por Hêider Aurélio Pinto, especial para o Viomundo
A aprovação da PEC 241 (55 no Senado) é só o primeiro passo dado para um processo progressivo de substituição da ação pública e gratuita do Estado na educação, saúde e conjunto da seguridade social, pela oferta de serviços pagos diretamente pelos cidadãos.
Àqueles que não podem pagar, cada vez menos direitos, menos acesso e pior qualidade.
Essa substituição, que está claríssima na reforma da previdência, ganha na saúde contornos mais complexos e assume a forma de um plano que prevê a “tempestade perfeita” para a derrocada do SUS.
O Senado aprovou a PEC 55, mesmo com as crescentes vozes contrárias.
Segundo a pesquisa do Datafolha, 60% dos entrevistados rejeitam a PEC 55.
De estudiosos de saúde pública e economia da saúde à ONU recomendam o contrário.
Isso sem falar nas manifestações dos estudantes, movimentos sociais, sindicais e de saúde contra a PEC da Morte.
Para Temer, era questão de vida ou morte.
Se não aprovasse, cairia já. Como o Senado aprovou, o usurpador ganha sobrevida.
Seja até as eleições de 2018, como ele deve querer, seja apenas até o primeiro semestre de 2017, como apostam muitos analistas.
Temer está pagando a fatura aos mais ricos apoiadores do Impeachment/golpe que, em meio a uma crise que se agrava, exigem proteção aos seus ganhos.
A “solução” foi desviar os recursos sociais — de um país que só investe o mínimo na garantia dos direitos sociais consignados na Constituição de 1988 — para manter o rendimento e ganhos de poucos milhares de pessoas que se locupletam com os maiores juros do mundo aplicados aos seus trilhões de reais emprestados ao governo.
Temer optou por sobreviver, ao custo de matar o futuro do Brasil – congelando por 20 anos os gastos em saúde e seguridade social, educação, cultura, ciência e tecnologia etc. – e de milhares e milhares de brasileiros, além da piora da qualidade de vida da maioria do nosso povo.
– Matar milhares e milhares de brasileiros?!
Sim, literalmente matar.
Anotem: acompanharemos a piora progressiva nos indicadores de morbidade (doenças) e mortalidade.
– Mas que acontecerá com as políticas públicas de saúde, com o SUS, com o mercado da saúde e com a saúde da população a partir de agora?
Ninguém tem a capacidade de prever o futuro, mas podemos já visualizar o plano traçado pelo governo Temer: a substituição da saúde pública pela privada.
OS IMPACTOS MAIS IMEDIATOS
Apressadamente muitos têm dito que o impacto em 2017 na saúde não será grande porque o governo garantiu para o ano que vem o aumento já previsto na regra vigente.
Contudo, esse montante de recursos é insuficiente para o crescimento “vegetativo” do SUS, ou seja, sem expansão de acesso à população.
Seriam necessários mais recursos que os previstos para dar conta de quatro questões:
*a inflação da saúde (acima da inflação geral);
*o funcionamento por 12 meses de todos os serviços que já estão em funcionamento e que recebem custeio do Ministério da Saúde;
*a incorporação no orçamento federal dos serviços que também estão funcionando, mas que hoje são bancados sozinhos por prefeitos e governadores;
*e, finalmente, os bilhões necessários às emendas impositivas dos deputados.
Se pode haver discordância sobre o tamanho do caráter regressivo da combinação descrita acima – alguns otimistas imaginam que em 2017 só haverá paralisia e não regressão –, essa divergência diminui quando analisamos os efeitos do movimento de “antecipação” dos novos prefeitos.
Sabemos que muitos prefeitos estão demitindo trabalhadores de saúde e fechando serviços como “solução” encontrada para a combinação dos seguintes fatores: derrota nas eleições, arrecadação em crise e risco de ficar inelegível devido à Lei de Responsabilidade Fiscal.
A tendência dos prefeitos que vão assumir não é recontratar e reabrir os serviços fechados, fazendo duro discurso contra o descompromisso do antecessor. O discurso mais provável será o de que “para tomar qualquer decisão, precisarei avaliar as contas”.
Em resumo: já em 2017 haverá redução de serviços e, consequentemente, demissão de trabalhadores, progressivo aumento das filas e tempos de espera, redução de medicamentos e insumos, como os necessários para fazer curativos, por exemplo, e aumento da insatisfação da população.
As áreas mais afetadas serão aquelas que, de um lado, atendem os cidadãos/pacientes com menor poder de reivindicação (população de rua, áreas mais pobres, saúde mental, por exemplo) e, de outro, as podem ser “substituídas” por serviços privados.
OS PASSOS DA “TEMPESTADE” PARA SUBSTITUIR O SUS PELO PRIVADO
1- Congelamento do recurso federal e transferência da responsabilidade
O congelamento do recurso federal, de um lado, e o aumento dos custos da saúde acima da inflação, de outro, gerarão uma crise de financiamento da saúde que resultará na piora dos serviços e redução do acesso, como disse antes. Mas quem terá que decidir se fecha ou não os serviços, serão os prefeitos e governadores.
2- Falência e piora progressiva do SUS com insatisfação da população
A piora dos serviços e da saúde com a responsabilidade caindo sobre os prefeitos e governadores produzirão um triplo efeito: aprofundará a insatisfação com o SUS, dificultará sua defesa e colocará os governadores e, principalmente, os prefeitos no centro da insatisfação e cobrança da população.
3- O Governo Federal com uma solução “milagrosa” e os prefeitos com a responsabilidade do “trabalho sujo”
Num quadro no qual a população estará insatisfeita com o SUS e pressionando prefeitos, sem recursos, para custear a saúde, o governo federal proporá os imorais planos populares de saúde (precários, na verdade).
O discurso será algo do tipo: “não vamos mudar o fato da saúde ser direito, de forma alguma, quem diz isso está mentindo, mas temos que reconhecer que o SUS não dá conta nem em qualidade nem em quantidade, então vamos oferecer às pessoas uma outra alternativa, só fará uso dela quem quiser”.
4- A garantia de mercado consumidor para os planos de saúde
O objetivo da “tempestade perfeita na saúde” será expulsar milhões de brasileiros do SUS.
Mudando as regras dos planos de saúde e permitindo que ofereçam um “pacote de embuste” (serviços que custam ao plano menos que o cidadão paga e que o deixam na mão quando ele realmente precisar), os preços, claro, irão cair.
E, com um SUS cada vez pior, milhões farão o possível para garantir planos de saúde precários para suas famílias.
As empresas, por sua vez, pensarão imediatamente como migrar os funcionários para esses planos; os novos empregados, certamente, já entrarão neles.
5- A garantia de força de trabalho barata aos planos
Redução de postos de trabalho na saúde pública e desemprego geral em alta farão com que muitos trabalhadores topem salários baixos nos planos populares.
Este fator junto com as flexibilidades na carga horária dos trabalhadores de saúde (certamente serão propostas no SUS) liberará ainda mais força de trabalho barata. Aí, não só para os planos de saúde mas também para as “clínicas populares” (que oferecem consultas por 30 a 50 reais com pagamento a vista), que crescerão.
6- A garantia de serviços de saúde baratos aos planos
Prefeitos sem recursos para sustentar os serviços começarão a propor modos de privatização dos serviços. Não estou falando aqui só de terceirizar a gestão e prestação do serviço, mas também de repassar parte dos leitos para que uma Organização Social de Saúde (OSS) ou empresa fique livre para vender a um Plano de Saúde.
Resultado: menos leitos para o conjunto dos cidadãos, preço de feira para os planos e leitos, que eram de todos, passando a ser exclusivos para uma clientela vip.
7- Resultado: a revogação, na prática, da Constituição sem a necessidade do desgaste de sua alteração.
Na prática, o direito constitucional à saúde seria letra morta. Cada dia mais. E uma população – que graças ao apoio da mídia, sócia dos interesses da saúde privada no Brasil – cada dia mais insatisfeita com o SUS, mais revoltadas contra os gestores locais, mais empobrecida e doente.
OLHANDO DESDE O FUTURO
Penso ser esse o desenho do projeto formulado em conjunto pelos grandes grupos de planos privados de saúde no Brasil e pelo atual governo que inventou o primeiro ministro da saúde que faz questão de dizer “que não é ministro do SUS”.
Claro que não é ministro do SUS. Afinal, desde a primeira entrevista ele deixou claro que era ministro dos planos de saúde.
No futuro, olharemos para esse processo não como a “tempestade perfeita da saúde”, mas “de como se deixou a raposa tomar conta do galinheiro”.
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