sábado, 16 de setembro de 2017

Globalização do mal, por Ângelo Cavalcante, economista e professor da Universidade Estadual de Goiás



Como resultado dessa épica engenharia econômica e geopolítica. o insuspeito Banco Mundial avalia que 22 crianças a mais teriam morrido a cada hora a partir de 2009 o que equivale a uma morte infantil a cada três segundos por causas absolutamente evitáveis. Que globalização é essa? Que mundo é esse? Quem, afinal, somos nós?


Gravura: Oswaldo Guayasamín, 'El Grito', 1976
Globalização do mal

por Ângelo Cavalcante (extraído do Jornal GGN)



Que esta forma social é integralmente falida já não há dúvida; que a sociabilidade que ela engendra é completamente perdida, degenerada e decadente também é algo mais do que visível; do ponto de vista ambiental, por triste exemplo, em menos de cem anos todos os biomas do planeta foram arrasados, reduzidos ao nível do simbólico, da filigrana.
Mesmo com a hipnose dos avanços tecnológicos, o mundo nunca esteve tão pauperizado, desamparado e miserável. Pensar fora disso é auto-engano do começo ao fim, de cabo a rabo. O desenvolvimento que o mundo vem provando, sobretudo, nos últimos cinquenta anos é uma aberração sangrenta de muito difícil descrição.
Os estudos do economista bengali Amartya Sen, Nobel de Economia (1998), em exitosa parceria com o argentino e também economista, Bernardo Kliksberg são elucidativos para o entendimento do que tem representado a lástima do atual desenvolvimento capitalista em sua sanha escalar, global e destrutiva. Com o sugestivo nome de "A ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado", sua feitura coerente e sistematizada é soco certeiro no estômago de todos os que se interessam pelas questões do desenvolvimento. 
Sen e Kliksberg irão demonstrar com dados empíricos que um bilhão de pessoas passam fome no mundo atual; 1,2 bilhão de seres humanos não tem acesso a água minimamente tratada e; exatamente pela falta de água adequada morre 1,8 milhão de pessoas ao ano.
Um vaso sanitário, um ordinário vaso sanitário é artigo de luxo na atual globalização; dois bilhões e seiscentos milhões de homens e mulheres não tem acesso a esse objeto fundamental para a própria saúde. Os citados analistas irão afirmar que 5% de todo o orçamento militar do mundo resolveria todas as questões da distribuição de água potável e de saneamento básico do planeta. 
A problemática crônica da água potável, privilegio de bem poucos, encadeia outras graves questões! Em decorrência da sua escassez se estima em 443 milhões de dias escolares perdidos, sobretudo, para as meninas que se veem obrigadas a buscar água onde quer que ela exista. 
500 mil mães morrem durante a gravidez ou no muito precioso instante do parto. 99% desses óbitos maternos se acham em países do dito terceiro mundo. Isso dá em média uma mãe morta por minuto, ou seja, até você concluir a leitura deste artigo horroroso, ao menos cinco mães estarão eliminadas.
Os economistas, consultores dos principais organismos multilaterais do mundo, são categóricos em afirmar que, em definitivo, o índice de mortalidade materna não conheceu nenhuma sorte de melhora desde 1990 mesmo considerando os enormes avanços no campo da medicina. A contabilidade diabólica a envolver mães e crianças é assim: são 400 mães que morrem no instante de dar à luz a cada cem mil nascimentos. As razões principais dessas mortes são hemorragias e anemias em seus mais diferentes graus; problemas que podem ser evitados com o manuseio de comprimidos à base de ferro e que não chegam a custar (se espantem!) dez centavos de real.
E a tragédia não tem fim! São dezenove crianças com menos de cinco anos que morrem em função da pneumonia a cada cinco minutos. Por ano, tem-se a escandalosa cifra de mais de dois milhões de cadáveres infantis em função dessa complicação.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), temos nove milhões de crianças e que não chegam a completar cinco anos de idade. Algo como 33% e 50% delas morrem em função de desnutrição. Dirão os autores: "A causa da morte costuma ser a diarreia mas, por trás dela, está um déficit acentuado de micronutrientes elementares". A mesma OMS irá confirmar que 20% das crianças são subnutridas.
Ocorre que, a partir da crise global de 2008, onde especuladores usaram e abusaram com o arriscado jogo dos preços dos produtos, sobretudo, dos produtos alimentares, detectou-se evidente agravamento da má nutrição e da insegurança alimentar em todo o mundo o que implica, obviamente, na piora das deficiências físicas e mentais em número ainda maior de crianças.
No estrito campo da economia, os estudiosos irão revelar que a iniquidade econômica é a grande marca da economia global deste século. Afirmam: "A desigualdade na distribuição de renda entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres passou de 30 para 1, em 1960; para 74 para 1, em 1997. 
A Universidade das Nações Unidas irá discordar e será categórica em afirmar que o drama não é esse e que, de fato, se trata de algo bem maior e mai trágico! Conta: "Os 10% mais ricos detêm 85% do capital global enquanto metade dos habitantes do planeta possuem apenas 1%.
Finalmente e ainda mais periclitante, a crise de 2008 e que abalou o mundo fora em sua quase totalidade exportada dos países ricos para o assim chamado mundo em desenvolvimento, os mesmos países do terceiro mundo. Como resultado dessa épica engenharia econômica e geopolítica o insuspeito Banco Mundial avalia que 22 crianças a mais teriam morrido a cada hora a partir de 2009 o que equivale a uma morte infantil a cada três segundos por causas absolutamente evitáveis.
Que globalização é essa? Que mundo é esse? Quem, afinal, somos nós? Transformar radicalmente as estruturas desse perverso e satânico modelo social e econômico mais do que bandeira política se afirma como condição definitiva para a própria existência da humanidade ou ao menos do que restou dela. É do que se trata!
*Ângelo Cavalcante - Economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara.

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