domingo, 4 de dezembro de 2016

Urge mudar nossa visão sobre economia e política, por Roberto Bitencourt da Silva



GGN. - Levando em conta fenômenos econômicos e políticos da conjuntura e mirando o retrovisor do tempo, assim como algo que se possa chamar de futuro em nosso país, abaixo chamo a atenção para sérias limitações em nossas percepções de sociedade e Estado, derivadas da hegemonia do pensamento liberal.
Limitações com força de incidência na ação e no pensamento político, sobretudo das esquerdas e dos movimentos sociais. Somente esses atores políticos podem ser os mais consequentes para desempenhar o papel de inibir o golpismo entreguista em curso, proteger as garantias individuais e sociais da Constituição, perseguir mudanças sociais e políticas progressistas, como também defender a soberania nacional.
Mas, para isso, faz-se necessário escantear categorias de percepção, não raro, assimiladas da retórica das estruturas de poder mundial e eivadas de preocupações e sentidos que são incompatíveis com o nosso tempo ou com os desafios relacionados ao nosso perfil de inserção no mundo.


1. Está mais do que na hora de mudar o software mental e deixar de lado o efeito, o secundário e passageiro, priorizando o essencial. Em primeiro lugar, é descolonizar nossa cosmovisão sobre o Brasil e o mundo.
2. O liberalismo ensina todo dia que o mundo da concorrência empresarial é o ideal para garantir a livre escolha dos sujeitos e o bem-estar coletivo.
3. O problema é que esse mundo não existe. Há muitas décadas – e isso tem se intensificado nos últimos anos – a cena mundial é regida pelas corporações multinacionais. O mundo é dos monopólios e oligopólios privados.
4. A liberdade de escolha do sujeito consumidor é praticamente inexistente, pois condicionado dia a dia por intensa propaganda.
5. O sujeito pensa que é livre, mas é tratado como objeto gerador de lucros para as corporações. Em elevada medida, os seus próprios desejos são artificialmente criados.
6. As corporações multinacionais nada investem em países como o Brasil. No máximo antecipam recursos para criação de unidades fabris, que importam seus equipamentos, estabelecem os preços que bem entendem e transferem os seus lucros para fora, extraindo riquezas de onde se instalam. Ademais, pagam pouco ou nada em impostos.
7. Mais vale, com esforço nacional próprio, em vez de financiar megacorporações internacionais e a acumulação capitalista em outras praças, criar e manter as próprias indústrias, de modo a preservar as riquezas no país, incentivar o domínio tecnológico e a geração de empregos adensados.
8. Só o Estado pode fazer isso. As classes dominantes no Brasil são tipicamente vende pátria, parasitárias e rentistas: grandes fazendeiros, multinacionais na indústria, bancos e especuladores imobiliários e financeiros. Com esses setores no comando do país, o povo trabalhador não tem voz nem vez. E o país dotado de parco domínio técnico-cientifico.
9. O renitente e inconsequente antiestatismo econômico deve ser superado por amplas faixas das classes populares e médias e dos segmentos políticos à esquerda. No mundo do capitalismo realmente existente, para financiar o grande capital e a concentração de renda, o Estado é fortíssimo. Urge reorientá-lo para o bem-estar social e a soberania nacional.
10. O cenário mundial é altamente preocupante em função da lógica totalitária e imperialista dos EUA, guardião armado do grande capital internacional.
11. Nações como o Brasil, que integram a periferia capitalista, são concebidas como meras fornecedoras de matérias-primas, fontes de energia e alimentos, pelo centro imperial do mundo.
12. A síndrome de vira-latas do entreguismo aposta decisivamente nos pretensos “investimentos externos”, por interpretar o brasileiro como incapaz de engenho criativo e esforço próprio. Um racismo mal disfarçado atravessa a cantilena da louvação a tais “investimentos”, que nada investem, vivendo apenas de sangrias dos orçamentos públicos e de preços oligopolizados ao consumidor.
13. O golpe parlamentar-judicial-midiático em curso no país é reflexo de uma intensificação da espoliação mundial capitalista, que tem buscado senão o desmonte, o estrangulamento de Estados nacionais na periferia. Líbia, Síria, Venezuela, Irã, são alguns casos mais dramáticos.
14. No mundo em que vivemos, onde a assimetria e as relações opressivas entre centro e periferia são crescentes, falar em democracia e autoritarismo é quase perda de tempo, uma erudição abstrata, ahistórica e desencarnada, notadamente pautada pelos cânones do mainstream estadunidense.
15. Não existe A DEMOCRACIA, mas versões e experiências plurais, que dão maiores acentos a dimensões diferentes, nas esferas política, social/distributiva, econômica, direitos individuais.
16. As linhas que definem o mundo, infelizmente, estão além disso. São feias, sujas e cruéis.
17. O centro da reflexão e da ação política em nosso país deveria girar em torno do tema soberania nacional. Sem ela, o fiapo de democracia que possuímos morrerá de vez.
18. À esquerda, se fôssemos pensar em revolução das estruturas sociais, a questão da soberania nacional estaria forçosamente presente. Romper as cadeias da dependência e da subalternidade externa, que condicionam a vida nacional, é o eixo da revolução brasileira. Sem isso, as esquerdas devem esquecer qualquer conversa sobre revolução.
19. A hipótese revolucionária demandaria não apenas um trabalho pedagógico, organizacional e mobilizatório das esquerdas, das classes populares e frações da pequena burguesia. Iria requerer, senão uma participação ativa de importantes faixas das Forças Armadas, ao menos uma posição neutra ou passiva delas em relação a eventual mobilização popular transformadora. Reacionarismo de frações da cúpula à parte, se o tema é soberania nacional, em tese as Forças Armadas não podem ser concebidas como atores alheios e indiferentes.
20. Revolução imaginada a partir de guerrilhas, em um país da dimensão continental brasileira, a própria História já deu o seu parecer. Ademais, as novas tecnologias de destruição, vigilância e controle são notoriamente sofisticadas e abrangentes. Por isso, ativa ou passivamente, é inescapável fazer menção às Forças Armadas.
21. Obviamente, não há um pingo de possibilidade nesse sentido no horizonte.
22. Pelo contrário, há um refluxo significativo das pautas das esquerdas. Em boa medida devido ao precário trabalho político dos últimos anos junto a grossa parte da população, bem como em função da timidez programática e da acomodação de importantes parcelas das esquerdas à ordem política e econômica vigente.
23. No entanto, se os últimos pontos valeriam, como hipótese para uma revolução, vale mais ainda para o cenário atual de desmonte do país, de incremento da condição neocolonial.
24. Não há um direito coletivo, um bem ou patrimônio nacional que não esteja sob o risco de alienação, para satisfazer os interesses do capital internacional.
25. De instituições como os Poderes Legislativo e Executivo – amplamente controlados por oligarquias testas de ferro do grande capital nacional e estrangeiro –, do sistema político-eleitoral e do Judiciário, não há nada a esperar. Em regra, estão sabotando o Brasil; só têm jogado contra o Povo.
26. O passado brasileiro: os direitos trabalhistas, reivindicados por décadas pelos trabalhadores e pelas esquerdas, só foram conquistados com suporte do Exército, nos anos 1930. A criação da Petrobras idem. Muitos direitos sociais na Constituição de 1988 contaram com o silêncio militar e com a enorme mobilização e organização dos trabalhadores e das esquerdas, inclusive greves gerais (de verdade), no curso da década de 1980.
27. Ou a gente muda o software mental sobre política e economia ou não vai sobrar nada. Uma terra de indivíduos dispersos, atomizados, uma maioria sob a condição de zumbi superexplorada, para saciar a gula predatória das classes dominantes domésticas e externas.
28. As lutas pela defesa dos interesses nacionais e populares levarão tempo e não serão eleições que resolverão os graves problemas vigentes. Antes de qualquer coisa, os trabalhadores precisam se organizar e se mobilizar, acompanhar o engenho e a dedicação da juventude estudantil.
29. As esquerdas precisam ter ousadia programática, deixar de lado o contrabando liberal e entreguista em suas visões de país e desenvolver ações que permitam disputar a agenda pública, com projeto de Nação. Seriam ações relevantes e urgentes.
30. Quase escrevi que as esquerdas precisam desenvolver um projeto alternativo de Nação. Bobagem. Com a camarilha que se encontra no poder, as esquerdas precisam ser a alternativa à derrocada completa da Nação.
Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

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