Não vamos acordar? Vamos deixar assim o país mergulhar em águas sombrias e medievais, de negação da ciência, de indiferença diante da morte de nossos concidadãos, do autoritarismo crescente, com discursos e ações de ódio?
O nazi-fascismo brasileiro, por Dora Incontri
Não me lembro se comentei aqui que morei três vezes na Alemanha, uma vez na infância, outra na adolescência e já quando jovem. E desenvolvi uma relação de amor e ódio com os alemães, porque admiro a cultura, gosto da organização, aprecio as belas paisagens e os monumentos históricos, mas sempre me foi difícil engolir o que eles fizeram no nazismo. O povo aderiu em massa àquela barbárie, um povo que era escolarizado, instruído… e como em minhas vivências lá tanto na infância, quanto na adolescência, encontrei gente racista, xenófoba… tremendo desconforto com os alemães crescia dentro de mim, como uma raiva, um ressentimento, um inconformismo… Durante as aulas que tinha numa escola em Berlim, campanhas antinazistas eram feitas (isso era década de 70, o auge da social democracia alemã). Nunca me esquecerei de um judeu sobrevivente ao holocausto, vindo nos contar sobre a noite dos cristais, ou dos filmes originais que víamos, de quando os aliados chegaram aos campos de concentração e filmaram estarrecidos o que encontraram nesses locais de tortura e morte. E eu me indagava: como um povo que teve um Bach, um Beethoven, um Goethe, um Schiller, um Bertold Brecht e tantos outros, sem citar filósofos e cientistas, poderia ter gerado algo tão histriônico, bizarro e macabro quanto o nazismo?
E eu então, ingenuamente pensava, que se tratava de um problema quase especificamente alemão. Conforme fui amadurecendo e estudando, aprofundando inclusive meu conhecimento sobre os movimentos fascista e nazista, fui compreendendo que não se tratou de um fenômeno pontual, isolado, de uma raça, que se considerava superior. Não cabe aqui fazer uma descrição aprofundada sobre o tema, mas hoje sabemos que a eugenia existia em vários locais no mundo (aliás, desde o século XIX), foi objeto de experimentações com negros nos Estados Unidos, era uma ideologia que permeava as primeiras décadas do século XX no Brasil (com a adesão irrestrita de alguém que me foi tão caro na infância, Monteiro Lobato – ele lamentava que no Brasil não houvesse uma Ku Klux Klan, para “colocar os negros no seu lugar”.). Hoje sabemos que as corporações e os bancos do mundo se beneficiaram com o nazismo e o apoiaram.
E também é mais familiar para todos, que houve outros momentos ou períodos históricos em que outros genocídios foram praticados, como os séculos de tráfico e escravização dos povos africanos nas Américas, como o genocídio armênio pelos turcos, como os mais diversos massacres que o colonialismo europeu praticou aos quatro ventos do mundo. O comunismo de Estado também tem seus números terríveis, com os goulags stalinistas e os mortos na Revolução maoísta. Desculpem-me os que defendem a luta armada e o comunismo de Estado, mas para mim, matança é matança, é coisificar o ser humano e eliminá-lo sem pena.
Entretanto, diante de tudo isso, não contava, não esperava que em minha maturidade, eu tivesse de assistir ao meu país – o Brasil de Castro Alves e Guimarães Rosa, de Tom Jobim e Darcy Ribeiro, de Tarsila do Amaral e Elis Regina… – caindo no abismo de um nazifascismo tupiniquim, com o apoio de um terço da população!
Está certo que o genocídio dos negros e dos indígenas e o feminicídio das mulheres já acontecem desde sempre; que temos um racismo e um machismo estruturais, que já tivemos a tortura institucionalizada na Ditadura militar e continuamos torturando as classes desfavorecidas nas delegacias e presídios… então, há substrato social e (des)humano para o que estamos vendo recrudescer hoje.
Mas não é possível ficarmos impassíveis com um “e daí”? – diante de 5 mil mortes; com uma população fanática burlando uma quarentena recomendada mundialmente e ainda agredindo profissionais heroicos da saúde; com funcionários obrigados a ficar de joelhos diante dos estabelecimentos comerciais em que trabalham, com um vírus galopante matando a população e o ministro robotizado, recém-colocado na Saúde, dizer que não sabe…
Muitos brasileiros manifestam esse mesmo desgosto perplexo diante do que estamos vivendo: a pior crise de saúde, com mortes em massa da população, com o pior e mais fascista dos governos que já tivemos em toda a nossa história… onde está o Brasil do chorinho, da solidariedade, da poesia e da boa vizinhança? Ele está subjacente, está nas margens, está debaixo das cinzas, porque somos nós. Estranho a apatia de líderes, de políticos à esquerda, de representantes de instituições importantes. Estarão com medo, perplexos, sem saber o que fazer?
Não vamos acordar? Vamos deixar assim o país mergulhar em águas sombrias e medievais, de negação da ciência, de indiferença diante da morte de nossos concidadãos, do autoritarismo crescente, com discursos e ações de ódio que já atingem os que estão trabalhando, os que estão lutando por um mundo melhor, incluindo os profissionais da saúde, que estão literalmente oferecendo suas vidas para salvar outras e estão sendo agredidos? Quando o país inteiro estiver coberto de cadáveres – que é o que vai acontecer de acordo com a previsão dos cientistas (vejam live do dia 3 de maio do Atila Iamarino – um brasileiro jovem, cientista, brilhante), vamos nos arrepender suficientemente de termos entregue nossas vidas a um psicopata, cercado de bajuladores e apoiadores fundamentalistas, que urlam por aí, carregando caixões e empunhando a pobre e vilipendiada bandeira nacional?
Como espírita, espiritualista, cristã, não me é dado o luxo de perder a esperança. Estou em luto, mas continuo a luta e conto que a nossa profunda e saudável alma brasileira desperte sem demora…
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