Conservadores “denunciam” corrupção do Congresso, mas pedem que corruptos liquidem direitos do povo.
Por Antonio Martins, no Outras Palavras
Às vezes, diz o brocado, é mais fácil pegar um mentiroso que um coxo. Nos últimos dois anos, os conservadores brasileiros surfaram na onda do sentimento anti-establishment que percorre o planeta. Deram-lhe conteúdo reacionário. Em maio, derrubaram um governo que ensaiava reformas sociais tímidas porém inéditas – acusando-o de responsável por práticas de corrupção que marcam a história do país há séculos. Promoveram uma série inédita de ataques aos direitos sociais, aos serviços públicos e às liberdades democráticas. Governam como saqueadores, loteando o Estado e desmantelando as políticas públicas. Agora, quando começa a ficar claro que o resultado é o aprofundamento da crise, do desemprego e do empobrecimento, jogam a cartada do punitivismo. Convocam a população às ruas para pressionar por “dez medidas” que, se aprovadas, nos aproximarão ainda mais de um Estado Policial. Investem contra o Congresso Nacional. Ao fazê-lo, no mesmo momento em que o Palácio do Planalto tenta aprovar a “Reforma” da Previdência, arriscam-se a um enorme passo em falso, capaz de comprometer o conjunto de sua estratégia.
É que a manobra revela o caráter farsesco de seu “ataque” aoestablishment. O sistema político brasileiro está, de fato, minado pela corrupção. As delações dos executivos da Odebrecht sugerem que só esta empresa – uma das dezenas que praticam permanentemente lobbyno Congresso – financiava e cobrava favores de cerca de metade (300) dos 594 deputados e senadores senadores. Mas como “denunciar” os corruptos e defender, ao mesmo tempo, que eles continuem governando e investindo contra os direitos da maioria?
É exatamente este o movimento em curso. Ontem, os noticiários da TV Globo e Globo News exortavam a população a ir às ruas contra parlamentares desonestos. A partir de hoje, as duas emissoras pedirão que estes mesmíssimos senhores invistam contra direitos históricos do povo. Hipocrisia idêntica é praticada pelos blogs (Spotnik e O Antagonista, por exemplo) ligados a movimentos como o MBL e Vem pra Rua. O pacote de maldades é vasto. Não se trata de uma reforma, mas de um autêntico desmonte da Previdência – talvez o único esboço de Estado de Bem-Estar Social que as maiorias conseguiram arrancar das elites, num dos países mais desiguais do mundo.
O tempo mínimo necessário para obter aposentadoria aumentará – em alguns casos, em até dez anos. A regra valerá inclusive para os que já ingressaram no mundo do trabalho, numa clara violação do princípio do direito adquirido. O próprio valor do benefício cairá em relação aos valores já minguados de hoje — exceto para os que acumulem, no momento da retirada, cinquenta anos de contribuições. As aposentadorias rurais e dos idosos deixarão de acompanhar o salário-minimo, o que as tornará irrisórias em pouco tempo. As pensões por morte serão achatadas. A lista completa teria 17 itens, todos retrógrados e impopulares.
Não se trata de propostas de difícil compreensão, como no caso da PEC 241/55. Serão sentidas por milhões. Têm sentido oposto ao defendido por Dilma e Temer, em 2014. Sequer foram cogitadas por Aécio Neves, o segundo colocado nas eleições. Como impô-las? Comprando maioria num Congresso “de corruptos”?
Recorre-se nesse ponto à arma onipresente da ideologia. A contrarreforma não seria opção política, mas fatalidade técnica. O atual sistema teria se tornado inviável, por acumular déficits constantes e crescentes. O “ajuste” visaria, na verdade, evitar sua quebra certa. Estas fórmulas serão repetidas mil vezes, nos próximos dias, talvez para testar de novo a hipótese de Goebbels, sobre os meios para transformar mentiras em verdades…
Outras Palavras lança hoje um novo site, dedicado à defesa da Seguridade Social. Chama-se
Previdência – Mitos e Verdades. Pode ser encontrado emwww.outraspalavras.net/previdencia Seus objetivos políticos são claros: contribuir para desmascarar a “reforma” do governo e, num sentido mais amplo, a farsa em que se apoia a atual ofensiva conservadora. Seus métodos são os que procuramos praticar em toda nossa atividade jornalística. Investigação e análises profundas. Recusa à superficialidade e ao panfleto. Confiança na autonomia e espírito crítico dos leitores.
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