da Saúde pública às ações para enfrentar a mudança climática, seria justo dizer que a visão de mundo de Buchanan está aflorando nos EUA.
Mas não apenas lá. Ler seu livro desvendou, para mim, muito da política britânica atual. O ataque às regulamentações evidenciado pelo incêndio da Torre Grenfell, a destruição dos serviços públicos por meio da “austeridade”, a regras de restrição do orçamento, as taxas universitárias e o controle das escolas: todas estas medidas seguem à risca o programa de Buchanan.
Em um aspecto, ele estava certo: há um conflito inerente entre o que ele chamava de “liberdade econômica” e a liberdade política. Deixar os bilionários de mãos livres significa, para todos os demais, pobreza, insegurança, contaminação das águas e do ar, colapso dos serviços públicos. Como ninguém votará em favor deste programa, ele só pode ser imposto por meio de ilusão ou controle autoritário. A escolha é entre o capitalismo irrestrito e a democracia. Não se pode ter os dois.
O programa de Buchanan equivale à prescrição de capitalismo totalitário. E seus discípulos apenas começaram a implementá-lo. Mas ao menos, graças às descobertas de Nancy Maclean, agora podemos compreender a agenda. Uma das primeiras regras da política é conhecer seu inimigo. Estamos a caminho.
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1Nos últimos anos, reportagens e vídeos têm começado a jogar luz sobre a atividade política dos irmãos Charles e David Koch, e seus vínculos com a ultra-direita nos EUA e em outras parte do mundo. Vale assistir, por exemplo, a Koch Brothers exposed, documentário de Robert Greenwald (https://www.youtube.com/watch?v=2N8y2SVerW8); ou ler “Por dentro do império tóxico dos irmãos Koch”, publicado pela revista Rolling Stones (em inglês) http://www.rollingstone.com/politics/news/inside-the-koch-brothers-toxic-empire-20140924
1Nos últimos anos, reportagens e vídeos têm começado a jogar luz sobre a atividade política dos irmãos Charles e David Koch, e seus vínculos com a ultra-direita nos EUA e em outras parte do mundo. Vale assistir, por exemplo, a Koch Brothers exposed, documentário de Robert Greenwald (https://www.youtube.com/watch?v=2N8y2SVerW8); ou ler “Por dentro do império tóxico dos irmãos Koch”, publicado pela revista Rolling Stones (em inglês) http://www.rollingstone.com/politics/news/inside-the-koch-brothers-toxic-empire-20140924
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O Mal da Bancada Evangélica e sua responsabilidade no desastre do Golpe, sob auspícios de Eduardo Cunha, Feliciano, Bolsonaro e assemelhados em artigo de Fábio de Oliveira Ribeiro
"O fenômeno político recente mais importante no Brasil foi o crescimento da bancada evangélica, da qual Eduardo Cunha fazia parte. Apesar de ter sido preso, durante o período em que presidiu a Câmara dos Deputados Cunha sabotou o governo e conseguiu organizar a maioria parlamentar que derrubou Dilma Rousseff e enfiou goela abaixo dos brasileiros o desastroso governo Michel Temer." - Fábio de Oliveira Ribeiro
O dragão da internet contra o pastor evangélico guerreiro
por Fábio de Oliveira Ribeiro
GGN. - O fenômeno político recente mais importante no Brasil foi o crescimento da bancada evangélica, da qual Eduardo Cunha fazia parte. Apesar de ter sido preso, durante o período em que presidiu a Câmara dos Deputados Cunha sabotou o governo e conseguiu organizar a maioria parlamentar que derrubou Dilma Rousseff e enfiou goela abaixo dos brasileiros o desastroso governo Michel Temer.
As lideranças católicas e operárias escreveram a história do Brasil após o fim da ditadura militar. Mas estes dois segmentos sociais perderam a guerra midiática. Comparadas à imensa e poderosa Rede Record controlada pelos donos da Universal do Reino de Deus, a rede de TV dos católicos é modesta e a TVT dos operários é minúscula.
Jair Bolsonaro, que pertence à bancada evangélica, já desponta como um sério concorrente à presidência. Marina Silva, também evangélica, provavelmente disputará uma vez mais a presidência. Gostemos ou não, lideranças evangélicas como Garotinho e sua esposa e Crivella estão reescrevendo a história administrativa do Rio de Janeiro. E até lideranças operárias (como Dilma Rousseff, por exemplo) já se sentem obrigadas a fazer rapapés para os bispos da Universal no Templo de Salomão em São Paulo. Como explicar este fenômeno?
O contato dentro dos templos é pessoal. A posição de autoridade do pastor facilita a construção de consensos políticos e eleitorais. A hierarquia mais ou menos rígida dentro das igrejas evangélicas (obreiros na base e bispos no topo) facilita a criação de vínculos estáveis e fomenta a disciplina política e eleitoral. Os eleitores evangélicos são diariamente instigados a votar em candidatos evangélicos e a fidelidade deles (ou de uma maioria dentre eles) talvez tenha permitido a consolidação de bancadas parlamentares cada vez maiores e mais influentes.
Depois que chegou ao poder o partido dos operários ficou mais e mais distante de suas bases. A militância virtual dos católicos e dos operários iguala e provavelmente até supera a dos evangélicos, mas isto não se traduz em maior poder político. Talvez isto se deva à uma característica da própria internet.
“Dúzias de estudos psicológicos, neurobiólogos, educadores e web designers indicam a mesma conclusão: quando estamos on-line, entramos em um ambiente que promove a leitura descuidada, o pensamento apressado e distraído e o aprendizado superficial. É possível pensar profundamente enquanto se surfa na net, assim como é possível pensar superficialmente enquanto se lê um livro, mas não é o tipo de pensamento que a tecnologia encoraja e recompensa.” (O que a internet está fazendo com os nossos cérebros – A geração superficial, Nicholas Carr, editora Agir, Rio de Janeiro, 2011, p. 161/162)
Um pouco adiante o autor é mais específico:
“As dificuldades de desenvolver a compreensão de um assunto ou conceito parecem ser ‘fortemente determinados pela carga da memória de trabalho’, escreve Sweller, e, quanto mais complexo o material que tentamos apreender, maior a penalidade imposta por uma mente sobrecarregada. Há muitas fontes possíveis de sobrecarga cognitiva, mas duas das mais importantes são, segundo Sweller, a ‘resolução de problemas externos’ e a ‘atenção dividida’. Ocorre que essas são duas das características centrais da net como uma mídia informacional. Usar a internet pode, como sugere Gary Small, exercitar o cérebro de modo como faz um jogo de palavras cruzadas. Mas tal exercício intensivo, quando se torna o nosso primário de pensamento, pode impedir o pensamento e o aprendizado profundos. Tente ler um livro enquanto está fazendo palavras cruzadas; esse é o ambiente intelectual da internet.” (O que a internet está fazendo com os nossos cérebros – A geração superficial, Nicholas Carr, editora Agir, Rio de Janeiro, 2011, p. 174/175)
A internet brasileira está sendo continuamente abastecida por textos mais ou menos complexos produzidos por intelectuais de esquerda. Estes textos são freneticamente compartilhados por militantes. Mas nem sempre eles são lidos e compreendidos pelo público em geral. Em contrapartida, a mensagem política simples dos pastores evangélicos (salvação centrada no respeito à autoridade de quem interpreta e repete exaustivamente a Bíblia), é capaz de fixar na memória dos eleitores evangélicos a certeza de que os políticos evangélicos sempre fazem o que é correto (mesmo que eles prejudiquem seus próprios eleitores, como ocorreu recentemente durante a votação da Reforma Trabalhista).
Ao discorrer sobre a dispersão provocada pela internet, Nicholas Carr afirma:
“É importante enfatizar que a capacidade da net de monitorar eventos e enviar automaticamente mensagens e notificações é uma das suas grandes forças como tecnologia de comunicação. Baseamo-nos nessa capacidade para personalizar o funcionamento do sistema, para programar a vasta base de dados para responder às nossas necessidades particulares, interesses e desejos. Nós queremos ser interrompidos, porque cada interrupção nos traz uma informação preciosa. Ao desligar esses alertas, nos arriscamos a nos sentir desconectados ou mesmo socialmente isolados. O fluxo quase contínuo de novas informações pela web também apela à nossa tendência natural de ‘supervalorizar amplamente o que está acontecendo exatamente agora’, como explica o psicólogo do Union College, Christopher Chabris. Ansiamos pelo novo mesmo quando sabemos que o ‘novo é na maior parte das vezes trivial em vez de essencial’.” (O que a internet está fazendo com os nossos cérebros – A geração superficial, Nicholas Carr, editora Agir, Rio de Janeiro, 2011, p. 185)
Os evangélicos se reúnem nos templos. Os militantes operários se reúnem na internet. Os governos Lula e Dilma apostaram na inclusão digital acreditando que poderiam assim aumentar sua base de sustentação política. Este erro estratégico pode ter sido fatal.
É fato, o ambiente virtual escolhido pela esquerda para competir politicamente com os evangélicos é inadequado. Enquanto a profundidade intelectual da esquerda se torna superficial na internet por causa das características da própria rede mundial de computadores, a superficialidade dos pastores evangélicos se torna mais e mais profunda nas consciências dos fiéis porque o ambiente dentro das igrejas proporciona concentração e não dispersão. Portanto, não se engane, ao ler e compartilhar este texto você poderá estar fazendo mais mal do que bem à esquerda operária.
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sexta-feira, 28 de julho de 2017
Armandinho sobre o resultado social das políticas neoliberais do PSDB e de Temer...
Viva o neoliberalismo do PSDB e de Temer!
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quinta-feira, 27 de julho de 2017
Diante de ameaças e ações de Doria, bem como dos seguidores deste, o Padre Julio Lancelotti, defensor dos excluídos e moradores de rua de São Paulo, pedirá proteção à Anistia Internacional
Segue o texto de Mauro Lopes, publicado em seu site, o Caminho pra Casa
Vigário da Pastoral do Povo da Rua em São Paulo desde o fim do século passado, padre Júlio Lancelotti pensou que já tinha visto de tudo em sua caminhada com os moradores e moradoras das ruas da metrópole. “Mas o que a cidade está vivendo agora nunca vi”, disse ele na tarde desta quarta (27) ao Caminho Pra Casa. “O extremismo dos últimos tempos, agravado por uma atuação sectária da Prefeitura, deu sinal verde, liberou o extermínio daqueles que a direita vê como o lixo da cidade”, desabafou o sacerdote. Por isso, padre Júlio decidiu que irá pedir proteção à Anistia Internacional ao povo da rua e àqueles que, como ele, têm sofrido inúmeros ataques nos últimos meses.
O mês de julho tem sido particularmente dramático para o povo da rua em São Paulo. No dia 12 de julho, no fim da tarde, o catador de material reciclável Ricardo Silva Nascimento, de 39 anos, negro, foi executado com pelo menos dois tiros na altura do peito por um policial militar branco. O crime aconteceu num bairro tradicional de classe média e alta na zona oeste da cidade, Pinheiros. Ricardo era muito estimado pelos moradores da região que não tiveram seu coração endurecido e os ouvidos fechados ao sofrimento dos mais pobres. Uma semana depois, muitos deles acorreram à missa de sétimo dia de Ricardo, na catedral da Sé, que imediatamente trouxe à mente o culto ecumênico de 31 de outubro de 1975, em memória de Vladimir Herzog e protesto por sua morte pelos militares.
No dia seguinte à missa de sétimo dia pela morte de Ricardo, seu amigo e também morador de rua Gilvan Artur Leal, o Piauí, morreu na Santa Casa de São Paulo, alegadamente de um AVC. Ele foi a principal testemunha do assassinato de Ricardo e foi torturado pelos PMs em plena rua, por protestar contra o crime: em nota assinada por algumas dezenas de moradores do bairro, eles relataram que os policiais obrigaram Piauí a esticar as mãos sobre a calçada e pisotearam seus dedos, aos gritos de “sai daqui que vai sobrar pra você”. Na mesma nota, os moradores contaram que Piauí ficara profundamente abalado, chorava diariamente e relatava ter medo das ameaças que tinha sofrido da PM. Ao lado da carroça do Ricardo, dizia para os moradores da região: “mataram meu irmão, e eu sou o próximo”.
Na manhã da morte de Piauí, uma cena chocou milhões de pessoas: após a madrugada mais fria do ano na cidade (7°C), moradores de rua foram acordados às 6h30 no centro de São Paulo com jatos de água gelada de equipes municipais –que também removeram barracas e deixaram roupas e cobertores molhados.
Durante todo o inverno, equipes do prefeito João Doria têm confiscado ilegalmente cobertores dos moradores de rua, o que levou o padre Júlio a protestar: “Tem muita gente distribuindo cobertores, mas só um recolhe” –a Prefeitura.
“Os moradores de rua estão entregues ao que vier, e os que estão ao lado deles acabam sofrendo retaliações de todo tipo”, afirmou o sacerdote num tom de voz que denuncia cansaço extremo. O Conselho de Segurança da Prefeitura Regional da Mooca tem feito uma série de ameaças ao padre das ruas, que é também pároco da Igreja São Miguel Arcanjo, e lançou recentemente um documento exigindo a remoção de Lancelotti da paróquia. “Mas eles não entendem que só tem dois jeitos de eu sair da paróquia, por decisão do arcebispo ou num caixão”, ironizou.
Júlio Lancelotti foi ordenado em 1985 por dom Luciano Mendes de Almeida (1930-2006) e se tornou um seguidor de um dos principais líderes da Igreja brasileira comprometida com os pobres, dirigente da CNBB por mais de 15 anos e continuamente perseguido pelo regime militar e pela Cúria romana. Hoje, é um entusiasta do papado de Francisco, com quem compartilha a opção pelos últimos da cidade, os moradores de rua. Como bispo de Roma, Francisco tem tomado seguidas iniciativas de acolhimento dos moradores e moradores de rua. Abriu um refeitório e uma lavanderia para eles ao lado da Praça São Pedro, animou um encontro com moradores e moradoras de rua no Vaticano em 2016, com eles comemorou seu 80º aniversário, num emocionante café da manhã.
Há dois anos, Francisco enviou seu solidéu para os moradores de rua de São Paulo. Numa caixa de acrílico transparente, ele fica na Casa de Oração do Povo da Rua, no centro da cidade e, de vez em quando, é levado por agentes da pastoral em suas jornadas noturnas. Júlio Lancelotti: “O Papa sabe que é nesses irmãos e irmãs que está o Cristo encarnado”,
[Mauro Lopes]
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quarta-feira, 26 de julho de 2017
Tempo, História, Crítica Social e Política na série espanhola "El Mistério do Tiempo", em análise de Wilson Roberto Vieira Ferreira
Série "El Ministerio del Tiempo" vai na contramão do tempo-espaço da era da globalização
Por Wilson Ferreira - no CineGnose
Desde “O Exterminador do Futuro” (1984) e “De Volta ao Futuro” (1985), as representações do tempo mudaram no cinema e audiovisual: o Tempo tornou-se mutante e aleatório como um hipertexto. Mas curiosamente, a série da TVE (a tevê pública espanhola) “El Ministerio Del Tiempo” (2015) vai na contramão desse imaginário sobre o tempo-espaço que caracteriza a atual era das tecnologias digitais e Globalização: ao contrário, a série de ficção-científica mostra o Tempo como um fenômeno unidirecional e imutável onde um ministério secreto do governo protege misteriosas portas do tempo de possíveis oportunistas que tentem alterar o passado em seu próprio benefício. Se o cinema é um documento do imaginário de cada época, a série espanhola parece apontar para uma reação contra o paradigma tempo-espaço que sustenta a financeirização e a Globalização. Mergulhada em uma crise econômica desde o fim da estabilidade da Zona do Euro, a Espanha nos oferece uma série que quer se apegar ao nacionalismo e à sua História como resposta à crise global.
O leitor deve conhecer o mais famoso quadro do pintor espanhol Valazquez, Las Meninas de 1656 – composição enigmática que sugere um quadro dentro de um quadro, criando uma relação incerta entre observador e a obra. Quem é a figura no fundo atravessando um corredor que observamos através de uma porta aberta? O neto do pintor, Dom José Nieto Velazquez? Não, provavelmente algum viajante do Tempo de passagem que parou para observar a cena.
É o que sugere a série produzida pela tevê pública espanhola (TVE) Lo Ministerio Del Tiempo em uma rápida sequência onde é apresentado ao protagonista o maior segredo guardado pelo governo espanhol: portas e corredores do tempo existentes em um subterrâneo na cidade de Madrid – segredo de um rabino na Idade Média que, em troca de não ser expulso revelou o segredo para reis católicos. Uma rede de portas de origem misteriosa que se conecta com o passado dos reinos espanhóis.
A rede de portas é administrada e guardada por entediados funcionários públicos do Governo, principalmente porque existe a ameaça da existência de portas clandestinas: existem pessoas que querem mudar o passado em seu benefício – líderes de legiões romanas que querem ter acesso a metralhadoras atuais ou militares franceses do século XVIII que querem ter acesso a revólveres da polícia de Madrid para derrotar a Espanha – tema do episódio piloto da série. E se a Al Qaeda de 2001 tivesse acesso aos modelos atuais de celulares?
Quadro "Las Meninas" de Velazquez: há um viajante do Tempo?
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El Ministério Del Tiempo foi ao ar em 24 de fevereiro desse ano e conta com 8 episódios na primeira temporada. A TVE já confirmou a segunda temporada para o ano que vem. Atualmente é um fenômeno de Internet e discutida por roteiristas, produtores e executivos de redes de TV, seja para colocar a série nas nuvens ou para menosprezá-la - veja abaixo o primeiro capítulo e a série completa clique aqui.
Três Personagens Distintos
A série acompanha o recrutamento pelo ministério de três personagens em três épocas diferentes: Alonso de Entreríos (soldado condenado a morte no século XVI), Amélia Folch (feminista e primeira mulher a frequentar uma universidade da Espanha no século XIX - inteligente e com uma memória fotográfica é o cérebro do grupo) e Julian Martinez, paramédico do Samu na Madrid atual.
Cada um deles vive em sua respectiva época, mas ocasionalmente são convocados para missões secretas para localizar e combater oportunistas que descobrem as portas do tempo clandestinas, e tentam mudar o passado a seu favor. Três personagens bem distintos, que criam em muitos momentos situações engraçadas e irônicas – como um soldado do século XVI poderá aceitar ordens de uma feminista do final do século XIX?
Duas coisas chamam a atenção nas linhas de diálogo do El Ministério Del Tiempo: constantes referencias irônicas que o paramédico Julian faz ao filme O Exterminador do Futuro (The Terminator, 1984) e ironias em relação a atual situação econômica da Espanha – venceu a guerra contra a França no passado, mas hoje “presta homenagens ao Banco Central Europeu”. Ou quando os três atônitos protagonistas perguntam o que fazer em sua primeira missão para deter os militares franceses do século XVIII: “improvisem, como faz todo espanhol”, numa alusão ao atual cenário de crise econômica.
O Tempo Pós-Moderno
Exterminador do Futuro e De Volta para o Futuro dos anos 1980 foram filmes que alteraram a concepção clássica sobre o tempo no cinema. Ao contrário de séries cultuadas como O Túnel do Tempo (Time Tunnel, 1966-67) onde Philip e Doug tentam evitar sem sucesso as tragédias da História, a partir dos anos 1980 podemos voltar ao passado para alterá-lo e, simultaneamente, melhorar o presente. Mais do que isso, em filmes recentes como O Efeito Borboleta (2004) e Sr. Ninguém (Mr. Nobody, 2009) transforma-se em um hipertexto onde cada opção cria um futuro ou um passado alternativos, configurando um contínuo espaço-tempo cada vez mais complexo como uma série de universos paralelos que, potencialmente, poderiam se tangenciar ou influenciarem-se mutuamente.
O que chama a atenção de El Ministerio Del Tiempo é a sua concepção do contínuo tempo-espaço que transforma a série num documento de época, um produto cultural cujo imaginário reflete a atual situação econômica espanhola e europeia.
Em primeiro lugar a série parece romper com a concepção de tempo, por assim dizer, pós-moderna iniciada nos anos 1980 – um contínuo maleável, moldável e que pode se bifurcar. Ao contrário, na série espanhola o passado deve ser guardado e mantido intacto a todo custo. O Governo é o guardião da História cuja missão é caçar todos os oportunistas que tentam mudá-la.
Parece que todos os passados de todas as épocas estão ainda sendo vivenciados repetidamente, ad eternum – por exemplo, um dos funcionários públicos que administram as portas do tempo sempre visita a de número 58 para reviver uma histórica vitória em uma partida do time do Real Madrid.
Tempo Real e a Globalização
O tempo-espaço complexo e mutável retratado pelo cinema segue paralelo ao desenvolvimento das mídias digitais, a linguagem hipertexto e a Internet – tecnologias que foram as ferramentas fundamentais para a Globalização e a integração do sistema financeiro mundial.
Se o historiador francês Marc Ferro estiver correto de que toda produção cinematográfica é um documento histórico por carregar consigo mentalidades, costumes e o universo simbólico do período em que foi produzido, podemos considerar que isso é mais do que um paralelismo – sobre isso leia FERRO, Marc. Cinema e História, São Paulo: Paz e Terra, 1992.
Os seminais Exterminador do Futuro e De Volta Para o Futuro refletiram a concepção tempo-espaço da financeirização da sociedade – a hegemonia dos mercados financeiros (o chamado “turbo-capitalismo”) produziu a virtualização monetária, a integração em tempo-real das praças financeiras que produziu fluxos voláteis e cenários de engenharia financeira cada vez mais complexo.
Para o capital financeiro virtual e sem o antigo lastro-ouro que ancorava o papel-moeda, a realidade torna-se plástica, rapidamente modelável em um eterno presente (o “tempo-real”). Passado e futuro desaparecem nesse contínuo presente e o tempo deixa de ser rígido numa sucessão de causa e efeito – agora o Tempo é aleatório, caótico.
Não mais lemos a História como um texto, mas navegamos como em um hipertexto onde saltamos de um lado para outro por meio de hiperlinks.
Série reage à crise do Euro
Hoje a Espanha vive o enorme impacto da crise da Zona do Euro que se iniciou em 2008 levando os índices de desemprego quase baterem nos 30% e a cada dia 350 famílias perderem suas casas por falta de pagamento. Foi por água abaixo junto com países como Grécia, Romênia e Bulgária.
Por isso, El Ministerio Del Tiempo vai na contramão da concepção de Tempo atual, que é a do imaginário da Globalização e das novas tecnologias. A série parece ser uma reação ao Euro-sistema financeiro e à Troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia). Não é à toa as constantes ironias e alusões ao Euro e seu Banco Central.
Mais do que isso, a série reage ao atual cenário de crise se apegando ao nacionalismo e a pátria – constantemente o personagem Alonso Entreríos evoca a luta pela pátria nas suas missões para capturar os oportunistas que pretendem alterar o passado.
Mas também El Ministerio Del Tiempo faz uma revisão crítica da História da Espanha: conta como o ditador Franco entrou sem querer na II Guerra Mundial, que Lope de Vega foi tão bom escritor como também uma pessoa desprezível, que as mulheres foram esquecidas pela História e que a Igreja passou séculos promovendo a ignorância em seu próprio benefício.
Com o custo de 600 mil euros por episódio pagos pelo contribuinte, a série mostra como uma TV pública pode produzir obras inteligentes e de qualidade. Assim como um dia no passado a nossa TV Cultura de São Paulo produzia obras relevantes. Antes de ser sucateada e esquecida pelas recentes administrações.
Ficha Técnica |
Título: El Ministerio del Tiempo (série de TV)
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Diretor: Javier Olivares, Pablo Olivares
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Roteiro: Javier Olivares, Pablo Olivares
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Elenco: Rodolfo Sancho, Aura Garrido, Nacho Fresneda, Cayetana Cuervo, Juan Gea
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Produção: TVE, Cliffhanger
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Distribuição: TVE
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Ano: 2015
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País: Espanha
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