quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Poder e política, além da exploração pentecostal televangélica, no documentário “O Capital da Fé”



Texto de Wilson Roberto Vieira Ferreira - do Cinegnose

Pastores retirando sacos de dinheiro dos templos ou maquininhas de cartão de crédito passando pelos fiéis nos cultos tornaram-se imagens habituais nas críticas às novas igrejas neopentecostais. Mas o documentário “O Capital da Fé” (Gabriel Santos e Renan Silbar, 2013) vai muito além disso, ao mostrar que, paradoxalmente, essas críticas alimentam um mito que apenas dá força a um gigantesco negócio que está sendo montado:  capital e fé unidos não apenas pela exploração da fé de pessoas simples, mas pela financeirização e liquidez que lava tão branco quanto paraísos fiscais e que constrói lentamente uma forte sustentação política parlamentar que quer chegar ao Poder. As novas igrejas há muito tempo abandonaram o clichê do Tio Patinhas. Hoje estão confortáveis no mundo pós-moderno da liquidez.
Ao som da ópera Carmina Burana, e com cortes ao ritmo da música, assistimos a um verdadeiro vídeo clipe de socos, chutes, sangue e fraturas dos combates do MMA de Jesus – um evento chamado Reborn Strike Fight 5 promovido pela Igreja Renascer. Lutadores clamam em nome de Cristo pela vitória.
Essas são as cenas iniciais de O Capital da Fé, documentário de curta metragem que aborda a nova Igreja Evangélica brasileira, suas contradições, a espetacularização da fé com inusitadas cristianizações de coisas como micaretas e esportes de luta, assim como as ambições políticas de seus dirigentes – assista ao documentário abaixo.
A espetacularização da fé e a exploração financeira praticadas pelas igrejas evangélicas são denúncias sem nenhuma novidade, recorrentes desde nos anos 1990 quando a TV Globo comprou briga com a Igreja Universal com uma série de matérias sobre a exploração dos dízimos dos fiéis. E o bispo Edir Macedo ameaçou em represália colocar no ar o documentário proibido sobre a Rede Globo Muito Além do Cidadão Kane na sua emissora, a TV Record.
O Capital da Fé teria tudo para repetir esses temas, mas foi além: máquinas Cielo de cartão de crédito passadas entre os fiéis nos cultos, a construção de gigantescos templos, cultos que são verdadeiros shows de stand ups e as gigantescas marchas por Jesus seriam apenas a fachada mais aparente da consolidação de um gigantesco plano de negócio – lavagem de dinheiro e a conquista da hegemonia política parlamentar.

O Documentário

Os diretores Gabriel Santos e Renan Silbar pareciam saber que estavam lidando com um tema já diversas vezes revisitado, mas que sempre foi tratado de uma forma moralista que sempre martela na mesma tecla: o povo que é enganado na sua fé e é explorado por pastores mentirosos e oportunistas que pensam somente em enriquecer.
Mas o documentário quer ir além desse lugar comum, e por isso deve conduzir o espectador aos poucos até chegar ao ponto pretendido. Na primeira metade o documentário revisita as denúncias clássicas contra as igrejas neopentecostais: a cristianização generalizada de esportes de luta, micaretas e lambadas como formas de propaganda, a precária formação teológica dos seus pastores (invariavelmente formados em Teologia em cursos ministrados pela própria igreja), a espetacularização da fé, o foco na teologia da prosperidade e o incentivo do consumismo no interior dos cultos como forma de propagar a glória de Deus – o sucesso pessoal do crente.
Formas de cristianismo corporativo cuja fórmula é emprestada de empresas de marketing de rede como Herbalife ou Tupperware que transformam os seus produtos em religião cujos ícones exteriores do sucesso econômico dos seus vendedores (o carro, a casa etc.) passam a ser a propaganda da própria marca.
Dos verdadeiros shows de stand up que os pastores promovem nos cultos ou nos estúdios de TV evangélica às imagens do dízimo sendo recolhido nas igrejas por meio de máquinas de cartão da Cielo (“preferimos cartões de crédito”, ouve-se a certa altura), aos poucos o documentário vai conduzindo o espectador ao tema mais explosivo: o engajamento dessas igrejas não busca apenas supostas salvações, curas e libertações de um rebanho sofrido e carente. Atualmente o engajamento modificou-se – incita-se os fiéis com o lema “irmão vota em irmão” com o evidente propósito de uma ação política.

De onde vem o dinheiro?

Vemos imagens das Marchas com Jesus que se transformaram em eventos de demonstração de força política com a presença de deputados da bancada evangélica que incitam nos fiéis o ódio aos seus críticos, além da presença de autoridades laicas – aparecem imagens do governador de São Paulo Geraldo Alckmin em um desses eventos.
Construções faraônicas como o Templo de Salomão em São Paulo (com pedras trazidas de lugares tidos como sagrados em Israel) a aquisição de canais de TV e a demonstração de força das Marchas com Jesus são reivindicadas como “Vitórias de Cristo”.
Aos poucos, O Capital da Fé vai chegando a uma questão simples e óbvia que o viés mais moralista da questão parece ignorar: mas tudo isso é pago apenas com o dinheiro dos dízimos e contribuições espontâneas de fiéis? Por que essas igrejas querem tanto explicitar esse suposto engajamento financeiro dos crentes?
No documentário vemos duas declarações de Ricardo Gondim, pastor da Igreja Betesda, supeitando que o funcionamento desse tipo de negócio é muito mais complexo: “Morei nos EUA, lidei com igrejas ricas (batistas e presbiterianas), mas lá não existe essa quantidade de dinheiro que corre aqui no Brasil” e “A minha experiência como pastor diz o seguinte: essa dinheirama toda que banca canais de TV, mega-construções e frotas de aviões, essa dinheirama não existe no bolso dos crentes… o povo brasileiro é pobre”.
Se os dízimos dos fiéis é um mito alimentado tanto pelos críticos como pelas próprias igrejas para demonstrar o poder da fé de seus crentes, então como a Fé e o Capital aproximam-se nesse tipo de negócio?


As declarações mais contundentes são de Devair Lucas (autor de livros e denúncias envolvendo perseguição e violência de pastores e políticos em Minas Gerais) “Não tem igreja no mundo que sobreviva com dinheiro de dízimo e oferta... como a Receita Federal, Ministério Público e Polícia Federal não olham para essas igrejas, o dinheiro que foi desviado de verbas públicas, roubo de cargas e tráfico de drogas circula pelas igrejas de 90 dias a quatro meses passando pelo nome dos pastores. Depois volta para os deputados sob a forma de doação”.

Como alimentar um mito


O Capital da Fé termina de uma forma perturbadora ao mostrar que as conexões atuais entre fé e capital não é constituída apenas pelo dinheiro em espécie, mas principalmente pela liquidez de uma intensa lavagem de dinheiro. Sem a necessidade de prestar contas as autoridades fiscais, as igrejas neopentecostais se tornariam o canal ideal de contravenção financeira.

Fica claro no documentário que o objetivo não é apenas o mero enriquecimento pessoal dos pastores ou o exibicionismo dos mega-templos.

Está sendo construído no País uma nova conjuntura política que é impossível de ser pensada sem a presença do ativismo político e partidários desses grupos religiosos. Igrejas que já se fundamentam na eleição de deputados e senadores que comprovam a conexão entre poder político e financeiro.


Por exemplo, a chegada do cantor gospel e bispo Marcelo Crivella ao Ministério da Pesca e Aquicultura no governo Dilma em 2012 mostra que a ambição desse fluxo financeiro e político vai para além do próprio parlamento – um dia chegará ao Executivo.

Após assistirmos ao Capital da Fé podemos concluir que os próprios críticos reforçam o poder dessas igrejas ao alimentar um mito de que capital e fé aproximam-se por meio da mera exploração do dinheiro dos fiéis. Essa é apenas a fachada de um gigantesco negócio.

Talvez agora possamos compreender o porquê dessas igrejas se deixarem ser filmadas nos momentos de recolhimento dos dízimos, a inacreditável esteira rolante que recolhe os dízimos no Templo de Salomão para quem quiser ver  e as imagens de pastores retirando sacos cheios de dinheiro dos templos.

Ingênuos, acreditamos que essas imagens são autênticas denúncias. Mas o descalabro é muito maior: as igrejas neopentecostais há muito tempo evoluíram do imaginário Tio Patinhas de entesouramento e pão-durismo. Hoje são pós-modernas e se integraram ao sistemas financeiro que lava tão branco quanto o negócio da religião.

 

Ficha Técnica


Título: O Capital da Fé
Diretor: Gabriel Santos e Renan Silbar
Roteiro: Gabriel Santos e Renan Silbar
Elenco: entrevistas com Ricardo Mariano, Paulo Siqueira, Ricardo Gondim, Lanna Holder, Rosania Rocha, Devair Lucas
Produção: 35 Pixels
Distribuição: on line
Ano: 2013
País: Brasil

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Estudo busca decodificar palavras finais dos moribundos

  Projeto delineado por uma poetisa gera um estudo da Universidade Bryn Athyn, do Condado de Montgomery, EUA, que irá gravar as palavras de pessoas que morrem em casa, sob os cuidados médicos. O objetivo é analisar as mudanças das comunicações dos moribundos, nas últimas seis semanas de vida, a fim de tornar o processo menos misterioso - e assustador - para os familiares e prestadores de serviços médicos.



No início do evento "The Unintelligible Afterlife: What Deathbed Conversations Tell Us About a World Beyond" - "A ininteligvel pós-vida: O que Conversas leito de morte diz-nos sobre o Mundo do Além", (da esquerda) o moderador Curtis Childs com Raymond Moody Jr., Lisa Smartt, Erica Goldblatt Hyatt, Dan Synnestvedt, e o Rev. Jonathan Rose. 

Segue artigo de Stacey Burling, membro da equipe de redação do jornal Inquirer, publicado em 28 de setembro de 2015

Tradução: Carlos Antonio Fragoso Guimarães


 Lisa Smartt, uma poetisa e linguista, ficou fascinada pelas belas, estranhas e enigmáticas palavras dos moribundos a partir do que vivenciou durante os últimos dias de seu pai, em 2012.

  "Eu não posso chegar, Jack", disse ele. "Minha parte está quebrada." E também "Há tanta coisa triste." E, o que mais a surpreendeu, porque ele não era um homem religioso: "Lisa, você estava certa sobre os anjos!"

 Ela começou o Projeto Palavras Finais para recolher outros pensamentos dos que partem e que eram enviados por várias pessoas a ela. Não era, então, uma pesquisa científica. Eram apenas palavras que os parentes haviam tido tempo de gravar e que tinham considerado significativas.

 Seu projeto, porém, gerou um estudo do Bryn Athyn College, Faculdade do Condado de Montgomery, que irá gravar as palavras - todas elas - de pessoas que morrem em casa, sob cuidados médicos. O objetivo é analisar como se dão as mudanças das comunicações, nas últimas seis semanas de vida, a fim de tornar o processo menos misterioso - e assustador - para os familiares e prestadores de serviços médicos.

  O estudo pioneiro será dirigido por um trio incomum: a própria Smartt, Erica Goldblatt Hyatt,  professora de psicologia na faculdade, e Raymond Moody Jr., que é famoso pelos estudos das experiências de quase-morte - EQM - (termo que ele cunhou em 1975) e que, mais recentemente, vem focando-se em categorizar o discurso aparentemente sem sentido dos moribundos. Seus 70 tipos irão fornecer um modelo para analisar algumas das expressões  estranhas comumente ouvidas.

  Os três falaram no último fim-de-semana para mais de 400 pessoas no Bryn Athyn College's Mitchell Performing Arts Center. O evento, intitulado "A Ininteligível Pós-Vida: O que Conversas no Leito de morte conta-nos sobre o Mundo do Além", arrecadou dinheiro para a pesquisa. Goldblatt Hyatt disse a concessão para um financiamento foi negada porque o projeto não se enquadra nas categorias habituais (Nota do Tradutor: isso ocorre sempre: qualquer pesquisa que não se enquadre no paradigma mecanicista padrão e/ou não ofereçam um retorno lucrativo imediato são frequentemente descartadas pelo establishment ordinário. Por isso, por exemplo, a escassez de recursos para estudos voltados para a Ecologia ou as áreas de humanidades). Ela espera envolver de cinco a 20 pessoas neste estudo, este ano.

 Apesar do título provocativo, Goldblatt Hyatt disse que, para ela, o estudo não é destinado primariamente a encontrar evidências de que as pessoas que estão morrendo estão fazendo a transição para um mundo espiritual.

"Eu sou muito cética em relação a linguagem de uma vida após a morte", disse ela. "Nós não estamos pesquisando para provar que a consciência existe após a morte."

  O trabalho de Moody, narrando luzes brilhantes testemunhadas próximos ao leito de morte, experiências de saída do corpo (out-of-body experiences) e encontros com falecidos por pessoas à beira da morte ou das  que as assistem é vista por muitos como evidência de vida após a morte. Mas ele também advertiu sobre a leitura determinista que fazem dos fenômenos que estuda.

 "Se os nossos espíritos vivem é uma importante questão filosófica que a ciência ainda não é capaz de investigar", disse Moody. Um filósofo de formação antes de se tornar médico, Moody, 71 anos, é um curioso enérgico e contagiante.

  Ele questiona a ideia de que as visões são o resultado do morrer dos cérebros, dizendo essas coisas também têm sido experienciadas por pessoas que passaram por algum trauma, tipo acidentes, mas que eram saudáveis.

 Dos três, Smartt é a que mas expressamente vê as palavras dos moribundos como uma janela potencial para alguma outra coisa. Como ela escreve em seu site: "É possível que a linguagem do fim da vida seja uma linguagem de 'transição', que emerge como parte da transição da vida aqui na terra para outra vida, ou outra dimensão."

 Outra possibilidade, disse ela durante seu discurso de sábado, é que a forma como as pessoas falam no final pode revelar mudança de habilidades. "Será que estamos ligados para alguma experiência transcendental no final da vida?" perguntou.

 Ela disse que metáforas sobre viagens e grandes eventos figuram com destaque em muitas das últimas palavras enviadas a ela.  Também falam os moribundos de estarem a ver outras pessoas em salas que aparecem vazias para seus familiares.

  Moody disse ser um absurdo afirmar que as declarações não fazem sentido por estarem aparentemente erradas ou por parecerem inventadas ou não combinarem.  

 No final da vida, disse ele, as pessoas frequentemente dizem coisas que não fazem sentido. Contudo, também é bem comum, afirmou, os parentes, ou outros, dizerem : "Eu sabia que era algo sem sentido, mas, no fundo da minha mente, eu senti que eu sabia, que eu entendia"

  Ele então perguntou quantos na platéia tiveram uma experiência semelhante. Muitas mãos elevaram-se.

  As pessoas estão mais propensos a lembrar as últimas palavras que fazem sentido, disse ele. Ele está animado que o novo estudo irá gravar toda uma linguagem, dando uma melhor visão sobre como a mente está mudando.

  Goldblatt Hyatt disse que ela estava "intrigada com a ideia de que as palavras dos moribundos pode significar mais do que a vida pode apreciar." Ela quer desembaraçar padrões lingüísticos e analisar temas psicológicos. Ela está interessada em saber se a personalidade permanece estável durante o processo de morrer e se as visões descrevem algo ou as metáforas que eles usam refletem as crenças que tiveram ao longo de suas vidas.

  O trabalho, segundo ela, pode tornar mais fácil para as famílias "entrar na realidade" de que seus entes queridos morrem, ao invés de negá-la.

 Matthew Mendlik, um neurologista e um médico de cuidados paliativos na Universidade da Pensilvânia, disse que as pessoas que têm experiências de quase-morte são diferentes das que estão efetivamente morrendo de uma maneira que pode ser cientificamente significativa: Eles sobreviveram. Ele acrescentou que grande parte da forma como o cérebro funciona, tanto quando é saudável quanto quando ele está morrendo, permanece um mistério.

 Não é surpreendente, disse ele, que possa haver experiências comuns quando o corpo declina. "Eles chamam a morte de a grande equalizadora por uma boa razão."

  Ele disse que o delírio, que faz com que haja visões, é comum no final da vida. No entanto, ele disse, não sabemos por que visões particulares acontecem  (Nota do Tradutor: este e a afirmação padrão dos médicos que estão atrelados ao apradigma mecanicista convencional. Contudo, pesquisas em EQM, como as levadas recentemente pela Universidade de Southampton, Reino Unido, questionam esta forma reducionista de explicar os fatos. Por vezes, o "fantasma!"  visto pelo moribundo pode ser visto também por outras pessoas, sejam parentes ou pessoal de saúde. Clique aqui para saber mais).

  Ele concordou que é comum para os moribundos começar a ver ou falar com as pessoas que estão mortas há muito tempo. Isso, segundo ele, "é um dos marcadores para nós que as coisas estão se direcionando para o fim."

  Não são as palavras finais a dizer ao parente que está a morrer o que as famílias lhe perguntam mais freqüentemente ao médico. Eles são muito mais propensas a querer saber o que fazer quando seus entes queridos param de falar. Elas perguntam se eles ainda podem ouvir e entender.

Sempre assumi que eles podem, diz ele.

sburling@phillynews.com

215-854-4944

Seguindo a lógica dos evangélicos e sua política reacionária, nem Jesus Cristo teria uma família...



     Efeito colateral de algumas imbecilidades teocráticas pentecostais na política: Jesus, que era filho de Deus e não de José (segundo a Bíblia) não teria família reconhecida no Brasil, de acordo com o projeto deles... Tenhamos cuidado com a ameça dos teocratas...



Opinião - Carta Capital

Até Jesus ficaria de fora do Estatuto da Família de Cunha

Projeto é mais um episódio da cruzada contra os direitos individuais dos deputados religiosos e oportunistas
por Mauricio Moraes — publicado 28/09/2015 08h56
Lula Marques / Agência PT
Sóstenes Cavalcante e Marco Feliciano
Retrocesso: Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ) e Marco Feliciano (PSC-SP) durante a sessão em que o Estatuto da Família foi aprovado
Jesus, segundo consta, era filho de uma virgem, concebido por um Espírito Santo. Maria, sua mãe, vivia com um carpinteiro, José, que se tornou o segundo pai do menino. Em suma, se vivessem no Brasil de 2015, estariam sob risco de ficar de fora do tal Estatuto da Família, a mais nova e retrógrada legislação concebida pelos fundamentalistas do Congresso Nacional, capitaneados pelo suposto cristão Eduardo Cunha (PMDB-RJ). 
O tal Estatuto da Família é mais um capítulo da cruzada contra os direitos individuais que viceja em um Congresso pautado, cada vez mais, por deputados religiosos (e oportunistas). O texto, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, considera família a união única e exclusiva entre um homem e uma mulher. Famílias homoafetivas ou poliafetivas (caso da de Jesus, diga-se) estariam, em tese, fora da lei.
A comparação com a virgem de Nazaré, o carpinteiro, a pomba divina e o menino Deus pode até soar desrespeitosa. Mas se trata justamente de debater o desrespeito, neste caso do atual Congresso com parte considerável da sociedade brasileira que vive em núcleos familiares dos mais diversos – casais gays, de lésbicas, de pessoas transexuais, polifamilias, etc. 
A escalada conservadora tem outros capítulos perversos. Voltou a debate o Projeto de Lei 5069/2013, do próprio Cunha, outra marcha a ré nos direitos humanos e individuais das mulheres. O texto diz que a vítima de estupro só poderá receber atendimento na rede de saúde se antes tiver passado pela polícia e se submetido a um exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal.
Para piorar a história, o texto ainda quer proibir a distribuição da pílula do dia seguinte em casos de violência sexual. Ou seja, querem forçar as mulheres estupradas a levar adiante uma gravidez fruto de um crime (lembrando que esta mesma mãe e filho ainda não poderão ser chamados de “família”, na concepção destes mesmos deputados conservadores).
Tudo isso se dá logo após os mesmos fundamentalistas conseguirem barrar, País afora, a inclusão nos Planos Municipais de Educação do debate sobre a questão de gênero nas escolas. Falar sobre gênero é combater o machismo que endossa a violência sexual que as mulheres vivem no seu dia a dia. É combater bullying nas escolas, que faz com que adolescentes LGBTs estejam no topo dos rankings de suicídios.
Ou seja, falar sobre gênero é falar sobre tolerância. E a pressão dos religiosos foi tão grande que até inventaram um termo, a tal “ideologia de gênero”, uma mentira que ganhou ares de verdade no debate raso dos conservadores.
Na Comissão de Constituição e Justiça, o Estatuto da Família foi aprovado com os votos do PSDB, do PV, do PSC, do PSB, do PSD, do Solidariedade, do PP, do DEM. Votaram contra apenas o PT, o PSOL, o PCdoB e o PTN.
Por ora, "transviados” de todo o Brasil não precisam se atemorizar. Caso seja aprovado no plenário da Câmara e do Senado, é praticamente certo que o caso vá parar no Supremo Tribunal Federal, que deve considerar nulo esse ponto do tal Estatuto e derrubar a legislação. É o STF mais uma vez salvando o País da pequenez dos ditos representantes do povo.
Mas é bom lembrar que está justamente aí o ovo da serpente. Há poucos anos, ninguém poderia imaginar que em pleno século 21 deputados e senadores estivessem mais ocupados em legislar sobre o corpo alheio do que sobre questões que realmente importam para o País. Mas aí vieram os deputados pastores, irrigando campanhas com dizimo que não paga imposto e querendo cada vez mais espaço. O resultado esta aí: Eduardo Cunha, um dos mais insólitos representantes do conservadorismo religioso brasileiro, na presidência do Legislativo nacional.
Não se enganem... Depois de conquistarem a mídia, pautarem o Congresso, os fundamentalistas religiosos, logo mais, darão o próximo passo – fazer lobby para a indicação do primeiro ministro evangélico do STF. Tempos obscuros.

sábado, 26 de setembro de 2015

Papa Francisco, nos EUA: "Sou um socialista. Jesus também era. Essa é a nossa doutrina"



Papa Francisco não poupou em falar das criticas dos conservadores americanos que o chamam de esquerdista, marxista e socialista pela sua agenda progressista frente a Igreja Católica



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Em declaração, Francisco disse: “Se eu sou um socialista, Jesus também era. Eu sigo nossa igreja, essa é a nossa doutrina.”

Fonte: BR29

O papa Francisco celebrou ontem (23) a primeira canonização de um santo nos Estados Unidos. Francisco chegou à Casa Branca em um carro comum, de passeio. Diante de 11 mil convidados, o presidente Barack Obama afirmou que Francisco é um exemplo vivo dos ensinamentos de Jesus. Francisco agradeceu a acolhida.
“Como filho de uma família de imigrantes, estou feliz de ser um hóspede num país construído por famílias assim”, disse Francisco.
E falou da importância de uma sociedade verdadeiramente tolerante e inclusiva. Também elogiou as iniciativas de Obama para combater o aquecimento global, um problema que não pode ser deixado para as gerações futuras.
Depois de uma conversa a portas fechadas com o presidente, o Papa fez um rápido passeio pelos arredores da Casa Branca, onde milhares de pessoas aguardavam desde a madrugada.
O Papa Francisco tem sido recebido com muita afeição, apesar de os católicos não serem maioria nesse país. É uma boa surpresa para quem, em 78 anos de vida, nunca tinha pisado nos Estados Unidos.
Falando em espanhol, Francisco deixou uma mensagem de amor e de esperança para todos.
Como o Papa Francisco chega para sua primeira visita oficial aos Estados Unidos, o pontífice está sob fortes críticas de conservadores para o que alguns chamam de sua agenda “socialista” e que os outros condenam como “marxismo.”
O Papa tem sido muito vocal sobre a interligação entre capitalismo desenfreado e à crescente crise econômica e da mudança climática, para o desgosto de muitos americanos de extrema-direita. Aqueles que estavam esperando apenas discurso sobre questões sociais como o aborto e “liberdade religiosa” são muito desconcertado por sua insistência em discutir questões verdadeiramente importantes, porque, como um dos líderes religiosos mais influentes do mundo, agenda progressiva do Papa destaca um contraste gritante com a prioridades equivocadas dos chamados evangélicos dentro do Partido Republicano.
Com informações do Jornal Nacional e Occupy Democrats

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Rupert Sheldrake e a luta por uma "Ciência sem Dogmas"




Texto de Carlos Antonio Fragoso Guimarães



 Rupert Sheldrake (foto) é um daqueles cientistas-pensadores a quem as pessoas inteligentes, em contato com suas ideias, dificilmente ficam indiferentes... Elas, logo de início, ou vêem nele uma espécie de "porta-voz" de intuições há muito acalentadas, mas ainda sem as palavras certas, ou, então, o odeiam por seus questionamentos provocativos à visão tradicional, positivista, determinista e materialista, de mundo, cultivada, e por várias maneiras, imposta pela cultura ocidental, em especial e com bastante ênfase, após a II Guerra Mundial.

    Biólogo, bioquímico, pesquisador (inclusive de áreas consideradas por muitos como "marginais"), escritor e conferencista, Rupert Sheldrake, nascido em 1942, é um britânico que obteve o melhor e viu o pior daquilo que o ocidente pôde oferecer nós últimos 75 anos.

     Estudou ciências naturais na Universidade de Cambridge, Inglaterra, onde recebeu uma bolsa de estudos,  graduando-se com distinção e onde também concluiu o doutorado em bioquímica. Estudou também Filosofia, em Harvard, nos EUA, com especial interesse nas áreas de Epistemologia e Filosofia da Ciência. Foi membro pesquisador de importantes instituições (Royal  Society, Cambridge University - onde foi professor -, etc), com especial foco em biologia celular, bioquímica e fisiologia vegetal, sendo um dos co-descobridores, junto com Philip Rubery, do processo de transporte celular da auxina (hormônio que permitem o alongamento celular) e foi pesquisador importante no desenvolvimento de técnicas de cultivo agrícola em regiões semi-áridas, atualmente muito utilizadas em vários países, em especial a Índia. Desempenha ainda a função de diretor de pesquisas do Perrot-Warrick Project da Trinity College, Cambridge. Porém, o foco de interesse de Sheldrake nos últimos trinta anos tem se descolocado cada vez mais para as questões de epistemologia, ciência de fronteira e psicologia. Este interesse o fez tornar-se pesquisador e membro de instituições de pesquisa de vanguarda - para os quais uma parte dos cientistas tradicionais "normais" torce o nariz -, como o Instituto de Ciências Noéticas, IONS (Institute of Noetic Sciences), fundado pelo ex-astronauta Edgar Mitchell para incentivo e estudo de visões de mundo emergentes e potenciais pouco explorados da capacidade humana, incluindo estados alterados de consciência e fenômenos psi. 

   Detentor de um conhecimento enciclopédico e uma curiosidade intelectual rara - e, para alguns, temerária -, Rupert Sheldrake não se furtou a debates acalorados com representantes da escola mecanicista e materialista de interpretação cientifícista do mundo. Seus questionamentos à várias posições ou "dogmas" intelectuais de cientistas o tornaram figura conhecida. Veja-se, por exemplo, seus questionamentos aos posicionamentos de Richard Dawkins (clique aqui para assistir a um vídeo, em inglês, sobre este embate).   Sua principal - e mais instigante e polêmica - contribuição teórica refere-se à chamada Teoria dos Campos Mórficos ou Morfogenéticos, apresentado com detalhes em vários de seus livros, em especial Uma Nova Ciência da Vida (Ed. Cultrix, São Paulo) e em A ressonância mórfica & a presença do passado (Ed. Piaget, Lisboa). Nesta teoria - que aproxima a biologia da Psicologia de Carl Gustav Jung e da teoria do Modelo Organizador Biológico do brasileiro Hernani Guimarães Andrade, bem como das ideias pioneiras de Ludwig von Bertalanffy, pondo-o ao lado de pesquisadores e epistemólogos como Prigogine, Maturana, Varela, Capra e Edgar Morin -, questiona-se a visão mecanicista cartesiana atualmente dominante, que dá por explicado qualquer comportamento dos seres vivos mediante o estudo analítico e linear de suas partes constituintes e sua posterior redução para as leis químicas e físicas. Ante tal modelo, Sheldrake propõe a ideia de que os elementos biofísicos e bioquímicos estruturais (proteínas, etc.) são postos em formação e atividade por ativação do DNA e orientação intercelular pelos campos morfogenéticos, os quais ajudam a compreender como os organismos adotam as suas formas e comportamentos característicos (um texto básico sobre a teoria pode ser lido clicando-se aqui). 

  Em tese, os campos morfogenéticos são campos de conformações estruturais, ou seja, atuam sobre o substrato biofísico direcionando formas, campos padrões, estruturas de ordem. Estes campos organizam não só o desenvolvimento de organismos vivos, mas também de cristais e moléculas e explicariam a ação psíquica entre seres vivos, que escapam ao modelo mecanicista de realidade, ainda em vigor. Veja um vídeo (legendado em português) onde o próprio Sheldrake apresenta sua teorias e implicações do Campo Morfogenético, clicando aqui.

  Contudo, uma das maiores contribuições de Sheldrake está no questionamento e demonstração das "estruturas dogmáticas" que, conformando a percepção e pensamento de muitos cientistas, transformam a ciência - um empreendimento que deveria ser aberto e continuamente questionador dos limites do saber - em uma espécie de feudo semi-fechado, cientificista, onde novos guardiões da verdade decidem, a priori, o que é possível e impossível no mundo, dando a entender que já sabem tudo, ou ao menos, a essência da realidade que nos cerca.

  Seu mais recente livro publicado em português, Ciência sem Dogmas, é, justamente, uma demonstração desta visão tacanha, onde "o maior delírio do pensamento científico atual é a crença de que ele ja compreende a natureza da realidade". Sheldrake, na obra, mostra que as pressuposições paradigmáticas mecanicistas implícitas na visão geral de muitos cientistas cristalizaram-se em dogmas que, no fim, por mais úteis que sejam ao pensamento do capitalismo - que, aliás, serve de "justificativa" a atacar o trabalho de gênios da ciência quando seus trabalhos contrariam os interesses do capital, como foi o caso, entre outros, de Nikola Tesla e suas pesquisas de produção e distribuição gratuita de eletricidade e transmissão sem fios-, estão restringido a própria ciência que acaba por ter traços de uma espécie de religião laica  - o que, aliás, era a pretensão de certos filósofos positivistas, em especial Augusto Comte -, transformando a ciência em cientificismo. Sheldrake analisa cientificamente estes dogmas e aponta suas falhas, limitações e aspectos nocivos, mostrando que a ciencia seria mais rica, mais humana, mais atraente sem eles. Portanto, seu livro, como ele mesmo afirma, é "pró-ciência. Quero que ela seja menos dogmática e mais científica".

   A profundidade, alcance e estímulo intelectual desta obra é difícil de ser resumida em poucas palavras. Sugerimos que o leitor interessado  veja o seguinte vídeo abaixo (com legendas em português) onde o próprio Rupert Sheldrake faz uma apresentação geral do mesmo e que, claro, leia o livro.


A Ciência Libertada | Palestra Rupert Sheldrake 2012 Leg. PT- BR





terça-feira, 22 de setembro de 2015

“Precisamos acabar com a corrupção da opinião pública feita pela mídia”, diz Venício Lima



Em debate sobre democracia e mídia, professor da UnB critica postura dos meios de comunicação brasileiros; seminário expôs realidade de países latino-americanos, que se veem na encruzilhada entre ser “refém” do discurso midiático ou promover leis democráticas para o setor
21/09/2015
Por Vivian Fernandes,
De São Paulo (SP)
 
Foto: Douglas Mansur 
A corrupção promovida pela mídia, as intenções golpistas, a concentração dos meios e as novas leis para promover a democracia no setor foram os temas que marcaram o Seminário Internacional "Mídia e Democracia nas Américas", promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Os debates ocorreram com transmissão online, entre a sexta-feira (18) e o domingo (20), na cidade de São Paulo. Estiveram presentem representantes de dez países do continente americano.
Fazendo uma referência aos noticiários dos grandes meios de comunicação, o professor da Universidade de Brasília (UnB) e membro do Conselho Curador da empresa pública de comunicação, a EBC, Venício Lima iniciou o debate falando a respeito do caso brasileiro.
“Se corrupção é a prevalência de interesses privados sobre os públicos, quando a mídia seletivamente apresenta interesses seus, privados, como se fossem públicos, ela está desenvolvendo um processo sistemático de corrupção da opinião pública”, afirmou.
A homogeneidade do discurso midiático no Brasil foi outro fator problemático apresentado pelo teórico. “A narrativa da mídia é tão homogênea que é como se tivesse um único editor para todas as notícias de todos os meios", disse. E citando um exemplo recente, Venício traz o tema da “mediatização penal”: “A mídia denuncia, julga, condena e quando se prova a inocência, a mídia não recua e continua condenando”, avaliou.
O professor ainda cobrou do governo federal a saída para a “armadilha que ele próprio caiu”. Ele apontou que “os governos populares eleitos nas quatro últimas eleições acreditaram, de forma equivocada, que poderia ser feita uma aliança entre o governo e os oligopólios de mídia. E por acreditar nessa possibilidade foram se perdendo as oportunidades de fazer o mínimo” para democratizar a comunicação no Brasil através da promoção da “pluralidade e diversidade”.
A crítica à política promovida pelos governos PT também veio de outros palestrantes e do público. Para Osvaldo León, da Agência Latino-americana de Informação (Alai-Equador), “é incrível como em quatro governos do PT, o partido ainda não tem uma política democrática de comunicação”.
Governo brasileiro
Representando o Ministério das Comunicações do Brasil, estava Emiliano José, Secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica. Ele apontou que: “Tivéssemos nós regulamentado os artigos da Constituição, do 220 ao 224, teríamos uma mídia mais democrática que a de hoje”, reconhecendo que o governo não avançou muito na democratização da comunicação.
Ao falar do livro que pretende lançar em breve, e reafirmando que esta é uma análise feita em seu próprio nome, ele declarou que “a mídia brasileira sempre teve lado. Ela nunca tergiversou em que lado ela situa e não é do lado do povo brasileiro. Ela sempre teve posições extremamente conservadoras”. Sobre a atual conjuntura política do país, José alertou que “os grupos hegemônicos da mídia desempenham um papel essencial nesse intento golpista”.
“Nesse momento, na conjuntura que nós vivemos, pedir uma regulação da mídia é uma contradição com a correlação de forças que vivemos, sobretudo com um Congresso com essa composição”, sinalizou José. Esta afirmação causou polêmica entre os participantes e alguns reagiram apontando que a luta pelo democratização da mídia não cessaria, como foi o caso de Rosane Bertotti, da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Direito à comunicação
“O Brasil está atrasado na discussão da democratização dos meios”, foi o ponto de partida pelo qual o Relator Especial para Liberdade de Expressão na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Edson Lanza fez sua apresentação.
Abordando a liberdade de expressão em sua dimensão individual – direito de cada pessoa em buscar, receber, compartilhar e produzir informação - e coletiva – que tem a ver com a garantia da democracia -, Lanza sustentou sua argumentação. Dentro disso, ele afirmou que “os oligopólios ou monopólios [dos meios] atentam contra a liberdade de expressão e a democracia”.
Lanza também apontou que é papel do Estado assegurar a democracia no país, garantindo a presença dos três setores: público, privado e comunitário nos meios de comunicação.
Nesse sentido, Néstor Busso, ex-presidente do Conselho Federal de Comunicação da Argentina e ativista das rádios comunitárias, abordou o processo de construção da Lei de Meios em seu país. “O central é que a comunicação é um direito, não um negócio. A liberdade de expressão é um direito de todas as pessoas, não dos donos dos meios”, apontou.
“O Estado para garantir o direito à comunicação e à liberdade de expressão, deve assegurar diversidade e pluralismo. Isso significa que o Estado tem que atuar com políticas públicas para garantir esse direito, se faz isso colocando limites aos poderosos e promovendo a palavra e expressão dos setores mais postergados e pobres”, explicou.
Leis de Meios
Sobre o caso argentino, Busso ainda contou que as licenças de rádio e TV são divididas igualmente em três tipos de prestadoras: privada ou comercial, social (sem fins de lucros ou comunitária) e pública (que pode ser estatal ou não-estatal).
Assim como na Argentina, o Equador possui um modelo de participação dividido em um terço para cada setor. Segundo Osvaldo León, da Alai, um tema importante na legislação equatoriana é sobre a publicidade estatal. “Se a Constituição reconhece três setores, a publicidade estatal deve distribuir-se em três porções iguais”. Isso serve, em especial, para os comunitários, que possuem dificuldades de autossustentação.
Apesar de existir há dois anos na lei do Equador, León aponta que não há muitos avanços de democratização dos meios, e afirmou que “não tem nenhuma frequência outorgada para o setor comunitário”.
Ainda no capítulo sobre Leis de Meios, experiências do Uruguai, Venezuela, Equador e Bolívia também foram apresentadas. Guardadas as particularidades, em comum pode-se apontar que as mudanças legais foram possíveis pela vontade política dos governos, mas, principalmente, pela mobilização popular, como recordaram todos os representantes destes países.
“A lei não muda a realidade do dia para a noite, mas precisa uma profunda mudança cultural. É um processo que estamos fazendo, mas ainda há muito o que fazer”, refletiu Néstor Busso, da Argentina.
Oligopólio da mídia
“Antes nós vimos como funciona no paraíso, agora cabe a mim levá-los ao inferno”, brincou Luis Hernández Navarro, editor do jornal mexicano La Jornada, referindo-se às apresentações dos países onde há lei de meios, e abrindo o caminho para apresentar uma realidade de oligopólio midiático, como é a do México, Chile, Colômbia e Brasil, entre outros.
“No México, 96% das concessionárias comerciais de televisão pertencem a duas empresas. E 80% das emissoras de rádio são propriedade de três círculos comerciais. Estamos falando de uma concentração monopolista que vai acompanhando de um projeto de hegemonia semântica”, afirmou Navarro.
“Não é somente hegemonia informativa, não é só que os noticiários se informem o que querem informar, e que se oculte o que se quer ocultar; tem a ver como todo o sentido que se dá. Porque a indústria midiática forma parte de um conjunto de entretenimento, de tal forma que estes grupos controlam a principal quantidade de revistas, teatros, salas de cinema”, apontou Navarro sobre a concentração no México.
A conversão dos grande grupos midiáticos em atores políticos, “em organismos ideológicos dirigentes, que acabam articulando protestos, convocando a população contra governos progressistas em dois grandes eixos: o da segurança pública e o da corrupção”, foi outro tema abordado pelo mexicano, que sentenciou que esse “é um fenômeno latino-americano”, citando casos como o de seu país e o de Guatemala, por exemplo.
Golpe
Imersos na realidade brasileira, comentários em referência às tentativas golpistas dos meios de comunicação no Brasil, como o inicialmente falado pelo professor brasileiro Venício Lima, foi marcante ao longo do seminário.
“O debate da lei no Brasil não é importante só para o Brasil, mas para toda a América Latina. Queremos uma democracia com governos eleitos pelo povo e não governadas pelo poder econômico e pela mídia”, disse o argentino Busso.
“Não é mais preciso o fuzil dos militares para promover o golpe, há os meios de comunicação que o fazem”, afirmou Amanda Dávila, ex-ministra das Comunicações da Bolívia.
Ela ainda comparou seu país ao Brasil. “Na Bolívia temos maioria no Congresso, quem apoia o governo do presidente Evo são mais de dois terços. No Brasil, o cenário é adverso, no Congresso como está é difícil promover mudanças. É preciso um processo de mudança cultural e política, construído a partir do povo, das mobilizações populares”, salientou Amanda.
A ex-ministra boliviana ainda indicou que “se há um golpe no Brasil, o impacto não seria só para o Brasil, mas para todos os países da região. Não gostaria de pensar numa situação como essa, pois seria o fim de muito dos nossos processos”.
“O embate entre mercadoria e direito é central para a análise dos meios de comunicação no Chile”, apontou Javiera Olivares, presidenta do Colégio de Jornalistas do Chile.

O Papa em Cuba e a mídia reacionária, como a Opus Dei, na retranca


    "A grande imprensa brasileira sempre se assumiu como católica, apostólica, romana. Com a cobertura da viagem do papa à Ilha percebe-se que, além disso, nossos jornalões exibem-se majoritariamente, sem pudor, como sectários e reacionários." - Alberto Dines


Papa em Cuba, Opus Dei na retranca





Segue, para reflexão, texto de Alberto Dines, extraído do Observatório da Imprensa

Francisco não é o primeiro pontífice a pisar em território cubano, é o terceiro. Mas é o primeiro desde 1959 a avistar em Havana a bandeira norte-americana tremulando ao lado da cubana. Façanha pela qual é um dos principais responsáveis, junto com o presidente Barack Obama.

A grande imprensa brasileira sempre se assumiu como católica, apostólica, romana. Com a cobertura da viagem do papa à Ilha percebe-se que, além disso, nossos jornalões exibem-se majoritariamente, sem pudor, como sectários e reacionários.

Dos três diários de referência nacional, dois deles seguem a linha inflexível da Opus Dei – “Globo” e “Estadão”. Sem forçar uma autonomia, a “Folha” procura demarcar-se sutilmente da discretíssima prelazia conservadora global, embora mantenha fortes vínculos com o seu expoente no Brasil, Yves Gandra Martins.

O esquema foi reproduzido com total transparência no último fim de semana. Os jornalões obedeceram aos mesmos critérios e preconceitos, como se editados pela mesma pessoa ou conectados por telepatia.

No domingo 20/9 (primeiro dia completo da visita pontifícia) o noticiário foi extremamente comedido, as chamadas na capa relacionadas com o assunto foram colocadas abaixo da dobra para indicar desimportância.

A “Folha” permitiu-se a liberdade de acrescentar à chamada uma foto do papa Francisco e seu anfitrião, Raul Castro, porém sem retirá-la da zona de insignificância.

Dia seguinte, segunda, 21/9, a idiossincrasia foi repetida com maior desenvoltura e visibilidade graças à presença carismática de Fidel Castro. A mesma e expressiva foto de Alex Castro (da Associated Press) foi magnificamente usada pela rebelde “Folha” no alto da capa, logo abaixo do cabeçalho. Para atender o Manual de Redação que impôs a Fidel Castro a classificação de “ditador”, agora sem poder (ou desempoderado como se adora dizer) foi recompensado com a generosa qualificação de “ex-ditador”.

No “Globo”,  a histórica imagem dos dois estadistas fixados nos interlocutores foi empurrada para a parte inferior da capa. Nada contra o papa Francisco: a implicância da Família Marinho é com o caráter conciliador, tolerante e humanitário da missão pontifícia. Acabar com o bloqueio econômico e a resquícios de Guerra Fria no continente são intenções que não merecem ser valorizadas. Podem ser vistas como “progressistas”. Com a habitual fidalguia, o monopolizador do mercado jornalístico carioca, ofereceu a Fidel o título de “Comandante” e acolheu-o piedosamente como “ex-presidente”.

Malabarismos editoriais

O sisudo “Estadão” continua oferecendo pitorescas versões de lisura jornalística: a mesma foto de Francisco & Fidel, incrivelmente reduzida, foi colada abaixo da dobra com título minimalista: “Em Cuba, papa apoia diálogo de paz colombiano.” Francisco foi lá para isso ? Acima da dobra, na parte nobre da capa, numa foto difusa da multidão, quase desfocada, onde mal se enxerga o sumo pontífice, uma faixa pede “Que Cuba se abra a todos los cubanos”.

Em matéria de audiência o “Valor Econômico” escapa da classificação de “jornalão”, mas a circulação nacional e a ausência de concorrentes colocam o diário de economia e finanças em posição destacada. Como não circula nos fins-de-semana teria sido poupado de vexames não fosse o registro obrigatório da visita do papa a Fidel Castro no domingo.

Onde publicá-la? Pela lógica jornalística o certo seria coloca-la na capa da edição da segunda-feira já que no dia seguinte, terça, Francisco seguirá para os Estados Unidos onde o aguarda intensa agenda política e econômica. Inclusive um inédito discurso perante o Congresso.

Isso nunca! O porta-voz do conservadorismo financeiro não pode prestigiar o perigoso ex-ditador comunista, ainda por cima ateu, ao lado de quem o papa Francisco parece tão respeitoso e amigável.

Como o “Valor” pertence em partes iguais aos grupos “Globo” e “Folha” que no caso parecem seguir diretivas diferenciadas, tentou-se a via salomônica. A mesma foto, agora em preto-e-branco, foi chutada para a p. A-10 acompanhada de um texto-legenda de 21 linhas.

A fina flor do empresariado nacional poderia ter sido informada com 24 horas de antecedência sobre as importantes gestões e movimentações que poderão afetar os seus negócios.

A extrema candidez e a tocante sinceridade do papa Francisco acabaram por bagunçar os dogmas, preconceitos e arranjos dos maiores grupos midiáticos nacionais. A peregrinação do pontífice em busca da conciliação e do entendimento nesta parte do mundo teve o dom mágico de escancarar as maquinações e manipulações que comprometem um processo que deveria fluir com naturalidade, independência e responsabilidade./