quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Pitágoras de Samos, a divina ordem do Cosmos e a busca pela libertação do Homem e sua alma...




"A melhor maneira que tem o homem para aperfeiçoar-se é aproximar-se de Deus".

"A Evolução é a Lei da Vida, o Número, a Lei do Cosmos e a Unidade é a Lei de Deus"

Pitágoras de Samos (570-497 a. C.)

Pitágoras: razão e sensibilidade como asas para a elevação da alma


Texto de Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Não há estudante secundarista que não tenha tomado conhecimento do nome de Pitágoras. O famoso “teorema de Pitágoras” tornou-se o fantasma de muitos alunos de matemática e instrumento indispensável de arquitetos, engenheiros, astrônomos e físicos, por séculos. Contudo, a contribuição e importância deste pensador ultrapassam em muito a área da geometria, ainda que uma grande parte de, senão praticamente todo,  seu pensamento esteja, hoje, intricadamente mesclada à material posterior acrescentado ao núcleo original de sua obra, ou invariavelmente perdido.
                Além de geômetra, Pitágoras também era filósofo, músico, místico e político e o impacto de sua presença e ideias atingiu toda a Grécia clássica de fins do século VI a. C. até a ruína do Império Romano do Ocidente. A admiração e importância de sua obra pode ser avaliada pelo respeito que os pitagóricos obtiveram na antiguidade e inícios da era cristã, e que pode ser testemunhada por filósofos e historiadores de porte, como Diógenes Laércio, Platão, Aristóteles, Sêneca e Plotino.

                I – O homem

                Infelizmente, o que sabemos sobre Pitágoras enquanto indivíduo, é bastante fragmentário ou envolto em meio a uma áurea talvez lendária, ao menos em parte. Mas esta “áurea lendária”, por si, já aponta para o fato de que sua vida foi extraordinária e motivo de admiração por parte dos contemporâneos e, ainda mais, de seus discípulos. O movimento pitagórico permaneceu forte a atuante, intelectual e politicamente, por ao menos três séculos após a morte de Pitágoras e seus membros tinham um respeito e devoção quase religiosas por seu mestre. De historicamente concreto podemos ter a certeza de que nasceu em Samos na segunda metade do século VI antes de Cristo, tendo atingido o apogeu de sua vida criativa e de ação por volta do ano 530 a. C, e morrido nas colônias gregas da Itália no início do século V a. C.

                Diógenes Laércio, que foi, provavelmente, o mais conhecido dos biógrafos antigos de Pitágoras – mas não o único -, deixou-nos um resumo de sua vida que é uma pista, em pinceladas robustas, da dimensão do intelecto de Pitágoras e do esforço que este fez, desde muito jovem, em se instruir e aprender, imergindo nas fontes da filosofia, ciência e religião de mistérios gregos (especialmente na escola órfica), de onde obteve estímulo e incentivo para ampliar perspectivas, fazendo-se viajar por muito tempo para além das fronteiras da Grécia.

                Diz-nos Diógenes Laércio que...

                “Jovem e ávido de ciência, deixou a sua pátria e foi iniciado em todos os ritos, escolas e mistérios, tanto gregos como bárbaros. Posteriormente, foi para o Egito... Depois, ainda esteve entre os caldeus e magos do oriente. Posteriormente, em Creta, com Epimênides, adentrou o retiro de Ida, mas no Egito também adentrou nos santuários e muito aprendeu com os segredos da teologia egípcia. Retornou, então, a Samos, mas, como encontrasse sua terra natal sob a tirania de Polícrates, decidiu seguir para a Itália, em Crotona. Ali, fundou uma comunidade e elaborou leis para os italianotas, assim conseguindo grande estima e fama, junto com seus discípulos que, em cerca de trezentos, administravam tão bem a coisa pública que seu governo foi quase uma aristocracia” (adaptado de uma citação de Diógenes Laércio, contida em Reale & Antiseri, 1991, História da Filosofia, Vol. I, p. 39, ed. Paulus, São Paulo).

                Que Pitágoras tenha viajado muito é bem possível, mas se estas viagens tiveram a extensão espacial, temporal  e – mais em especial - em profundidade nas tradições sapienciais do oriente próximo e médio, como citadas por Laércio bem depois dos fatos, é hoje objeto de alguma controvérsia, a depender do posicionamento dos eruditos. Seja como for, é hoje um fato reconhecido que, ao se estabelecer em Crotona, no sul da Itália, o filósofo teve um impacto considerável na comunidade local – impacto que logo se estendeu a outras colônias gregas do Mediterrâneo, em várias áreas, da ciência à política.

                II – As ideias

                Os alunos de Pitágoras, que viviam em comunidade, recebiam um ensino especial do Mestre e eram estimulados a desenvolver em iguais proporções a razão e a sensibilidade. Excesso de razão leva a um racionalismo frio, à arrogância e a meios de justificação dos piores atos ( no que hoje podemos ver no pior da Modernidade Mecanicista, calcada pela razão instrumental e impessoal), enquanto só a sensibilidade exagerada leva ao excesso de sentimentalismo e à complacência extremada.   Razão sensível, voltada ao crescimento pessoa e social, era o foco da comunidade pitagórica. Portanto, o estudo da ciência e da música eram bastante cultivados na comunidade de Crotona, assim como a poesia e – lógico – a filosofia. Este modelo foi posteriormente copiado por Platão em sua Academia, e por Aristóteles, no Liceu.

O ensino cultivado dentro da comunidade era restrito aos discípulos e noviços, sendo exigido sigilo sobre os pontos mais aprofundados dos estudos discutidos. Para os de fora, os discípulos eram instruídos a repassarem princípios simplificados, mais de acordo com o nível ou grau de desenvolvimento cognitivo e intelectual dos leigos (modelo também adotado por Platão e Plotino, séculos depois). O melhor exemplo desta dupla característica do ensino de Pitágoras, esotérica para os iniciados, e exotérica para os leigos, ficou melhor demonstrada no conceito de Reencarnação, adotada por Pitágoras. Enquanto para os iniciados, a doutrina da reencarnação implicava a possibilidade de desenvolvimento da alma – cujo processo seria mais ou menos rápido a depender dos esforços da mesma em cada vida -, parece que o conceito, para ser melhor gravado nas mentalidades mais rasas dos leigos de fora da comunidade, acabou por tomar contornos mais disciplinares. Lembremos que os ensinos da comunidade não eram repassados para os de fora e só muito tempo depois é que alguns discípulos começaram a escrever algo sobre o que se discutia nas reuniões dos alunos com os mestres. 

Assim, a ideia da Reencarnação foi popularizada com uma pintura mais dura no conceito menos avançado de Metempsicose, o conceito segundo o qual as almas – especialmente as mais rudes ou que agiram mal – poderiam reencarnar não apenas em formas humanas (veja-se o destaque) mas, se ainda não aprendessem ou melhorassem, poderiam voltar em corpos de animais. Era uma imagem pesada, mas ajudava as pessoas a se regrarem mais, quando a mera lógica da ética e da ideia de ação e reação não parecia surtir efeito nas mentalidades mais infantis. Seja como for, existem indícios de que Pitágoras dizia lembrar-se de várias vidas anteriores, sempre em formas humanas.  O fato é que para Pitágoras (assim como para o orfismo e várias das religiões do oriente), o objetivo da vida é o aperfeiçoamento da alma até o ponto em que esta não precise mais voltar ao mundo terreno. Neste aperfeiçoamento, o desenvolvimento intelectual, afetivo e moral deve ser harmônico, equilibrado e constante e a melhor maneira para tanto é o estudo, a reflexão e o convívio com seus semelhantes, aprendendo e ensinando, além de partilhando.

Coube também a Pitágoras e seus discípulos o reconhecimento da ordem na natureza ( significado da palavra grega Kósmos). Como vários dos mais importantes fenômenos naturais possuem uma periodicidade (as estações do ano, os ciclos de vida, dia e noite, etc.) e são proporcionais ou possuem relações entre si (dia-noite, claro-escuro, par e ímpar, macho e fêmea, as notas musicais, as relações harmônicas, etc), Pitágoras intuiu que a ordem que vemos segue os parâmetros de uma ordem implicada, mais perfeita (por exemplo, a harmonia entre os corpos celestes, que ele chamava “harmonia das esferas”) e que, como podem ser representadas matematicamente, toda a ordem visível é expressão de uma matemática divina. Daí a ênfase (para nós, bem distante no tempo, aparentemente exagerada) de Pitágoras nas relações numéricas: estas podiam representar a divina proporção oculta (ou nem tanto) nas coisas. Para isso, além da geometria, contribuiu grandemente os estudos de Pitágoras com a música: as notas de uma escala são padrões numéricos e frequências em números precisos (relações entre a oitava, a quarta, a quinta, etc., que estabelecem os graus da escala musical).

O avanço dos discípulos nas comunidades pitagóricas (assim como ocorria também com as órficas) ficou patente quando estes começaram a assumir funções na administração pública, promovendo avanços sociais variados e menos práticas coronelistas. O foco estava no correto agir, não só individualmente, mas também socialmente – objetivo coerente e resultante da filosofia da comunidade de purificação e libertação da alma. Não demorou muito para que – como sempre ocorre quando novas ideias surgem promovendo maior justiça e equidade – a classe tradicional começasse a odiar Pitágoras e seus discípulos. O fato é que alguns “coronéis” e membros da “Casa Grande” tradicional de Crotona, querendo reaver o poder que tinham, acabariam por incendiar a comunidade de Pitágoras. Segundo algumas fontes, fora assim que o Mestre acabou por morrer, assassinado pelos conservadores (imaginem o quanto mais intensa teria sido a perseguição se nesta época houvesse uma mídia com as  suas Globo e a Veja influindo e manipulando acríticos superficiais....), mas outras fontes dizem que Pitágoras teria conseguido escapar à tentativa de assassinato, morrendo algum tempo depois. 



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