Do Justificando:
Foto: O pensador, escultura de Auguste Rodin
Quarta-feira, 18 de Abril de 2018
Será mesmo que filosofia e sociologia obrigatórias derrubam notas em matemática?
Talvez você não identifique de imediato a natureza da Lei n.º 5.692/71, mas certamente já escutou falar sobre os resultados gerados por ela. Esse ato normativo foi responsável por reformular as bases curriculares do antigo 1º e 2º graus, atuais ensino fundamental e médio, durante o governo do General Médici e, entre outras coisas, excluiu o ensino de Sociologia e Filosofia cujo espaço foi ocupado pela inclusão das disciplinas Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil (OSPB).
O passado, que tem tornado-se cada vez mais representativo do nosso presente, voltou à cena materializado pela veiculação de notícias que antecipam os resultados de pesquisa capitaneada pelos economistas Adolfo Sachsida e Thais Waideman Niquito, cujo caráter ainda não é público, e que deve ser lançada pelo IPEA. Os dados indicariam que a “inclusão de filosofia e sociologia como disciplinas obrigatórias no ensino médio em 2009 prejudicou a aprendizagem de matemática dos jovens brasileiros, principalmente os de baixa renda”.
Em oposição à tese de que contra fatos não há argumentos, os dados não podem ser compreendidos como fatos naturais, uma vez que são produzidos e, por isso, as discussões metodológicas a respeito dos critérios de produção são tão importantes. Além disso, os dados não falam por si só: é preciso que os resultados sejam mediados por teses explicativas que conectem as causas aos resultados do fenômeno estudado. Sobre o tema, leia a nota da Sociedade Brasileira de Sociologia.
As conclusões apresentadas na notícia indicam que a queda no desempenho em matemática estaria relacionada à perda da carga horária por parte de alguns componentes curriculares em face da inclusão da Sociologia e da Filosofia. Esse redimensionamento estaria relacionado a externalidades positivas, como o reforço de habilidades em áreas como português e história, e negativas, a exemplo do aludido prejuízo em matemática.
A respeito do saldo entre benefícios e perdas, os próprios pesquisadoreslançam o questionamento: “a pergunta é até que ponto esse ganho justifica sacrificar disciplinas como matemática?”. A resposta para essa questão é de matriz tanto metodológica quanto político-pedagógico. A natureza metodológica envolve a (im)possibilidade de isolar dois componentes curriculares para fazer frente a outro, num modelo explicativo cujas causas e consequências são exploradas numa perspectiva conjectural de natureza binomial, ao invés de sistêmica. Por outro lado, a natureza político-pedagógica está condicionada ao reconhecimento do que é prioritário na educação infantojuvenil.
A necessidade de reestruturação curricular não é novidade e são inúmeras as dificuldades impostas. Não por acaso a matéria tem passado por inúmeros percalços destacados pelo atraso no lançamento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), prevista para 2016, cuja última versão foi apresentada em 6 de abril de 2018. O texto, finalizado com atraso, refere-se ao ensino infantil e fundamental e não contempla as bases do ensino médio.
Assim, o problema não envolve tão simplesmente constatar a necessidade de reformulação do que está posto, mas o questionamento a respeito de quais serão as bases que fundarão a reforma. De fato, a extensão do currículo onera os alunos, mas porque não falarmos sobre a priorização atribuída às diferentes disciplinas que o compõem? Para além das antigas e infrutíferas rixas entre as ciências “hards” e as humanidades, que tipo de conteúdo realmente deve compor a educação daqueles que virão a eleger suas áreas de especialidade quando (e se) ingressarem no ensino superior?
Soma-se à discussão a ideia legislativa apresentada por Thiago Turetti, cuja proposta incide na extinção da oferta dos cursos de humanas nas universidades públicas e que está submetida para manifestação de apoio no site do Senado.
A explicação para a proposta apresentada por Turetti é tão simples quanto infundada e, assim como as conclusões apresentadas pelos pesquisadores, incide numa hierarquização entre as áreas do conhecimento reconhecidas como prioritárias e na indicação das humanidades como não pertencente ao rol científico:
São cursos baratos que facilmente poderão ser realizados em universidades privadas, a medida consiste em focar em cursos de linha (medicina, direito, engenharia e outros). Os cursos de humanas poderão ser realizados presencialmente e à distância em qualquer outra instituição paga.
Não é adequado usar dinheiro público e espaço direcionado a esses cursos, o país precisa de mais médicos e cientistas, os cursos de humanas poderão ser feitos nas instituições privadas. Cursos de humanas da proposta: Filosofia, História, Geografia, Sociologia, Artes e Artes Cênicas.
Como aparentemente o autor da proposta não fez o dever de casa, resta explicar que as Ciências Sociais e Humanas são debatidas enquanto modelos científicos e, para além de teoria, produzem uma enorme quantidade de estudos empíricos. Quanto à discussão das bases epistemológicas que as fundamentam e que as particularizam em relação às demais ciências, assim como a aplicação ou não dos seus resultados, esse não é um debate legislativo e, para isso, existe um acervo acadêmico imenso e melhor instrumentalizado tecnicamente que os achismos politiqueiros.
Até o final de 2017, Sachsida era identificado como o principal conselheiropara assuntos econômicos do pré-candidato presidencial Jair Bolsonaro e abertamente defende projetos como a Escola Sem Partido. A respeito disso, o economista esclarece a natureza do projeto em seu blog:
Vamos ao básico, o que é o Escola Sem Partido? O Escola Sem Partido (ESP) é uma organização civil que tem 2 propostas: 1) combater a doutrinação ideológica nas escolas; e 2) oferece um projeto de lei (que se resume a colocação de um cartaz em sala de aula) para combater a doutrinação ideológica ocorrida dentro da sala de aula.
Incoerentemente conclui que:
Desnecessário dizer que esse projeto mira a educação pública. Escolas privadas confessionais por exemplo não estão abrangidas. E sim, é possível que o ponto 2 seja capturado pelos inimigos da sociedade aberta e intensifique ainda mais a doutrinação no futuro. Isso é a característica de qualquer proposta: ela sempre poderá ser pervertida. Para evitar isso só existe um remédio: a vigilância contínua.
Para além das discussões sobre a viabilidade da proposta, internamente ela comporta incoerências profundas, tal como a desobrigação da observância dos mesmos princípios por parte das escolas particulares e confessionais. Por que simplesmente coagir os professores da rede pública a uma obrigação que deveria ser compartilhada por todos, caso fosse reconhecida como pilar básico da educação? É sabido que as populações mais endinheiradas monopolizam a rede pública somente no nível superior e que toda formação anterior é realizada em escolas privadas. Por que a obrigação de não ideologizar incorreria somente sobre as populações carentes e, por isso, clientes das escolas públicas? Diante dessa incoerência resta inferir tratar-se de uma causa mais política que realmente pedagógica.
É impossível destituir a educação do seu lugar político e emancipatório, sendo as bases curriculares de educação o aporte para o comprometimento com o projeto de cidadania concebido pelo Estado. A valorização e a consequente desvalorização das humanidades implica na pedra lançada para o projeto do que nos tornaremos.
Priscila Aurora Landim de Castro é Doutoranda em Sociologia pela Universidade de Brasília, Mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília, Graduada em Ciências Sociais Universidade de Brasília. Pesquisadora com ênfase na linha de violência e segurança pública no Núcleo de Estudos Sobre Violência e Segurança – NEVIS/UNB. Professora da Faculdade de Direito – UniCEUB
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