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sexta-feira, 28 de maio de 2010



Mitologia, Filosofia e Espiritualidade a serem compreendidos no final de Lost

Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Lost foi, certamente, uma das séries mais instigantes e controversas - senão a mais - de tantas outras já produzidas.

Com um misto de aventura, drama, noções de filosofia, mergulho nos símbolos arquetípicos junguianos e muitas referências míticas, seguindo os padrões da "jornada do herói", tema recorrente encontrado no folclore de todas as culturas, a série Lost chegou ao seu final no dia 23 de maio.

Foram seis anos de histórias envolventes, pistas que levavam à diferentes direções, jogos mentais sobre questões científicas e filosóficas que envolveram milhões de pessoas ao redor do mundo, em um nível psicológico que talvez nem elas mesmas tivessem consciência, mas que vivenciaram no fato de terem se apaixonado pela série...

Ainda que a grande complexidade da trama - complexidade crescente que inevitalvelmente acabaria por deixar várias perguntas sem respostas, em um risco calculado para manter a série no ar por seis anos - levasse à um final que, para vários, deixou certa decepção no ar, grande parte do sucesso da série está em que muitos dos pontos em Lost tocavam em assuntos que, nos atuais dias de noeliberalismo selvagem, competitivo e alienante, trouxeram de volta a muitos espectadores aquele gostinho de beleza e magia que o mundo nos tira atualmente... E uma atenção maior aos episódios finais que puxavam por pistas dadas por diferentes episódios anteriores, de outras temporadas, demonstra que muitas das perguntas foram respondidas, ainda que não do modo discursivo e objetivo que a maioria esperava.

Veremos mais adiante algumas destas respostas-chaves que não foram percebidos pela maioria dos que assistiram à série.

Mas qual, afinal, o sentido simbólico ou metafórico de Lost?

Vamos começar pela estranha ilha que não estava no mapa, o que mostra que a conotação mítica se apresenta desde o início... A Ilha não parecia se localizar precisamente no espaço e, temporadas depois, soubemos que ela também podia transcender o tempo. Embora suas estranhas propriedades tivessem sido descobertas por militares e por alguns cientistas (a iniciativa Dharma, outro nome que nos remete a conceitos profundos, pois "Dharma" é um termo sânscrito do budismo que significa "caminho" ou, em um sentido mais popular, embora incorreto, "destino") - assim como as propriedades profundas da psique também o foram descobertos por alguns e é um mundo a ser explorado - a Ilha parecia ter a capacidade de permanecer relativamente oculta...

Essa camuflagem do transcendente no tirivial é um elemento do espaço mítico (vemos isso muito bem nas obras do filósofo, antropólogo e historiador das religiões romeno Mircea Eliade, em especial em seu livro O Sagrado e o Profano, publicado no Brasil pela Martins Fontes), onde a narrativa se desloca da concretude do físico para as possibilidades do universo simbóloco, como se faz presente os dizeres de abertura dos filmes de Guerra nas Estrelas - "Há muito tempo, em uma galáxia muito distante..." -, ou no era uma vez dos contos de fada e da mitologia, onde se faz referência a uma outra época ou a um outro mundo em que coisas mais vívidas podem ocorrer sem as limitações que nossa condicionada visão de mundo parece impor à realiade. A estranheza da ilha conseguia nos levar a um "mundo" onde a força metafórica das imagens e símbolos tinha, ao estilo das parábolas, muito a nos ensinar superando os limites triviais do mundo ordinário.

Metaforicamente, a Ilha é areferência aos "locais" que, nos dizeres de Mircea Eliade, psicologicamente dão sentido à existência, por serem a imagem da "terra de referência" onde "o espaço não é homogêneo: há rupturas, quebras; há porções de espaço qualitativamente diferente das outras" (ELIADE, O Sagrado e o Profano,Martins Fontes, p. 25). É a terra idealizada, seja ela a terra natal, ou das esperanças de um novo mundo por dar sentido à nossa vida, seja ela a terra dos acestrais, a terra prometida, a Utopia, Shangi-lá, o Éden perdido, a fazenda que visitamos uma vez e marcou nossa memória ou seja lá o que for.

Não dá para confirmar ou afirmar que os autores explicaram direta e objetivamente o que é a ilha de Lost, mas quantas coisas que conhecemos a gente consegue explicar, especialmente tudo o que é mais importante como, por exemplo, a vida?

Ainda assim, esta temporada final de Lost, assim como a vida, nos deixou algumas pistas. Ela seria uma espécie de centro do mundo, a "axi mundi" dos antigos, um vórtice ou "chacra" que conectaria a Terra com níveis energéticos mais elevados. Tal energia é representada pela água e pela luz da caverna ao qual Jacob, sua mãe adotiva e, depois deles, Jack, Hugo e Ben deveriam proteger.

A luz e a água sugerem os apsectos essenciais à vida e são encontrados em todas as mitologias religiosas do mundo. Quando Desmond, convencido por "Locke", interfere no equilíbrio eletromagnético da caverna de luz, há um desenquíbrio de forças que e a água para de correr, como na teoria chinesa do Chi nos meridianos da acumpuntura, e a Ilha - e talvez o mundo com ela - passa por um processo de perturbação.

A ilha de Lost era o local onde se vivia essa complementaridade de opostos, da luta entre bem e mal e que chega a transcender esta dualidade. No dizer da personagem que criou os gêmeos Jacob e do homem de preto, a Ilha "possui uma luz que existe em todos os corações humanos". São referências a imagens e símbolos figurados que tocam em assuntos profundos que são geralmente da ordem da filosofia e da religião, mas também da busca de sentido em um mundo desencatado e competitivo, que vitimou quase todos os personagens da série, do médico socialmente frustrado Jack, ao revoltado Sawyer, passando pela igualmente rebelde Kate, indo pelo ex-torturador Said, etc.

O aspecto mágico e desconhecido deste "centro do mundo" que era a Ilha logo atinçou o interesse pragmático dos poucos que conseguiaram perceber sua existência - militares, dos quais estavam Charles Widmore e a mãe de Daniel Faraday, Louise Faraday - e os cientistas e empresários da Iniciativa Dharma. Tudo o que havia de mágico e fantástico na ilha estava ligada àquela energia, sendo que todos os experimentos e bases tecnológicas montados ali tinham como objetivo estudar o controle da mesma. Em seu texto sobre Lost postado no portal Terra, "O que LOST te respondeu?" , Caio Fochetto escreve assim sobre tais tentativas:

"O homem tentando controlar magia e misticismo em prol de uma ciência moderna. E isso eu aplaudo em Lost. Enquanto muitos cobram uma explicação sobre o que é a luz e para que serve a Dharma, os caras simplesmente assumiram o quanto isso é inexplicável através desta instituição que não conseguiu prosseguir com suas pesquisas."


O Reecontro e a Recompensa no pós-vida

Rerências a mitoloogias clássicas não faltam na série. Quem a acompanha pôde perceber as constantes referências feitas, por exemplo, ao Egito antigo: os hieróglifos na escotilha da Dharma onde viva Desmond também se encontram no templo que conhecemos na sexta temporada, e a grande estátua da deusa Taueret onde Jacob morava.


A estátua de Taueret, ou melhor, sua perna, apareceu pela primeira vez na 2ª temporada. Quando das viagens no tempo dos personagens, ela foi revelada inteira no último episódio da 5ª temporada. Na mitologia egípcia, Taueret era a deusa da fertilidade e protetora dos navegantes e das embarcações. Não é à toa que o estranho navio de escravos "Black Rock", que trazia Richard (então Ricardo) prisioneiro, se arrebenta contra esta estátua. Além disso, Taueret era a esposa de Apep, um monstro em forma de serpente que travava uma batalha diária com o deus sol, Rá. Apep era considerado o deus do mal original, o que parece se associar com o monstro da fumaça que aparece na série.


Mas vamos além, nos atendo à mensagem presente ao final da série.

Ainda que a maioria dos que assistiram o os últimos capítulos tenham interpretado que os personagens morreram já na queda do avião no primeiro episódio, passando a história a se dar em uma espécie de limbo ou "purgatório", um melhor olhar nas cenas e, principalmente, nos diálogos entre os personagens mostram outra coisa, apontando para uma direção bem diferente, direção que, coincidentemente no ano em que, no Brasil, os temas espiritualistas estão bastante em voga, toca na questão do sentido espiritual da existência humana...

Vejamos:

Em meio às cenas finais dos personagens em um "Universo paralelo" e das ações heróicas contra o mal na ilha, temos o rápido, mas muito importante diálogo entre Hurley e Benjamin Linus na ilha, quando Hurley assume a função de protetor da ilha após o heróico sacrifício de Jack. Ali, naquele momento, houve o início de algo, uma transformação em Ben, um vilão até então, cujo lado positivo se fez ver no "outro" Ben (O Dr. Ben, professor no "universo paralelo") mas que foi reconhecido por Hurley na ilha ao convidá-lo para o ajudar na sua missão de protetor da Ilha. Pelas pistas dadas - e pelo final, no encontro da Igreja - Hurley e Ben cumpriram a missão de protetores e viveram na ilha por algum tempo, sendo Hurley o novo Jacob, e Ben o novo Richard. O que nos faz pensar que, finalmente, houve o ponto de mutação para Ben, já que a ilha, que era sua obsessão, sua referência, finalmente lhe traria o propósito a que, por tanto tempo, buscou obter na vida.

Logo depois, vemos ambos no "universo paralelo" dialogando em frente à Igreja onde Jack foi levado por Kate... Na comparação com os dois diálogos, temos a também a pista de que os eventos que todos vivenciaram na ilha foram “reais” e que eles estavam discutindo um passado em comum recentemente recordado, uma realidade que se constitui em vivência significativa que os uniu a todos - "Você foi um excelente número dois", diz um amadurecido Hurley a Ben, que, estraordinariamente modificado, responde que Hurley foi um "excelente número um", referindo-se a seu papel como protetor da ilha - que ficou um tanto no ar, mas que parece que será mostrado na versão em DVD/Blue Ray da série.

A conversa decisiva de Jack com seu "falecido" pai, Christian, deixa claro que todos os personagens morreram em tempos diferentes – e não quando o avião caiu no primeiro episódio, como alguns fãs equivocadamente interpretaram. Mas a chave está na afirmação de Christian: "A parte mais importante de sua vida foi quando você esteve ao lado deles"."Todo mundo morre um dia", diz o pai de Jack. E foi exatamente o que aconteceu. Todos os que passaram pela ilha morreram, um dia. Alguns dos que se reencontram na Igreja morreram durante o decorrer da história, nas diferentes temporadas, como Boone, Liebe, Shannon e, finalmente, Jack, no último episódio. Outros, como Ana Lucia, segundo Hurley, ou Daniel Farady Widmore, segundo Desmond, ainda não estavam preparados para encarar a realidade - isso incluiria também Mr Eko, Richard, Charlotte, Danielle Rousseau ou mesmo o Paulo, interpretado por Rodrigo Santoro? - e não se encontravam na Igreja.

Resumindo, o que os personagens viveram durante os eventos que assistismos, em flashes, na dimensão da "realidade alternativa" foi uma vivência de uma realidade que foi o fruto da ação individual deles em vida (ou, se quiserem, a recompensa kármica), repercutindo após a morte de cada um. Algo como o colher dos frutos das ações praticadas junto com os objetivos - frustrados - de vida, que eles tinham acalentado antes de cairem na ilha. Não era, portanto, um purgatório, como muitos pensam. Era um local de acolhida e prepração para a realidade espiritual onde eles precisavam se encontrar, para que pudessem sedimentar suas personalidades com a maturidade adquirada nas vivências da Ilha e, após assimilá-las - quando recordam dela -, seguir seus caminhos. Como Christian Shephard explicou: “Esse é um lugar que vocês fizeram juntos, para que pudessem se encontrar. Você precisa deles e eles precisam de você.” “Para que?” , pergunda um surpreso Jack, ao que Christian responde: “Para esquecer e conseguir em frente”.

Parte do que estamos dizendo aqui também é mais ou menos dito da mesma forma por home pages especializadas em Lost pelo mundo todo, com especial destaque para a ScreanRant. Nelas também são explicadas e demonstradas que os personagens que lutaram, amaram, sofreram, tiveram esperanças e sonhos e que acompanhamos durante seis anos morreram após a morte de Jack, exceto John Locke, Said, Jin, Sun e outros, como Shannon, Charlotte, Daniel Faraday, Boone e outros que vimos morrer no curso da história. Sendo assim, tudo o que aconteceu na ilha Lost realmente aconteceu na ilha em um plano físico.

Mas vejamos outras pistas e indícios do que estamos dizendo, dados pelo capítulo final da série:

O piloto Frank Lapidus conseguiu por o avião para voar com Kate, Sawyer, Richard, Claire e Miles. Jack, pouco antes de morrer, vê o avião partindo, acompanhado do sensível Vicent, o cão labrador amigo que acompanha a turma de Lost desde a primeira temporada. Este avião sugere que todos o que estavam dentro dele sobreviveram e vieram a morrer - e talvez nem todos, pois Lapidus, Miles e Richard não aparecem na Igreja - anos depois. De fato, o ciclo parece se fechar pois a série começa com Jack abrindo os olhos na nova realidade da ilha, após o acidente da Oceanic 815, sendo recebido por Vincent, e termina com ele fechando os olhos ao morrer, tendo no lado o fiel cão. A vida é um ciclo é seu percursso terá as características de heroísmo que a ela dermos com nossas próprias escolhas... A imagem de Danielle Rousseau como mãe efetiva de Alex, a filha adotiva (ou melhor, adotiva por rapto) de Ben demonstra a recompensa por sua luta por saber do paradero da filha durante boa parte da série, desde a primeira temporada.

O intrigante "universo paralelo" que era referência da vida dos personagens na sexta temporada parece ser a representação de uma realidade intermediária, um intervalo em um mundo de regenaração e repouso, em tudo semelhante à realidade vivida pelos personagens da Terra antes das aventuras na Ilha, onde as almas que vivenciaram as provações de Lost poderiam se recuperar vivendo aquilo que não puderam em suas vidas terrenas, especialmente ante os fracassos e frustrações de suas antigas existências. Jack, nesta vida, tinha um filho e não parecia possuir as tensões sociais e existenciais de sua antiga vida. Sawyer era um detetive competente e Daniel Faraday conseguiu ser o concertista de piano que sonhava ser na infância.

Após todos os principais envolvidos terem "falecido" em tempos diferentes - o que fica subentido nos diálogos de Christian com Jack e nas pistas dadas por Hurley e Desmond -, eles parecem ter sido levados a uma dimensão alternativa, mas com todos os elementos familiares de suas vidas terrenas, e a vivenciar vidas mais congruentes até o dia em que se reencontram em um novo vôo Oceanic 815, o que fez o link, conseguindo recuperar novamente a ligação entre todos. Eles começaram a se reencontrar e a lembrar o que fizeram na ilha, vindo a reconhecer que cumpriram uma missão e poderiam, agora, ir em frente. Assim, todos os personagens que ali no "universo paralelo" estavam em uma espécie de momento de balanço depois de mortos, mas eles não tinham consciência disso e, até então, não tinham a memória dos acontecimentos reais ocorridos na ilha. Novamente referências à jornada mítica do herói que acaba por se fortalecer em sua jornada em que tenha consciência disto. Eles finalmente se reencontram recuperados, perdoando-se a si mesmos em suas falhas, podem finalmente encontrar a paz e continuar suas jornadas evolutivas em uma nova realidade da vida.

Como esclarece Caio Fochetto no já citado site do Terra, O que Lost respondeu?, que por sua vez se baseia nos sites Lostpedia e ScreanRant:

"Partindo da hipótese de que cada mente cria seu próprio purgatório baseado em suas experiências de vida (boas e ruins) e que, portanto, não poderia fazer aquele personagem simplesmente seguir em frente, temos Jack e seu problemas com o pai refletidos na criação de um filho que nunca existiu, mas que lhe apresenta a hipótese de consertar o que ali ele não pode, afinal por enquanto seu pai Christian morreu e sobre isso ele não pode fazer nada."


E ainda:

"Todos seguiam o paralelo vivendo seu próprio purgatório de acordo com a culpa que carregavam sozinhos, mesmo após tudo o que passaram juntos. Que, aliás, levaram adiante – em alguns casos até mesmo após a morte. Mas quando eles entram em contato, algo reascende a felicidade do que viveram juntos em algum lugar nas linhas de tempo e espaço, propriamente falando: a ilha! Até mesmo o maior ‘odiador’ de Lost pode apontar o período de vida daqueles personagens na ilha como o mais importante de todo o ciclo de cada um deles. Certo?
Ao primeiro contato na tal realidade paralela’, eles se lembraram das experiências antigas de suas existências, do que tiveram juntos por conta da ilha, percebendo o propósito de terem sido jogados por lá, em situações extremas, concordo. Mas foi esta grande compreensão de quem eles foram (e são) que os fizeram seguir adiante. Tanto que Ben, Michael e alguns outros não passam por isso. Ainda não estavam prontos."


Isso lembra muito a teoria espírita, especialmente em livros como Nosso Lar, de Chico Xavier, e nas obras do pesquisador italiano Ernesto Bozzano, como Depois da Morte, de que algumas "almas" despertam no mundo espiritual paulatinamente a partir de um ambiente semelhante ao que eles conhecima na Terra...



A ilha, portanto, como as terras míticas que transcendem o profano conhecido, seria uma espécie de centro espiritual, um ponto de ligação entre dimensões e o ponto alfa onde matária e energia e o bem e o mal tentam manter um equilíbrio dinâmico. A estátua do deus esgípcio lebra uma divinidade do bem que luta contra uma figura do mal, no caso, homem de preto, atirado na caverna da "luz" quando estava dominado pela raiva, por Jacob. Quando entrou ali dentro, de alguma forma, a raiva se aliou ao mal potnecial e sua alma ou transformou-se no tal "monstro" ou o tal monstro - a sombra que todos nós temos, segundo Jung, e que representa nosso lado escuro - veio a dominar e tomar a forma do homem de negro. Temos aqui referências a Caim e Abel e ao símbolo da dinâmica do Yin e do Yang do taóismo chinês.

Lost, para quem tem certo conhecimento das funções psíquicas da mitologia - os livros de Joseph Campbell são eficazes para dar esta cultura - e equilíbrio para perceber que nossos paradigams são convenções provisórias sobre a realidade, para além dos preconceitos materialistas, e mais algum conhecimento de filosofia e psicologia analítica, representa o palco para a "jornada do Herói" que todos nós temos de fazer através da vida, superando defeitos, aceitando desafios, nos conhecendo e reconhecendo o bem e o mal que todos trazemos em nós e que nos dirigimos para um ponto além de nossa compreensão, um ponto em que todas as religiões - representadas na sacristia da Igreja pelos vitrais, imagens e pintuas com cenas de todoas as grandes religiões - iremos conhecer um dia, talvez após nossa morte....

O psicanalista suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) e filósofo, antropólogo e mitólogo norte-americano Joseph Campbell (1904-1987) foram os principais divulgadores da importância da metáfora mítica para a compreensão da psique humana. Os livros de Campbell tiveram inclusive papel relevante na indústria de cinema, pois suas concepões sobre "a Jornada do Herói" influenciaria roteiristas, diretores e produtores, como George Lucas da série Guerra nas Estrelas e os irmãos Wachowski, de Matrix, entre outros. A "Jornada do Herói" representa a aceitação do desafio de amadurecer e realizar as próprias capacidades individuais enfrentando e, no caso, superando desafios, atingindo aquilo que Carl Gustav Jung chama de individuação, ou seja, o amadurecimento possível das capacidades que cada pessoas traz em si. A estrutura da "Jornada do Herói" segue a seguinte estrutura, que vemos serem seguidas pelos principais personagens de Lost: Partida (às vezes chamada Separação), Iniciação e Retorno.

A Partida lida com o herói aspirando à sua jornada; a Iniciação contém as várias aventuras do herói ao longo de seu caminho; e o Retorno é o momento em que o herói volta a casa com o conhecimento e os poderes que adquiriu ao longo da jornada.

Mesmo as etapas da "Jornada do Herói", que Campbell esclarece em alguns de seus livros, como "O Herói de Mil Faces" (no Brasil editado pela Cultrix) e "O Poder do Mito" (Editora Palas Athena), são visivilmente vistos na série. Que passos são esses?

I - A Origem do Herói no Mundo Comum - O mundo do herói, antes da história começar. Todos os personagens de Lost vieram de uma vida conturbada até que o dia em que todos se encontram no fatídico vôo 815 da Oceanic Air Lines. Essas vidas são vistas em retrospectivas à medida que vamos conhecendo a personalidade de cada personagem;

II - O Chamado da Aventura - Um problema se apresenta ao herói: um desafio ou a aventura a que ele é convidado a aderir. Os seis principais personagens de Lost, John Locke, Jack Shephard, Kate Huston, James Ford "Sawyer", Said e Hurley são chamados, cada um à seu modo, a desafios compatíveis com suas personalidades.

III - As dúvidas e Receios do Herói ou a Recusa do Chamado - O herói duvida, recusa ou demora a aceitar o desafio ou aventura, geralmente porque não a compreende e, assim, a despreza, ou porque tem medo. Ao contrário de John Locke, que desde cedo tem uma forte intuição de que não está na ilha por acaso, Jack é um racionalista que tem dificuldades em perceber as estranhas propriedadas da Ilha, mas quando, finalmente percebe, se dedica heroicamente a tentar desvendar suas implicações, indo às últimas conseqüências.

IV - Encontro com o mentor ou Ajuda Sobrenatural - O herói encontra um mentor que o faz aceitar o chamado e o informa e treina para sua aventura. Hurley encontra as almas dos que se foram, incluindo o estranho Jacob, que no final se faz visível aos demais principais personagens, com excessão de Said. Também Richard Alpert, o estranho homem que não envelhecia, servia de elo de ligação com forças superiores.

V - Cruzamento do Primeiro Portal - O herói abandona o mundo comum para entrar no mundo especial ou mágico. A fonte de energia da Ilha e o próprio universo paralelo são alguns dos exemplos encontrados na série.

VI - Provações, aliados e inimigos - O herói enfrenta testes, encontra aliados e enfrenta inimigos, de forma que aprende as regras do mundo especial. Precisa de exemplos na série?

VII - Aproximação - O herói pode sucumbir - vários dos personagens morrem no caminho -, mas alguns tem êxitos durante as provações

VIII - Provação difícil ou traumática - A maior crise da aventura, de vida ou morte. Lembram do sacrifício de Juliet e de como isso mexeu com todos?

IX - Recompensa - O herói enfrentou a morte, se sobrepõe ao seu medo e agora ganha uma recompensa. O "Universo Paralelo"

X - O Caminho de Volta - O herói deve voltar para o mundo comum. Não hoveram seis que retornaram ao mundo comum na quarta e quinta temporadas?

XI - Ressurreição do Herói - Outro teste no qual o herói enfrenta a morte, e deve usar tudo que foi aprendido. Todos se reencontraram na vida após a morte...

XII - Regresso com o prêmio - O herói volta para casa com o uma nova visão da realidade. Todos nós, no processo que Jung chama de "individuação" temos, na vida, a possibilidade de burilarmos nossas capacidades humanas, atingindo novas formas de ver e entender a realidade...

Em uma época onde na mídia existe o império da prostituição intelectual e a exploração religiosa por picaretas como Edir Macedo ou Silas Malafaya, seriados inteligentes e culturalmente instigantes como Lost são bem-vindos oásis refrescantes no meio do deserto da mediocridade.

Seriados semelhantes a Lost: Fringe (seriado muito bom, criado pelo mesmo idealizador de Lost, J. J. Abrahms, segue parte da mesma linha que Lost) e Ghost Whisperer (em sua quinta temporada, toca na questão da vida após a morte e na possibilidade de comunicação por meio da mediunidade e tem a acessoria de uma famoso psíquico americano, James van Praagh).

domingo, 23 de maio de 2010

O Espetáculo obsceno da exploração dos Bancos




Escrito por Léo Lince
21-Mai-2010



O tempo passa, o tempo voa, a bolsa sobe e desce, a crise finge sumir e reaparece, mas a lucratividade dos banqueiros continua numa boa. Na alta ou na baixa, no sujo ou no limpo e até no mal lavado, eles ganham sempre. Mandam e desmandam nos governos, regulam os que deviam regulá-los, seguem soberanos na fortaleza inexpugnável da tirania financeira que avassala o mundo.



Em todo e qualquer lugar, seja no Império Americano hipotecado, na tragédia grega ou nos pólos avançados da velha Europa, os protocolos da supremacia absoluta do capital financeiro continuam a girar as roletas do cassino. Por toda a parte, com a voracidade das matilhas, eles atacam sem dó nem piedade.



Aqui no Brasil, então, nem se fala. A cada trimestre os balancetes dos bancos registram recordes cuja superação parecia impossível. A regra, que se repete de maneira cronometrada, foi confirmada na safra atual. O lucro líquido declarado pelos maiores bancos privados brasileiros nos três primeiros meses deste ano alcançou um padrão estratosférico. Nunca, em tempo algum, o Itaú, o Bradesco e Santander ganharam tanto dinheiro.



Para evitar a sensaboria dos números, vamos nos limitar ao caso do Itaú Unibanco. É, por enquanto, o maior banco privado e declarou, para o trimestre, um lucro líquido de R$ 3,23 bilhões. Um aumento brutal, de cerca de 60%, em relação ao mesmo período do ano passado. Lucratividade espantosa: é o maior valor já registrado para um trimestre ao longo de toda a história do setor.



Uma conta simples, dando de lambuja os domingos e feriados, define o montante do lucro líquido diário: R$ 35,9 milhões. Logo, para efeito de comparação, um trabalhador de salário mínimo levaria quase seis séculos para amealhar uma quantia semelhante. Como Brasil foi "descoberto" em 1500, para equiparar ao que o Itaú lucra num dia, o nosso trabalhador hipotético teria que ter começado sua poupança na era pré-colombiana.



Uma disparidade absurda. Um retrato cruel do abismo que separa as classes sociais no Brasil de hoje. Não há ou, melhor dizendo, não deveria haver qualquer possibilidade de convívio sereno entre a consciência digna da cidadania e semelhante absurdo. No entanto, no torpor gerado pela morfina-dinheiro, o absurdo é tratado como parte integrante da paisagem. Natural como a explosão de um vulcão.



A roleta financeira que gira sem freios é a imagem mais precisa do horror econômico que nos governa. A propriedade que tem o dinheiro - de existir como valor separado de qualquer substância - está na base desta vertigem da pecúnia sem limites. A violenta concentração de poder materializado no dinheiro, hermafrodita que se reproduz na relação consigo mesmo (D-D’), explica muita coisa. A dívida pública, um Himalaia de juros sobre juros. A prevalência do financiamento privado de campanhas eleitorais cada vez mais caras. O tal superávit primário, que sacrifica direitos sociais e sucateia serviços públicos essenciais para garantir o pagamento religioso dos juros.



Montaigne, no célebre ensaio "Dos Canibais", relata a presença de índios trazidos do "Novo Mundo" recém descoberto para visitar a reluzente corte francesa. Ao invés de se embasbacarem com tanto luxo e riqueza, eles se espantaram foi com a desigualdade. Para eles, a brutal disparidade entre o palácio e as ruas não era natural. O sentimento igualitário do passado imemorial há de retornar no futuro utópico. Por enquanto, quando os bancos publicarem balancetes, por favor, tirem as crianças da sala para evitar o espetáculo obsceno.



Léo Lince é sociólogo.

Agora, uma reflexão lúcida, irrefutável, esclarecedora do jornalista Hélio Ferandes em artigo publicado no blog do Jornal Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 26/05/2010


Com exportação, importação, inflação, déficit, a catástrofe e a tragédia grega dos aventureiros. Platão, Sócrates, Aristóteles, da tragédia imortal, o que escreveriam, agora, sobre esses TRILHÕES?

Uma tragédia principalmente transportada para o plano financeiro. E exigindo, inicialmente, 1 trilhão de dólares? Mais trágico ainda e revoltando toda a comunidade grega, que não tem a menor culpa ou participação nesse processo. Envolvendo a Europa e indo para os EUA, e ameaçando a economia do mundo. (Quer dizer, do povo).

Os alunos de Sócrates gostavam de perguntar: “Mestre, é verdade que o senhor sabe todas as coisas?”. E ele, tímido, respondia” “Meus filhos, só sei que nada sei”.

A resposta simples do grande filósofo, seria hoje dolorosa realidade. Por que a Grécia mergulhou profundamente nessa crise, com o déficit chegando a tais níveis?

(Sorte para o Brasil, que só tem déficit primário). O da Grécia deve ser secundário, talvez “triliardário”. É possível que seja mesmo, pois a “ajuda” começou tão alta e tão urgente, que ninguém sabe os números que poderá atingir.

O estarrecimento não é apenas filosófico, sociológico ou econômico, alguma coisa fugiu ao controle. Ou estão procurando explicação mais compreensível para os países da UE (União Européia). Por enquanto, o que se sabe ou se procura entender é a razão de ter chegado tão longe sem ninguém perceber.

Perceberam, mas existiam interessados em “não ver”? Ou até mesmo estimular, o que já chamam de segunda crise, praticamente no mesmo período?

O capitalismo tem tais mistérios, que nada é o que parece, ou então lucros e prejuízos não são tão desastrados nem conflitantes, compõem o mesmo conjunto. Têm muito de “construtivo” entre si.

Lord Keynes, o economista inglês, que em 1944 inventou o “dólar papel-pintado”, levando (e elevando) os EUA a uma prosperidade que durou pelo menos 50 anos, não estava muito tranqüilo em Bretton Woods.

Já havia criado o Bancor, moeda que substituiria o ouro como lastro para os negócios. (Principalmente exportação e importação). Mas não tinha muita certeza do que ocorreria. Quando um banqueiro não muito poderoso, interrogou-o sobre a relação que ocorreria entre LUCROS e PREJUÍZOS, Keynes respondeu alto e de mau humor: “Eu sou economista, o senhor deveria procurar e consultar um contador profissional”. (De mau humor, como Serra, e tão arrogante quanto o ex-governador, que jamais será presidente. O que comecei a dizer e a repetir desde 2002).

(Keynes estava sempe mais irritado do que Serra, obrigado a acordar às 8 da manhã. Para um cético mas não enciclopédico, irritante, insuportável, incompreensível).

A perplexidade da tragédia grega de agora, é o que os importantes pró-homens (ou que assim se julgam) do comando da UE, na Bélgica, traçam como projeto e objetivo para ultrapassar a crise: “Temos que salvar os banqueiros para que eles possam nos ajudar a vencer o gravíssimo problema”.

Isso é textual, esses “líderes” são tão pomposos e arrogantes, que não acredito que conheçam a famosa afirmação-interrogação de Lenine: “Qual a diferença entre fundar ou assaltar um banco?”.

Só que o capitalismo, mesmo “sufocado” e quase perdido entre becos e vielas, desemboca sempre em avenidas majestosas. Os EUA, que aparentemente foram atingidos pela primeira crise, (a “imobiliária”) na verdade foram criadores e vencedores.

Agora, a mesma coisa. Os bancos que “precisam ser salvos”, estão quase todos nos EUA. E o EURO, que tirava o sono dos “banqueiros-aventureiros” americanos, perdeu força, não assusta mais.

Já escrevi na Tribuna impressa: “O pânico dos EUA é que o valor do petróleo seja apregoado em EURO”. Disse na época que o “dólar papel-pintado”, seria salvo pelos TRILIARDÁRIOS da Rússia, China, Índia, paises árabes, e seus depósitos maravilhosos, feitos em bancos americanos.

Os ingleses, depois da implantação de um governo fraquíssimo e instável, “ressurgiram”. Motivo: preservaram a LIBRA, não aderindo ao EURO, estão satisfeitos. Não são mais ouvidos ou citados, mas podem fingir de potência.

***

PS – De qualquer maneira, o CAPITALISMO não vai acabar, o SOCIALISMO não irá desaparecer, nem mesmo em teoria. O mundo, pelo menos nos últimos 300 ou 400 anos, foi sempre dominado pela BIPOLARIDADE geográfica. A próxima BIPOLARIDADE será econômico-financeira, construída pela união China-EUA.

PS2 – Surgirá o que parecia impossível, cada vez mais possivel e obrigatório. Será o CAPITALISMO-SOCIALISTA, que pode ser identificado também como SOCIALISMO-CAPITALISTA. Imposto e garantido não tanto pela QUALIDADE e sim pela QUANTIDADE. Mas a QUANTIDADE vai purificar e trazer a QUALIDADE?

PS3 – Com fabulosa PROSPERIDADE para os que hoje são 7 BILHÕES de habitantes. Já serão então 10 BILHÕES.

PS4 – A China será CAPITALIZADA pela juventude, as centenas de milhões que gostaram de comprar e existir. Os EUA serão SOCIALIZADOS pela juventude, que quer continuar comprando e vivendo, não pretende deixar de existir.

PS5 – E com o avanço da tecnologia nuclear, não haverá mais guerras. Todos lembrarão de Einstein, quando lhe perguntaram sobre a TERCEIRA GUERRA Mundial, NUCLEAR: “Se houver, a QUARTA será travada com paus e pedras, não sobrará mais do que isso”.

PS6 – Só que desaparecerá sem possibilidade de volta, a maior fonte de destruição e enriquecimento que é o chamado COMPLEXO INDUSTRIAL MILITAR. (Surpreendentemente, royalties da frase, para o general Eisenhower).

O dinheiro que não querem dar aos apostentados vai para os bancos





Carlos Chagas

Estrilou o presidente Lula, em encontro com prefeitos de todo o país, diante da aprovação pelo Congresso do projeto que extingue o fator previdenciário. De onde o governo vai tirar os muitos bilhões para enfrentar essa despesa adicional? – perguntou o presidente, acusando deputados e senadores de votarem propostas eleitoreiras.

Com todo o respeito, o problema não é de caixa. Caso o Banco Central reduzisse apenas 1% nos juros, o tesouro nacional deixaria de entregar dezenas de bilhões aos especuladores daqui e de fora que compram títulos públicos. Outras alternativas existem. Só não dá para entender porque sacrificar os aposentados, aliás, desde o governo Fernando Henrique que eles vem sendo esbulhados.

Déficit previdenciário é falso argumento contra benefícios aos aposentados
Escrito por Gabriel Brito, da Redação do Correio da Cidadania
22-Mai-2010



É certo que vivemos uma era de desencanto com a política, com cada vez mais pessoas desinteressadas do debate de idéias e de programas de ação. Mas, para o observador atento, o ano eleitoral também pode ser pródigo em revelar toda a hipocrisia que cerca as políticas de governo e os posicionamentos de inúmeros parlamentares.



Salta aos olhos a gritante prioridade que certos setores sociais e econômicos desfrutam, sempre premiados por medidas e ajustes fiscais impostos ao país, enquanto parlamentares resolvem em massa buscar a satisfação de seus eleitores, e não de seus financiadores, quando se trata de temporada de renovação legislativa.



E é dentro dessa imensa casa de tolerância e flexibilidade moral que se tomou uma importantíssima decisão em favor dos aposentados do país, tão freqüentemente vilipendiados pelas políticas decididas em Brasília. Primeiro, a Câmara dos Deputados aprovou o reajuste de 7,71% para os trabalhadores inativos e o fim do fator previdenciário (uma fórmula, criada no governo FHC, que leva em conta o tempo de contribuição do trabalhador, sua idade e a expectativa de vida dos brasileiros no momento da aposentadoria). Mesmo com o escarcéu fiscalista, na terça-feira, 19 de maio, foi a vez de o Senado dar sinal verde ao projeto. Falta agora somente a sanção de Lula.



O ‘tamanho’ do reajuste de 7,71%



"Acho o reajuste uma medida justa, porque são pessoas que contribuíram, receberam aposentadorias que foram ficando defasadas e agora têm a oportunidade de receber reajuste num período de crescimento do país. A disponibilidade de recursos orçamentários cresceu e essa recomposição pode ser feita com tranqüilidade. É uma medida justa", disse ao Correio da Cidadania a diretora de macroeconomia do IPEA Denise Gentil.



Para alguns, seria até possível oferecer um aumento superior, vide o (verdadeiro) orçamento do país e as perdas acumuladas com as reformas aplicadas à previdência, sempre prejudiciais aos trabalhadores. "O governo, em função do que tem gasto nos últimos anos com pagamento de juros e da dívida pública, poderia dar um reajuste bem maior que esses 7,71%. Eu analiso assim. Até porque há uma defasagem muito grande nos valores da aposentadoria", afirmou Washington Lima, economista do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário.



Conforme exploramos a questão, podemos ver como tal aumento dos proventos aos aposentados é ‘café pequeno’ diante das cifras que o país tem manejado. Além do mais, com as pressões do ano eleitoral, parece difícil que não se atendam aos desejos desses cidadãos que têm acompanhado com afinco os trabalhos no Congresso e feito um corpo a corpo que até aqui se mostra bem sucedido.



Para conceder tal benefício, o próprio ministro da Fazenda Guido Mantega entregou o ouro e deixou claro que não haverá a mínima fissura nas contas do país, como gostam de alardear os cavaleiros do apocalipse previdenciário. Em relação aos 6% oferecidos pelo governo, o reajuste de 7,72% significa 2 bilhões de reais a menos nos cofres. O que só pode nos levar a pensar se toda a discussão em torno dessa diferença não é acima de tudo patética.



"Acho que a sociedade tem de se conscientizar de que o Banco Central aumentou a Selic em mais 0,75% e ninguém faz muita questão de discutir isso. Cada ponto percentual da Selic significa uma despesa de mais de 10 bilhões de reais por ano. E qual contribuição os rentistas deram pra receberem a mais alta taxa de juros do planeta? Já os aposentados, contribuíram e agora pedem restituição. E quem paga esse aumento de Selic, que custa 10 bilhões ao ano? Tiram pela DRU (Desvinculação de Receitas da União), um dinheiro destinado principalmente à seguridade social. E essas coisas não são contestadas. Mas quando os aposentados, que passaram a vida trabalhando e contribuindo, pedem uma recomposição, é tido como algo que vai quebrar o orçamento", indigna-se Denise Gentil.



No entanto, o que ressoa na nossa mídia, de orientação neoliberal e anti-estatista, são os fantasmas do rombo da previdência, dificuldades futuras com o envelhecimento da população e a tão aclamada responsabilidade fiscal, o que nubla o debate e dá a entender que, dar mais dinheiro aos aposentados, é arriscar o pão de cada dia do país todo. "Há uma conta no orçamento que se chama Cobertura de Prejuízos do BC, feita para cobrir toda a operação que o BC faz em favor da especulação financeira, principalmente em taxas de câmbio. Nos quatro primeiros meses de 2010, essa conta já causou um rombo no governo de mais de 55 bilhões de reais. Só o BC dá um prejuízo mensal ao país, para sustentar a especulação financeira, de 14 bilhões de reais", revela Washington.



Tamanha aberração, no entanto, apenas desnuda para quem e para o que trabalham os eleitos da democracia brasileira. "Portanto, o governo tem amplas condições de cumprir com o reajuste, é um absurdo dizer algo em contrário. Acabaram de anunciar que vão mandar dinheiro ao FMI para ajudar a Grécia. Ou seja, o problema não é orçamentário, é de outra natureza, política, de prioridades do governo", sintetiza.



O fator previdenciário e o falso déficit da Previdência



Outra boa notícia que não deve ser barrada nem pelo governo convertido à ortodoxia, responsabilidade fiscal e governabilidade é o fim do fator previdenciário. Uma estranha fórmula criada no governo FHC que, no final das contas, abocanha cerca de 30% do que o trabalhador tem a receber como aposentadoria e que, notadamente, dificultou a vida de muitos brasileiros. "É uma medida da era neoliberal que precisa ser sepultada, como o foram várias outras da mesma época, dos anos 90", aprova Denise.



"Se fizermos as contas, e qualquer um pode fazer essa conta, o que o trabalhador paga à previdência, sem contar a contribuição patronal, já é suficiente para cobrir sua aposentadoria. Se considerarmos que ele paga o dobro em relação às empresas, teremos uma situação em que o trabalhador na verdade pagou muito caro para ter o beneficio em valor integral. E com o fator previdenciário, ele tem redução para menos da metade do valor para o qual ele contribui, ou mesmo do salário mínimo", explica Washington.



Como revelou este Correio em Especial no ano de 2007 - Previdência: uma longa história de fabricação de mitos rumo à privatização -, nenhuma das conquistas acima citadas sequer ameaça as contas da previdência. Aliás, é preciso ressaltar a imensa fraude que se criou em torno da suposta insolvência da previdência, tendo em vista as suas próprias contas e o orçamento da seguridade social, envolvendo agentes do governo interessados em incrementar ainda mais o rentismo e uma mídia "pró-mercado financeiro", como assinala a economista do IPEA.



"Há um estudo de três anos atrás, de um economista chamado Amir Khair, mostrando que muitos daqueles que se aposentam por tempo de contribuição, e têm sua aposentadoria ceifada pelo fator, voltam a trabalhar, pois se aposentam lá pelos 54, 55 anos. Portanto, ainda capazes de trabalhar, voltam a recolher INSS. Não apenas recolheram durante o período ativo, como o fazem na fase de aposentadoria, por voltarem a trabalhar. O estudo prova que o saldo do tesouro é positivo, favorável", diz Denise, autora de tese na UFRJ que também desmistifica o tal rombo.



"É uma falácia, né? A história é mais ou menos assim: a previdência incorporou, a partir de 1988, milhões de trabalhadores, especialmente rurais, que passaram a ter direitos dentro dela. Essas pessoas que passaram a ter os benefícios, por razões óbvias, nunca tinham contribuído para a previdência. Mas, quando se criou essa despesa, a Constituição também criou uma receita correspondente para cobri-la. Se juntarmos a receita previdenciária, vinda dos trabalhadores e empresas, mais os tributos criados (como CSLL, COFINS e tantos outros), a previdência é altamente lucrativa. A imprensa e o próprio governo divulgam uma conta que não existe legalmente e nem contabilmente. O que se tem efetivamente é um grande superávit, computando suas receitas strictu sensu mais as contribuições que a Constituição criou justamente para cobrir a massa de trabalhadores incorporada", vaticina Washington Lima.



Argumentos falaciosos e catastrofistas por trás do suposto déficit



"No ano passado, o governo gastou no chamado item Gastos Financeiros da União 380 bilhões de reais. É um volume muito alto de recursos que ‘precisa’ ir para o sistema financeiro, daí seus altíssimos lucros. Não a totalidade, mas base significativa vem destes papéis. Então, como não tem 1 bilhão de reajuste aos aposentados?", questiona Washington.



Dessa forma, fica explícito que estamos diante de uma discussão "descabida", como definiu Denise Gentil. "Não é correto, justo, legítimo, prejudicar as pessoas no fim de suas vidas, quando elas se aposentam e muitas vezes precisam de tratamentos caríssimos e cuidados de saúde. Você ferra essa camada da população, mas não questiona o aumento de 10 bilhões de reais na sangria dos cofres públicos para cada ponto percentual na Selic. É uma discussão totalmente desproporcional e só posso enxergar nisso propaganda dos meios de comunicação do país, que são totalmente pró-mercado financeiro".



"Após a votação, veio toda a grita da grande imprensa: acusações de irresponsabilidade, de farra com dinheiro público. Nenhuma palavra, mais uma vez, sobre os gastos escandalosos com o pagamento de juros e rolagem da dívida pública que, somente no ano passado, consumiram R$ 380 bilhões (36% do orçamento do país) em juros e amortizações. Já para os aposentados, sempre falta dinheiro", lembrou o deputado federal do PSOL-SP Ivan Valente, que presidiu a esvaziada (por quê?) CPI da Dívida Pública.



Além disso, a economista do IPEA não enxerga nada tão preocupante com outra teoria acerca da previdência, a de seu inchaço com o futuro envelhecimento da população brasileira, que em 2050 deve inverter a proporção de jovens e idosos. "São visões catastrofistas. Haverá um inchaço, mas não se leva em conta que, no futuro, teremos uma sociedade cada vez mais produtiva, produzindo bens e serviços em quantidades maiores com contingentes menores. Portanto, vão gerar um PIB maior, o que permite que se sustente perfeitamente nossa previdência. Tais cálculos normalmente subestimam a capacidade produtiva, tecnológica e de crescimento de uma sociedade capitalista", explica.



De resto, deixa-se de levar em conta a alta taxa de informalidade em nossa economia, haja vista que ao menos um terço de nossa população economicamente ativa não está incorporada à seguridade social. Com o crescimento e qualificação de nossa economia, o número de trabalhadores inseridos cresce substancialmente, e com isso a receita previdenciária.



"O que contra-resta qualquer crescimento da população idosa é a boa política macroeconômica, de geração de emprego, de incorporação do maior número possível de pessoas em idade de trabalhar ao mercado de trabalho, pois, se tiverem emprego, vão gerar tudo que a sociedade necessita para sustentar nossa população idosa. Não é possível que preguem como a melhor saída reduzir a renda dos nossos idosos. É uma solução impatriótica, anti-cidadã. Pra não dizer imoral", completa Denise.



"É aquela história, na Europa, não existia dinheiro na previdência, mas, quando os bancos quebraram, trilhões e trilhões de dólares, euros, desaguaram. Aqui é a mesma coisa, a previdência está mal, mas, para cobrir os bancos na crise, o dinheiro apareceu sem grandes problemas. Portanto, o que se tem é uma grande falácia sobre a questão", critica Washington.



"Volto ao meu raciocínio: esse país não quer dar correção de aposentadoria a uma parcela que representa 6% do total dos benefícios concedidos de acordo com o fator previdenciário, e para uma parcela pequena de idosos que recebem acima do mínimo, que corresponde a mais ou menos um terço do contingente dos aposentados. Mas é o mesmo país que não debate as taxas de juros mais altas do mundo. Deveria se dar o devido peso às duas questões", resume Denise Gentil.



Crise financeira e nova rodada de ataques aos direitos sociais



Face à evidência de que a crise iniciada em 2008 ainda não foi estancada, o que a situação grega e de outros países europeus vem a demonstrar cabalmente, novas socializações de perdas podem ser lançadas à população como medidas inevitáveis, ainda que esperem pelo fim do ano eleitoral. Não é, pois, difícil de desconfiar que esteja em andamento mais um ataque aos direitos dos trabalhadores.



Na última débâcle do capital, desonerações foram feitas em nome da sustentação de empresas, bancos e créditos. Mas nada disso impediu as demissões e flexibilizações de direitos, além do sumiço do dinheiro jogado na economia pelo governo, que foi parar em novas especulações e cobertura de rombos das matrizes.



Tramitam já no Congresso diversos projetos de lei e emendas constitucionais nesse sentido: o PLP 549 (que congelaria salários do funcionalismo público por 10 anos!), o PLP 248 (contra a estabilidade), PEC 306 (pelo fim do Regime Jurídico Único), Decreto 6.944 (política produtivista) e a MP 431 (avaliação de desempenho). São todos de orientação sempre combatida pelos trabalhadores e que ainda podem avançar.



Por hora, é torcer para que não sejam barrados pelo presidente Lula o reajuste aos aposentados e o fim do fator previdenciário, já aprovados no Senado.



Gabriel Brito é jornalista.

Colaborou Valéria Nader, editora do Correio da Cidadania.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Estreiteza Espiritual: O Caso do Boicote dos Jogadores Evangélicos contra Instituição Espírita




Carlos Antonio Fragoso Guimarães

A repercussão negativa ocorrida em abril deste ano, no caso dos jogadores "de Cristo" famosos, que se recusaram a fazer uma ação de apóio social em uma instituição que cuida de pessoas com paralisia cerebral pelo simples fato de que a instituição ser mantida por espíritas, trouxe à tona a discussão sobre a questão da coerência entre o discurso religioso e a vivência e exemplificação dos ideais postulados, teoricamente, por este mesmo discurso.

A atitude de algumas das sumidades do Santos chocou pela brutalidade branca: eles se recusaram a descer do ônibus ao se darem conta que a instituição em questão, chamada Lar Mensageiros da Luz, que cuida de crianças e jovens com paralisia cerebral e deficiências congêneres, era dirigida e mantida por espíritas.

O atacante do Santos e da seleção brasileira Robinho, que foi um dos que se recusaram a visitar a instituição, junto com Neymar e outros, falou do episódio publicamente mas, ao contrário de Neymar - também evangélico e que depois veio a público dizer que se arrenpedia da atitude tomada, reconhecendo a mesquinhez e falta de solidariedade humana bem pouco cristãs do ocorrido -, Robinho não se mostrou em nada arrependido da atitude e apontou a questão religiosa como justificativa para que o grupo, formado pelo próprio Robinho, Léo, Fábio Costa, Marquinhos, André e Neymar, entre outros, não tenha participado do ato de solidariedade às crianças.

“Só ficamos sabendo quando chegamos ao local que se tratava de um ambiente espírita. Cada jogador tomou a atitude que achou conveniente, e acho que a religião de cada um precisa ser respeitada”, disse o camisa 7 do Peixe, em entrevista à TV Bandeirantes.

De toda a equipe presente no ônibus, cerca de 23 pessoas, apenas 11 dos atletas foram suficientemente dignos e centrados a ponto de visitarem a instituição, brincando com as crianças e visitando os médicos e cuidadores, distribuindo ovos de páscoa. Entre estes que realmente demonstraram coerência e amor ao próximo, e que merecem nosso reconhecimento, estavam Felipe, Wladimir, Edu Dracena, Zé Eduardo, Arouca, Pará, Gil, Maikon Leite, Breitner, Zezinho e Wesley foram os responsáveis pela entrega dos ovos. Dorival Júnior e grande parte da diretoria também estiveram presentes no local.

A instituição em questão, Lar Mensageiros da Luz, é casa de caridade que desde 1970 cuida de pessoas com paralisia cerebral ou outros problemas relacionados com a deficiência mental e motora. Foi no Lar Espírita Mensageiros da Luz, localizado no canal 3 e que atualmente cuida de 34 pessoas, que o Santos resolveu aparecer para doar simbolicamente 600 ovos de Páscoa, que na realidade seriam vendidos na loja do clube próprio, na Vila Belmiro. O dinheiro arrecadado com as vendas seria totalmente revertido para a instituição.

Sobre o ocorrido, alguns dos jogadores que desceram do ônibus e de fatop visitaram as crianças no dia do ocorrido, disseram:

- Temos de esquecer isso e pensar apenas no maravilhoso trabalho que é feito nessa instituição. E eles estão precisando de ajuda. Aqui, é o ser humano que precisa ser valorizado – afirmou o técnico do Santos.

- Não tem como não se emocionar. Essas pessoas são lutadoras e merecem tudo de bom da vida – ressaltou Felipe, o atual goleiro titular, ao lado de um portador de paralisia cerebral.


Alguns jornalistas presentes ao evento narraram que enquanto os 11 jogadores visitavam a instituição, parte dos que ficaram no ônibus passaram a improvisar uma batucada...

Seja como for, a atitude dos "atletas de Cristo" causou grande repercussão... negativa, dentro mesmo de algumas vertentes evangélicas. Tanto que, posteriormente, quatro dos atletas mais criticados do Santos pela atitude tomada compareceram na segunda-feira, dia 12 de abril, ao local antes evitado, mas de forma discreta. Sem combinar previamente, Robinho, Neymar, Paulo Henrique Ganso e Roberto Brum fizeram surpresa para os 34 internos, sem a presença da imprensa.

Cabe destacar que, nos meios evangélicos, existem pessoas de alto gabarito e real vivência dos postulados cristãos, embora tais pessoas sejam frequentemente ofuscadas pela ação hipócrita de vários pseudo-cristãos que formam parte do evangelismo midiático fundamentalista que, infelizmente, destrói consciências e senso de irmandade em nossos dias.

Dentre os mais lúcidos membros do meio evangélico, sem dúvida o Pastor René Kivitz - já citado outras vezes neste blog - se destaca pela coerência vivencial e pelo brilho intelecutal, além da coragem de analisar e apontar, publicamente, as falhas de parte da comunidade envangélica de cunho fundamentalista, que mais parece deturpar e destroir a mensagem cristã do que serve à sua divulgação e entendimento. Deste esclarecido missionário - que por sinal torce pelo time do Santos -, reproduzimos o seguinte artigo:

"Os meninos da Vila pisaram na bola. Mas prefiro sair em sua defesa. Eles não erraram sozinhos. Fizeram a cabeça deles. O mundo religioso é mestre em fazer a cabeça dos outros. Por isso cada vez mais me convenço de que o Cristianismo implica a superação da religião, e cada vez mais me dedico a pensar nas categorias da espiritualidade, em detrimento das categorias da religião.

A religião está baseada nos ritos, dogmas e credos, tabus e códigos morais de cada tradição de fé. A espiritualidade está fundamentada nos conteúdos universais de todas e cada uma das tradições de fé.

Quando você começa a discutir quem vai para céu e quem vai para o inferno, ou se Deus é a favor ou contra à prática do homossexualismo, ou mesmo se você tem que subir uma escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar o favor de Deus, você está discutindo religião. Quando você começa a discutir se o correto é a reencarnação ou a ressurreição, a teoria de Darwin ou a narrativa do Gênesis, e se o livro certo é a Bíblia ou o Corão, você está discutindo religião. Quando você fica perguntando se a instituição social é espírita kardecista, evangélica, ou católica, você está discutindo religião.

O problema é que toda vez que você discute religião você afasta as pessoas umas das outras, promove o sectarismo e a intolerância. A religião coloca de um lado os adoradores de Allá, de outro os adoradores de Yahweh, e de outro os adoradores de Jesus. Isso sem falar nos adoradores de Shiva, de Krishna e devotos do Buda, e por aí vai. E cada grupo de adoradores deseja a extinção dos outros, ou pela conversão à sua religião, o que faz com que os outros deixem de existir enquanto outros e se tornem iguais a nós, ou pelo extermínio através do assassinato em nome de Deus, ou melhor, em nome de um deus, com d minúsculo, isto é, um ídolo que pretende se passar por Deus.

Mas quando você concentra sua atenção e ação, sua práxis, em valores como reconciliação, perdão, misericórdia, compaixão, solidariedade, amor e caridade, você está no horizonte da espiritualidade, comum a todas as tradições religiosas. E quando você está com o coração cheio de espiritualidade, e não de religião, você promove a justiça e a paz. Os valores espirituais agregam pessoas, aproximam os diferentes, fazem com que os discordantes no mundo das crenças se dêem as mãos no mundo da busca de superação do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala, independentemente de raça, gênero e, inclusive, religião.

Em síntese, quando você vive no mundo da religião, você fica no ônibus. Quando você vive no mundo da espiritualidade que a sua religião ensina – ou pelo menos deveria ensinar, você desce do ônibus e dá um ovo de páscoa para uma criança que sofre a tragédia e miséria de uma paralisia mental. "


Leia também, do Pastor René Kivitz, o texto "O Evangelho dos Evangélicos", muito esclarecedor tanto sobre o disvirtuamento da mensagem de Cristo por parte de pentencostais midiáticos, que buscam mais o poder e o lucro que uma vivência evangélica de fato, quanto da luta de autênticos cristãos - não importando a denominação ou igreja a que pertençam - para separar o jóio do trigo.

domingo, 9 de maio de 2010

A Sabedoria vai Além do Mero Conhecimento





Will Durant (1885-1981) foi um filósofo e historiador norte-americando de grande profunidade analítica em seus textos. De sua obra "Filosofia da Vida", extraio a seguinte passagem:



A nossa cultura é hoje muito superficial, e os nossos conhecimentos são muito perigosos, já que a nossa riqueza em mecânica contrasta com a pobreza de propósitos. O equilíbrio de espírito que hauríamos outrora na fé ardente, já se foi: depois que a ciência destruiu as bases sobrenaturais da moralidade o mundo inteiro parece consumir-se num desordenado individualismo, refletor da caótica fragmentação do nosso caráter.

Novamente somos defrontados pelo problema atormentador de Sócrates: como encontrar uma ética natural que substitua as sanções sobrenaturais já sem influência sobre a conduta do homem? Sem filosofia, sem esta visão de conjunto que unifica os propósitos e estabelece a hierarquia dos desejos, malbaratamos a nossa herança social em corrupção cínica de um lado e em loucuras revolucionárias de outro; abandonamos num momento o nosso idealismo pacífico para mergulharmos nos suicídios em massa da guerra; vemos surgir cem mil políticos e nem um só estadista; movemo-nos sobre a terra com velocidades nunca antes alcançadas, mas não sabemos para onde vamos, nem se no fim da viagem alcançaremos qualquer espécie de felicidade.

Os nossos conhecimentos destroem-nos. Embebedem-nos com o poder que nos dão. A única salvação está na sabedoria.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Grave erro do Supremo...



O Brasil quer se fingir de defensor dos Direitos Humanos, quer fazer bonito na foto internacional, quer se fazer respeitado no exterior... E o exemplo que dá, no entanto, é o de encobrir os próprios e severos crimes contra a humanidade (ou não será a tortura "oficiosa" tributável deste rótulo?) por acomodação de quem deveria, ao analisar a bem embasada proposta da OAB para rever a Lei pensada, criada e imposta pelos mesmos que continuaram a exercer a arbitrariedade ainda depois de 1979, e que tinha por motivo proteger os criminosos truculentos de então e, especialmente, depois... O fim da Ditadura era visível e o o próprio Leviatã estabeleceu os canais, os meios e os personagens para tal fim... Não era Sarney um dos títeres da Arena, depois PDS?
De acordos com os traqtos internacionais dos quais o Brasil é signatário, crimes hediondos contra a humanidade são imprescritíveis e atos pretensamente jurídico-legalistas efetuados em tempos de excessão (entenda-se DITADURA) são internacionalmente reconhecidos como ilegítimos e nulos. Ora, seguem os ilustres ministos do STF o exemplo de hipocrisia dos EUA que propalam ser a polícia dos Direitos Humanos, especialmente em países onde não conseguem exercer seu domínio total, enquanto todos sabem do que ocorre nos porões de Abu Graib e Guantânamo?

Pior ainda é querer manipular ideologicamente a resistência contra o arbítrio militar que, por golpe, tomou o poder e impôs uma noite escura que transformou tudo para pior. Quem não se confromou com os desmandos da ditatura resistiu a ela, lutou por ideais... Assim os fizeram as resistência francesa, holandesa e outras contra a Alemanha nazista, contra quem se arvorou pela força em governo, e são tratados como heróis... Aqui, um Gandra Martins, que se diz um "democrata" e cuja família se deu muito bem nos tristes tempos da "noite do Brasil", chama a estes resistentes de terroristas... Este é o discurso que deturpa a História... Nem mesmo a Argentina se furtou ao jugamento das arbitrariedades dos generais, e aqui, que só queremos os nomes dos torturadores dos DOI-CODI, dos DOPS, dos porões escuros... nada, nada, nada... "Choram Marias e Clarisses na noite do Brasil", noite que se arrasta ainda... até quando?

A impunidade, mais uma vez, é o exemplo e estímulo ao vale tudo em uma sociedade dissociada. O pretexto ventilado foi o de um falso acordo nacional representado pela Lei de Anistia, mas esta fere os tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário e vem posando de defensor. Se os grandes criminosos contra a humanidade continuam impunes no país, qual não será o estímulo aos traficantes e assaltantes na certeza de que o discurso legalista é apenas discurso para encobrir uma instituição que visa apenas assegurar os interesses de poderesos que a financiam? Em uma justiça que ampara os crimes de tortura de ontem, estes certamente terão lastro para que continuem acontecendo, como acontecem de forma indiscriminada país afora.


Venceram os golpistas... Venceu ainda a hipocrisia... Mas um dia, de uma forma ou de outra, Justiça será feita... O sofrimento de um Vlado, de uma Zuzu Angel, de um Frei Tito e de tantos rapazes e moças que sonharam com um mundo melhor não terá sido em vão...

Pela importância e polêmica do ocorrido, transcrevo artigo do jornalista Hélio Fernandes - um patrimônio de lucidez na imprensa nacional e irmão do Millor Fernandes -, para reflexão...


Aqui fica o meu protesto!

Carlos Antonio Fragoso Guimarães


segunda-feira, 03 de maio de 2010 | 07:00, blog do Jornal Tribuna da Imprensa

Hélio Fernandes

O Supremo errou totalmente ao votar a "anistia". Absolveu torturadores, que são monstros, condenou o Exército, maioria esmagadora contra a ditadura. O DOI-CODI firmou jurisprudência?
Lamentável, melancólico, incoerente, desajeitado e principalmente inadequado, até mesmo sobre a data, o julgamento do Supremo, tido e havido como sendo sobre a anistia. Burla, desestímulo à democracia, e principalmente insensata, a reunião dos ministros começou com o equívoco na data do que tentou validar, ou melhor, impingir, como anistia.

Do princípio ao fim, a anistia que tentaram rotular de bilateral, foi uma tristeza, essa foi a palavra mais amável que consegui encontrar para identificar a forma e o conteúdo desse julgamento esdrúxulo, escabroso, excluindo com total desconhecimento da realidade, as posições de um lado e as convicções do outro.

É importantíssimo que se examinem as palavras POSIÇÕES e CONVICÇÕES, que usei deliberadamente. Os torturadores que “empolgaram” o Poder, tinham POSIÇÕES representadas e dominadoras pelo exercício total e cruel do Poder.

Os que tinham CONVICÇÕES, estavam visivelmente em minoria, fragilizados, enfrentavam os que tomaram o Poder arbitrária e atrabiliariamente, e portanto utilizavam todas as armas e o formidável aparelhamento do Poder. Dessa forma, não é nem disparatado considerar como monstros os que só queriam torturar, e reverenciar como HERÓIS os que pretendiam desbaratar e eliminar esse regime criminoso.

Além do mais, ministros do Supremo que examinaram e consideraram honrosa a “saída política”, que segundo eles, “permitiu a pacificação do País”, esqueceram de um fato importantíssimo: as hostilidades foram iniciadas pelos que assaltaram o Poder, dominaram todas as armas, passaram a prender e a torturar desde o DIA 1º DE ABRIL, DATA HISTÓRICA MAS RENEGADA PELOS TORTURADORES, por causa do seu envolvimento histórico como o DIA DA MENTIRA.

Os que se envolveram na luta contra os torturadores, estavam apenas reagindo à violência. Atiraram depois, rigorosamente inferiorizados, minoria inacreditável, sabiam que não tinham a menor condição de saírem vitoriosos. Lutavam pela obrigação de lutar, resistiam porque resistir é sagrado, consagrado, o dever acima da própria vida.

Como os ministros falaram, MUITÍSSIMAS vezes, em ação penal, direito penal, condenação ou absolvição penal, é preciso refrescar a memória de todos: os que foram absurdamente chamados de GUERRILHEIROS e até de TERRORISTAS, agiram e reagiram em LEGÍTIMA DEFESA, lógico, da vida de cada um e do regime democrático e coletivo do próprio País.

Cronologicamente, os ministros do Supremo erraram e insistiram no erro, não tiveram o cuidado sequer de examinar os fatos e as datas. Além do que já assinalei, que os que lutavam em favor da coletividade, atiraram depois, dois equívocos que não podem passar sem condenação para personagens que tanto usaram e abusaram da palavra absolvição.

1 – No dia 20 de abril, logo de 1964, poucos dias depois do golpe cruel e patrocinado pela frota dos EUA, e pelo seu embaixador aqui, Lincoln Gordon, (tudo confessado e documentado) o clamor contra a tortura no Norte/Nordeste, era de tal ordem, de tanta repercussão, que não foi possível ignorar coisa alguma, ou alguma coisa.

Revoltado, mas pressionado pelo Exército de Caxias, contrariando os torturadores, o “presidente” Castelo Branco teve que mandar a Pernambuco seu “chefe da casa militar”, o general Ernesto Geisel (10 anos depois “presidente”), para investigar as denúncias que chegavam de todos os lugares.

A tortura no Norte/Nordeste, principalmente em Pernambuco, era feita de forma “desassombrada”. Nos porões dos quartéis dominados pelos criminosos, mas também nas principais ruas do Recife, com prisioneiros sendo “passeados à vista de todos, e relembre-se, amarrados pelo pescoço”.

Por que o Supremo não pesquisou esses fatos? Existe um relatório do general Geisel, que é um primor de controvérsia. Sabendo que iria colocar seu nome, Geisel não disse que HAVIA tortura, nem negou sua existência. Entregou ao “presidente”, que mandou arquivá-lo, está entre os documentos que não querem que o povo conheça.


2 – Ainda mais grave foi a omissão cometida por ministros do Supremo a respeito da data da Anistia ampla, geral e irrestrita. Todos, sem exceção, citaram NOVEMBRO DE 1979, COMO SENDO O ÍNICIO DA PACIFICAÇÃO E DA ABSOLVIÇÃO de todos. Incrível que o mais alto tribunal do País não tenha tomado conhecimento do CALENDÁRIO GREGORIANO. Foi isso, ou ainda mais cruel?

Em 26 de março de 1981, a Tribuna da Imprensa foi totalmente destruída, devastada, destroçada, impedida de circular. Os ministros do Supremo, por um lapso, (compreensível?), não lembraram que os atentados praticados em março de 1981, eram obrigatoriamente arrolados como tendo ocorrido QUASE DOIS ANOS DEPOIS DA ANISTIA?

Ou a anista, AMPLA, GERAL E IRRESTRITA, valia para todos, menos para a Tribuna da Imprensa? Esta versão parece a mais verdadeira, pois a INDENIZAÇÃO OBRIGATÓRIA A SER PAGA ao jornal, já teria completado 31 anos e CONTINUA SEM SOLUÇÃO.

E como os ministros do Supremo podem chamar da BILATERAL, a anistia dada a TORTURADORES e a brasileiros que praticaram o “crime” de resistir a esses TORTURADORES?

Para mostrar a audácia desses TERRORISTAS DA DITADURA basta lembrar que, poucos dias depois da explosão da Tribuna da Imprensa, os militares cometeram outro atentado, a 30 de abril de 1981 (muito depois da Anista, repita-se), no Riocentro, onde milhares de pessoas festejam por antecipação o Dia do Trabalho.

Uma das bombas foi levada pelo sargento Guilherme Pereira do Rosário e pelo então capitão Wilson Dias Machado. Mas o artefato, que seria instalado no edifício, explodiu antes da hora, matando o sargento e ferindo gravemente o capitão Machado, que jamais foi punido. Pelo contrário, acabou sendo promovido a major, a tenente-coronel e depois a coronel, quando atuava (pasmem) como “educador” no Colégio Militar de Brasília.

A segunda bomba, colocada por outros militares terroristas, deveria ter explodido a estação elétrica responsável pelo fornecimento de energia do Riocentro. Mas foi jogada por cima do muro, explodiu em seu pátio e a eletricidade do pavilhão não chegou a ser interrompida.

Se os terroristas do SNI tivessem obtido êxito total, detonando a primeira bomba dentro Riocento e a segunda na estação de luz, centenas de pessoas poderiam morrer no atentado, não somente na explosão, mas também na confusão que se seguiria no Riocentro sem luz, com as pessoas em pànico, tentando fugir na escuridão.

As bombas, é claro, seriam atribuídas pelo regime militar aos heróicos brasileiros que enfrentavam a ditadura. Mas como uma delas explodiu literalmente no colo dos militares, ficou óbvio de quem era a autoria.

Esses TERRORISTAS E TORTURADORES que agiam em nome da ditadura, não são assassinos nem mesmo criminosos: são monstros que se alimentam da dor e do sofrimento dos que caem em suas mãos. Não querem que os TORTURADOS MORRAM, pois se isso acontecer, perderão a razão de viver, não conseguirão dormir. Portanto a “bilateralidade” apregoada, nada a ver com heróis e torturadores.

(Também nada a ver com a tão apregoada “Síndrome de Estocolmo”, tão citada e tão ignorada ou desvirtuada).


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PS – Quando foi praticado o CRIME TERRÍVEL contra a Tribuna da Imprensa, funcionava no Senado a “CPI do Terror”, presidida pelo senador Mendes Canale, e tendo como relator, Franco Montoro, mas tarde governador de São Paulo.


PS2 – O relator telefonou para o repórter no dia seguinte, combinou que viria conversar comigo. Como a Tribuna da Imprensa não existia mais, nos encontramos no gabinete de Barbosa Lima Sobrinho, a grande figura que presidia a ABI. Montoro me disse: “Helio, vou para Brasília, marco com a CPI teu depoimento imediato, te comunico”. E assim foi feito.

PS3 – Fui depor, falei 6 horas seguidas (é a minha forma de ser), sem beber um gole de água, interrompido apenas por perguntas que não deixei sem resposta, Citei nomes, revelei que tudo havia sido planejado, preparado e executado pelo SNI, que com isso tentava tornar sem efeito o que agora ministros do Supremo, equivocadamente, seguem a rotina, chamando de Anistia ampla, geral e irrestrita.


PS4 – Disse textualmente: “Esse é o GOLPE DO SNI, para prorrogar a ditadura. E nada melhor para isso do que destruir o jornal que se jogou inteiro na resistência à ditadura”. A repercussão no “governo” que se dizia democrático foi maior do que na ditadura que ainda tentava prevalecer. Isso teve tal consequência que os senadores não deixaram que eu ficasse em Brasília.


PS5 – Temiam (e como duvidar?) que, se ficasse na capital, correria risco de vida.


PS6 – Gostaria de fornecer aos ministros, acesso a esse depoimento, rigorosamente histórico. Infelizmente, não é possível. Não demorou muito e o depoimento DESAPARECEU TOTALMENTE DOS ANAIS DO SENADO. Como os ministros têm prestígio e relacionamento, podem confirmar isso no próprio Senado.


PS7 – Esse “resultado” de 7 a 2 não representa nada, nenhum ministro entrou no mérito. Se os 7 a 2 prevalecessem, estaria decidido: O DOI-CODI É A JURISPRUDÊNCIA
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sábado, 1 de maio de 2010

Sobre os torturadores da ditadura e os de hoje



"De modo cínico, querem comparar a luta democrática com a repressão, em que liberdade era nenhuma, e tentam impedir a instalação da Comissão da Verdade e Justiça, com a conivência dos aliados de sempre… querem comparar aqueles que perderam tudo — os entes que mais amavam, a saúde, os empregos, a liberdade e, alguns, até o país — com aqueles que massacraram e jamais responderam por isso."


Hildegard Angel, Jornal do Brasil


Engraçado como para crimes contra a humanidade havidos no Brasil, a Justiça sempre trabalhe a serviço dos poderosos... E se mostre sempre como instituição atrelada aos interesses de uma classe em detrimento de outras. A favor do esquecimento de crimes, aplaudidos ou incentivados, de inícios, pelos mesmos que continuam sugando o sangue dos trabalhadores honestos, tornando o Brasil o segundo país mais estressado do mundo... estressado e cada vez mais desesperançado... Dos que falam em democracia desde que seja no sentido de um grande mercado de produção e vendas lucrativas, mas não de consolidação da dignidade humana de uma nação...

Dentre as cicatrizes mais profundas, estão as torturas praticadas nos porões da Ditadura por sádicos de direita treinados e orientados para levar ao pior da degradação do ser humano... A estes criminosos, a burguesia sempre ampara... aos estudantes, aos intelectuais humilhados e mortos... o esquecimento e a pexa, dito por gente como Gandra Martins, de serem criminosos... E tudo o que se desejaria era o esclarecimento de atos e nomes que agiam nos DOI-COD e nos DOPS oficiais de uma ditadura cruel...

Segue excelente texto do jornalista Carlos Chagas sobre o assunto, publicado no blog do Jonrnal Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 01/05/2010:

A memória não prescreve

Carlos Chagas


Torna-se necessário um passo adiante na decisão do Supremo Tribunal Federal de manter o texto da Lei de Anistia de 1979, negando excluir do perdão os agentes públicos envolvidos em crimes de tortura. Afinal, essa exclusão só passou a valer depois da Constituição de 1988, constituindo princípio basilar de Direito que a lei só retroage para beneficiar, jamais para prejudicar.

Acresce que até crimes de homicídio prescrevem em vinte anos. O que não prescreve, porém, é a memória. Sendo assim, torna-se dever da sociedade identificar e divulgar o nome de agentes do estado envolvidos em práticas de tortura durante o regime militar, bem como as diversas formas de sua ação deletéria. E mais o nome dos torturados, se possível com seus depoimentos.

Da mesma forma, não há que restringir investigações e denúncias ao período dos generais-presidentes. Em quantas delegacias de polícia torturou-se antes e depois de a Nova República haver sido instaurada, já se vão mais de vinte anos?

Sem esquecer a tortura privada, aquela praticada por quantos não serviam nem servem ao poder público, como os terroristas, os bandidos ou os sicários a serviço do poder econômico. E seus mandantes e responsáveis, porque tanto no âmbito de grupos, associações e empresas urbanas, quanto em propriedades rurais, também se praticaram e praticam lesões aos direitos humanos.

O que vem acontecendo depois de 1990, ainda sob a guarda da lei, deve gerar punições, valendo até mesmo para a babá que, esta semana, foi flagrada maltratando um bebê de sete meses. O importante é não esquecer, não perdoar, e denunciar constitui dever de todos. Antes e depois da prescrição só revogada pela Constituição de 1988.

Numa palavra, a tortura é abominável e, mesmo se não for mais possível levar o torturador à barra dos tribunais, precisa ser exposta.

Cabe à Justiça, à imprensa, às associações de classe, aos sindicatos, às igrejas e demais forças sociais promover ampla investigação nacional, claro que preservada do denuncismo que sempre rondará essa atividade.