sábado, 30 de novembro de 2013

A insanidade mecanicista, a locura neoliberal e a insensatez da destruição ambiental



  No que se refere à dominação com o significado de assujeitar/controlar sem sofrer o retorno do subjugado, no decorrer dos desenvolvimentos tecno-econômicos dos tempos modernos, esta dominação pôde ser feita, nos últimos quatro séculos, avançando no universo físico e às máquinas simples sem retroação, depois estendeu-se ao conjunto dos seres vivos, vegetal e animal. O homem substituiu as regras ecológico-organizadoras pelas novas regras da exploração da natureza. Nas últimas décadas, contudo, a natureza, ou seja, a biosfera, retroagiu a essa dominação. A dominação dominou os dominadores, cada vez mais alienados entre si e entre a vida, tornando-nos dependentes de todas as degradações a que submetemos a biosfera. Precisamos compreender, enfim, que o homem faz parte da biosfera e depende dela mais do que ela depende dele, uma vez que a vida continuará a existir mesmo depois da extinção da humanidade...

Edgar Morin

Leonardo Boff sobre o midiático "julgamento" do Mensalão




Uma justiça sem venda, sem balança e só com a espada?




A Justiça, como instituição, desde tempos imemoriais, foi estatuída exatamente para evitar que o justiciamento fosse feito pelas próprias mãos e inocentes fossem injustamente condenados
29/11/2013
Leonardo Boff

Tradicionalmente a Justiça é representada por uma estátua que tem os olhos vendados para simbolizar a imparcialidade e a objetividade; a balança, a ponderação e a equidade; e a espada, a força e a coerção para impor o veredito.

Ao analisarmos o longo processo da Ação Penal 470 que julgou os envolvidos na dita compra de votos para os projetos do governo do PT, dentro de uma montada espetacularização midiática, notáveis juristas, de várias tendências, criticaram a falta de isenção e o caráter político do julgamento.

Não vamos entrar no mérito da Ação Penal 470 que acusou 40 pessoas. Admitamos que houve crimes, sujeitos às penas da lei. Mas todo processo judicial deve respeitar as duas regras básicas do direito: a presunção da inocência e, em caso de dúvida, esta deve favorecer o réu.

Em outras palavras, ninguém pode ser condenado senão mediante provas materiais consistentes; não pode ser por indícios e ilações. Se persistir a dúvida, o réu é beneficiado para evitar condenações injustas. A Justiça como instituição, desde tempos imemoriais, foi estatuída exatamente para evitar que o justiciamento fosse feito pelas próprias mãos e inocentes fossem  injustamente condenados, mas sempre no respeito a estes dois princípios fundantes.

Parece não ter prevalecido, em alguns ministros de nossa Corte Suprema, esta  norma básica do Direito Universal. Não sou eu quem o diz, mas notáveis juristas de várias procedências. Valho-me de dois de notório saber e pela alta respeitabilidade que granjearam entre seus pares. Deixo de citar as críticas do notável jurista Tarso Genro por ser do PT.

O primeiro é Ives Gandra Martins, 88 anos, jurista, autor de dezenas de livros, professor da Mackenzie, do Estado Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra. Politicamente se situa no pólo oposto ao PT, sem sacrificar em nada seu espírito de isenção.

No dia 22 de setembro de 2012, na FSP, numa entrevista à Mônica Bérgamo, disse claramente com referência à condenação de José Direceu por formação de quadrilha: todo o processo lido por mim não contem nenhuma prova. A condenação se fez por indícios e deduções com a utilização de uma categoria jurídica questionável, utilizada no tempo do nazismo, a “teoria do domínio do fato.”

José Dirceu, pela função que exercia, “deveria saber”. Dispensando as provas materiais e negando o princípio da presunção de inocência e do “in dubio pro reo”, foi enquadrado na tal teoria.

Claus Roxin, jurista alemão que se aprofundou nesta teoria, em entrevista à FSP de 11/11/2012, alertou para o erro de o STF tê-la aplicado sem amparo em provas.

De forma displicente, a Ministra Rosa Weber disse em seu voto:”Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”. Qual literatura jurídica? A dos nazistas ou do notável jurista do nazismo Carl Schmitt? Pode uma juiza do Supremo Tribunal Federal se permitir tal leviandade ético-jurídica?

Gandra é contundente:”Se eu tiver a prova material do crime, não preciso da teoria do domínio do fato para condenar". Essa prova foi desprezada. Os juízes ficaram nos indícios e nas deduções. Adverte para a “monumental insegurança jurídica” que pode a partir de agora vigorar. Se algum subalterno de um diretor cometer um crime qualquer e acusar o diretor, a este se aplica a “teoria do domínio do fato” porque “deveria saber”. Basta esta acusação para condená-lo.

Outro notável é o jurista Antônio Bandeira de Mello, 77, professor da PUC-SP na mesma FSP do dia 22/11/2013. Assevera:”Esse julgamento foi viciado do começo ao fim. As condenações foram políticas. Foram feitas porque a mídia determinou. Na verdade, o Supremo funcionou como a longa manus da mídia. Foi um ponto fora da curva”.

Escandalosa e autocrática, sem consultar seus pares, foi a determinação do ministro Joaquim Barbosa. Em princípio, os condenados deveriam cumprir a pena o mais próximo possível das residências deles. “Se eu fosse do PT” – diz Bandeira de Mello – “ou da família pediria que o presidente do Supremo fosse processado. Ele parece mais partidário do que um homem isento”.

Escolheu o dia 15 de novembro, feriado nacional, para transportar para Brasília, de forma aparatosa num avião militar, os presos, acorrentados e proibidos de se comunicar.

José Genuino, doente e desaconselhado de voar, podia correr risco de vida. Colocou a todos em prisão fechada mesmo aqueles que estariam em prisão semi-aberta. Ilegalmente prendeu-os antes de concluir o processo com a análise dos “embargos infringentes”.

O animus condemnandi (a vontade de condenar) e de atingir letalmente o PT é inegável nas atitudes açodadas e irritadiças do ministro Barbosa. E nós tivemos ainda que defendê-lo contra tantos preconceitos que de muitas partes ouvimos pelo fato de sua ascendência afrobrasileira.

Contra isso, afirmo sempre:“somos todos africanos”porque foi lá que irrompemos como espécie humana. Mas não endossamos as arbitrariedades deste Ministro culto mas raivoso. Com o Ministro Barbosa a Justiça ficou sem as vendas porque não foi imparcial, aboliu a balança porque ele não foi equilibrado. Só usou a espada para punir mesmo contra os princípios do direito. Não honra seu cargo e apequena a mais alta instância jurídica da Nação.

Ele, como diz São Paulo aos Romanos:”aprisionou a verdade na injustiça”(1,18). A frase completa do Apóstolo, considero-a dura demais para ser aplicada ao Ministro.

Leonardo Boff foi professor de Etica na UERJ e escreveu Etica e Moral: em busca dos fundamentos, Vozes 2003.

Leonardo Boff e a longa viagem rumo ao coração




Texto de Leonardo Boff

Observava o grande conhecedor dos meandros da psiquê humana C.G. Jung: a viagem rumo ao próprio Centro, ao coração, pode ser mais perigosa e longa do que a viagem à lua. No interior humano habitam anjos e demônios, tendências que podem levar à loucura e à morte e energias que conduzem ao êxtase  e à comunhão com o Todo.
Há uma questão nunca resolvida entre os pensadores da condição humana: qual é a estrutura de base do ser humano? Muitas são as escolas de intérpretes. Não é o caso de sumariá-las.
Indo diretamente ao assuto diria que não é a razão como comumente se afirma. Esta não irrompe como primeira. Ela remete a dimensões mais primitivas de nossa realidade humana das quais se alimenta e que a  perpassam em todas as suas expressões. A razão pura kantiana é uma ilusão. A razão sempre vem impregnada de emoção, de paixão e de interesse. Conhecer é sempre um entrar em comunhão interessada e afetiva com o objeto do conhecimento.
Mais que idéias e visões de mundo, são paixões, sentimentos fortes, experiências seminais que nos movem e nos põem marcha. Eles nos levantam, nos fazem arrostar perigos e até arriscar a própria vida.
O primeiro parece ser a inteligência cordial, sensível e emocional. Suas bases biológicas são as mais ancestrais, ligadas ao  surgimento da vida, há 3,8 bilhões de anos, quando as primeiras bactérias irromperam no cenário da evolução e começaram a dialogar quimicamente com o meio para poder sobreviver. Esse processo se aprofundou a partir do momento em que, há milhões de anos, surgiu o cérebro límbico dos mamíferos, cérebro portador de cuidado, enternecimento, carinho e amor pela cria, gestada no seio desta espécie nova de animais, à qual nós humanos também pertencemos. Em nós ele alcançou o patamar autoconsciente e inteligente, Todos nós esamos  vinculados a esta tradição primeva.
O pensamento ocidental, logocêntrico e antropocêntrico, colocou o afeto sob suspeita, com o pretexto de prejudicar a objetividade do conhecimento. Houve um excesso, o racionalismo, que chegou a produzir em alguns setores da cultura, uma espécie de lobotomia, quer dizer, uma completa insensibilidade face ao sofrimento humano e dos demais seres e da própria Mãe Terra. O Papa Francisco em Lampedusa face aos imigrados africanos criticou a globalização da insensibilidade, incapaz de se compadeer e de chorar.
Mas, podemos dizer que a partir do romantismo europeu (com Herder, Goethe e outros) se começou resgatar a inteligência sensível. O romantismo é mais que uma escola literária. É um sentimento do mundo, de pertença à natureza e da integração dos seres humanos na grande cadeia da vida (Löwy e Sayre, Revolta e melancolia, 28-50).
Modernamente o afeto, o sentimento e a paixão (pathos) ganharam centralidade. Esse passo é hoje imperativo, pois somente com a razão (logos) não damos conta das graves crises por que passa a vida, a Humanidade e  a Terra. A razão intelectual  precisa integrar a inteligência emoconal sem o que não construíremos uma realidade social integrada e de rosto humano. Não se chega ao coração do coração sem passar pelo afeto e pelo amor.
Um dado entretanto, cabe ressaltar entre outros importantes, por sua relevância e pela alta tradição de que goza: é a estrutura do desejo  que marca a psiqué humana.         Partindo de Aristótles, passando por Santo Agostinho e pelos medievais como  São Boaventura( chama a São Francisco de vir desideriorum, um homem de desejos), por Schleiermacher, Max Scheler nos tempos modernos e culminando em Sigmund Freud, Ernst Bloch e René Girard nos tempos mais recentes, todos afirmam a centralidade da estrutura do desejo.
O desejo não é um impulso qualquer. É um motor que dinamiza e põe em marcha toda a vida psíquica. Ele funciona como um princípio, traduzido tambem pelo  filósofo Ernst Bloch por princípio esperança.  Por sua natureza, o desejo é infinito e confere o caráter infinito ao projeto humano.
O  desejo torna dramática e, por vezes, trágica a existência. Mas também, quando realizado, uma felicidade sem igual. Por outro lado, produz grave desilusão quando o ser humano identifica uma realidade finita como sendo o objeto infinito desejado. Pode ser a pessoa amada, uma profissão sempre ansiada, uma propriedade, uma viagem pelo mundo ou uma nova marca de celular.
Não passa muito tempo e aquelas realidades desejadas lhe parecem ilusórias e apenas fazem aumentar o vazio interior, grande do tamanho de Deus. Como sair deste impasse tentando equacionar o infinito do desejo com o finito de toda realidade? Vagar de um objeto a outro, sem nunca encontrar repouso? O ser humano tem que se colocar seriamente a questão: qual é o verdadeiro e obscuro objeto de seu desejo? Ouso responder: este é o Ser e não o ente, é o Todo e não a parte, é o Infinito e não o finito.
Depois de muito peregrinar, o ser humano é levado a fazer a experiência do cor inquietum  de  Santo Agostinho, o incansável homem do desejo e o infatigável  peregrino do Infinito. Em sua autobiografia,  As Confissões  testemunha com comovido sentimento:
Tarde  te amei,  ó Beleza tão antiga e tão nova.Tarde  te amei. Tu me tocaste e eu ardo de desejo de tua paz. Meu coração inquieto não descansa enquanto não respousar em ti (livro X, n.27).
Aqui temos  descrito o percurso do desejo que busca e encontra  o seu obscuro objeto sempre desejado, no sono e na vigíla. Só o Infinito se adequa ao desejo infinito do ser humano. Só então termina a viagem rumo ao coração e começa o sábado do descanso  humano e divino.

Leonardo Boff é teólogo e filósofo e escreveu Tempo de Transcendência: o ser humano como  projeto infinito,  Vozes 2002.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Papa Francisco ataca duramente o atual estágio do Capitalismo



Carlos Antonio Fragoso Guimarães

 O Papa Francisco acabou de publicar seu mais duro e "polêmico" documento: o Evangelii Gaudium é um texto em que o Papa, demonstrando forte conhecimento de sociologia e economia, ataca duramente o capitalismo, em seu atual estágio "neoliberal".

 Para ele, o atual estágio neoliberal, iniciado por Reagan e Teacher nos anos 80 com base nas ideais de Friedmann sobre o Estado Mínimo e desregulamentação dos mercados (incluindo o financeiro, que levou ao estouro da bolha e à crise de 2008), em sua voracidade exploratória do homem e do meio ambiente, sem nenhuma forma de controle, expõe uma "nova tirania" que, ao contrário das promessas pós "fim da História" de 89, acentuaram os processos de exclusão, violência, alienação, degradação ambiental e mal-estar generalizado.

Francisco foi enfático:

"Assim como o mandamento ' Não Matarás' põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer: Não a uma economia de exclusão e da desigualdade social. Esta economia mata!"
 Em outra passagem, Francisco é ainda mais claro, ao apontar, na prática, o neocolonialismo exploratório bem embutido dentro do neoliberalismo, que se faz surdo ao sofrimento que provoca, até mesmo sob a máscara do discurso de imposição da "democracia", mas que na verdade, é uma maquiagem a interesses imperialistas:

"Às vezes trata-se de ouvir o clamor de povos inteiros, dos povos mais pobres da terra, porque «a paz funda-se não só no respeito pelos direitos do homem, mas também no respeito pelo direito dos povos». Lamentavelmente, até os direitos humanos podem ser usados como justificação para uma defesa exacerbada dos direitos individuais ou dos direitos dos povos mais ricos. Respeitando a independência e a cultura de cada nação, é preciso recordar-se sempre de que o planeta é de toda a humanidade e para toda a humanidade, e que o simples fato de ter nascido num lugar com menores recursos ou menor desenvolvimento não justifica que algumas pessoas vivam menos dignamente. É preciso repetir que «os mais favorecidos devem renunciar a alguns dos seus direitos, para poderem colocar, com mais liberalidade, os seus bens ao serviço dos outros». Para falarmos adequadamente dos nossos direitos, é preciso alongar mais o olhar e abrir os ouvidos ao clamor dos outros povos ou de outras regiões do próprio país. Precisamos de crescer numa solidariedade que «permita a todos os povos tornarem-se artífices do seu destino», tal como «cada homem é chamado a desenvolver-se."
A mídia comprometida com os interesses neoliberais fez o que pode para diminuir o impacto destas palavras, destacando as posições mais tradicionais de Francisco, especialmente no que se refere ao aborto e ao sacerdócio feminino. Muito embora Francisco tenha minimizado os exageros um tanto histéricos dos tradicionalistas, é claro que ele não poderia ir muito longe nestes dois pontos, tendo em vista que ele pretende fazer uma reforma de peso na Igreja, e não iria dar munição aos reacionários.

 Ainda assim, no mesmo texto, Francisco demonstra explicitamente que baterá de frente com estes mesmos reacionários ao afirmar, e não de agora, que é urgente de uma Reforma na Igreja, na tentativa de resgatar a mensagem de solidariedade e fraternidade do evangelho, perdida nos meandros do labirinto hierárquico da monarquia católica, demonstrando de forma clara sua luta contra a exploração, a exclusão e a pobreza, em especial criadas e alimentadas pelo capitalismo.

 O documento, em sua tradução em espanhol, pode ser lido neste  link: Evangelli Gaudium (Alegria do Evangelho).

 Cabe, agora, esperar as inevitáveis críticas dos extremistas de direita de setores midiáticos reacionários, em especial da Revista Veja com seus articulistas fascistas.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Leonardo Boff: "Por que tentam ferir letalmente o PT?"



Fonte: Aldeia Nago, seção "Dando o que falar"


Há um provérbio popular alemão que reza: “você bate no saco mas pensa no animal que carrega o saco”. Ele se aplica ao PT com referência ao processo do “Mensalão”. Você bate nos acusados mas tem a intenção de bater no PT. A relevância espalhafatosa que o grosso da mídia está dando à questão, mostra que o grande interesse não se concentra na condenação dos acusados, mas através de sua condenação, atingir de morte o PT. 

De saída quero dizer que nunca fui filiado ao PT. Interesso-me pela causa que ele representa pois a Igreja da Libertação colaborou na sua formulação e na sua realização  nos meios populares. Reconheço com dor que quadros importantes da direção do partido se deixaram morder pela mosca azul do poder e cometeram irregularidades inaceitáveis. Muitos sentimo-nos decepcionados, pois depositávamos neles a esperança de que seria possível resistir às seduções inerentes ao poder. Tinham a chance de mostrar um exercício ético do poder na medida em  que  este poder reforçaria o poder do povo que assim se faria participativo e democrático. Lamentavelmente houve a queda. Mas ela nunca é fatal. Quem cai, sempre pode se levantar. Com a queda não caiu a causa que o PT representa: daqueles que vem da grande tribulação histórica sempre mantidos no abandono e na marginalidade. Por políticas sociais consistentes, milhões foram integrados e se fizeram sujeitos ativos. Eles estão inaugurando um novo tempo que obrigará  todas as forças sociais a se reformularem e também a mudarem seus hábitos políticos.

Por que muitos resistem e tentam ferir letalmente o PT? Há muitas razões. Ressalto  apenas duas decisivas.
A primeira tem a ver com uma questão de classe social. Sabidamente temos elites econômicas eintelectuais das mais atrasadas do mundo, como soia repetir Darcy Ribeiro. Estão mais interessadas em defender privilégios do que garantir direitos para todos. Elas nunca se reconciliaram com o povo.

 Como escreveu o historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma no Brasil 1965,14) elas “negaram seus direitos, arrasaram sua vida e logo que o viram crescer, lhe negaram, pouco a pouco, a sua aprovação, conspiraram para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continuam achando que lhepertence”. Ora, o PT e Lula vem desta periferia. Chegaram democraticamente ao centro do poder. Essas elites tolerariam Lula no Planalto, apenas como serviçal, mas jamais como Presidente. Não conseguem digerir este dado inapagável. Lula Presidente  representa uma virada de magnitude histórica. Essas elites perderam. E nada aprenderam. Seu tempo passou. Continuam conspirando, especialmente, através de uma mídia e de seus analistas,  amargurados por sucessivas derrotas como se nota nestes dias, a propósito de uma entrevista montada de Veja contra Lula. Estes grupos sepropõem apear o PT do poder e  liquidar  com  seus líderes.

A segunda razão está em seu arraigado conservadorismo. Não quererem mudar, nem se ajustar ao novo tempo. Internalizaram a dialética do senhor e do servo. Saudosistas, preferem se alinhar de forma agregada e subalterna, como servos,  ao senhor que hegemoniza a atual fase planetária: os USA e seus aliados, hoje todos em crise de degeneração. Difamaram a coragem de um Presidente que mostrou a autoestima e a autonomia do país, decisivo para o futuro ecológico e econômico do mundo, orgulhoso de seu ensaio civilizatório racialmente ecumênico e pacífico. Querem um Brasil menor do que eles para continuarem a ter vantagens.

Por fim, temos esperança. Segundo Ignace Sachs, o Brasil, na esteira das políticas republicanas inauguradas pelo do PT e que devem ser ainda aprofundadas, pode ser a Terra da Boa Esperança, quer dizer, uma pequena antecipação do que poderá ser a Terra revitalizada, baixada da cruz e ressuscitada. Muitos jovens empresários, com outra cabeça, não sedeixam mais iludir pela macroeconomia neoliberal globalizada. Procuram seguir o novo caminho  aberto pelo PT e pelos aliados de causa. Querem produzir autonomamente para o mercado interno, abastecendo os milhões de brasileiros que buscam um consumo necessário, suficiente e responsável e assim poderem viver um desafogo com dignidade e decência. Essa utopia mínima é factível. O PT  se esforça por realizá-la. Essa causa não pode ser perdida em razão da férrea resistência de opositores  superados porque é sagrada demais pelo tanto de suor e de sangue que custou.

Leonardo Boff é teólogo, filósofo, escritor e doutor honoris causa em política pela Universidade de Turim por solicitação de Norberto Bobbio.

Cristianismo esquizofrênico


Texto do

Pe. Alfredo J. Gonçalves 
 

Fonte: Adital 

 O termo esquizofrenia provém do universo da psicologia ou da psicoterapia. De acordo com os dicionários da língua portuguesa, designa "uma demência precoce caracterizada por distúbios da afetividade”, ou também "uma desintegração da personalidade humana”. Transposto ao campo religioso, pode ser utilizado como metáfora para definir aqueles que, implícita ou explicitamente, costumam separar a fé do comportamento prático, seja este de ordem pastoral, socioeconômico ou político-cultural.


Atualmente constituem uma boa fatia dos que se declaram "cristãos”. Normalmente participam dos sacramentos, das práticas religiosas, do culto da Palavra ou da eucaristia, ao mesmo tempo que, no mundo dos negócios, do lugar em que moram e do trabalho, o seu modo de ser não sofre qualquer influência da mensagem evangélica. 

Com frequência, apreciam e admiram as palavras do Papa, do sacerdote, do pastor ou de qualquer outra autoridade religiosa (por exemplo), mas isso não significa aceitá-las na prática. Conseguem estabelecer uma distância razoável entre o "autodefnir-se como cristão” e o "viver como cristão”. No geral, revelam-se capazes de blindar a própria existência contra as exigências de uma fé levada verdadeiramente a sério, subtraindo-se às consequências da mesma. De resto, em grau maior ou menor, essa distância entre fé e vida existe em todos nós. "Tra il dire e il fare in mezzo c’è il mare”, diz um provérbo italiano.



No caso específico do catolicismo, a fé em Jesus Cristo torna-se um sentimento de natureza privada, intimista e espiritualizante, sem implicações diretas no contexto histórico em que a pessoa se encontra inserida. 

Prevalece um dualismo muitas vezes inconsciente: enquanto o "encontro com Deus” na oração pessoal, na piedade comunitária ou na celebração eucarística adquire um caráter estático de êxtase e fácil entusiasmo, o "encontro com os irmãos” mantém-se frio e indiferente diante da injustiça e da opressão, do sofrimento e da exclusão social. 

Não é incomum encontrar grandes empreendedores e renomadas autoridades (na área das finanças, da agro-indústria, das telecomunicações, da mineração, da política e das redes comerciais – só para citar alguns exemplos) que se revelam assíduos na oração e na missa, mas contemporaneamente não exitam em pagar salários irrisórios, em manter enormes latifúndios, em apropriar-se indevidamente da rex publica ou em explorar a mão-de-obra fácil e barata, quando não infantil ou de imigranes irregulares.

Perto de Deus, sem dúvida, mas distantes do próximo e mais ainda daqueles que incomodam! Até que ponto isso é possível numa fé evangelicamente autêntica? Ou ainda, esse deus (com letra minúscula) não será um ídolo facilmente manipulável? Evidente que, embora em doses diferenciados, a mesma atitude se repete em todos os extratos e classes sociais. 

Chegamos ao extremo de "uma descrença objetiva”, ao lado de uma "piedade subjetiva”, diz com acerto o teólogo alemão Jurgen Moltmann (Teologia da esperança). Afirma ainda o mesmo autor: "A vida interior feita de relações diretas e incomunicáveis entre a existência e a transcendência, caminha pari e passo com o desprezo das coisas exteriores, consideradas absurdas, privadas de senso e iníquas”. A relação com Deus desvincula-se da relação com os outros, como se rezar o "Pai nosso” não implicasse um combate coletivo e fraterno pela busca do "pão nosso de cada dia”. De fato, se o Pai é "nosso”, o pão jamais poderá ser "meu”. A fé divorcia-se da vivência eclesial e da ação social.

A oração diante do Cristo Ressuscitado se interioriza numa forte sensação de louvar ao Deus eternamente presente e glorioso, a ponto de desinteressar-se por completo de qualquer compromisso com a realidade que nos cerca. 

Instala-se uma clara dicotomia entre a vivência da fé, às vezes eufórica e exagerada, por um lado, e, por outro, a ação pessoal, social ou política nos embates da existência, na família, no grupo de amigos, enfim, no cotidiano da vida. Ambas parecem linhas paralelas de uma ferrovia, ou seja, linhas que jamais se cruzam e menos ainda se interpelam. Pior ainda, a vida privada e a vida pública correm o risco de dissociar-se a tal ponto de uma sequer reconhecer a outra. O que eu sou em casa e na Igreja, digamos, é uma coisa; o que eu sou ou como vivo la fora, é outra. Dois tipos de comportamento fragmentados, não raro em contradição entre si. Quantas vezes o escândalo de um representante de alto escalão da política, dos negócios ou da religião, quanto escancarado pela mídia, revela essa dupla face da mesma pessoa!

Nas cartas de Paulo, particularmente na Primeira aos Coríntios, o apóstolo combate esse êxtase falso de uma expectativa imediata do Reino – próprio da Igreja primitiva – como se a segunda vida de Cristo estivesse às portas. Semelhante expectativa levava os cristãos a desinteressar-se das "coisas do mundo”, para refugiar-se numa atitude de fé estéril e descompromissada. Ao invés de uma preocupação pela transformação do mundo, prevalecia o seu abandono puro e simples. Por que fazer algo se o fim está proximo! Basta esperar o Senhor! Vem, Senhor Jesus! Se, por uma parte, é verdade que Cristo ressuscitou dos mortos e está vivo, diz Paulo, por outra, também é certo que nós permanecemos sujeitos às incongruências e contradições deste mundo, submetidos ao domínio do pecado e da morte. 

Experimentamos o "já” da ressureição de Jesus como antecipação da glória futura e, ao mesmo tempo, o "ainda não” que mantém o corpo e o espírito na expectativa do cumprimento da promessa expressa na vinda gloriosa. O apóstolo enfatiza uma diferença fundamental, muitas vezes pouco levada a sério. Enquanto Cristo passou pelo processo da cruz e da ressurreição, nós ainda vivemos sob o signo do sofrimento e da cruz. 

Não podemos abandonar sem mais a "carne do mundo” (Bruno Forte) onde se encontram tantos irmãos e irmãs crucificados. Parafraseando Paulo Freire, ninguém se salva sozinho, ninguém salva ninguém; todos nos salvamos juntos. Caminhamos nas trevas, à sombra da cruz, tendo na mão a chama da ressurreição do Messias, na fé e na esperança de nossa própria ressurreição e da instalação definitiva do Reino de Deus. Vale insistir, a promesa que nos impele à ação no mundo "já” se fez presente em Jesus morto e ressuscitado, mas "ainda não” se cumpriu em nós mesmos. Daí a exigência de uma fé que se desdobre em prática transformadora diante de uma sociedade que contradiz o plano de Deus.

Por isso é que a fé e a esperança conduzem ambas à prática da caridade. Enquanto estamos a caminho, não podemos separar "justos e injustos”, "fiéis e infiéis”, "puros e impuros”, "salvos e perdidos”, "Deus e o mundo” – como âmbitos absolutamente contrários e com fronteiras precisas. 

Não podemos cruzar os braços diante de uma sociedade fortemente marcada pelo individualismo e o egoísmo, o sofrimento e a morte. Fugir deste contexto é abandonar o mundo onde foi erguida a cruz de Cristo, no Calvário, e onde estão plantadas hoje as cruzes de milhões de pessoas, a imensa multidão dos "sem”: sem terra e sem trabalho, sem nome e sem endereço, sem pão e sem escola, sem direitos e sem pátria. Buscar o céu e o rosto de Deus sem passar pelo rosto desfigurado dos pobres e excluídos é o mesmo que tomar um falso atalho para a fé a partir da Boa Nova do Evangelho e de toda a Bíblia como Palavra de Deus. "Onde está teu irmão Abel?” – perguntará novamente o Senhor! E que responderemos? Não vale repetir a mesma desculpa de Caim: "por acaso sou eu o guarda de meu irmão!” Sim, na família cristã, somos todos responsáveis uns pelos outros, guardiães uns dos outros.

Alguns tipos de oração, de exercícios de piedade e de louvor e, por outro lado, algumas formas de comportamento dos participantes de certos movimentos religosos, surgidos nas últimas décadas, tendem a essa dicotomia. Do nosso lado estão os que "encontraram Jesus”; do lado de fora os que vivem nas trevas do erro e do pecado. Trata-se de um dualismo que remete ao famigerado conceito de maniqueísmo, segundo o qual o bem e o mal, o certo e o errado encontram-se em lados diametralmente opostos. Na prática de Jesus e nas cartas de Paulo, contudo, todos estamos a caminho, na tensão entre o pecado e a graça, a dor e a esperança, a danação e a salvação.

 Ninguém se encontra definitivamente salvo e ninguém definitamente condenado. Estamos todos sujeitos às pedras e espinhos da estrada, às relações conflitivas com os outros e ao ambiente histórico em que vivemos e nos movemos. E todos somos chamados, diária e simultaneamente, a uma resposta diante do apelo evangélico e à solidariedade com os pobres, os pecadores, os mais necessitados, os últimos, como não se cansa de lembrar o Papa Francisco. Como conclusão, resulta que fé e compromisso pastoral, social e político são indissociáveis.

Roma, Itália, 16 de novembro de 2013.


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O ódio dos filhinhos de papai acéfalos, amamentados pelo leite podre da mídia amestrada e golpista, à esquerda



Segue, para reflexão, importante texto do jornalista Marco Piva, retirado do site da Revista Fórum:

STF gera ovo da serpente


Mas, afinal o que está em jogo quando um país que não conseguiu punir um único torturador da ditadura militar aplaude a prisão, em plena vigência da democracia, de pessoas que combateram essa mesma ditadura?
Por Marco Piva


Leio os comentários de notícias veiculadas na imprensa sobre a decretação da prisão dos réus da Ação Penal 470, conhecida vulgarmente como “mensalão”, e me assusto com o nível do debate que se avizinha para 2014. Um exemplo. Na matéria “Pena é injusta, diz José Dirceu em carta aos brasileiros”, divulgada no site baiano A Tarde e reproduzida no Estadao.com, três comentários, entre outros, dão a exata medida do ovo da serpente em gestação no Brasil. Vejamos: “Sr. José Dirceu, concordo que a pena foi injusta. Regime semiaberto é muito pouco pra você. Você é um bandido muito perigoso e truculento. Merecia mais, muito mais…” (Marcos Felix Valverde, 16/112013, às 10h35). Pouco antes, às 10h03,Jorge Manoel dos Santos Costa afirmou categórico: “Realmente a pena é injusta para aqueles que necessitavam dos recursos subtraídos por este lalau”. Às 9h42 desse mesmo dia (16/11), José de Barros Nascimento decretava: “LUGAR DE LADRÃO É NA CADEIA, MUDA BRASIL”. Assim mesmo, em letras garrafais.
Não tenho a menor ideia se essas pessoas existem de verdade, se pensam da maneira que escrevem ou ainda se são simplesmente reprodutores do que ouvem e leem na mídia. O fato é que não se pode desprezar tamanha virulência na exigência do cumprimento de uma condenação baseada em um processo questionável que negou o duplo grau de jurisdição, pilar fundamental do direito de defesa em um estado democrático. Não foi outro o motivo que levou Henrique Pizzolato a se decidir pela fuga para a Itália, onde, como cidadão italiano, poderá ter um novo julgamento “em um Tribunal que não se submete às imposições da mídia empresarial”.
O “mensalão” foi um apelido dado pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB/RJ) a um suposto esquema de pagamento de parlamentares para aprovação de projetos de interesse do governo do ex-presidente Lula. Dito isto em uma entrevista exclusiva ao jornal Folha de S. Paulo, virou jargão político e serviu como mote para uma batalha ideológica da oposição e da mídia que contaminou a sociedade e, por que não dizer, o próprio STF.
Mas, afinal o que está em jogo quando um país que não conseguiu punir um único torturador da ditadura militar aplaude a prisão, em plena vigência da democracia, de pessoas que combateram essa mesma ditadura? É difícil entender essa situação para quem, como eu e tantos outros, nos debruçamos desde a nossa juventude, quase adolescência, a restituir a liberdade usurpada pelo golpe cívico-militar de 31 de março de 1964.
Mais difícil ainda de entender quando, conquistada essa liberdade e o estado de direito, as elites conservadoras e reacionárias de sempre fazem valer sua versão de que a corrupção é o mal de todos os males do sistema político e que, portanto, merece punição exemplar. Ora, quem em sã consciência é contra essa bandeira? Ocorre que a história do “mensalão” é contada pela metade porque os denunciados são seletivamente nomeados e as provas, questionáveis, até mesmo por juristas antipetistas como Ives Granda da Silva.
Nesse sentido, a fuga de Henrique Pizzolato para a Itália constitui a novidade nesse processo que ainda não terminou. Sem ele, não haveria condenação porque a base da Ação Penal 470 está baseada no suposto uso do dinheiro público para pagamento de parlamentares. O ex-diretor do Banco do Brasil apresentou esclarecimentos essenciais que, caso houvesse um julgamento isento de pressões políticas e midiáticas, o chamado “mensalão” tomaria outro rumo. Vejamos o que diz Pizzolato: 1) que a verba de publicidade da Visanet foi utilizada de acordo com o contrato e auditada; 2) que a liberação da verba passava pela aprovação de um comitê formado por três pessoas com cargos hierarquicamente semelhantes; 3) que, sendo assim, por que somente ele foi arrolado como réu?; 4) que a Visanet é constituída por sócios privados e públicos e não somente pelo Banco do Brasil, seu principal acionista; 5) que a auditoria interna do Banco do Brasil constatou a legalidade da ação de Pizzolato no episódio.
Nenhum desses argumentos foram considerados pelo relator do caso, Joaquim Barbosa, que preferiu não incluí-los no processo, fatiando a Ação Penal 470 exatamente para torná-la o que acabou sendo: uma peça intimidatória, juridicamente questionável, porém politicamente eficaz porque garantiu a tese de que houve desvio de dinheiro público.
Caso Pizzolato de fato consiga um novo julgamento na Itália e sustente suas argumentações, terá boas chances de ser inocentado e abrir um novo caminho para parte dos réus que agora cumprem suas penas. Claro está que não faltarão aqueles que ressuscitarão o tema da não extradição de Cesare Battisti para confundir o que de verdade está em jogo. Mas, uma coisa é certa: o destino da cena política brasileira, especialmente a disputa eleitoral de 2014, se transferiu momentaneamente para a Itália.
Marco Piva é jornalista.
PS. Segue nota divulgada por Henrique Pizzolato para justificar sua fuga para a Itália.
Nota Pública de Henrique Pizzolato
Minha vida foi moldada pelo princípio da solidariedade que aprendi muito jovem quando convivi com os franciscanos e essa base sólida sempre norteou meus caminhos.
Nos últimos anos, minha vida foi devassada e não existe nenhuma contradição em tudo o que declarei seja em juízo ou nos eventos públicos que estão disponíveis na internet.
Em meados de 2012, exercendo meu livre direito de ir e vir, eu me encontrava no exterior acompanhando parente enfermo quando fui, mais uma vez, desrespeitado por setores da imprensa.
Após a condenação decidida em agosto, retornei ao Brasil para votar nas eleições municipais e tinha a convicção de que no recurso eu teria \êxito, pois existe farta documentação a comprovar minha inocência.
Qualquer pessoa que leia os documentos existentes no processo constata o que afirmo.
Mesmo com intensa divulgação pela imprensa alternativa – aqui destaco as diversas edições da revista Retrato do Brasil – e por toda a internet, foi como se não existissem tais documentos, pois ficou evidente que a base de toda a ação penal tem como pilar, ou viga mestra, exatamente o dinheiro da empresa privada Visanet. Fui necessário para que o enredo fizesse sentido. A mentira do “dinheiro público” para condenar… Todos. Réus, partido, ideias, ideologia.
Minha decepção com a conduta agressiva daquele que deveria pugnar pela mais exemplar isenção, é hoje motivo de repulsa por todos que passaram a conhecer o impedimento que preconiza a Corte Interamericana de Direitos Humanos ao estabelecer a vedação de que um mesmo juiz atue em todas as fases de um processo, a investigação, a aceitação e o julgamento, posto a influência negativa que contamina a postura daquele que julgará.
Sem esquecer o legítimo direito moderno de qualquer cidadão em ter garantido o recurso a uma corte diferente, o que me foi inapelavelmente negado.
Até desmembrarem em inquéritos paralelos, sigilosos, para encobrir documentos, laudos e perícias que comprovam minha inocência, o que impediu minha defesa de atuar na plenitude das garantias constitucionais. E o cúmulo foi utilizarem contra mim um testemunho inidôneo.
Por não vislumbrar a minha chance de ter um julgamento afastado de motivações político-eleitorais, com nítido caráter de exceção, decidi consciente e voluntariamente, fazer valer meu legítimo direito de liberdade para ter um novo julgamento, na Itália, em um Tribunal que não se submete às imposições da mídia empresarial, como está consagrado no tratado de extradição Brasil e Itália.
Agradeço com muita emoção a todos e todas que se empenharam com enorme sentimento de solidariedade cívica na defesa de minha inocência, motivados em garantir o estado democrático de direito que a mim foi sumariamente negado.

sábado, 16 de novembro de 2013

Sócrates sobre a injustiça.... atual em tempos de Joaquim Barbosa



Segue o vídeo e o texto de seu conteúdo sobre a pantomima midiática do "Mensalão" e o encobrimento de danos mais graves à nação efetuados pela direita golpista de agora:



Há quem diga ser uma farsa o julgamento do chamado "mensalão". Não, não é uma farsa. É fruto de fatos. Ou era mesada, o tal "mensalão", ou era caixa dois. Mas não há como dizer que há uma farsa. E quem fez, que pague o que fez. A farsa existe, mas não está nestes fatos.

Farsa é: 14 anos depois, admitir a compra de votos para aprovar a reeleição em 98 -Fernando Henrique-, mas dizer que não sabe quem comprou. Isso enquanto aponta o dedo e o verbo para as compras agora em julgamento. A compra de votos existiu em 97. Mas não deu em CPI, não deu em nada.

Farsa é: fazer de conta que em 98 não existiram as fitas e os fatos da privatização da Telebras. É fazer de conta que a cúpula do governo não foi gravada em tramóias escandalosas num negócio de R$ 22 bilhões. Aquilo derrubou um pedaço do governo tucano. Mas não deu em CPI. Ninguém foi preso. Não deu em nada.

Farsa é: esquecer que nos anos PC Farias se falava em corrupção na casa do bilhão. Isso no governo Collor; eleito com decisivo apoio da mídia. À época, a polícia federal indiciou 400 empresas e 110 grandes empresários. A justiça e a mídia esqueceram o inquérito de 100 mil páginas, com os corruptos e os corruptores. Tudo prescreveu. Fora o PC Farias, ninguém pagou. Isso foi uma farsa.

Farsa foi, é o silêncio estrondoso diante do livro "A Privataria Tucana". Livro que, em 115 páginas de documentos de uma CPI e investigação em paraísos fiscais, expõe bastidores da privatização da telefonia. Farsa é buscar desqualificar o autor e fazer de conta que os documentos não existem ou "são velhos". Como se novas fossem as denúncias agora repisadas nas manchetes na busca de condenações a qualquer custo. 

Farsa é continuar se investigando os investigadores e se esquecer dos fatos que levaram à operação Satiagraha. Operação desmontada a partir da farsa de uma fita que não existiu. Fita fantasma que numa ponta tinha Demóstenes Torres e a turma do Cachoeira. E que, na outra ponta da conversa que ninguém ouviu, teve o ministro Gilmar Mendes.

Farsa é, anos depois de enterrada a Satiagraha, o silêncio em relação a US$ 550 milhões de dólares. Sim, por não terem origem comprovada, US$ 550 milhões continuam retidos pelo governo dos EUA e da Inglaterra. E o que se ouve, se lê ou se investiga? Nada. Tudo segue enterrado. Em silêncio.

O julgamento do chamado "mensalão" não é uma farsa. Farsa é isolá-lo desses outros fatos todos e torná-lo único. Farsa é politizá-lo ainda mais. Farsesco é magnificá-lo, chamá-lo de "maior julgamento da história do Brasil". 

Enquanto isso, na Sala de "Justiça", o super paladino pesa suas ações...


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Maria Inês Nassif: "STF, um bunker poderoso incrustrado no coração da democracia"




Escrevo com atraso a segunda coluna sobre as dificuldades da oposição partidária brasileira (leia aqui a primeira, O canto do cisne do PSDB e do DEM), mas isso pode ter sido providencial. Coincide com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de decretar a prisão dos condenados do chamado Mensalão sem o trânsito em julgado de toda a ação.

As pessoas que concordam com a intromissão do STF em assuntos que a Constituição define como de competência do Legislativo dizem que os ministros do STF legislam porque o Congresso não cumpre a sua função. Se for possível sofismar sobre essa máxima, dá para concluir que o STF age como oposição porque os partidos políticos, que deveriam fazer isso, não conseguem atuar de forma eficiente e se constituírem em opção de poder pelo voto.

O Supremo, na maioria das vezes em dobradinha com o Ministério Público, tem atuado para consolidar um poder próprio, que rivaliza com o Executivo e o Legislativo, isto é, atua em oposição a poderes constituídos pelo voto.

Tornou-se um bunker poderoso incrustado no coração da democracia, que mais colabora para manter as deficiências do sistema político do que para saná-las; e que mais se consolida como uma instância máxima de ação política do que como uma instituição que deve garantir justiça.

Essas afirmações não são uma opinião, mas uma constatação. O STF, nos últimos 11 anos, a pretexto de garantir direito de minorias, legislou para manter o quadro partidário fragilizado nas ocasiões em que o Legislativo – que não gosta muito de fazer isso – tentou mudá-lo. Como magistrado, seleciona réus e culpados e muda critérios e regras de julgamento para produzir condenações e dar a elas claro conteúdo político. O julgamento do caso do chamado Mensalão do PT foi eivado de erros, condenou sem provas e levará para cadeia vários inocentes. Casos de corrupção que envolvem partidos de oposição caminham para a prescrição.

Como legislador, o STF derrubou as tentativas do Congresso de fazer valer as cláusulas de barreira para funcionamento dos partidos no Legislativo, votadas pela Constituinte de 1988 e que foram adiadas ao longo do tempo. Elas serviriam para “enxugar” o quadro partidário das legendas de aluguel.

Em 2008, o Supremo referendou decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de que perderia o mandato o político que, eleito por um partido, migrasse para outro depois da eleição. Embora teoricamente defensável, a decisão de obrigar políticos eleitos à fidelidade partidária apenas fechou a porta usada regularmente pelo políticos para reacomodação do quadro partidário depois das eleições, ou de interesses políticos nas vésperas de um novo pleito.

Num sistema político-partidário imperfeito como o brasileiro, a possibilidade de trocar de legenda era fundamental para o político.  Dada a dificuldade dos políticos eleitos por partidos tradicionais de sobreviver sem o apoio do governo federal, era comum que, empossado um novo governo, houvesse uma migração de políticos oposicionistas para partidos da base aliada.

Isso manteve inalterado o número de partidos por um bom par de anos, embora em número excessivo; e dava um certo fôlego aos novos governos para compor maiorias parlamentares cuja ausência, num sistema político como o brasileiro, pode inviabilizar um governo.

Na ausência dessa brecha, e sem  que houvesse mudanças no sistema político que tornassem adequadas as punições para infidelidade partidária, a decisão do STF escancarou outra porta: abriu uma única exceção para a migração parlamentar, a criação de um novo partido.
O PSD foi criado pelo grupo do ex-prefeito Gilberto Kassab em 2010, logo após as eleições, para dar uma alternativa aos integrantes do DEM que constataram que a desidratação eleitoral do ex-PFL naturalmente levaria o partido à extinção, mesmo com o nome novo; e que passar mais quatro anos na oposição, para a maioria dos políticos que lá estavam, também era uma sentença de morte.
O PSD foi uma acomodação pós-eleitoral. A criação do Solidariedade e do PROS (e da Rede também, se o partido de Marina Silva tivesse obtido registro no TSE) serviram à acomodação pré-eleitoral no quadro partidário.

Se tudo continuar como está, os períodos de reacomodação das forças políticas sempre exigirão a criação de novas legendas.

O STF foi o artífice de um novo processo de pulverização partidária que certamente tornará mais frágil o quadro partidário e mais deficiente a ação legislativa. E tem inibido o Congresso de legislar sobre partidos e eleições, quase que fixando os dois temas como reserva de mercado do Judiciário.

A decisão do ministro Gilmar Mendes, este ano, de sustar a tramitação de um projeto no Legislativo que impedia ao parlamentar que mudasse para outro partido levar junto o seu correspondente em Fundo Partidário e horário eleitoral gratuito (que ficaria com o partido pelo qual foi eleito), foi uma barbaridade jurídica que, se não tinha muito futuro no plenário do SFT, surtiu o efeito de intimidar o Parlamento de seguir adiante.

Diante desses fatos, é possível concluir, sem margem de erro, que não apenas os interesses dos integrantes do Congresso estão em desacordo com uma reforma política. Um risco igualmente grande de fracasso de uma mudança legal efetiva no sistema partidário e eleitoral reside no Poder Judiciário.
No caso do Mensalão, o STF não julgou. Os réus já estavam condenados antes que o julgamento se iniciasse. O hoje presidente do tribunal e relator da ação, Joaquim Barbosa, deu inestimável ajuda para que isso acontecesse. A orquestra tocou rigorosamente sob sua batuta, salvo o honroso desafino do revisor da ação, Ricardo Lewandowski.

Seria louvável se o julgamento servisse para mostrar à sociedade que até poderosos podem ser condenados, se o processo não deixasse dúvidas de sua intenção de fazer justiça. As condenações, todavia, foram fundamentadas em erros visíveis a olho nu. É um contrassenso: para fazer a profilaxia política, condena-se culpados, inocentes e quem estava passando por perto mas tinha cara de culpado.
Basta uma análise breve do julgamento para constatar que, não se sabe com que intenção, Barbosa construiu uma acusação sobre um castelo de cartas: como precisava existir dinheiro público para que a acusação de desvio de dinheiro público vingasse, forjou o ex-diretor de Marketing do BB, Henrique Pizzolato, como o “desviador” de uma enorme quantia do Fundo Visanet, que não era público e que não foi desviado.

Pizzolato vai para a cadeia sem que em nenhum momento, como diretor de Marketing, tivesse poder de destinar dinheiro do fundo. É uma situação tão absurda que as campanhas contratadas pela agência DNA, que servia por licitação feita no governo anterior ao Banco do Brasil, foram veiculadas pelos maiores órgãos de comunicação, que continuam a falar do desvio embora o dinheiro tenha entrado no caixa de cada um deles.

O STF considerou que a culpa de José Dirceu dispensava provas e que a assinatura de José Genoíno, então presidente do PT, num empréstimo feito pelo partido, que foi quitado ao longo desses anos e considerado legal pelo TSE na prestação de contas do partido, tornava o parlamentar culpado.

Foram decisões politicamente convenientes e aplaudidas por isso por parcela da população. Esse foi um erro cometido pela elite brasileira, um grande erro – e torço para que ela perceba isso a tempo. Condenar sem provas e sem evidências, quando o STF é a instituição que condena, pode se tornar uma regra, não uma exceção. Qualquer brasileiro poderá estar sujeito a isso a partir de agora. A visão subjetiva dos ministros do STF terá o poder de prevalecer sobre qualquer fato objetivo.

Esses dois padrões de decisão do STF só podem ser entendidos se tomados conjuntamente. São ações que dão sobrevida aos partidos de oposição, ao manter o partido do governo sob constantes holofotes, de preferência em vésperas de eleições; e ao mesmo tempo mantém os partidos enfraquecidos por constantes intervenções em leis eleitorais e partidárias, o que dá à mais alta Corte brasileira poder constante de intervenção sobre assuntos políticos.