Sinais da luta contra o câncer — e seus limites
Por Lucas Sanchez, no El País
Metástase é uma palavra que provoca medo porque significa a morte em 90% dos casos de câncer. Mas este processo, pelo qual algumas poucas células se desprendem do tumor e provocam outros em diferentes partes do corpo, está mais perto de ser compreendido, pelo menos em seu início. Um grupo de pesquisa liderado pelo cientista Salvador Aznar Benitah no IRB de Barcelona publica nesta quarta-feira na revista Nature um estudo no qual identifica uma proteína crucial para que as células tumorais possam iniciar a metástase. Chama-se CD36 e poderia melhorar o diagnóstico, revolucionar a terapia e até modificar nossa dieta.
O grupo de Salvador Aznar é especializado em um tipo de célula-mãe que está presente nos tumores e cujo papel é potencializar seu crescimento. Estudando o comportamento destas células em amostras de carcinoma oral humano encontraram uma subpopulação que pouco se dividia e apresentava características muito semelhantes às das células da metástase. Além disso, estas células mostravam um metabolismo muito elevado das gorduras, o que chamou a atenção dos pesquisadores.
Os cientistas decidiram estudar a proteína CD36, uma molécula que transporta gorduras e que está na superfície dessas células. “É a porta de entrada dos ácidos graxos que provêm do meio externo, da dieta ou de algum outro tecido”, comenta Aznar. Seu grupo a encontrou em células metastáticas de outros tipos de tumores, como o melanoma ou o câncer de mama luminal e, depois de realizar análises estatísticas em amostras de pacientes, também observou a presença desta proteína em carcinomas de ovário, de bexiga e de pulmão. E o mais importante: quando acrescentaram CD36 a células tumorais que não produzem metástase, estas começaram a fazer isso.
Encontraram assim as células que iniciam a metástase. Um achado que, em primeiro lugar, pode melhorar seu diagnóstico. “Acrescentamos um marcador [referência à CD36] que nos permite purificar as populações metastáticas em um nível sem precedentes”, afirma Aznar. “Não acreditamos que seja o único, muito pelo contrário, mas este parece ser universal. Com maior nível da CD36 é maior a probabilidade de que um tumor metastatize. Não comprovamos isso em todos os tumores, mas em grande parte dos mais comuns, e neles há uma associação direta entre a presença da CD36 e um pior prognóstico em pacientes.”
Mas isso era só o começo. Se a CD36 é uma transportadora de gorduras e está presente em vários tumores que metastatizam, poderia, então, uma dieta rica em gorduras provocar mais metástase? No estudo, ratos inoculados com células tumorais e que seguiram uma dieta normal apresentaram metástase em 30% dos casos. No entanto, quando eram alimentados com uma dieta 15% mais rica em gorduras, conhecida como “dieta de lanchonete”, cerca de 80% dos ratos tinham mais metástase, e de maior tamanho.
Essa relação era tão direta que o grupo do IRB estudou que tipo de gordura era a mais perigosa. O ácido palmítico, um ácido graxo de origem vegetal e componente principal do óleo de palma — presente em uma grande variedade de alimentos processados —, demonstrou ser, de longe, o maior indutor de metástase. Adicionar palmítico a cultivos de células tumorais durante tão somente 48 horas fazia com que essas células fossem capazes de aumentar posteriormente a frequência metastática de 50% a 100% em ratos.
“Este estudo é muito novo”, confirma Joan Seoane, diretor de Pesquisa Translacional do Vall D’Hebron Instituto de Oncologia (VHIO), e que não esteve envolvido nele. “Já se havia descrito que a CD36 tinha relação com o metabolismo dos lipídios, mas esta é a primeira vez que se vê que essa população de células tem uma capacidade metastática superior ao resto das células.”
Mas a pesquisa também explorou um possível tratamento da metástase. Posto que a CD36 é um transportador, impedir a passagem de ácidos graxos através dela poderia bloquear o mecanismo e evitar o desenvolvimento desse processo. Isso poderia ser conseguido usando moléculas chamadas de anticorpos, que se unem com grande especificidade a outras proteínas. “Comparamos todos os anticorpos comerciais da CD36 e vimos que dois deles efetivamente são neutralizantes: não só reconhecem a proteína, mas a bloqueiam e têm um efeito antimetastático tremendo”, relata Aznar. Em 20%, a metástase chegava a desaparecer por completo. Nos demais, ocorria uma redução de 80%-90% do número de focos metastáticos, bem como de seu tamanho. Além disso, o tratamento não apresenta efeitos colaterais intoleráveis, o que abre caminho para a terapia em humanos.
O laboratório já solicitou a proteção de patente dos resultados e começou uma colaboração com a empresa inglesa MRC Technology, especializada em desenvolvimento de anticorpos para uso clínico. Eles serão testados em ensaios clínicos em humanos e, se o resultado for positivo, poderiam estar disponíveis em um prazo de 5 a 10 anos. Mas esse estudo poderia também apontar para outros tratamentos, “Talvez seja algo tão simples como modificar a dieta dos pacientes com tumores. É algo que deveríamos explorar porque o custo para o sistema de saúde seria baixíssimo”, indica Aznar. O problema é que é muito difícil conseguir financiamento para um estudo que não está vinculado a um fármaco, mas a uma mudança de dieta. “Tem de ser uma iniciativa acadêmica porque muito poucas empresas teriam interesse em um ensaio deste tipo. O financiamento tem de vir de uma entidade pública, coisa que complica muito”, explica Seoane.
Sem dúvida, esta pesquisa pode ter um impacto elevado em futuros estudos sobre metástase. “Este trabalho é uma excelente contribuição ao conhecimento atual sobre as células que dão origem à metástase”, comenta Joan Massagué, diretor del Memorial Sloan Kettering Cancer Institute, em Nova York, que tampouco participou do estudo. “Vivemos um momento de inflexão quanto a definir a identidade e propriedades de tais células, e isto demonstra a relevância do metabolismo das gorduras nelas. O impacto deste trabalho, como o de todos deste tipo, será visto em estudos adicionais. Por exemplo: o trabalho está baseado quase exclusivamente em metástases de nódulos linfáticos, que não são as mais temíveis”, acrescenta.
Claro, estes estudos, a partir de hoje, terão mais ferramentas. Nas palavras de Gloria Pascual, primeira autora do trabalho: “Agora podemos obter células de metástase no laboratório. Isso nos permitirá rastreá-las e perguntar, por exemplo, onde se localizam no tumor, onde se fixam quando se desprendem e por que são tão sensíveis à gordura, entre muitas outras perguntas”. “No fundo, quando se começa a entender melhor como algo funciona, começam a aparecer alvos. Já identificamos um alvo. Pode ser a CD36 ou podem ser 30 coisas mais”, conclui Aznar.
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