quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Existirá vida após... o nascimento?


Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Esta é uma parábola baseada em uma metáfora já conhecida na net, mas sempre atual. Nos faz pensar que, à semelhança do que ocorre no Mito da Caverna de Platão (livro VII de seu diálogo A República), nós tomamos o mundo que nos é familiar como sendo a única realidade possível, assim como os habitantes da caverna tomavam como a única verdade o seu mundo de sombras projetadas... Será mesmo que haverá algo além da vida conhecida? Por que não? Não faz muito tempo, se pensava que o universo se resumia à nossa única galaxia....

Segue, agora, a nossa versão da história dos bebês gêmeos que debatem sobre a possibilidade de uma vida além-útero. É a nossa adaptação,  ampliada, da metáfora de autor desconhecido (mas que, segundo comentário abaixo, pode ser originalmente do escritor Pablo J. Luis Molinero) sobre a possibilidade de vida depois do... parto/partida (se você souber quem fez o conto original, mais simples, por favor, escreva ou deixe o nome no espaço para os comentários):

No ventre de uma mulher grávida estavam dois bebês, gêmeos fraternos. Ambos começaram a refletir sobre a vida intra-uterina que conheciam até que, inevitavelmente, passam a discutir a possibilidade de vida além-útero.

Eis a história:

 Um dos dois bebês pergunta, intrigado, ao outro:

- Você acredita na vida após o nascimento?

A resposta do outro bebê, após pensar um pouco, foi:

- Ah, bom... Penso que algo, alguma coisa, tem de haver após o nascimento. Isso tudo que nos trouxe à vida aqui dentro deve ter um sentido, ainda que nos escape. Talvez estejamos aqui principalmente porque nós precisamos nos desenvolver e preparar para o que seremos mais tarde, após o parto. Se for assim, aqui seria só uma fase de preparação para a vida lá fora, fase para o desenvolvimento de capacidades que aflorarão melhor em outra realidade, após o nascimento. Acredito que isso inclui mesmo, por exemplo, as capacidades de reflexão e entendimento, como a que estamos fazendo agora.

A esta reflexão, respondeu o bebê cético:

- Bobagem, não há isso de vida após o nascimento. Como é que seria essa vida? Será que seriamos iguais? acho que não. Haveria ainda esse líquido confortável que nos circunda? Você acha que teria sentido um mundo sem líquido, sem cordão umbilical?

A pronta resposta do bebê que pensa haver em uma vida além-útero foi:

- Eu não sei exatamente o que há, mas certamente, pelo que podemos ver surgir tenuamente, às vezes, deve haver mais luz e espaço do que aqui. Talvez lá exista novas possibilidades, quem sabe tenhamos características novas, como caminhar com nossos próprios pés e nos alimentarmos com a boca.

- Isso é um absurdo! Caminhar é impossível. Você consegue caminhar aqui? E comer com a boca, então? É totalmente ridículo! O cordão umbilical é o que nos alimenta. Até onde posso entender aonde me levam minhas pesquisas, posso afirmar uma coisa: A vida após o nascimento está excluída – o cordão umbilical é muito curto para ir além deste nosso mundo.

Acompanhando com atenção os argumentos do irmão, o outro bebê, contudo, não achava que os mesmos eram prova da inexistência de uma realidade maior. Ele achava que o pouco que ambos sabiam sobre o universo que conheciam era muito limitado e muito condicionado pelas fronteiras do que podiam perceber em relação ao que certamente ainda não sabiam. Pensando assim, ele replicou, dizendo:

- Ah, eu não acho que isso que conhecemos da realidade seja tudo, certamente há algo a mais. Até um dia desses nós nem sabíamos o porquê do cordão umbilical. Ainda não entendo o porquê dos sons destas batidas ritmadas que escutamos o dia todo, mas descobri que dentro de nós existe batidas semelhantes em nossos corações. Talvez a realidade pós-parto seja apenas um pouco diferente do que estamos habituados a ter aqui, porém mais livre. E quanto a provas sobre isso, quem sabe elas apenas ainda não foram percebidas por nossas limitações ou pelas limitações do nosso pensamento. De vez em quando vemos este útero um pouco mais iluminado, como se houvesse uma fonte luminosa externa e além útero, mas não sabemos ainda o que é que provoca isso, sabemos? Sequer sabemos tampouco com certeza de onde é que vem o alimento que recebemos do cordão umbilical.

O outro bebê, já habituado com a visão reducionista de mundo que adotava, continuou a estranhar a lógica do seu companheiro intra-uterino. E por que isto de argumentar que ainda não sabemos sobre a luz e o alimento? Certamente eles seriam explicados mais adiante com um estudo aprofundado e nada haveria de mágico ou acima do entendimento empírico. De qualquer modo, ele estava emocionalmente vinculado demais a seu próprio paradigma para levar em consideração os pontos de vista do irmão. Para ele, o bebê cético, seu posicionamento parecia ancorar-se no argumento de que não havia indícios confiáveis para a aceitação de uma vida após o parto:

- Mas ninguém nunca voltou de lá, deste "outro mundo", depois do nascimento, pra contar o que existe - replicou o bebê cético -. O parto apenas encerra a vida: Nasceu, acabou! E afinal de contas, a vida é nada mais do que a angústia prolongada na semi-escuridão. Um acidente da química e da física, assim como todo esse nosso mundo em que estamos também o é. E ainda que houvesse outro tipo de vida, ainda assim acho que ela não seria para sempre.  Haveria uma outra crise de que poderiamos chamar de, por exemplo, morte.


Sobre esta questão, respondeu o outro bebê: 
- Bem, eu não sei exatamente como será o depois do nascimento. Mas uma vez sonhei que tive uma experiência próxima do parto, uma EPP, em que, depois da terrível agonia das contrações uterinas, em passava pelo túnel do canal de parto e era amparado por carinhosas e grandes mãos amigas em um novo mundo de tanta luz que não consegui me adaptar e ver ou entender imediatamente o que havia por lá, mas suponho que com o tempo iria me adaptar e ver melhor, discernindo as coisas e pessoas . E quanto a uma limitação de vida nesta outra realidade, naquilo que você chama morte, acho que seria algo parecido ao que estamos discutindo aqui: toda nascimento seria uma morte para um estágio anterior da vida para o surgimento em outra dimensão mais ampla.  Não vejo a vida como sendo o contrário desta transformação. Nascimento/morte são só curvas ou pontos de mutação nesta estrada da vida.  É bem provável que na vida após nascimento, as pessoas também tenham algum tipo de experiência de quase da morte, ou EQM, e até uns tantos que estudem tal fenômeno. Mas, de qualquer modo, como estava dizendo sem ir tão longe, após o nascimento certamente iriamos ver melhor e compreender a origem de tudo: a mamãe, e ela cuidará de nós.

Essa última intervenção do irmão pareceu irritar muito o bebê mais cético, que respondeu ironicamente:

- Mamãe?! Você acredita na existência da mamãe?! E onde ela supostamente está? Não vejo essa coisa de mamãe em canto nenhum... Mamãe, mamãe, onde está você? Em que canto te escondes?!

O bebê filósofo,  já compreendendo que não haveria argumentos suficientes para abalar o posicionamento do irmão, ainda assim defendeu seu ponto de vista, respondendo:

- Onde ela está? Em tudo à nossa volta! Ou você acha que estamos imersos em um nada que nos faz e sustenta? Acho que não, acho que a mamãe é o que nos sustenta. Nela e através dela nós vivemos. Sem ela tudo isso não existiria. Você não sente que existe algo que nos sustenta e ampara?

O Bebê cético, sentindo que havia lógica nas palavras do mano, começou a se sentir incomodado, não tanto pela argumentação adversa, mas pelo feato de que ela começava a balançar suas anteriores "certezas". O bebê ficou perplexo e pensou:



"Mas como? Não se leva um tempo considerável em construirmos nosso próprio mapa conceitual da realidade e ele não parece tão perfeito? Como é que vem alguém agora e começa a expor pontos de vista que vão em linhas diametralmente opostos as minhas? Eu tenho de estar certo, ainda que ele fale algo coerente. Não, o meu modelo é o que está certo e faz sentido, não o que aponta para características ou possibilidades opostas às minhas!"

Assim, por ser muito dificil reconhecer os limites de nossas próprias crenças, que por mais baseadas que sejam no empirismo do conhecido, acabam formando uma metafísica tão limitada quanto a metafísica tradicional, o bebê cético passou a responder um pouco mais rispidamente às colocações do irmão apelando para os limitados fatos do mundo que conhecia:

- Eu não acredito! Eu nunca vi nenhuma mamãe. Tampouco vi indícios que sustentem essa hipótese absurda, já que os estudos sequer implicam na existência dela, por isso é claro que não existe nenhuma, muito menos vida depois do parto!.

O bebê filósofo, já percebendo a insegurança íntima do mano, resolver não levar muito adiante a discussão, encerrando a conversa com uma reflexão sobre certos indícios sobre a vida além-útero e da existência da mamãe:

- Bem, mas às vezes, quando estamos em silêncio, você pode ouvi-la cantando, ou sentir como ela afaga nosso mundo. Saiba, eu penso que só então a vida real nos espera e agora, por enquanto, apenas estamos nos preparando para ela…

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A arrogância evangélica transformando a vida dos demais em um inferno



É impressionante...

Por mais que exiatam pessoas de bom coração, sempre haverá algum outro que, por qualquer motivo aquém da aceitação das diferenças, se sinta muito superior apenas para destratar quem considere inferior. Assim é que, nesses dias de retorno do obscurantismo e ignorância institucionalizada, alguns se acham totais donos da verdade e do poder de engarrafar o próprio Deus para comercializá-lo de diferentes formas e ainda vomitar que os demais, que não seguem o mesmo pensamento deles, estão condenados, especialmente se forem de outras denominação religiosas e, mais ainda, ateus....

Não importa que eles errem seguidamente as datas do fim do mundo, que negligenciem o ensino do próprio Cristo dizendo que as obras é que salvam e não os que dizem "Senhor, Senhor" (preferem a inversão da situação feita por Paulo que não conheceu Jesus), ou invoquem o direito de se expressar contra os demais enquanto se os demais fizerem o mesmo invoquem que estão sendo vítimas de perseguição... A tal "verdade" sempre está com eles...

Vejamos este exemplo claro de regressão intelectual nacional pelas capitalísticas novas igrejas pentecostais, ao estilo edir macediano, extraído do site da Revista Época:

A dura vida dos ateus em um Brasil cada vez mais evangélico

A parábola do taxista e a intolerância. Reflexão a partir de uma conversa no trânsito de São Paulo. A expansão da fé evangélica está mudando “o homem cordial”?

Eliane Brum

O diálogo aconteceu entre uma jornalista e um taxista na última sexta-feira. Ela entrou no táxi do ponto do Shopping Villa Lobos, em São Paulo, por volta das 19h30. Como estava escuro demais para ler o jornal, como ela sempre faz, puxou conversa com o motorista de táxi, como ela nunca faz. Falaram do trânsito (inevitável em São Paulo) que, naquela sexta-feira chuvosa e às vésperas de um feriadão, contra todos os prognósticos, estava bom. Depois, outro taxista emparelhou o carro na Pedroso de Moraes para pedir um “Bom Ar” emprestado ao colega, porque tinha carregado um passageiro “com cheiro de jaula”. Continuaram, e ela comentou que trabalharia no feriado. Ele perguntou o que ela fazia. “Sou jornalista”, ela disse. E ele: “Eu quero muito melhorar o meu português. Estudei, mas escrevo tudo errado”. Ele era jovem, menos de 30 anos. “O melhor jeito de melhorar o português é lendo”, ela sugeriu. “Eu estou lendo mais agora, já li quatro livros neste ano. Para quem não lia nada...”, ele contou. “O importante é ler o que você gosta”, ela estimulou. “O que eu quero agora é ler a Bíblia”. Foi neste ponto que o diálogo conquistou o direito a seguir com travessões.

- Você é evangélico? – ela perguntou.
- Sou! – ele respondeu, animado.
- De que igreja?
- Tenho ido na Novidade de Vida. Mas já fui na Bola de Neve.
- Da Novidade de Vida eu nunca tinha ouvido falar, mas já li matérias sobre a Bola de Neve. É bacana a Novidade de Vida?
- Tou gostando muito. A Bola de Neve também é bem legal. De vez em quando eu vou lá.
- Legal.
- De que religião você é?
- Eu não tenho religião. Sou ateia.
- Deus me livre! Vai lá na Bola de Neve.
- Não, eu não sou religiosa. Sou ateia.
- Deus me livre!
- Engraçado isso. Eu respeito a sua escolha, mas você não respeita a minha.
- (riso nervoso).
- Eu sou uma pessoa decente, honesta, trato as pessoas com respeito, trabalho duro e tento fazer a minha parte para o mundo ser um lugar melhor. Por que eu seria pior por não ter uma fé?
- Por que as boas ações não salvam.
- Não?
- Só Jesus salva. Se você não aceitar Jesus, não será salva.
- Mas eu não quero ser salva.
- Deus me livre!
- Eu não acredito em salvação. Acredito em viver cada dia da melhor forma possível.
- Acho que você é espírita.
- Não, já disse a você. Sou ateia.
- É que Jesus não te pegou ainda. Mas ele vai pegar.
- Olha, sinceramente, acho difícil que Jesus vá me pegar. Mas sabe o que eu acho curioso? Que eu não queira tirar a sua fé, mas você queira tirar a minha não fé. Eu não acho que você seja pior do que eu por ser evangélico, mas você parece achar que é melhor do que eu porque é evangélico. Não era Jesus que pregava a tolerância?
- É, talvez seja melhor a gente mudar de assunto...

O taxista estava confuso. A passageira era ateia, mas parecia do bem. Era tranquila, doce e divertida. Mas ele fora doutrinado para acreditar que um ateu é uma espécie de Satanás. Como resolver esse impasse? (Talvez ele tenha lembrado, naquele momento, que o pastor avisara que o diabo assumia formas muito sedutoras para roubar a alma dos crentes. Mas, como não dá para ler pensamentos, só é possível afirmar que o taxista parecia viver um embate interno: ele não conseguia se convencer de que a mulher que agora falava sobre o cartão do banco que tinha perdido era a personificação do mal.)

Chegaram ao destino depois de mais algumas conversas corriqueiras. Ao se despedir, ela agradeceu a corrida e desejou a ele um bom fim de semana e uma boa noite. Ele retribuiu. E então, não conseguiu conter-se:

- Veja se aparece lá na igreja! – gritou, quando ela abria a porta.
- Veja se vira ateu! – ela retribuiu, bem humorada, antes de fechá-la.
Ainda deu tempo de ouvir uma risada nervosa.

A parábola do taxista me faz pensar em como a vida dos ateus poderá ser dura num Brasil cada vez mais evangélico – ou cada vez mais neopentecostal, já que é esta a característica das igrejas evangélicas que mais crescem. O catolicismo – no mundo contemporâneo, bem sublinhado – mantém uma relação de tolerância com o ateísmo. Por várias razões. Entre elas, a de que é possível ser católico – e não praticante. O fato de você não frequentar a igreja nem pagar o dízimo não chama maior atenção no Brasil católico nem condena ninguém ao inferno. Outra razão importante é que o catolicismo está disseminado na cultura, entrelaçado a uma forma de ver o mundo que influencia inclusive os ateus. Ser ateu num país de maioria católica nunca ameaçou a convivência entre os vizinhos. Ou entre taxistas e passageiros.

Já com os evangélicos neopentecostais, caso das inúmeras igrejas que se multiplicam com nomes cada vez mais imaginativos pelas esquinas das grandes e das pequenas cidades, pelos sertões e pela floresta amazônica, o caso é diferente. E não faço aqui nenhum juízo de valor sobre a fé católica ou a dos neopentecostais. Cada um tem o direito de professar a fé que quiser – assim como a sua não fé. Meu interesse é tentar compreender como essa porção cada vez mais numerosa do país está mudando o modo de ver o mundo e o modo de se relacionar com a cultura. Está mudando a forma de ser brasileiro.

Por que os ateus são uma ameaça às novas denominações evangélicas? Porque as neopentecostais – e não falo aqui nenhuma novidade – são constituídas no modo capitalista. Regidas, portanto, pelas leis de mercado. Por isso, nessas novas igrejas, não há como ser um evangélico não praticante. É possível, como o taxista exemplifica muito bem, pular de uma para outra, como um consumidor diante de vitrines que tentam seduzi-lo a entrar na loja pelo brilho de suas ofertas. Essa dificuldade de “fidelizar um fiel”, ao gerir a igreja como um modelo de negócio, obriga as neopentecostais a uma disputa de mercado cada vez mais agressiva e também a buscar fatias ainda inexploradas. É preciso que os fiéis estejam dentro das igrejas – e elas estão sempre de portas abertas – para consumir um dos muitos produtos milagrosos ou para serem consumidos por doações em dinheiro ou em espécie. O templo é um shopping da fé, com as vantagens e as desvantagens que isso implica.

É também por essa razão que a Igreja Católica, que em períodos de sua longa história atraiu fiéis com ossos de santos e passes para o céu, vive hoje o dilema de ser ameaçada pela vulgaridade das relações capitalistas numa fé de mercado. Dilema que procura resolver de uma maneira bastante inteligente, ao manter a salvo a tradição que tem lhe garantido poder e influência há dois mil anos, mas ao mesmo tempo estimular sua versão de mercado, encarnada pelos carismáticos. Como uma espécie de vanguarda, que contém o avanço das tropas “inimigas” lá na frente sem comprometer a integridade do exército que se mantém mais atrás, padres pop star como Marcelo Rossi e movimentos como a Canção Nova têm sido estratégicos para reduzir a sangria de fiéis para as neopentecostais. Não fosse esse tipo de abordagem mais agressiva e possivelmente já existiria uma porção ainda maior de evangélicos no país.

Tudo indica que a parábola do taxista se tornará cada vez mais frequente nas ruas do Brasil – em novas e ferozes versões. Afinal, não há nada mais ameaçador para o mercado do que quem está fora do mercado por convicção. E quem está fora do mercado da fé? Os ateus. É possível convencer um católico, um espírita ou um umbandista a mudar de religião. Mas é bem mais difícil – quando não impossível – converter um ateu. Para quem não acredita na existência de Deus, qualquer produto religioso, seja ele material, como um travesseiro que cura doenças, ou subjetivo, como o conforto da vida eterna, não tem qualquer apelo. Seria como vender gelo para um esquimó.

Tenho muitos amigos ateus. E eles me contam que têm evitado se apresentar dessa maneira porque a reação é cada vez mais hostil. Por enquanto, a reação é como a do taxista: “Deus me livre!”. Mas percebem que o cerco se aperta e, a qualquer momento, temem que alguém possa empunhar um punhado de dentes de alho diante deles ou iniciar um exorcismo ali mesmo, no sinal fechado ou na padaria da esquina. Acuados, têm preferido declarar-se “agnósticos”. Com sorte, parte dos crentes pode ficar em dúvida e pensar que é alguma igreja nova.

Já conhecia a “Bola de Neve” (ou “Bola de Neve Church, para os íntimos”, como diz o seu site), mas nunca tinha ouvido falar da “Novidade de Vida”. Busquei o site da igreja na internet. Na página de abertura, me deparei com uma preleção intitulada: “O perigo da tolerância”. O texto fala sobre as famílias, afirma que Deus não é tolerante e incita os fiéis a não tolerar o que não venha de Deus. Tolerar “coisas erradas” é o mesmo que “criar demônios de estimação”. Entre as muitas frases exemplares, uma se destaca: “Hoje em dia, o mal da sociedade tem sido a Tolerância (em negrito e em maiúscula)”. Deus me livre!, um ateu talvez tenha vontade de dizer. Mas nem esse conforto lhe resta.

Ainda que o crescimento evangélico no Brasil venha sendo investigado tanto pela academia como pelo jornalismo, é pouco para a profundidade das mudanças que tem trazido à vida cotidiana do país. As transformações no modo de ser brasileiro talvez sejam maiores do que possa parecer à primeira vista. Talvez estejam alterando o “homem cordial” – não no sentido estrito conferido por Sérgio Buarque de Holanda, mas no sentido atribuído pelo senso comum.

Me arriscaria a dizer que a liberdade de credo – e, portanto, também de não credo – determinada pela Constituição está sendo solapada na prática do dia a dia. Não deixa de ser curioso que, no século XXI, ser ateu volte a ter um conteúdo revolucionário. Mas, depois que Sarah Sheeva, uma das filhas de Pepeu Gomes e Baby do Brasil, passou a pastorear mulheres virgens – ou com vontade de voltar a ser – em busca de príncipes encantados, na “Igreja Celular Internacional”, nada mais me surpreende.

Se Deus existe, que seja superior aos que dizem o servir e nos livre de sermos obrigados a acreditar nele.



ELIANE BRUM

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A invisibilidade do essencial



Se o essencial é invisível para os olhos, então, nesta época de existência midiática e modelos pré-fabricados, vai ser cada vez mais complicado de ser percebido, que dizer, então, de ser compreendido?

Carlos

O que se deve saber sobre a mídia...



"Se você não for cuidadoso, a imprensa fará você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas e amar as pessoas que estão oprimindo"

Malcolm X

A implicação de existir

Existir de verdade implica sentir e pensar: ter os olhos e os sentimentos abertos para encarar seu destino e a si mesmo, não para formular teorias que nos separam do mundo, mas para saber viver no mundo sabendo o que se quer e sabendo o melhor a escolher...

Carlos Antonio Fragoso Guimarães

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Finados

A Urgente necessidade de Espiritualidade



"A alienação capitalista na qual vivemos atolados insinua ser a contemplação preguiça, o que é falso. Ela também não é descanso: o descanso é uma necessidade física e a contemplação uma urgência espiritual.
"O ser humano é, por natureza, capaz de espiritualidade, e viverá aquém das suas capacidades se não corresponder a este apelo...
Deve distinguir-se, ainda, entre contemplação e oração; a oração é, em parte, contemplação, mas a contemplação não carece de ser religiosa. Basta ser racional para precisar contemplar. Antes do Cristianismo, a Grécia filosófica referiu-se ao ócio como via para atingir o "Conhece-te a ti mesmo”.

"Desesperados com o trabalho imoral, os ocidentais viram-se para técnicas orientalizantes de contemplação, esquecidos da tradição ocidental existente neste campo. Acontece ser esta troca fatal: o Oriente, em regra, usa a contemplação para esvaziar a interioridade de toda a marca individual, o que é o contrário do “Conhece-te a ti mesmo”. Procuram o Nada e nós o Ser.

"O ato introspectivo não deve parar no degrau psicologista. O “Eu assim, eu assado” está a léguas da paz interior. O luxo da nossa Língua afirma: “contemplar” também é “dar”: “Fulano foi contemplado com uma viagem à lua”. O ato reflexivo termina nas mãos.

"O exemplo maior de tudo isto volta a ser a Arte, a excelência do trabalho. O artista atual fala da sua “produção”, o que é ser tolo. O produto é o contrário da obra de arte e o artista não é máquina. Precisa parar para refletir, como a terra tem seu pouso.
Parar. Olhar o mundo. Escutar o mundo. Ouvir a voz interior.
“Cair em si”.
Ai de nós, colocamos música nas lojas, nas ruas, em máquinas pelos ouvidos adentro.
Temos medo do silêncio.
Asfixiamos."

Mário Cabral

terça-feira, 1 de novembro de 2011

A sabedoria de Carl Gustav Jung



Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Nos acostumamos, devido à educação formal pró-externalidade e à mídia, a acreditar que que o mero acumular informações e adestramento de habilidades para apertar botões e comunicar são suficientes para sermos felizes. Não é assim, contudo, que as coisas funcionam. E nunca como agora tantas pessoas se sentem infelizes, mesmo - e principalmente - as que aparentam poussir tudo, da comodidade tecnológica ao status social. Isso se dá porque desenvolvemos o racional às custas do resto de nós: o sentimento, o espírito de partilhar, amar...

Sobre tudo isso, o modo como nosso sistema social nos tornou menos humanos, o médico psiquiatra e psicólogo suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) refletiu e escreveu a partir de sua prática clínica. Ele foi um dos primeiros a expor, com base base psicologia e nos quadros clínicos que tratou, a falácia unilaterialista do ocidente industrial, centrado na produtividade e no racionalismo instrumental, que vê com desconfiança o sentimento e as questões existenciais.

É bom perceber que, cinquenta anos após a sua morte, a obra e as idéias de Carl Jung estão sendo continuamente redescobertas, bem recebidas e estão a atingir, finalmente, o Self de milhões de pessoas no mundo inteiro, estimulando-as à desenvolverem suas demais funções mentais, desenvolvendo um pensamento crítico e os sentimentos para além do mero adestramento instrumental prático da educação impessoal e formal de hoje.

Segue alguns de seus pensamentos, apenas um amostra de vários, para a reflexão do leitor:

Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.

Tudo aquilo que não enfrentamos em vida acaba se tornando o nosso destino.

Tudo depende de como vemos as coisas e não de como elas são.

Ser normal é a meta dos fracassados!

Não preciso ‘acreditar’ em Deus; eu sei que ele existe.

Sua visão se tornará clara somente quando você olhar para dentro do seu coração. Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desperta.

Os anjos e demônios em nós...



Texto de Leonardo Boff, publicado no site do Jornal do Brasil em 30 de outubro de 2011

  O ser humano constitui uma unidade complexa: é simultaneamente homem-corpo, homem-psiqué e homem-espírito. Detenhamo-nos no homem-psiqué, vale dizer, no seu mundo interior, urdido de emoções e paixões, luzes e sombras, sonhos e utopias. Como há um universo exterior, feito de ordens-desordens-novas ordens, de devastações medonhas e de emergências promissoras, assim há também um mundo interior, habitado por anjos e demônios. Eles revelam tendências que podem levar à loucura e à morte, e energias de generosidade e de amor que nos podem trazer autorrealização e felicidade.

Como observava o grande conhecedor dos meandros da psiqué humana Carl Gustav Jung: a viagem rumo ao próprio Centro, devido a estas contradições, pode ser mais perigosa e longa do que a viagem à Lua e às estrelas.

Há uma questão nunca resolvida satisfatoriamente entre os pensadores da condição humana: qual é a estrutura de base de nossa interioridade, de nosso ser psíquico? Muitas são as escolas de intérpretes.
Resumindo, sustentamos a tese de que a razão não comparece como a realidade primeira. Antes dela há todo um universo de paixões e emoções que agitam o ser humano. Acima dela há a inteligência pela qual intuímos a totalidade, nossa abertura ao infinito e o êxtase da contemplação do Ser. As razões começam com a razão. A razão mesma é sem razão. Ela simplesmente está aí, indecifrável.

Mas ela remete a dimensões mais primitivas de nossa realidade humana, das quais se alimenta e que a perpassam em todas as suas expressões. A razão pura kantiana é uma ilusão. A razão sempre vem impregnada de emoção e de paixão, fato aceito pela moderna epistemologia. A cosmologia contemporânea inclui na ideia do universo não apenas energias, galáxias e estrelas mas também a presença de consciência, ou do espírito e da subjetividade.

Conhecer é sempre um entrar em comunhão interessada e afetiva com o objeto do conhecimento. Apoiado por uma plêiade de outros pensadores, tenho sempre sustentado que o estatuto de base do ser humano não reside no cogito cartesiano (no eu penso, logo sou), mas no sentio platônico-agostiniano (no sinto, logo existo), no sentimento profundo. Este nos põe em contato vivo com as coisas, percebendo-nos parte de um todo maior, sempre afetando e sendo afetados. Mais que ideias e visões de mundo, são paixões, sentimentos fortes, experiências seminais, o amor e também seus contrários, as rejeições e os ódios avassaladores que nos movem e nos põem em marcha.

A razão sensível lança suas raízes no surgimento da vida, há 3,8 bilhões de anos, quando as primeiras bactérias irromperam e começaram a dialogar quimicamente com o meio para poder sobreviver. Esse processo se aprofundou a partir do momento em que surgiu o cérebro límbico, dos mamíferos, há mais de 125 milhões de anos, cérebro portador de cuidado, enternecimento, carinho e amor pela cria. É a razão emocional que alcançou o patamar autoconsciente e inteligente com os seres humanos, pois somos também mamíferos.

O pensamento ocidental é logocêntrico e antropocêntrico e sempre colocou sob suspeita a emoção por medo de prejudicar a objetividade da razão. Em alguns setores da cultura, criou-se uma espécie de lobotomia, quer dizer, uma grande insensibilidade face ao sofrimento humano e aos padecimentos pelos quais tem passado a natureza e o planeta Terra.

Nos dias atuais, nos damos conta da urgência de, junto com a razão intelectual irrenunciável, incluir fortemente a razão sensível afetiva e cordial. Se não voltarmos a sentir com afeto e amor a Terra como nossa Mãe e nós como a parte consciente e inteligente dela, dificilmente nos moveremos para salvar a vida, sanar feridas e impedir catástrofes.

Um dos méritos inegáveis da tradição psicanalítica, a partir do mestre-fundador Sigmund Freud, foi o de ter estabelecido cientificamente a passsionalidade como a base, em grau zero, da existência humana. O psicanalista trabalha não a partir do que o paciente pensa mas a partir de suas reações afetivas, de seus anjos e demônios, buscando estabelecer certo equilíbrio e uma serenidade interior sustentável.

A questão toda é como nos assenhorear criativamente de nossa passionalidade de natureza vulcânica. Freud se centra na integração da libido, Jung na busca da individuação, Adler no controle da vontade de poder, Carl Rogers no desenvolvimento da personalidade, Abraham Maslow no esforço de autorrealização das potencialidades latentes. Outros nomes poderiam ser citados como Lacan, Reich, Pavlov, Skinner, a psicologia transpessoal e a cognitiva comportamental e outros.

O que nos é permitido afirmar é que, independentemente das várias escolas psicanalíticas e filosóficas, o homem-psiqué se vê obrigado a integrar criativamente seu universo interior sempre em movimento, com tendências dia-bólicas e sim-bólicas, destrutivas e construtivas. Por acertos e erros vamos, processualmente, descobrindo nosso caminho.

Ninguém nos poderá substituir. Somos condenados a ser mestres e discípulos de nós mesmos.



* Leonardo Boff é teólogo, ecologista, filósofo e escritor. - lboff@leonadoboff.com

A Mídia, os interesses e a doença de Lula



Há, por interesses políticos ou visão de mundo moldada no discurso elitista, muita gente pequena demonstrando sua imbecilidade extremista no caso do Lula. Este é um mal de falta de educação, para dizer o mínimo. Ninguém merece ser ironizado em uma situação de gravidade, como é o de ter um câncer. E o SUS, com trodos os defeitos, tem a qualidade de prestar assistência, em certo sentido, única no mundo, como por exemplo, o de garantir remédios de preços absurdos para doenças graves à uma parte da população que não tem como comprá-los.

Como parte desta reação absurda à doença de Lula é estimulada pela mídia, reproduzo aqui um pertinente texto escrito pelo deputado federal Brizola Neto, extraído de seu blog Tijolaço.com sobre a mesquinharia da mídia (o Pig) e de muitos sobre a doença do Lula:

Como a anunciada “solidariedade humana” da mídia é apenas da boca para fora – embora possa, sim, haver várias e honrosas exceções – existe, neste momento, um grande ponto de interrogação em seus estrategistas.

O que devem fazer?

Aproveitar-se do recesso forçado a que terá de se submeter a mais carismática figura da política brasileira e aguçar ainda mais os ataques ao Governo? Ou acreditar que a notícia do problema de Lula causou um estado de espírito na população que torna um acirramento de sua ofensiva de ataques um elemento de evidenciação de seus propósitos e de seu inconformismo com os resultados das eleições?
É provável que nossa mídia siga sua vocação de escorpião e recrudesça seus ataques, após alguns dias de perplexidade.

Mas, neste momento, sua capacidade de ação está limitada.

Hoje mesmo estão mandando suas pesquisas à rua – duvidam? – para saber o impacto da notícia.

A causa da direita brasileira é muito ruim, é indefensável.

De início, seu projeto manter o Brasil colonizado, com uma elite incapaz de um projeto próprio de país e uma classe média-alta que se compraz da pobreza geral, como forma de achar-se especial, com um “cosmopolitismo-provinciano” já se mostrou inviável ao primeiro sopro de progresso havido no Brasil.

Trilhou-se, nos últimos anos, um caminho sem volta, porque dissolveu-se o fatalismo da pobreza e do atraso nacionais.

Depois, por falta de projeto confessável para o país, ela está sem projeto político e, como não o tem, só lhe resta apontar o dedo para os governos progressistas e, não importando se verdadeiros ou falsos, apontar-lhes os malfeitos.

Como a UDN fazia, nos anos 50 e 60, mas sem um ingrediente que alimentava a velha direita, que era a polarização da Guerra Fria e o pavor ao “comunismo ateu e apátrida”. E sem a esperança que ela nutria – e, afinal, conseguiu – de rondar os quartéis.

Ainda assim, vão tentar atacar pela via que lhes resta. E contar com que, atacado, o Governo não possa contar com seu grande fiador: Lula.

Limitados como são, talvez não percebam que Lula, forçadamente calado, fala muito alto com a consciência dos brasileiros.