segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O problema da natureza e localização da Mente/Consciência e sua relação com o cérebro




Carlos Antonio Fragoso Guimarães

          Em qualquer área de conhecimento, todo problema parte de condições específicas de cada saber e, assim, as perguntas devem ser feitas de acordo com as características próprias do objeto que se quer apreender. Não se discute o sabor de um raio de luz ou qual a fórmula química de um poema pois cada uma destas coisas possuem estrutura e características bem diversas que impedem que sejam reduzidas a outras modalidades de conhecimento (no caso, a biologia e a química no caso da luz ou da poesia). Desta forma, o que está presente quando perguntamos “o que é a mente?” “O que é a consciência?” Quais as ideais ou referenciais implícitos em tais questões? Por que é tão difícil se falar, nos meios acadêmicos, tão atrelados a uma visão atualmente dominante de mundo que é basicamente mecanicista e reducionista?

Na questão “o que é a consciência” está implícita certo pressuposto: a consciência é alguma coisa semelhante a alguma outra coisa. Se é coisa, deve ser, pressupõe-se, passível de alguma manifestação física e, assim, é de esperar-se que possua rastros que devam ocupar algum volume no espaço. Ou seja, a própria questão, como formulada, leva em si a suposição de que a consciência humana deve ser semelhante a outros “objetos” que nos são familiares e, assim, se enquadrar na imagem mecânica de mundo dominante ainda hoje. O problema é que pouco se leva em conta as prováveis limitações deste conjunto implícito de suposições.

Lawrence LeShan em seu livro De Newton à Percepção Extra-sensorial discorre sobre o assunto a partir da reflexão sobre a possibilidade ou não de aplicação de conceitos característicos de um domínio da realidade em outro. Enquanto a questão do “volume” faz sentido a partir e quando aplicada a objetos tridimensionais, ela deixa de fazer qualquer sentido na geometria plana. Utilizar-se dos axiomas fundamentais da geometria plana em objetos tridimensionais causam paradoxos. Portanto, diferentes dimensões ou domínios da realidade possuem características próprias que levam a elaboração de os conceitos novos ou reformulação de conceitos antigos. As características próprias de uma dimensão trazem problemas quando ampliadas a uma outra dimensão, reino, domínio da realidade ou referencial teórico.

Por exemplo, o espaço das mesodimensões, tão característico do uso bem sucedido da física newtoniana,  é algo bem diferente do espaço-tempo da física relativística aplicada a grandes dimensões e grandes velocidades e, de tão diferentes, não significam a mesma coisa.  Do mesmo modo, ambas as físicas se tornam problemáticas no universo microdimensional da física das partículas subatômicas. Ao sair de um domínio ou reino para outro, ainda que adjacente e a este ligado, surgem novas características inexistentes e paradoxais no domínio anterior. Ninguém pensa em explicar as excentricidades do personagem Dom Quixote a partir da escrita gramaticalmente rebuscada mas correta de Miguel de Cervantes, ou da composição do papel ou da sintaxe da língua espanhola.

Não nos preocupamos como surgem ou emergem estas características em um novo patamar da realidade (por exemplo, o volume no espaço, a ingenuidade de Dom Quixote), mas como podemos estuda-las e compreende-las, uma ao nível do pragmatismo empírico e outra ao nível do significado psicológico, o que acaba por estruturar uma ciência voltada para as características daquele domínio, com os fatores observáveis em seus próprios termos. 

Foi muito doloroso aos cientistas aceitarem que os paradoxos dos átomos só eram paradoxos enquanto se tentasse compreendê-los com os conceitos familiares que aplicamos à realidade física mesodimensional. No caso, o domínio das dimensões médias constitui um “reino” diferente do das macro e microdimensões e cada qual possui suas próprias características, assim como o reino da vida possui características próprias diferentes do reino físico, mas esteja com este ligado e relacionado.

Cada domínio, portanto, necessita de um diferente modelo de realidade, com conceitos que possuem acepções e características próprias que não podem ser aplicados a domínios adjacentes ou diferentes. Quando isso ocorre, tem-se paradoxos e confusões epistemológicas.

A ciência muitas vezes não se preocupa diretamente com a “natureza de algo”, ou seja, em descrever o que seja algo, do que sejam constituídas coisas de um reino ou domínio. Ela não diz o que é a gravidade, ou a eletricidade, mas apenas como elas se manifestam através daquilo que é observável.  Assim, a gravidade é reconhecida como uma força (mas não se diz o que seja essa força) que atua na atração de massas em relação à distância entre elas, ou o que seja a energia elétrica, mas  que nesta existem fluxo de elétrons que trazem consequências físicas tais como calor, atração/repulsão, efeitos fisiológicos, etc.

Se não faz muito sentido se dizer “o que é”, mas sim “o como atua ou se relacionam” os objetivos observáveis de um domínio, o que permite inferir algo atuando sobre estes, também não faz muito sentido se perguntar o que é a consciência, porque esta pergunta parece defini-la como um objeto e, assim, ela possuiria deveria possuir características que a inferissem enquanto tal, quando na prática suas reais características que não permitem entende-la como algo definido, restrito ou estático. Na verdade, ela parece ser algo sutil como o é a vida e a gravidade, mas ainda se tenta explica-la não enquanto algo com características próprias (e que assim deve ser estudada), mas enquanto subproduto de outra coisa.

Ela, a consciência, é sumamente qualitativa e dinâmica, processual e não parece confinada a um espaço definido e, ainda mais, ela é justamente aquele elemento não passível de mensuração e manipulação que, contudo, possibilitou a reflexão de tudo o que constitui a ciência produzida pelo homem. É sumamente perceptual, faz parte do reino da realidade onde se percebe uma atividade interior e que possui a característica única de ser reflexiva. Deste modo, são estas características, que não se mostram distanciadas em espaço e em que a questão do tempo também parece se desfazer, que constituem o Domínio da Consciência.

O que observamos no Domínio da Consciência? Processos, intensidades (emoções, ideais), senso de identidade, clareza ou confusão, estado de ânimo, presença ou ausência de informações. Como se relacionam estes observáveis? De modo bem diferente de como se relacionam os objetos do mundo sensorial pelo simples motivos de que eles não são “objetos” no sentido corriqueiro do termo. Você pode sentir e pensar várias coisas, consciente e conscientemente, concomitantemente, sem que haja um conflito de “corpos ocupando um lugar no espaço”.

LeShan cita William James: “Todas as pessoas acreditam, sem hesitar, que elas se sentem pensando e que distinguem o estado mental, como qualquer atividade ou paixão interior, de todos os objetos com os quais tal estado pode lidar cognitivamente”.

“Precisamos enfatizar”, afirma LeShan,  “que a ciência, na os atualidade, não pergunta o que uma coisa é, mas como ela se relaciona com outros fatores nos mesmos domínios e talvez nos domínios adjacentes. Até mesmo a definição formal de volume – o comprimento, a largura e a altura multiplicados e expressos através de unidades cúbicas – é uma constatação de relacionamentos e não aquilo que é.” (p. 95).

A consciência é inferida por uma série de coisas das quais temos experiência direta e subjetiva: ela tem ciência dos sentimentos, das ideias, das reflexões, até mesmo das intuições que são seus elementos observáveis mais comuns, mas não se reduz a estes. Indagações do tipo “o que é” quando apenas conseguimos inferir observáveis podem induzir a um círculo-vicioso, em especial quando se quer entender suas características próprias com conceitos próprios de um outro nível ou dimensão da realidade. Explicar “o que é a energia” geralmente deixa os físicos em maus lençóis e até hoje não se conseguiu criar-se uma fórmula ou conceito convincente do que é que é a vida e tudo o que se diz a respeito sempre se resumirá a expor descrições de relações de coisas e ações, nunca sobre o que é aquilo que promove tais relações.

Se a ciência, reflete LeShan, não indaga, na prática, o que é energia, o que é a vida, por que perguntamos constantemente “o que é a consciência” ou “O que é a paranormalidade”? Isso ocorre porque, intuitivamente, sabemos que ambas apontam para algo bem diferente daquilo que constitui o mundo dito objetivo, o que relativiza nossas certezas.  Mas isso não implica abandonar os métodos da ciência, mas perceber quais os apropriados ou não para auxiliar na compreensão destas realidades. Contudo, estamos tão encharcados de um modelo, transferido pela educação em geral e pela cultura pragmática da sociedade industrial, que “aceitamos” a falsa ideia de que tudo o que existe segue as mesmas linhas do modelo reducionista que transforma o mundo em uma grande máquina semelhante às feitas pelo próprio homem. E mais: esta grande máquina do mundo é fruto totalmente do acaso, sem setido, sem objetivo, apenas seguindo as regras das leis da física e da química, o que inclui, em seu percurso acidental, a vida e a consciência.

Nas palavras críticas do psicólogo, engenheiro e pesquisador Psi, Dr. Charles T. Tart:

“Em um período relativamente breve, comparado com a história do nosso uni verso –centenas de milhões de anos, como os materialistas gostam de enfatizar - , ocorreram eventos físicos e químicos específicos ao qual nos referimos como vida e biologia. Os materialistas rejeitam a ideia de que haja algo de especial na vida, alguma coisa tão real quanto a matéria, mas de natureza distinta, uma “força vital” ou vitalismo. Por ser um tipo de dualismo, o vitalismo não pode” – dentro do escopo filosófico mecanicista – “estar correto; não existe nada além da realidade material. A vida significa apenas que, obtidas as combinações físico-químicas certas, os resultados serão as ações autossustentáveis  e autorreprodutivas que constituem a vida do modo como a conhecemos.

“Por fim, essa reação eletroquímica vital torna-se complexa a ponto de permitir que falemos sobre cérebros e, em seguida, sobre o cérebro humano. Ainda é basicamente controlada e limitada pelas leis da matéria, e há inúmeras influências diretas sobre seu funcionamento (...).  Curiosamente – e esse é um enigma para os materialistas, embora eles costumem ignorá-lo -, esse cérebro humano desenvolve a consciência, uma mente ou uma capacidade de discriminação perceptiva para as quais ele não se restringe às dimensões materiais da vida. Acredita-se que a consciência seja uma consequência exclusiva das propriedades sistêmicas do cérebro. Embora o materialismo acredita cegamente que algum dia a ciência descubra exatamente como a consciência surge da estrutura e do funcionamento físicos do cérebro – o que a explicaria de modo ‘definitivo’ -, até o momento não temos nenhuma teoria científica que sequer se aproxime de tal proeza. Esse é o motivo pelo qual o surgimento da consciência a partir de processos cerebrais exclusivamente físicos é conhecido como problema difícil entre os pesquisadores contemporâneos.  Quando não há nada de concreto a dizer, a crença na solução futura desse problema costuma ser expressa pela afirmação de que sabemos que o cérebro é responsável pela consciência. Em ternos de ciência pura, sem dúvida sabemos que o cérebro tem uma participação importante na consciência, da maneira como ela se manifesta em nosso dia a dia, mas isso é bem diferente de saber se o cérebro cria a consciência.” (Charles T. Tart, O Fim do Materialismo, ed. Cultrix, pp. 90-91).

Pouca gente, hoje, sabendo da íntima relação entre o aparelho físico de televisão e sua imagem, iria dizer que é este aparelho quem cria a imagem....

Onde se localiza a consciência? Em relação a esta questão, a ciência convencional parece iludir-se. É quase aceito por um consenso um tanto frouxo que a biologia e fisiologia  teriam chegado à conclusão (que não é unânime) de que a consciência se localiza no cérebro. No entanto, ao presumir tal fato, implicitamente está presente a ideia de que a consciência existe no espaço, é quase um objeto, e que se encontra no mesmo tipo de espaço que o crânio. Só que hoje é sabido que conceitos de espaço, tempo, causalidade e mesmo objeto são dramaticamente transformados, possuindo significados muito diferentes, em diferentes domínios ou dimensões da realidade. O que tem um sentido X em um determinado campo ou não faz sentido ou terá um sentido bem diferente em outro campo da realidade.

Outra idéia comum dentro da visão atualmente dominante é a de que a consciência é um subproduto das funções cerebrais mas, neste caso, como este subproduto consegue apresentar características que escapam à matéria, incluindo a capacidade de possuir consciência e, algumas vezes, transcender espaço e tempo?

As entidades físicas acessíveis aos sentidos (e percebidas pela mente) existem no meso-espaço do domínio sensorial e, quando separadas nesse espaço, constituem aparentemente entidades separadas. É assim que percebemos qualidades geométricas no espaço das dimensões médias. A consciência, no entanto, não existe no espaço físico. Ela não tem qualidades materiais. O espaço no qual a consciência existe tem qualidades completamente diferentes da do espaço físico.

Quando falamos de mente “localizada” o fazemos por analogia aos objetos físicos e pensamos que a consciência também tem tamanho, forma, contornos, limites e ocupa um espaço. Esses não são aspectos daquilo que conseguimos sentir existir na consciência. Ideia tem forma? Desejo possui um contorno? Falar de centímetros cúbicos de consciência é o mesmo que dizer que dizer que o número sete tem uma cor dourada o que um conceito coletivamente aceito pesa uma tonelada.

“Ninguém tem o direito de atribuir posições, tamanhos, formatos ou cores a coisas que, devido à sua própria natureza, não podem sustentar tais qualidades.  Seria o mesmo que atribuir um cheiro a um facho de luz.” H. Margenau.

Os fatores observáveis nos elementos da consciência, como amor, reflexão, alegria, não ocupam espaço pois nenhum deles possuem comprimento, largura ou altura. Não estão a centímetros um do outro ou formam ângulos restos. Mas podem ter intensidade. O espaço geométrico da realidade sensorial não se aplica. Os modelos mecanicistas sobre a mente não tiveram muito sucesso, e os atuais são cada vez mais sistêmicos que mecânicos. Vários pesquisadores (Wilder Penfield, David Bohm, Carl Jung) não pensam que a mente/consciência seja redutível ao sistema nervoso, embora este seja um instrumento de ligação entre aqueles e a realidade sensorial que vivenciamos enquanto seres-no-mundo.

Para ler:

Lawrence LeShan: De Newton à Percepção Extra-Sensorial, Summus Editorial, São Paulo, 1996.

Charles T. Tart: O Fim do Materialismo. Editora Cultrix, São Paulo, 2012.

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