Cada dia a mais de Bolsonaro significará maior acúmulo de frustrações, maior agravamento das duas crises, a de saúde e a econômica, e maior dificuldades em vencê-las.
O filme “Coringa” foi premonitório. Relata uma situação de extrema tensão que explode com um episódio específico, um grupo de yuppies de mercado que, em um vagão de metrô, humilha uma pessoa fantasiada de palhaço. Há uma reação, e a vítima mata os agressores. A partir daí, há uma pandemia de violência explodindo por toda a cidade e a vestimenta de palhaço torna-se o símbolo da reação.
O que ocorre hoje, nos Estados Unidos, é semelhante, uma reação espontânea provocada pela morte de George Floyd, cidadão negro detido pela polícia e morto, depois de 9 minutos de asfixia a que foi submetido por um policial.
O episódio deflagrou um festival de protestos por várias cidades, com a explosão da panela de pressão acumulada pelo racismo arraigado da sociedade americana, acentuado pela ascensão do supremacismo branco representado por Donald Trump. Em cima disso, a revolta contra o fracasso da luta contra o Covid-19, a explosão do desemprego, a incidência da doença, manifestando-se mais acentuadamente nas regiões pobres e junto às populações negras. E, no comando do país, uma luta intestina entre partidos políticos.
No Brasil, as mortes de negros por policiais tornaram-se banalizadas pela repetição. Mas a tensão social está cada vez maior, uma panela de pressão de alto teor. Não haverá como não emular a violência difusa americana.
Há a explosão do desemprego, o desmonte das redes de sociais, a quebra de pequenas e microempresas, a doença grassando nas periferias das grandes cidades. E, na Presidência, um desatinado provocando em doses iguais revolta e adesão de seguidores fanatizados.
Nos próximos meses, haverá agravamento de todos esses problemas, o de saúde, o econômico, o aumento do desalento.
A expectativa de fim da pandemia evaporou-se. A pressão sobre governadores e presidentes está provocando uma flexibilização imprudente do isolamento, que agravará o problema no momento seguinte. Daqui a pouco tempo haverá um recuo, acentuando mais frustração popular.
O governo acabou, falhou em todas as frentes, na econômica, na política, na social. Há um grupo político envolvido em crimes explícitos, de alimentação da violência virtual à suspeita de crimes de morte.
A cassação de Bolsonaro ocorrerá mais cedo ou mais tarde, tal a disfuncionalidade do governo e o acúmulo de indícios de práticas criminosas. Cada dia a mais de Bolsonaro significará maior acúmulo de frustrações, maior agravamento das duas crises, a de saúde e a econômica, e maior dificuldades em vencê-las.
É um caldo de violência que abre inúmeras possibilidades. Um governo que rompa com o dogmatismo de Paulo Guedes, com um plano bem articulado de emissão de moeda e gastos públicos, conseguirá resultados rápidos na economia. E, com isso, ganhará um trunfo político inigualável. Há um cadinho de cultura para a exploração da violência.
Nos anos 30 houve duas maneiras de enfrentamento da crise: Roosevelt com o New Deal, Hitler com o plano econômico articulado por seu Ministro da Economia. Na base, cidadãos desesperados, prontos a aderir ao primeiro salvador e a enfrentar qualquer fantasma, com as armas que lhes sejam indicadas, ou a solidariedade ou a violência mais selvagem.
Haverá uma reação à queda inevitável de Bolsonaro. Hoje em dia, Bolsonaro é a referência maior das guerras virtuais, entre os contra e os a favor.
Expelido do poder, haverá dois movimentos inevitáveis. O primeiro, dos fanáticos, não se afastando a possibilidade de atos violentos, praticados por milicianos e associações de tiros. O segundo a violência difusa, à medida em que os Bolsonaro saiam do centro das atenções.
Há uma saída amadurecendo para a crise atual: a cassação rápida da chapa de Bolsonaro-Mourão pelo Tribunal Superior Eleitoral. Nesse caso, o governo será assumido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em um mandato tampão. Em todo esse prendo, Maia ganhou uma dimensão política insuspeita, ornando-se o centro de gravidade dos acordos políticos e da racionalidade.
Sendo mandato tampão, terá toda a boa vontade dos diversos setores políticos, como teve Itamar Fraco, depois do terremoto do impeachment de Collor. Hoje em dia, há um Coringa no meio do caminho. E o país confrontado com seu maior desafio.
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