sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Por que foi importante derrotar a Lava Jato no concurso do Prêmio Allard, por Eugênio Aragão




GGN.- Não nos iludamos. O Prêmio Allard da Universidade de British Columbia, no Canadá, é um instrumento ideológico da economia global, que busca colocar países emergentes sob o denominador das economias centrais.
O tal “Combate à Corrupção” é mais um cavalo de batalha do imperialismo mercantil. Podem as economias centrais ver, no caso delas, a corrupção como comportamento desviante que enfraquece o standing das grandes corporações do capital em suas complexas sociedades. Mas o que elas insistem em ignorar é que a corrupção, entre nós, é consequência de uma sociedade profundamente desigual e que seu enfrentamento longe do esforço de inclusão social e do reforço às regras do devido processo legal e do julgamento justo só aprofunda a desigualdade e acirra o autoritarismo, destruindo empregos e a democracia.
Ainda assim é importante jogar com as contradições do discurso ideológico. Ao mostrar que a Operação Lava Jato representa a destruição de direitos civilizatórios, como a presunção de inocência, o respeito à verdade provada e a imparcialidade do julgador, tão proclamados como contribuição dos países centrais ao mundo, o recuo na jogação de confete a Deltan Dallagnol et caterva era inevitável. Tentaram salvar a face compartindo o prêmio entre os finalistas, mas a ganhadora foi uma jornalista do Azerbaijão.
Nos bastidores já se dava a vitória da Lava Jato como certa. Havia um jogo duplo até por parceiros progressistas, com medo de perda de reputação e espaço, mas a atuação incisiva de poucos estudantes e juristas fez a diferença e mostrou como o destemor de enfrentar os inimigos do progresso, da soberania nacional e da democracia vale a pena.
Esclarecer os desvios do moralismo tupiniquim é fundamental para mostrar ao mundo que o chamado “Combate à corrupção” não pode ser uma guerra sem regras de engajamento e sem respeito às leis. Vamos colocando os pingos nos ii.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

O Brasil não se constrói; ao Brasil, vende-se. Reflexões sobre o golpismo entreguista neoliberal por Fernando Brito


vendese

O Brasil está, reconhecidamente, numa situação de gargalo na geração de energia elétrica.
Escrevi, outro dia, aqui, como este ano está se sustentando, mal e mal, por conta dos projetos de geração eólica, que permitem garrotear os vertedores das hidrelétricas ao mínimo necessário e, assim, reter a água escassa.
O que faz o país? Licita a construção de novos sistemas, para aumentar o potencial de geração hídrica?
Não, claro.
Vende as que já existem, que agora passam a ser administradas por uma simples relação de lucros: é óbvio que quanto mais se abrirem as comportas, mais energia se gera e mais dinheiro se ganha,  sem contar, claro, a pressão por aumento de tarifa. Porque é a geração onde se ganha produzindo, na transmissão e na distribuição apenas se repõe, como maior ou menor ganho, o gasto para levar o produto ao consumidor.
No caso das usinas da Cemig, privatizadas hoje, o prejuízo vai além. O lucro previsto para o período de outorga é de R$ 40 bilhões. Como os bônus de outorga somaram R$ 12 bilhões, não é nada complexo ver que estamos, pela necessidade de caixa, “vendendo” por 30% do preço uma renda assegurada.
No outro leilão realizado hoje, o de áreas petrolíferas, igual não vendemos o direito de pesquisar a existência de óleo, com o risco – aliás, cada vez menor, graças á tecnologia – de encontrá-lo ou não em quantidades comerciais. Vendemos petróleo garantido e provado e o resultado só não é pior porque a expertise e o conhecimento da Petrobras faz dela um sócio lucrativo para todas as multinacionais, inclusive a gigante Exxon Mobil, grande vencedora da disputa.
A lesão, aí, mais do que a participação societária, é o que se perde com o fim da cadeia produtiva gerada pelo petróleo, provocada pela minguante exigência de conteúdo nacional. O argumento de que é mais caro produzir aqui os equipamentos necessários à prospecção e exploração, o que é verdade.
Nenhuma indústria se forma e ganha competitividade sem antes ganhar escala.
O  raciocínio rastaquera de investidores de balancete jamais alcançará isso, é claro.
O Brasil é um overnight para falar a linguagem econômica da minha geração, formada no ambiente da especulação.

Recado do Luis Nassif: a Democracia que só a mídia amestrada vê



Segue as reflexões de Luis Nassif em Vídeo, no canal TV GGN, sobre a falta de princípios na vida pública do país, que explica a anomia da Procuradoria Geral e a falta de visão sobre democracia real na grande mídia, toda ela envolvida com os interesses da Casa Grande e seu golpe:




terça-feira, 26 de setembro de 2017

Bob Fernandes/General quer golpe. Jessé Souza ensina: o que marca o Brasil é a herança da escravidão





"O general Mourão aponta "corrupção" como centro da "crise".

"Lembremos: a República nasceu com um golpe de Estado. Entre quarteladas, tivemos mais dois golpes e ditaduras...
"... as ditaduras acabaram atoladas em casos de corrupção. Esses 32 anos são o mais longo período democrático da República.

"No seu novo livro, "A Elite do Atraso-da Escravidão à Lava Jato", o sociólogo Jessé Souza ensina:

"...Não é a herança da corrupção do colonizador que marca brutalmente a desigual sociedade brasileira. É a herança de 350 anos de escravidão.

"É a cultura dos Senhores e escravos."






O general Hamilton Mourão anunciou "planejamentos" para "intervenção militar". Motivos: "corrupção" e "crise".

A primeira resposta oficial foi na Tv Globo. E isso "significa". Na terça, 12, o Comandante do Exército, general Villas Bôas, falou a Pedro Bial.

Villas Bôas elogiou Mourão. E, em resumo, fez releitura particular do artigo 142 da Constituição. Que trata das Forças Armadas.


Na sexta, 15, Villas Bôas reafirmou, em comunicado, o "compromisso com a democracia".

Na mesma sexta, Deborah Duprat, procuradora da República para Direitos do Cidadão, lançou nota pública. Quanto à essência do artigo 142, combinado com demais, afirmou:

-Não há no ordenamento jurídico brasileiro hipótese de intervenção autônoma das Forças Armadas.

Só o Executivo, o Legislativo ou o Judiciário podem pedir intervenção militar.

Lembrou a procuradora da República: a postulação de "intervenção militar" por "conta própria", que não tenha amparo na Constituição, é "crime". Inafiançável, e não prescreve.

Cabem perguntas a quem deseja golpe e ditadura.

Pina Botelho, vulgo "Bauta Nunes", era capitão, na Inteligência do Exército.

O capitão, depois promovido, se infiltrou entre manifestantes. Presos e agora sendo julgados.

O general Villas Boas informou: o capitão se infiltrou em "absoluta interação com o governo de São Paulo".

Pois bem: o crime organizado ocupa periferias de centenas de cidades do Brasil. Pergunta: que interação têm os Serviços de Inteligência das Forças Armadas e os governos?

Inteligência, não ocupação eventual e cinematográfica como a de agora na Rocinha.

No Brasil se assassina mais de 50 mil pessoas ao ano, há décadas. Em uma semana, o G1 detectou 1.195 assassinatos.

Essa, isso é a "Crise". Pergunta: onde estão resultados dos serviços da Inteligência Militar nessas décadas?

O general Mourão aponta "corrupção" como centro da "crise".

Lembremos: a República nasceu com um golpe de Estado. Entre quarteladas, tivemos mais dois golpes e ditaduras...
... as ditaduras acabaram atoladas em casos de corrupção. Esses 32 anos são o mais longo período democrático da República.

No seu novo livro, "A Elite do Atraso-da Escravidão à Lava Jato", o sociólogo Jessé Souza ensina:

...Não é a herança da corrupção do colonizador que marca brutalmente a desigual sociedade brasileira. É a herança de 350 anos de escravidão.

É a cultura dos Senhores e escravos.

domingo, 24 de setembro de 2017

Fernando Horta sobre a Globo, os militares e a psicologia reversa



Gente, vamos manter a cabeça fria.... Como bem fala o Fernando Horta no texto abaixo (extraído do GGN), podemos confiar no bom senso e equilíbrio do Gal. Villas Boas... Não vamos cair no jogo da Globo....






A Globo, os militares e a psicologia reversa
por Fernando Horta
GGN. - É preciso sempre atentar para os contextos. As palavras, os sentidos dependem totalmente dos contextos e é um erro muito comum tomarmos os discursos fora do seu tempo, dos seus agentes ou sem compreendermos completamente os momentos em que foram proferidos. Há uma semana o Brasil voltou a ter pesadelos, deitado em seu berço esplêndido. Como o trauma da noite de 21 anos não fora propriamente tratado, os assombros continuam. Ocorre que a causa do medo não está sendo corretamente detectada.
O General Mourão deve ter seus méritos para ter chegado ao generalato. O sobrenome inspira cuidados, mas o comandante o chamou de “bom soldado” e “gauchão”. Para quem não conhece os meandros do Exército as falas do general Villas Boas na entrevista para a Globo podem ser mal interpretadas. Chamar um general de “soldado” é um imenso elogio. Um elogio que remonta às lendas espartanas, quando comandantes se ombreavam aos soldados nos campos de batalha, diferindo destes pela sua maior técnica. O próprio patrono do Exército, o Duque de Caxias, se dizia sempre, “um soldado, apenas”. É uma espécie de humildade verde-oliva. É claro que o general continua comendo com os oficiais (onde a comida é muito melhor) e os soldados na cantina dos soldados. Mas Villas Boas ao chamar Mourão de “bom soldado” diz, com todas as letras, que ele tem algum apoio da tropa.
Neste contexto, o que ele fala não é apenas “devaneio” nem pode ser simplesmente posto de lado. O papel da Globo ali, sim, foi espúrio. Como é sua história, a Globo conspira contra o Brasil, até fazendo bom jornalismo técnico. A entrevista de Bial foi esplêndida, sem os elogios subservientes que a Globo fazia a Temer na época imediatamente após o golpe ou que faz seguidamente a Alckmin e Serra. Bial não deixou o preparado general escapar. Villas Boas tentou dizer que o episódio “estava superado”, mas Bial tornou a perguntar exigindo que o general se posicionasse. O que queria a esquerda? Que um comandante militar, defronte às câmeras de uma rede de televisão historicamente comprometida com tudo o que há de mais criminoso no Brasil, desde 1964, desautorizasse Mourão e dissesse publicamente: “sim, vou puni-lo pelo que ele falou”? Era tudo o que Mourão e a Globo gostariam que Villas Boas fizesse.
O mesmo esforço ignorante foi feito por Raul Jungmann, o ministro da Defesa. Aliás, Temer teve perícia singular em escolher as piores pessoas para cada pasta. Jungmann não é exceção. O desastrado ministro foi à televisão dizer que chamaria Villas Boas às falas e encontrariam “medida a ser tomada”. Não senhores, não é assim que vamos resolver a crise e, muito menos, nos livrarmos do fascismo que grassa em setores do Exército. Mourão e Etchegoyen são a ponta de um iceberg. Representam o que há de mais truculento e sem preparo político dentro do exército, mas não se enganem: por trás de dois generais, há dez coronéis, centenas de majores, milhares de capitães e assim sucessivamente  até chegarem aos soldados. Todos querem uma “intervenção saneadora”. O grande problema é que não sabem o que sanear, tampouco como fazer. Uns defendem a queda do governo Temer, outros a “limpeza” do sistema, expurgando TODOS os “envolvidos” em casos de corrupção. Há ainda o que querem tirar todos os “esquerdopatas” e dar-lhe uma lição.
A falta de capacidade técnica de entender seu papel e compreender o que é um Estado de Direito é característica deste grupo. Característica que Villas Boas NÃO partilha. Se as Forças Armadas ainda não tomaram atitude mais dura e ilegal deve-se a Villas Boas e o grupo que a ele é fiel. A esquerda joga o jogo da Globo emparedando o general entre o corporativismo da tropa e uma suposta necessidade de punir Mourão por “quebra de hierarquia”. Qualquer aluno de graduação de História conhece a tese mais aceita sobre a proclamação da República Brasileira e o “espírito de corpo” das Forças Armadas, adquirido durante a Guerra do Paraguai e a crise final do Império. Também estudam os “jovens oficiais” e o positivismo no início da República, depois o apoio a Vargas, e estes indicadores não mudam até 1964. O fascismo, o anticomunismo e o entendimento de que o povo deve ser “tutorado” pelos “salvadores da pátria” de verde-oliva é pensamento corrente, ensinado desde as escolas preparatórias até os cursos de altos oficiais. Não importa se esta visão beire o crime histórico, é assim que a imensa maioria dos militares pensam.
É claro que existem alguns que se destacam pelas suas capacidades intelectuais e que percebem o erro desta visão. Mas suas margens de ação se limitam à neutralidade, ou – nos dizeres de Villas Boas – à “legalidade, legitimidade e que o Exército não seja fator de instabilidade”. Isto, é o que de melhor todo o Brasil poderia ouvir do exército brasileiro neste momento, ainda que algumas pessoas de esquerda torçam o nariz. A direita está tentando derrubar Temer, agora usando o Exército e a esquerda não pode usar este discurso. Qualquer um que vença nesta disputa (os corruptos de Temer ou os fascistas que se escondem no exército), o país perde e a esquerda será afastada de todo processo político institucional.
Villas Boas precisa seguir no comando do Exército e com o Exército neutro e não como fator de desestabilização. Se é preciso conter os fascistas, também o é conter as radicalidades da esquerda que pensam que para tirar Temer vale qualquer coisa. Um dos grandes erros cometidos por Goulart entre 61 e 64 foi ter baseado sua “defesa” em associações de sargentos e oficiais inferiores. Isto provocou um sentimento de “quebra de hierarquia” no Exército. O soldado (todos eles) entende o mundo através da hierarquia, sem ela o mundo está em “caos” e ele se sente compelido a reagir. Villas Boas não pode permitir que o façam quebrar a hierarquia execrando publicamente um general. A Globo está tentando recriar o mesmo mecanismo que deu poderes aos monstros de 64. Alguns não sabem, mas existia um número considerável de militares legalistas que eram contra o golpe em 64; vários foram presos, expulsos do exército, tiveram suas famílias torturadas por “irmãos de farda” e outros apenas não acharam prudente se expor.

Se houve o que se pode chamar de sucesso dos governos progressistas, quanto às instituições, foi nas Forças Armadas. Nunca tivemos um grupo de generais tão centrados e capazes nos comandos das FFAA. Erraram a mão no STF e acertaram nas Forças. As elites usaram, desta vez, o judiciário. Pois que não cometamos o erro de fazer o Exército se juntar aos golpistas ou de colocar todo militar brasileiro na condição de golpista. Precisamos entender quem são os inimigos reais, e – desta vez – eles não vestem verde-oliva.

O país das Rocinhas, por Jânio de Freitas




O espanto generalizado com a guerra na Rocinha só pode vir do vício de espantar-se com os atos todos da violência urbana, não importa se maiores ou minúsculos, se astuciosos ou vulgares. Rocinha não é mais do que uma celebridade (a palavra-símbolo do jornalismo deslumbrado) entre milhares de assemelhadas pelo país afora.

Na Rocinha há fuzis modernos, sim. Em Brasília, os equivalentes aos criminosos da Rocinha têm a mais abrangente e terrível das armas: o poder – de governar em benefício de grupos, de legislar em causa própria e dos subornadores, de queimar uns poucos comparsas e preservar o grosso da bandidagem engravatada.

Se é assim no cimo do país, onde também se travam lutas por mais domínio, o que esperar dos que têm a mesma índole sem, no entanto, receberem da vida as mesmas oportunidades? Assalto por assalto, dos cofres públicos é roubado muito mais, nem se sabe quantas centenas de bilhões, do que o dinheirinho de passantes, o troco das caixas de lojas, os celulares, relógios e carros.

Há as drogas. Todas as Rocinhas são dadas como entrepostos de droga. São vendedoras. Inclusive para os consumidores armados de poder e seus sócios no elitismo. Nas Rocinhas, vem em papelotes. Nas festas da fortuna, a droga vem em bandejinhas de prata. Elegância e poder não costumam andar juntos, mas às vezes coincidem.

O tráfico proveniente das Rocinhas é uma desgraça. Há, porém, um tráfico mais devastador. O tráfico de drogas destrói indivíduos, o tráfico de influência nos gabinetes e salões do poder arrasa multidões, mais de 200 milhões de seres roubados em dinheiro e em direitos pelos negócios do suborno e da influência.

Os delinquentes de todas as Rocinhas matam. Muito. E o fazem, é verdade, com indiferença e perversidade. Pensar que a airosa Fortaleza é a quinta entre as dez cidades mais violentas das Américas, sendo o Rio a décima e última, parece estatística de economista.

O homicídio originário das Rocinhas cresce e se espalha, incontrolável. Em paralelo ao homicídio que não leva esse nome, para proteger seus culpados. E que assassina com as armas letais que são a ausência de remédios para transplantados, HIV, diabéticos, tuberculosos, cardíacos, e tantos mais, por "falta de verba" que ricaços no poder cortaram.

Quando não é a morte assim, é a tortura pela espera de leito hospitalar, pelos meses à espera de um teste de câncer, pelos meses à espera da cirurgia. Pela espera impiedosa da morte. Decretada nas altitudes luxuosas de Brasília, nas roubalheiras cabralinas não só fluminenses, e muitas vezes autorizadas pela maioria de travestis do Congresso – bandidos passando-se por representantes do povo. Os homicídios dos delinquentes das Rocinhas em geral são muito menos numerosos.

A insegurança urbana é indignante e injusta. Até filas de emprego são assaltadas, bandidos pobres roubando pobres trabalhadores. Mas a delinquência que sai das Rocinhas, e transtorna as suas cidades, generaliza espantos e horrores. Uma caverna com R$ 51 milhões tomados pela delinquência armada de poder político, ah, essa excita o bom humor. E a criminalidade das Rocinhas não é subproduto da delinquência engravatada, indiferente às suas vítimas tal como a delinquência urbana? Ambas tão comuns, tão antigas, consanguíneas, diferentes apenas na extensão em que infelicitam o presente e o futuro país.

Como sempre

Apesar das muitas críticas ao governador Luiz Fernando Pezão, ao proibir a intervenção policial na guerra de bandos, domingo passado na Rocinha, ele por certo evitou uma mortandade inútil no que seriam os três lados do tiroteio. E, pior, nos alvejados pelas ditas balas perdidas.

Na intervenção agora consumada, mais uma vez o Exército mostra, desde as primeiras decisões, que ainda não compreendeu o problema e, portanto, as suas possibilidades. Erros que se repetem desde a cúpula ambiental Rio-92. É demais.

Janio de Freitas , Folha de São Paulo

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Leonardo Boff: estamos já em plena ditadura civil rumo à militar?





O que vivemos atualmente no Brasil não pode sequer ser chamado de democracia de baixíssma intensidade. Se tomarmos como referência mínima de uma democracia sua relação para com o povo, o portador originário do poder, então ela se nega a si mesma e se mostra como farsa.
Para as decisões que afetam profundamente o povo, não se discutiu com a sociedade civil, sequer se ouviram movimentos sociais e os corpos de saber espcializado: o salário mínimo, a legislação trabalhista, a previdência social, as novas regras para a saúde e a educaão, as privatizações de bens públicos fundamentais como é, por exemplo, a Eletrobrás e campos importantes de petróleo do pré-sal, bem como as leis de definem a demarcação das terras indígenas e, o que é um verdadeiro atentado à soberania nacional, a permissão de venda de terras amazônicas a estrangeiros e a entrega de vasta região da Amazônia para a exploração de variados minérios a empresas estrangeiras.
Tudo está sendo feito ou por PECs, decreto ou por medidas provisórias propostas por um presidente, acusado de chefiar uma organização criminosa e com baixíssimo apoio popular que alcança apenas 3%, propostas estas enviadas, a um parlamento com 40% de membros acusados ou suspeitos de corrupção.
Que significa tal situação senão a vigência de um Estado de exceção, mais, de uma verdadeira ditadura civil? Um governo que governa sem o povo e contra o povo, abandonou o estatuto da democracia e claramente instaurou uma ditadura civil. Assim pensa um de nossos maiores analistas politico Moniz Sodré, entre outros. É exatamente isso que estamos vivendo neste momento no Brasi.
Na perspectiva de quem vê a realidade política a partir de baixo, das vítimas deste tipo novo de violência, o país assemelha-se a um voo cego como um avião sem piloto. Para onde vamos? Nós não sabemos. Mas os golpistas o sabem: criar as condições políticas para o repasse de grande parte da riqueza nacional para um pequeno grupo de rapina que segundo o IPEA não passa de 0,05 de populacão brasileira, (um pouco mais de 70 mil milhardários) que constituem as elites endinheiradas, insaciáveis e representantes da Casa Grande, associadas a outros grupos de poder anti-povo, especialmente de uma mídia empresarial que sempre apoiou os golpes e teme a democracia.
Transcrevo um artigo de um atento observador da realidade brasileira, vivendo no semi-árido e participando da paixão das vítimas de uma das maiores estiagens de nossa história: Roberto Malvezzi. Seu artigo é uma denúncia e um alarme: Da ditadura civil para a militar.
“Antes do golpe de 2016 sobre a maioria do povo brasileiro trabalhador ou excluído, já comentávamos em Brasília, num grupo de assessores, sobre a possibilidade de uma nova ditadura no Brasil. E nos ficava claro que ela poderia ser simplesmente uma “ditadura civil”, sem necessariamente ser militar. Entretanto, como em 1964, ela poderia evoluir para uma ditadura militar. Naquele momento pouquíssimos acreditavam que o governo poderia ser derrubado.
Para mim não há dúvida alguma que estamos em plena ditadura civil. É um grupo de 350 deputados, 60 senadores, 11 ministros do Supremo, algumas entidades empresariais e as famílias donas da mídia tradicional que impuseram uma ditadura sobre o povo.
As instituições funcionam, como dizem eles, mas contra o povo e apenas em favor de uma reduzidíssima classe de privilegiados brasileiros. Claro, sempre conectados com as transnacionais e poderes econômicos que dominam o mundo.
Portanto, nós, o povo, fomos postos de fora. Tudo é decidido por um grupo de pessoas que, se contadas nos dedos, não devem atingir mil no comando, com um grupo um pouco maior participando indiretamente.
Acontece que o golpe não fecha, não se conclui, porque a corrupção, velha fórmula para aplicar golpes nesse país, hoje é visível graças a uma mídia alternativa presente e cada vez mais poderosa. E a corrupção está em todos os níveis da sociedade brasileira, sobretudo nos hipócritas que levantaram essa bandeira para impor seus interesses.
Mas, a corrupção é apenas o pretexto. Segundo a visão de Leonardo Boff, o objetivo do golpe é reduzir o Brasil que funcione apenas para 120 milhões de brasileiros. Os 100 milhões restantes vão ter que buscar sobreviver de bicos, esmolas e participação em gangs, quadrilhas e tráfico de armas e drogas.
Então, começam aparecer sinais do verdadeiro pensamento de quem está no comando, uma reunião da Maçonaria, um general falando a verdade do que vai nos bastidores, a velha mídia com a opinião de “especialistas”, nas mídias sociais os saudosos da antiga ditadura dizendo que “quem não é corrupto não precisa ter medo dos militares”.
Enfim, estão plantando a possibilidade da ditadura militar. Para o pequeno grupo que deu o golpe ela é excelente, a melhor das saídas. Nunca foram democráticos. Não gostam do povo. Inclusive nessa Câmara e nesse Senado, poucos vão perder seus cargos ou ir para a cadeia.
O pior de uma ditadura civil ou militar é sempre para o povo. As novas gerações não conhecem a crueldade de uma ditadura total.
É de gelar a alma o silêncio da sociedade diante das declarações do referido general”. Que Deus e o povo organizado nos salvem.
Leonardo Boff - Fonte: DCM

O general falou e Barroso não piou, por Luís Nassif


"Mas quando um general produziu um terremoto, não contendo no discurso a incontinência verbal, do STF o tosco saiu em viagem, o astuto escafedeu e a jovem democracia ficou à mercê de Deus "



GGN.- Gilmar e Luis Barroso são dois Ministros falantes, cada qual com seu estilo, cada qual a seu talante, um com a rudeza taurina, outro com a fala elegante, um, direto, ofegante, outro liso e palrador, o falastrão perdigoto, o boquirroto finório. 
Falam muito, muito opinam, sempre falam, falam sempre, nunca se negam a falar, e se as falas por aqui, eu repito e embaralho é porque é o seu retrato, pulando de galho em galho, falando de déu em déu, jogando palavras ao vento, pontificando ao léu.
Dão palpite em política, em reforma trabalhista, Gilmar é mais detalhista, Barroso é orelha de livro, Gilmar é um garantista sempre em defesa dos seus; Barroso é o maneirista encobrindo o filisteu.
Ambos são candidatos a campeões do Supremo.
Mas quando um general produziu um terremoto, não contendo no discurso a incontinência verbal, o tosco saiu em viagem, o astuto escafedeu e a jovem democracia ficou à mercê de Deus  
E coube a Marco Aurélio, Ministro que pouco opina fora dos autos sair em defesa da lei, confirmando, na prática, aquele dito feliz: aquele que fala muito, muito fala e pouco diz. 
Luis Nassif

A "democracia" no Brasil ou a (des)esperança equilibrista,. Por Francisco Fonseca, Professor de Ciência Política, para o Le Monde Diplomatique Brasil



A “democracia” brasileira encontra-se na “corda bamba equilibrista”: de um lado, o autoritarismo enevoado pelas formalidades legais falsamente democráticas, desestruturadoras dos direitos políticos, sociais e trabalhistas; de outro, a luta dos trabalhadores e dos pobres em busca destes

equilibrio 2

Sege o artigo de Francisco Fonseca, Professor de Ciência Política no FVG-Enesp e PUC-SP, publicado no Le Monde Diplomatique Brasil

Crédito da Imagem: Daniel Kondo

O trecho acima, da letra da canção O bêbado e o equilibrista, de 1978, expressa como nunca o Brasil de hoje, em que o impedimento da presidenta Dilma Rousseff significa, em verdade, o impedimento da democracia no Brasil.
Grande parte da cultura de resistência política nas mais diversas manifestações artísticas que marcaram a oposição à ditadura militar é hoje vigorosamente contemporânea. Em outras palavras, passados menos de trinta anos da “transição para a democracia”, supostamente consolidada na Constituição de 1988, o país revive a ditadura e sua (des)esperança equilibrista! De modo similar a 1964, deu-se a repaginada interrupção da democracia política e social, “velha” como aquela em seus métodos e intuitos.
Personagens semelhantes de ontem e de hoje assumiram o protagonismo do golpe de Estado desfechado em 31 de agosto de 2016, após amplo, complexo e articulado – nacional e internacionalmente – processo de desestabilização política, econômica e ideológica: agências estatais norte-americanas;1 capital transnacional; fração rentista do capital externo e interno; grande empresariado interno desnacionalizado articulado a grupos e corporações internacionais; Poder Judiciário, atuante como partido político sem voto; classes médias superiores zelosas pelo retorno e aprofundamento da “Belíndia” (Bélgica para as elites e Índia para a imensa maioria dos pobres, terminologia adotada até o governo FHC); desprezo pelas “regras do jogo democrático” por parte significativa do sistema partidário – PSDB à frente, como revivescência da UDN –; meios de comunicação oligopolistas e golpistas, atuantes como outro partido sem voto; entre outros.
Portanto, todos esses personagens se amalgamaram, não sem contradições, num consórcio golpista responsável pela instauração do ódio (à igualdade, à democracia, aos pobres, à esquerda, ao PT, a Dilma e a Lula) e consequentemente do golpe de Estado que nos legou, desde o ano passado, o profundo estado de exceção em que a mínima “segurança jurídica” deixou de existir.
Deve-se notar que, mesmo considerando as definições minimalistas de democracia, como as de Norberto Bobbio (aceitação das regras do jogo em torno da maioria eleitoral com respeito às distintas minorias) e de Robert Dahl (garantia da contestação política e da participação nas decisões governamentais), a interrupção daquilo que se chamou de “democracia brasileira” contou com o escancarado escárnio das elites e das instituições políticas pelos princípios elementares da “democracia”!
Do ponto de vista institucional, a facilidade com que setores do Ministério Público (Federal e de algumas seções estaduais), do Supremo Tribunal Federal e da força-tarefa da Lava Jato, entre outras instituições judiciárias, além da Polícia Federal, têm suplantado a Constituição, os códigos de direito e processo penal, as leis de delação, grampo e “vazamento” de informações, entre inúmeras outras, tem colocado o país de costas para a mais elementar concepção de “estado de direito democrático” e de país adepto ao respeito aos “direitos humanos”. Neste caso, o desrespeito aos tratados internacionais tem isolado fortemente o país da chamada “comunidade internacional”.
Para além dos inúmeros erros políticos cometidos pelos governos Lula e particularmente Dilma – sobretudo vinculados à conciliação entre as mais distintas classes sociais, eximindo-se consequentemente de enfrentar grandes poderes –, nada justifica o golpe de Estado à luz da teoria democrática e sobretudo da legitimidade do voto. O pretexto das – midiaticamente chamadas – “pedaladas fiscais” e do “combate à corrupção” nada mais representou que “cortinas de fumaça” ocultadoras de interesses do grande capital mancomunados com as elites políticas/sociais e com as instituições:2 a imposição de governo e agenda plutocráticos.
Uma possível explicação para o golpe remonta às insuficiências e contradições da transição para a “democracia” – tomada, nos anos 1980, quase como um “consenso” de que estaríamos caminhando rumo à “democracia” –, que na verdade geraram um “monstro” de certa forma imperceptível, mas essencialmente útil. Afinal, uma arquitetura político/econômica/ideológica antidemocrática foi estruturada desde a “transição”, associada a instrumentos provenientes da ditatura militar, tendo permanecido até os dias de hoje, sem alterações significativas, como veremos a seguir.
O sistema político tutelado pelas elites3
A “transição democrática” do final da década de 1980 foi marcada, como se sabe, pelo “alto”, cujo velho mote do conservadorismo se fez inteiramente: “Alterar para não mudar efetivamente”. Sem que se tenha pretensão de esgotá-las, as seguintes características marcaram a aludida arquitetura, cuja ideia de “transição lenta, gradual e segura” da década de 1970 se mantém curiosamente como fator explicativo para o golpe de 2016.
O financiamento empresarial de campanhas e partidos
Embora formalmente o financiamento político seja misto (público, via fundo partidário, e privado, por meio de doações de empresas e de pessoas físicas), na prática sempre foi largamente privado/empresarial, tendo em vista o chamado caixa dois. Mas, mesmo o financiamento privado legal, regido por leis e controles, é, por princípio, ilegítimo, em razão da assimetria econômica que impõe à representação política. Em outras palavras, a vida pública tornou-se, desde a “redemocratização”, essencialmente organizada pelo poder privado do capital; além disso, a própria dinâmica do poder implica relações ocultas – que permanecem, mesmo com os avanços nos processos de transparência –, por meio da ampla rede de fornecedores privados e da participação vigorosa dos agentes privados nas políticas e na administração públicas. Isto é, o financiamento privado ilegal não ocorre apenas em períodos eleitorais, pois tende, sobretudo após a “emenda da reeleição” – verdadeiro golpe branco desferido contra a democracia pelo governo FHC –, a fazer parte do cotidiano de quem assume o poder, excetuados os que lutam contra a roldana do sistema.
Somente em fins de 2015 o STF, após enorme atraso provocado pelo ministro Gilmar Mendes, proibiu o financiamento privado empresarial, tendo significado talvez a única ação democrática da alta corte nos últimos anos. Não é garantia, contudo, do abuso do poder econômico, tendo em vista a fragilidade das instituições fiscalizadoras.
Multipartidarismo: extrema flexibilidade, baixa representatividade e “mercado da política”
Embora, em tese, a existência potencial de diversos partidos seja fundamental à democracia, uma vez que pode permitir a expressão de interesses e visões de mundo distintos, o multipartidarismo criado ao final da ditadura objetivava justamente a pulverização das forças políticas de oposição, de tal modo que não tivessem poder suficiente para derrotar o status quo civil-militar e promover grandes mudanças político-sociais. Consolidada a retirada dos militares da cena política, o multipartidarismo teve outros objetivos, para além da pluralidade político-ideológica demandada pela sociedade: a) a necessidade de formação de alianças eleitorais, em larga medida não programáticas, tendo em vista a soma do tempo de rádio e TV referente à propaganda eleitoral; b) a coalizão, incluindo-se partidos derrotados nas eleições, para a composição de maiorias após a vitória eleitoral, igualmente não programáticas, com vistas a constituir “base governista” ampla capaz de aprovar medidas de governo; c) o chamado “balcão de negócios”, em que barganhas dos referidos tempos no rádio e TV e na formação de alianças, assim como todo tipo de “varejo” parlamentar perante o Executivo, tornaram-se o modus operandi da vida política; e d) a fragilização dos partidos políticos como agentes de representação social popular. Isso implica a desvalorização dos partidos enquanto instituição, com a consequente personificação de indivíduos, cuja consequência é a desmobilização coletiva, bem como a pulverização e a fragmentação da representação partidária.
Tudo isso foi sintetizado na expressão “presidencialismo de coalizão”, que representou nada mais que o arranjo institucional voltado à “conciliação de classes”, no sentido de impedir maiorias populares. Os governos petistas jogaram esse jogo exaustivamente, até que, na primeira oportunidade, as elites romperam a conciliação, tanto por não mais precisarem dela como por vislumbrarem a possibilidade de desestruturação dos direitos sociais e trabalhistas.
A destituição do Parlamento como “casa do cidadão comum”
A destituição dos poderes do Parlamento quanto à proposição da “agenda política” e de políticas públicas transformadoras, em contraste ao potencial lócus de representação plural e particularmente popular, é parte do projeto “pelo alto”. A chamada “crise do Parlamento” é, dessa forma, estratégica para o jogo das elites, uma vez que o rebaixamento do Legislativo implica hipertrofia do Executivo, em que a tomada de decisão é infinitamente mais rápida, informal e sobretudo controlável.
O baixo “controle social” da sociedade politicamente organizada
Em termos institucionais, o baixo controle social dos cidadãos perante os representantes eleitos, cujo mandato se torna “propriedade” destes, faz da representação política arena de negociação distante e muitas vezes em oposição aos interesses populares. Portanto, quanto mais distante do cidadão comum, mais privatizado e elitista se torna o sistema político. De certa forma, a judicialização das políticas públicas e, mais ainda agora, a partidarização do Poder Judiciário distanciam mais ainda os interesses coletivos populares do “controle social” sobre a tomada de decisão, em benefício dos que transitam pelos gabinetes. Os avanços na institucionalização da participação ocorridos parcialmente a partir de Lula foram bruscamente interrompidos.
A oligopolização oligárquica da mídia
O sistema midiático permanece oligopolizado e oligárquico, notadamente a rede concessionária de TVs e rádios, porém articulada a jornais, revistas e ao mundo digital, que atuam como “aparelhos privados de hegemonia”. A mídia é ator político paraestatal, com grande poder de influenciar tanto a percepção social da vida política como os comportamentos. É claramente partícipe do jogo político, embora estrategicamente seu discurso o oculte. Deve-se, dessa forma, considerá-la parte do sistema político, o que implica necessariamente sua reforma, à luz, por exemplo, do que ocorreu na Argentina por meio da Ley de Medios. Não regulamentá-la e não controlá-la põe por terra qualquer possibilidade democrática.
A corda bamba da democracia
Apesar de claramente disfuncional para a representação dos interesses populares, essa arquitetura tem sido justificada no debate político e pela ciência política dominante como garantidora da chamada “governabilidade”, isto é, das condições de obtenção de maioria para governar, com vistas à consecução dos objetivos da coalizão de governo… notadamente o impedimento das mudanças profundas. Portanto, implica essencialmente a proteção dos proprietários (de diversas frações do capital) em detrimento da maior parte dos cidadãos. Afinal, tanto para se elegerem (reitere-se o papel do financiamento privado, mesmo que informal, e das coligações para obtenção de tempo no rádio e na TV) como para governarem (“dívida” para com os financiadores e necessidade de maioria parlamentar para ter “governabilidade”), os partidos políticos que chegam ao poder necessitam, inescapavelmente, negociar compromissos assumidos durante as eleições e o próprio “programa” de governo. Governar implica, portanto, não contrariar grandes interesses e consequentemente estabelecer políticas apenas “incrementais”.
A “democracia” brasileira encontra-se, portanto, na “corda bamba equilibrista”: de um lado, o autoritarismo enevoado pelas formalidades legais falsamente democráticas, desestruturadoras dos direitos políticos, sociais e trabalhistas; de outro, a luta dos trabalhadores e dos pobres em busca desses, entre outros, direitos. Quanto às instituições, pouco se espera delas, uma vez que enlameadas no golpe e fortemente facciosas.
Os “artistas” aos quais se refere a canção da epígrafe são, portanto, os trabalhadores, os pobres e um sem-número de militantes, partidos de esquerda e progressistas, organizações sindicais, movimentos sociais, mídias alternativas, entre tantos anônimos: são a grande esperança de que, ao ocuparem as ruas e os mais diversos espaços, revertam a trágica correlação de forças que se abateu sobre o país.
Tarefa árdua, mas “o show tem de continuar”…
*Francisco Fonseca é professor de Ciência Política da FVG-Eaesp e da PUC-SP.
[Texto publicado na edição 120 do Le Monde Diplomatique Brasil – Julho de 2017]

1 É fundamental ressaltar que o que veio a público por meio dos “vazamentos” expostos por Julian Assange e do WikiLeaks acerca da bisbilhotice internacional do governo dos Estados Unidos aos e-mails e telefones do governo brasileiro – entre outros governos –, incluindo-se extensa espionagem das autoridades da Petrobras, deixa claro que eram de amplo conhecimento daquele país o pré-sal e as decisões estratégicas a serem tomadas pela estatal, entre outras. Não se trata de “teoria da conspiração”, mas simplesmente de conspiração seguida de desestabilização!
2 A Operação Lava Jato, que tem produzido supostos “heróis nacionais”, paradoxalmente nada mais significa que a criminalização do modus operandi da vida política e de um modelo específico de desenvolvimento econômico/social: trata-se de um partido político derivado do partido maior, o aludido “Partido do Judiciário”. Faz política sem voto, com consequências brutais ao Estado, à sociedade e ao sistema político. Pretende, na esteira da Ação Penal 470, capitaneada por Joaquim Barbosa, “limpar o Brasil”. Seu resultado tem sido a devastação do estado de direito democrático – naquilo que se aproximava dele – e do desenvolvimento econômico e social, rebaixando o país a patamares da década de 1980/1990. Tudo isso para o gáudio dos grandes players e governos internacionais.

3 Esta seção é baseada no artigo de minha autoria publicado neste jornal (out. 2014), antes das eleições presidenciais, em que chamei atenção para a lógica e a dinâmica do sistema político, uma vez que voltado à proteção das elites. A análise das características apontadas foi atualizada e adaptada. Após quase três anos de sua publicação, pareceu premonitório, incluindo-se o título (“A que(m) serve o sistema político brasileiro?”), embora não tivesse essa pretensão.

Le Monde Diplomatique sobre a onda da banalidade do Mal no Brasil: Estratégias da violência se fundam no genocídio de negros, pobres e mulheres




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Com a combinação do jogo do medo com a percepção de uma força acima das leis, a segurança pública em prática no país demonstra que o aparato institucional é insuficiente para proteger os cidadãos, demandando o acionamento do autoritário e violento para conter o “outro” perigoso

Por: Edson Teles no Le Monde Diplomatique Brasil

Crédito da Imagem: Daniel Kondo

Muito se ouve, se fala e se sente acerca da violência. O ódio se encontra disseminado entre as pessoas dissonantes, como se não fosse possível habitar o mesmo espaço do outro que pensa e age diferente. A violência institucional do Estado prolifera, seja na omissão de um sistema prisional, que produziu mortes em massa no início do ano, seja nas ações homicidas das polícias militares nas periferias e manifestações políticas de resistência. Contudo, as práticas sociais agressivas, punitivas e de linchamento não se resumem à tradicional oposição Estado versus sociedade. Entre cada indivíduo das comunidades, dos bairros, dos mesmos transportes públicos ronda o fantasma da violência.
Certamente, as causas desses fenômenos são múltiplas, talvez tanto quanto o são suas ocorrências. Bem como são históricas e tradicionais. Sofrem mais do dinamismo da continuidade do que da sinergia das rupturas. Apesar das várias facetas sob as quais poderíamos analisar a violência estrutural, há certos mecanismos e estratégias que se repetem. Como funcionam? Mais ainda: quais funções e dispositivos de manutenção dessas práticas se atualizam no mundo do trabalho, na sociabilidade desigual e na urbanidade precária?
A continuidade, permanência e sofisticação dos modos da violência poderiam ser sintetizadas, na experiência brasileira, em duas formas fundamentais e dominantes: o racismo e o machismo. Esse binômio reúne, entre suas efetividades, discursos e ramificações, os principais mecanismos de alimentação da lógica autoritária e agressiva das sociabilidades e dos sujeitos que nelas operam e se implicam.
Cerca de 60 mil pessoas sofrem homicídio no país a cada ano. São mortes que possuem características próprias, tanto em seus aspectos territoriais como em relação à dimensão socioeconômica das vítimas. Isso se torna absurdo se somarmos a esses dados toda sorte de violências físicas, morais, psicológicas e de imposição de formas de dominação, tais como as sofridas em escolas, delegacias, sistema de saúde, transporte público precário, mundo do trabalho etc. Há que se considerar o histórico de grave desigualdade social, o qual somente se acentuou nos últimos anos – apesar da diminuição das pessoas em situação miserável, o abismo entre pobres e ricos aumentou, com o crescimento do primeiro grupo e a concentração das riquezas em posse de poucos.
Há, ainda, uma violência que se destaca negativamente nas estatísticas. É a cometida por agentes de segurança pública, justamente aqueles que deveriam ou poderiam atuar para diminuir a atual condição alarmante. A polícia brasileira é a que mais mata no mundo, produzindo óbitos muitas vezes sem a mínima preocupação com a legalidade de seus atos. São inúmeros os casos de assassinatos – sem contar as chacinas em presídios ou as operadas por policiais sem farda, em “esquadrões da morte” – não computados, acobertados por outros servidores do sistema de segurança, com cena do crime adulterada e falseamento da narrativa dos casos. Tudo muito parecido com os procedimentos dos agentes da repressão política nos anos de ditadura militar (1964-1988).
Vejamos o exemplo do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, que computa os dados sobre mortes violentas intencionais registradas no sistema de saúde. Há, como forma de registro, as categorias Y35-Y36 do SIM sobre informações de “intervenções legais e operações de guerra”. Ter no Brasil uma base de registros oficiais para “operações de guerra” denota o quão bélica se encontra a sociedade. Talvez ainda mais grave seja que nessas estatísticas sobre a violência policial apareça o registro de zero ocorrência em alguns anos ou em alguns estados da Federação. Ocorre, portanto, uma subnotificação da violência de Estado.
Houve tentativas de algum controle da impunidade do Estado policial. Exemplo disso foi a criação do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (de 2013). Com 50% mais um de seus membros formados por representantes da sociedade e o restante por agentes do governo federal, tal instituição falhou em colocar em prática ações concretas de contenção da tortura. O maior problema foi a ação corporativa dos representantes estatais, conforme denunciou a Pastoral Carcerária ao se retirar do comitê (ver “Carta de saída da Pastoral Carcerária do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura”, de julho de 2016).
O quadro da violência no país indica como vítimas endêmicas jovens negros e pobres nas periferias, bem como mulheres, em especial a mulher negra. Genocídio do negro e feminicídio, somados ao etnocídio, são a síntese de uma sociedade bélica, ainda que astuta o suficiente para se declarar respeitosa das diferenças e racialmente democrática. Se somarmos o fato de que o futuro breve das gerações de jovens será de graves dificuldades no acesso aos direitos trabalhistas, previdência social cada vez menos eficaz e mundo do trabalho escasso, a violência tende a piorar.
Segundo o Atlas da violência [Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Ipea, 2016], um jovem negro ou pardo tem 147% mais chances de ser assassinado do que um branco ou amarelo. O país cordial e democrático, em seu cotidiano, tem três mulheres assassinadas por dia. E a maioria das vítimas é composta de mulheres negras. Segundo pesquisa da Flacso de 2015, entre 2003 e 2013 a morte violenta de mulheres negras aumentou 54%, enquanto a de brancas diminuiu 9,8% [Mapa da violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil].
Como se pode falar em Estado democrático e em estado de direito quando esse mesmo ente público é um dos principais agentes da violência? Por que é que os discursos e as subjetividades emergentes desse quadro apelam para esforços ainda mais agressivos? Como a produção de estratégias, mecanismos e funções universais de um país e de um povo afeta e incrementa a violência?
Pois bem, se os negros habitam em condições precárias, certamente sofrerão discriminação no momento de almejar um emprego. Se a ausência de trabalho mais digno é causada pela carência de formação e preparo técnico, esta permanecerá precária pela inexistência de auxílio institucional. O círculo vicioso – habitação, escola, saúde, trabalho – produz um racismo (e sexismo) naturalizado e estabelecido como parte das práticas sociais. Assim, a forma violenta de sociabilidade configura-se no senso comum e no cotidiano das cidades como a normalidade.
Se o normal é a violência, o racismo e o machismo, como a mulher ou o jovem negro podem experimentar uma autodefinição de sua existência, condição necessária para repensar o quadro de violência? Nega-se a essas vítimas o direito de autodefesa – se o fizerem, serão classificados como vândalos, elementos patológicos diante do normal e da ordem. Dessa forma, brada-se nos territórios: “Somos todos brasileiros”. A violência, ao operar certa forma de governo da população, torna-se mecanismo fundamental de manutenção das formas de controle e dominação, bem como dispositivo de bloqueio e anulação das potências de resistência dos coletivos atingidos. A lei, a ordem e a normalidade social “acolhem” todos em seu aconchego “democrático” e nacional, desde que não iniciem processos de ruptura ou criação de outras experimentações fora da ordem estabelecida.
A violência e o uso “operativo” da segurança pública
Com o quadro de violência assistimos ao discurso de alerta sobre a segurança urbana, gerando o medo e a necessidade de medidas “fortes”. Reduzir a idade penal para conter a presença dos adolescentes no crime; encarceramento em massa da população com aumento das penas; aquisição de armamentos novos e mais eficazes para as polícias militares; investimento em tecnologia de vigilância da população; criação de batalhão de policiais preparados para impedir manifestações de rua; uso das Forças Armadas para patrulhamento de espaços civis precarizados.
Nesse contexto, há a produção de eficientes máquinas de controle social, legitimando políticas de uso da força na segurança pública e alimentando uma violência desmedida e histórica por parte de agentes do Estado. Ano após ano, em continuidade à lógica de combate ao inimigo interno institucionalizada durante a ditadura, o estado de direito não tem obtido resultados positivos na diminuição da violência.
Em São Paulo, no último mês de maio, tentaram legitimar uma militarização da cidade. Foi a operação visando acabar com a “anormalidade” dos usuários de drogas na Cracolândia. Mais conhecido como “política higienista”, o Projeto Redenção, da Prefeitura de São Paulo, que teve parte de suas reuniões, não sem propósito, realizada na Secretaria de Segurança Pública, objetiva “erradicar” – arrancar pela raiz, eliminar, extirpar – o tráfico de drogas e “revitalizar” a distribuição da posse imobiliária da região. As cenas que se seguiram à determinação do prefeito, juntamente com o governador, por meio de suas forças policiais, foram de violência indiscriminada. Bombas, tiros, ameaças, destruição de imóveis, provocando o “fluxo” desesperado de centenas de paulistanos, abandonados pelas instituições que deveriam lhes garantir direitos. Há nessas ações a articulação de uma militarização da vida urbana ou, ainda, da política.
A sinergia entre essas operações de higienização, repressão a manifestações e eliminação de corpos é a característica e confirmação maior da securitização das subjetividades e da política – algo que já vem sendo testado nos conflitos de terra, nas periferias das grandes cidades, nos entornos de campos de futebol, nos megaeventos esportivos por vários anos. Os modelos de “pacificação” e controle via militarização vêm acompanhados de discursos de conciliação, consenso e manutenção da ordem. Trata-se de um tipo de biopolítica, praticada desde sempre, é fato, mas que sofreu uma intensificação na última década.
É quase esquizofrênico, mas, quanto mais o Estado é violento, mais o quadro social se apresenta como de crise produzida pela violência urbana e mais se autoriza o investimento na capacidade de uso da violência. Do ponto de vista da eficácia da política de segurança pública, é mais importante uma situação de violência urbana do que relações harmoniosas e de respeito aos direitos. É exigida a disseminação de subjetividades violentas, seja qual for o alvo (podendo ser até mesmo o próprio Estado e a ordem), para manter o discurso da necessidade de controle e militarização.
Haveria a disseminação do terror mobilizando uma opinião pública com a sensação de vulnerabilidade e alimentando o jogo do medo. Neste contexto, pouco importa se as polícias têm a imagem de eficientes ou de serem completamente desestruturadas. O efeito é mostrar à população que a força aplicada estará, sempre que preciso, acima da legalidade. A lei funcionaria somente como um parâmetro de medida da violência necessária por parte dos agentes de segurança pública para a contenção dos que saírem da normalidade social e política.
Assim, cria-se o cidadão de bem, pacífico, trabalhador (ou proprietário) e ordeiro, e o vagabundo, vândalo, louco, drogado, arruaceiro, o indivíduo fora das bordas que delimitam o possível autorizado pela ordem. Dessa forma, com a combinação do jogo do medo com a percepção de uma força acima das leis, a segurança pública em prática no país demonstra que o aparato institucional é insuficiente para proteger os cidadãos, demandando o acionamento do autoritário e violento para conter o “outro” perigoso.
O discurso bélico
Tendo a violência estrutural e o próprio dinamismo das sociabilidades uma forte carga histórica, mas renovada, atualizada e transformada a cada nova demanda ou experimentação dos fenômenos do cotidiano, poder-se-ia tomar como uma espécie de modelo de explicação qualquer acontecimento ou período. Assim, o atual estado de direito, inaugurado sob a herança de um regime ditatorial amplamente violento, nascido sem processos contundentes de ruptura e como resultado de acordos silenciosos e escusos, pode fornecer um quadro de como opera a violência em um aspecto importante: o da produção de subjetividades aptas e suscetíveis à violência, porosas às formas fundamentais do ódio ao outro e da agressividade.
O caráter originário do novo regime sucessor da ditadura no país foi justamente o de ser a promessa de interromper e reparar as violências vividas no passado. No Brasil pós-ditadura nasceu certa democracia, cuja legitimação central adveio do discurso de uma história de violações diante das quais haveria a esperança de se desfazer do passado indesejado com políticas de diminuição dos sofrimentos sociais. A nova Constituição, de 1988, seria a promessa de novas práticas, da produção de sujeitos universais – mulher, índio, idoso, adolescente, quilombola, trabalhador –, cujas naturezas eram a própria história de vitimizações contínuas. A nova lei, legitimada na fundamentação futura de uma outra vida, seria a redenção para esses sujeitos.
A democracia ficou marcada, fato que repercutiu nos anos seguintes, por dois discursos principais fundantes de sua legitimação. Por um lado, um discurso do tipo soberano, totalizante e apostando na produção de um sujeito universal: o brasileiro, cujas subjetivações circulariam em torno da cordialidade, orgulho, felicidade, nacionalismo moderado e liberalismo político, entre outras características mais específicas, a depender do momento e do lugar. Por outro lado, acentuou-se um discurso bélico, da sociedade cindida, reconciliada forçosamente para evitar o pior, das subjetivações que se suportam, mas, até por isso, se odeiam, e cujas relações seriam binárias e violentas. Se o primeiro discurso “unifica” o sujeito “brasileiro”, o segundo divide drasticamente essa subjetividade.
No laboratório político de experimentações, foi justamente a junção dos dois discursos, aparentemente contraditórios, que produziu maiores e mais fortes efeitos de poder. Se o bélico fundamentou a sociedade dividida, o processo de transição da ditadura para o estado de direito logo tratou de fabricar o discurso da reconciliação e do consenso. Pela lógica da diminuição do risco, sob a fórmula de evitar os extremos, reuniram-se os elementos que orbitavam mais ao centro, os quais seriam maioria e, sob a astúcia da racionalidade política, excluíram-se os restos não “pacificados”. Produziu-se o sujeito vitorioso do processo de criação do novo regime político.
Com a narrativa de construção do estado de direito, soberano, centralizado, formado pelos “brasileiros”, subjaz franco e atuante, ainda que silencioso e rasteiro, o discurso do conflito, do inimigo, das lutas que continuam, que permanecem constitutivas da existência do país. Os vivas à democracia, à Constituição, às leis e à ordem convivem com o ódio ao outro via o racismo agressivo, o preconceito contra o nordestino, o desejo separatista, as homo/trans/lesbofobias, o machismo, a perseguição à militância política. Poderíamos acrescentar: ao político, ao corrupto, ao craqueiro, ao drogado, ao pobre, ao vizinho, ao torcedor do outro time.
A ideia de sermos um único sujeito, universal, brasileiro, alegre e complacente, habita e, mais do isso, somente existe em sintonia, choque e aliança com a subjetividade do ódio, da diferença não tolerada, da consideração do outro, do estranho, estrangeiro, como aquele que não é “nós”. É como se ele fosse um corpo contaminado, contagioso, estranho ao corpo social. Ocorre uma militarização do governo, da vida e dos corpos.
A produção do outro e, portanto, a continuidade histórica da violência se devem, em grande medida, à persistência e ao incremento do racismo e do machismo, autorizando a agressão física ou moral. Qualquer saída para essa situação somente terá alguma possibilidade de efetivação sob políticas, atos e afetos de respeito às mulheres, aos jovens negros e aos que não têm posses, pois são essas as subjetividades e as sociabilidades fundamentais das estruturas violentas.
*Edson Teles é professor de Filosofia Política da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), militante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos da Ditadura e colaborador do blog Urucum.