sábado, 17 de setembro de 2011

Psicologia, Ética e Liberdade






Carlos Antonio Fragoso Guimarães


Desde que o sucesso da física de Isaac Newton em prever curvas balísticas, explicar as marés e o comportamentos visível dos planetas demonstrou uma aplicação de conceitos racionais quantiativos a fenômenos naturais e o declínio das explicações religiosas tornavam o homem menos dependendente de figuras da autoridade tradicionais, a academia buscou consolidar seu posicionamento frente às demais ciências mediante a adoção, mais ou menos estrita - dependendo dos teóricos - dos parâmetros das ciências exatas.  A Medicina e outras ciências da saúde buscaram adentrar seus estudos em um escopo profundamente mecanicista, especialmente no âmbito da anatomina e fisiologia.

A Psicologia foi levada ao reconhecimento científico e acadêmico a partir dos trabalhos de médicos e psicofísicos, como Wundt,  Fechner e Weber, que, partindo do modelo de cientificidade da física clássica como critério de validação, promovoeram as primeiras pesquisas laobratoriais em Psicologia. Estas pesquisas, contudo, não lograram a chamar a atenção dp grande público que viam nestas apenas trabalhos sem grande singificado para as pessoas. Só mais tarde algumas escolas, como a Gestalt desenvolvilda por Max Wertheimer, Wolfgang Köehler e Kurt Koffka ultrapassariam o modelo mecanicista, de substrato organicista, para desenvolver uma teoria puramente psicoloógica das percepções.

Posteriormente a revolução provocada por Sigmund Freud e seguidores causou uma verdadeira divisão de águas nas principais áreas de estudos humanos: surgia a Psicanálise como um modelo ao mesmo tempo mecanicista, e, por isso, atrelada ao paradigma da física clássica, e, igualmente, a-mecanicista por se basear em termos de uma nova estrutura explicativa do comportamento: o inconsciente. A partir daí, as teorias psicanalíticas da personalidade, principalmente em seus dois pilares mais básicos, Freud e Carl Gustav Jung, exatamente por se aterem, especialmente em Freud, aos princípios postivistas próprios das ciências biomédicas do século XIX, passaram a ditar, por sua enorme influência nos meios médicos, a visão de homem psíquico que imperou (e ainda impera em grande parte) em quase todo o século XX: o homem é um sistema energético (muito embora não se saiba muito bem definir como, em sua essência), cuja estrutura é semelhante a de um aparelho hidráulico ou térmico. A energia motivadora dos fenômenos psíquicos e a sua expressão, através do comportamento humano, se mantém em virtude de um contínuo intercâmbio com o meio externo. Este intercâmbio visa manter a estrutura funcionando, adaptando-a às necessidades do meio, a reprodução da espécie e, no caso mais em Jung, o prosseguimento do processo de maturação psicológica total (individuação).

Um dos principais problemas desta visão de mundo (no caso, mais em Freud que em Jung, que foi extremamente holístico em termos de coooperatividade entre self e ambiente), é a de que o homem assim entendido acaba por se encaixar numa visão já existente na biologia: a da sobrevivência dos mais aptos, na disputa pela vida; e de uma visão econômica própria do capitalismo: a da competitividade onde os fins, os ganhos individuais, justificam os meios. Tal quadro conceptual acaba por justificar e icentivar certos comportamentos em detrimentos de outros, certas tendências ao invés de outras. Estimula o hiper-desenvolvimento, por exemplo, de tendências auto-afirmativas competitivas mais que as tendências integrativas, fraternas. Causa, pois um desequilíbrio entre dos aspectos complementares do ser.

O ser, enquanto indivíduo, é o foco, atraindo mais atenção para o individual, e o seu destaque, mais que seu relacionamento, enquanto relacionamento em sí, em termos de coletividade, sociedade e meio-ambiente. Ainda que Jung tenha atingido insights da importância da rede ambiental-social na individuação da pessoa, sua estrutura teórica, em linhas gerais, continuava a ser a da psicologia do Indivíduo. Nesse caso, as duas principais correntes psicanalistas tinham muito a dever a Charles Darwin. Nesta herança, o darwinismo psíquico acabaria por aceitar, em parte, uma visão seletiva em que que algumas pessoas, a partir de qualidades estruturais internas, seriam mais ajustadas naturalmente que outras para a realização da adaptação ao meio e ao trabalho com o mesmo.

A partir daí, o estudo de casos patológicos, ou de comportamentos "anormais", tomou um vulto de enorme importância dentro da Psicanálise mais ortodoxa de Freud, a tal ponto que a teoria Psicanalítica clássica se fez, quase que em toda a sua totalidade, em cima do comportamento neurótico de pacientes da classe média mais abastada, tendo, mais tarde, sido ampliada para tentar enquadrar todo o funcionamento emocional humano, dentro do mapa teórico originalmente construído em cima do material trazido pelos pacientes (notar o termo médico) "não-saudáveis", inclusive em relação ao comportamento social, coletivo.
Ainda assim, com todo o sucesso que a Psicanálise clássica atraia devido a sua aceitação pelos meios médicos e seu enquadre biomecânico, outras pessoas não aceitavam o reducionismo de uma concepção estritamente biofísica de homem. A Gestalt, na alemanha, por exemplo, foi uma das escolas que questionavam este tendência. Da mesma forma, a Sociologia e a Antropologia se fortalaleciam como disciplinas independentes, da mesma forma que a Pedagogia passou a compreender o papel que desempenhava na formação de valores coletivos. Os sociólogos deram largas mostras de que o homem, enquanto conjunto de atitudes e comportamentos visíviveis, é produto de sua cultura, classe social e das instituições de seu meio; os antropólogos, por sua vez, foram até os chamados "primitivos" ou "selvagens", de regiões remotas do mundo, e demonstraram que o a aprendizagem humana é incrivelmente flexível, e o seu comportamento, maleável. Assim, tudo demonstrava que o homem também é produto das influências do meio em que vive, e não apenas uma caixa hidráulica cujos comportamentos são ditados unicamente a partir de choques energéticos e/ou de desvios de pulsões internas.

Gradualmente, estas ciências sociais foram se adentrando nos estudos de Psicologia, afastando muitos dos estudantes e teóricos do que eles consideravam uma formulação reducionista e projetiva intolerável, fruto de uma metáfora feita com um artefato humano, a máquina, que se enquadrava muito bem num desejo igualmente humano: previsão e controle do comportamento. Muitos dos mais importantes seguidores de Freud, entre eles o próprio Jung, não suportaram por muito tempo aquilo que parecia ser um defeito de percepção do pai da Psicanálise: os condicionamentos sociais da personalidade - portanto, muito mais que o do núcleo básico pai-mãe que formaria o complexo de Édipo. Entre os mais importantes teóricos que passaram a considerar uma adaptação da teoria psicanalítica à luz da Psicologia Social estão Alfred Adler, Karen Horney e Erich Fromm. Adler, segundo Fromm, foi o primeiro psicanalista a observar e enfatizar a natureza social na constituição dos seres humanos. Posteriormente, tanto Fromm quanto Horney utilizaram esta idéia como fundamento contra a tendência extremamente "instintivista" da psicanálise freudiana ortodoxa, o que vem sendo feito ainda hoje, aliás, principalmente hoje, no que, segundo alguns, se chama "a desconstrução da Psicanálise" enquanto teoria calcada quase exclusivamente em termos da sexualidade, sendo, atualmente, resgatado o conceito, percebido por Freud, mas não desenvolvido suficientemente por ele, de desamparo.

Erich Fromm

Nascido em 1900, em Frankfurt, Alemanha, Erich Fromm estudou Psicologia e Sociolgoia em Heidelberg, Frankfurt e Munich. Dotorou-se em Filosofia em Munich e recebeu sólida formação psicanalítica no Instituto Psicanalítico de Berlim. A partir de 1933, ano da ascenção de Hitler ao poder, passa a exercer o cargo de professor nos EUA, em Chicago, e, posteriormente, a exercer a clínica em Nova York. Foi professor em várias universidades, inclusive no México. E seus livros passaram a se ater em questões humanistas que atraíram a atenção de profissionais de vários campos, como Sociologia, Filosofia e Teologia. De certa forma, muitas de suas idéias foram contemporâneas das de várias abordagens humanistas, especialmente, em Psicologia, das formuladas por Carl Rogers.

Fromm sempre se mostou profudamente impressionado pelo que ele via como uma poda da liberdade humana, pelo modo como as pessoas se submetiam, inconscientemente, a desempenhar papeis mecânicos dentro da sociedade exclusivista estruturada na ideologia da capitalismo. Ele sempre se mostou particularmente impressionado pela obra de Karl Marx, particularmente, assim como ocorreu com Karl Popper, com seus primeiros trabalhos, como Os Manuscritos Econômicos e Filosóficos, de 1844. Fromm, então, magistralmetne faz uma comparação entre Freud e Marx, estudando suas idéias, e propondo uma síntese entre ambas. Em sua ótica, Fromm chega mesmo a considerar Marx mais profundo que Freud, e, portanto, usa a psicanálise como um complemento das lacunas deixadas pelo pensamento de Marx. Ao mesmo tempo, Fromm aponta algumas das limitações de Marx, e tentar propor um humanismo espiritual, um humanismo social e, como ponte, um humanismo dialético, todos altamente congruentes e adjacentes entre si, como forma de desenvolver as potencialidades humanas naquilo Maslow chamaria mais tarde de Metavalores.

O tema central da obra de Fromm é profundamente humanista, ou eco-ético-humanista: o homem se sente desamparado e só (tese que os atuais psicanalistas de ponta acreditam ser a alternativa mais propícia à ênfase na sexualidade) porque se separou ou deixou de desenvolver suas qualidades, potencialidades ou natureza mais propriamente humanas e deixou, por isso mesmo, de ter contato com as mesmas potencialidades e natureza das demais pessoas. Esta situação de alienação social, mesmo que maquiada - e principalmente enquanto tal - é uma característica trágica e que se encontra apenas entre os seres humanos, especialmente quando as condições materiais criam uma hierarquia de dominação.

Em um de seus livros mais famosos, Medo da Liberdade, Fromm propõe a tese de que o homem, paralelamente à liberdade material que tem conquistado através da história, tem se isolado cada vez mais de seus semelhantes, na busca por espaço e sucesso material. E, em paradoxo, a mesma liberdade material torna-se uma condição que assusta, e do qual tende a escapar, maquiando-a em situações de posse e de poder, ou de submissão passiva às autoridades e/ou de conformação à sociedade, o que lhe daria a ilusão de "TER" algo, ou de "PERTENCER" a algo que lhe permita sentir-se menos só. Como opção mais saudável, haveria o reconhecimento da riqueza do "outro" e da importância da cooperação e da solidariedade, num espírito de fraternidade onde o bem-estar social deveria ter a primazia, garantindo o bem-estar individual. Neste caso, a criatividade e as potencialidades humanas seriam usadas para sedimentar a liberdade co-responsável dentro de uma sociedade equilibrada; no primeiro caso, o homem construiria um novo tipo de servidão, aliás, bem conforme aos ideias do neoliberalismo e da globalização, extremamente selvagem em sua ganância e anulação do homem, enquanto indivíduo criativo.

Como base disto, Fromm aponta para o fato de que somos, ao mesmo tempo, animais e humanos, com necessidades fisiológicas importantes e imprescindíveis que precisam ser satisfeitas, assim como temos consciência, razão e compaixão, quer precisam ser exercitadas. Assim, no reconhecimento do humano dentro e ao lado das necessidades básicas, levaria a sociedade madura a perceber que a solução de seus conflitos está no reconhecimento de que nossas necessidades todas, inclusive as humanas, exige a participação de todas as demais pessoas. Além disso, existe também a necessidade de transcendência, como seria depois confirmado por Abraham Maslow, Carl Rogers e pela Psicologia Transpessoal, e que já foi utilizada por Jung, que se refere à necessidade humana de superar sua natureza animal, de tornar-se uma pessoa criativa e criadora. Se seus impulsos transcendentes forem bloqueados, o homem se torna neurótico, e sua criatividade acaba canalizada para a destruição. Estes mesmos conceitos básicos encontrei na linguagem incisiva e lúcida de Paulo Freire. Através de estradas aparentemente diversas, a Pedagogia e a Psicologia, Fromm, Freire e Rogers atingem, todos, o mesmo ponto focal: a causa da miséria ética e moral do homem pós-moderno está em sua renúncia, semi-inconsciente, aos seus próprios potenciais de desenvolvimento e integração sinérgica fraterna. Esta renúncia se expressa à perfeição ao nível de egoísmo homicida e de extrema ganância individual contra o delicado equilíbrio biossocial que o envolve, e que, hoje, pode ser enquadrada perfeitamente na ideologia neoliberal, ideologia que mostra a sua crueza por não possuir, para a refrear, o contrapeso de valores, idéias e ideais que lhe façam frente. O Socialismo, enquanto desempenho de tal freio, parece ter sido definitivamente vencido pelo capitalismo, pelo menos enquanto ideologia. E com eles, parecem terem-se ido também a crença no humano. Esta aceitação de tal idéia condiciona toda uma forma atual de ver o mundo. Só aproveitando a saudade do paraíso perdido, enquanto humanismo, podermos resgatar a ética e, com ela, os conceitos aparentemente vencidos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Resgatar o sonho e a utopia de que o mundo não é, como algo definitivo, mas torna-se aquilo que esperamos que ele seja, sempre e sempre...





João Pessoa, Paraíba, 07 de setembro de 1998.

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