Texto de Leonardo Boff
Assinalamos anteriormente, nestas páginas, que o espírito representa a dimensão do profundo humano. Espiritualidade que dele se deriva é um modo de ser, uma atitude fundamental, vivida na cotidianidade da existência: na arrumação da casa, no trabalho na fábrica, dirigindo o carro, conversando com amigos. De repente, irrompe como que um lampejo de algo mais profundo e inexplicável. É o espírito que se anuncia. As pessoas podem conscientemente se fazer abertas para o profundo e para o espiritual. Então se tornam mais centradas, serenas e irradiadoras de paz. Propagam estranha vitalidade e entusiasmo porque têm Deus dentro de si. Este Deus interior é amor, o qual nas palavras de Dante, no final da Divina Comédia, “move os céus e as estrelas”, — e nós acrescentamos: e nossos próprios corações.
Pessoas que em suas vidas deram espaço significativo ao profundo, ao espiritual, revelam nos lóbulos frontais do cérebro uma excitação detectável acima do normal. Estes lóbulos são ligados ao sistema límbico, o centro das emoções e valores. Aí se dá uma concentração naquilo que tais cientistas chamaram de “mente mística” (mystical mind). Tal estimulação do “ponto de Deus” não está ligada a uma ideia ou a algum pensamento objetivo. Ele é ativado sempre e quando a pessoa se sente emotivamente envolvida com os contextos globais que conferem sentido à vida ou quando, de forma autoimplicada, se referem ao Sagrado, a temas religiosos ou diretamente a Deus. Trata-se de emoções e não de ideações, de fatores ligados a experiências de grande sentido que implicam um percepção do Todo e de algo incondicional.
Estudos mais recentes apontam que pode haver de fato não apenas uma mas múltiplas regiões do cérebro estimuladas pela experiência de totalidade e de sacralidade. Isso indica que o “ponto de Deus” pode ser, na verdade, uma “rede de Deus” compreendendo regiões normalmente associadas a emoções profundas e carregadas de significação. Outros pesquisadores como Eugene D’Aquili e Andrew Newberg chamaram a esta realidade, como temos referido acima, a ”mente mística”.
Esta mente mística pertence ao processo mais geral, antropogênico-cosmogênico. Ela representa uma vantagem evolutiva da espécie homo. Como externamente somos dotado de sentidos pelos quais apreendemos a realidade através do ouvido, do olho, do tato e do olfato, assim seríamos internamente enriquecidos com um órgão pelo qual captamos o Mistério do Mundo, o que nos faz sensíveis àquela Energia poderosa e amorosa que perpassa de ponta a ponta todo o Universo e que subjaz à nossa existência. As tradições religiosas a chamaram de Deus.
Se ela está em nós e nós somos parte do Universo, significa então que esta inteligência espiritual constitui uma propriedade do próprio Universo. Só porque está no Universo pôde estar em nós. É por esta razão que a filósofa e física quântica Danah Zohar e o psiquiatra Ian Marshall afirmam que o ser humano não é apenas dotado de inteligência intelectual e emocional, mas também de inteligência espiritual. Esta é um dado de realidade com o mesmo direito de cidadania que a libido, a autoafirmação, a inteligência e o amor (QS: inteligência espiritual – Record, 2000).
Hoje faz-se urgente, mais que antes, dar realce à inteligência espiritual. Porque vivemos numa cultura entorpecida pelo materialismo e pelo consumismo induzido. O efeito deste modo de ser é bem relatado pela literatura contemporânea: sentimentos de náusea (Sartre), de estar-de-sobra (Marcel), de alienação (Marx), de “derelição-abandono”(Heidegger), de estrangeiros na própria pátria (Camus). Numa palavra, padecemos de graves doenças de sentido como denunciaram os psicanalistas Rollo May e Victor Frankl. Tudo isso porque embotamos a inteligência espiritual.
A espiritualidade nos ajuda a sair desta cultura doentia e agonizante. A integração da inteligência espiritual com as outras formas de inteligência — intelectual e emocional — nos abre para uma comunhão amorosa com todas as coisas e para uma atitude de respeito e de reverência face a todos os seres, muito mais ancestrais do que nós. Só assim, poderemos nos reintegrar no Todo, sentirmo-nos parte da comunidade de vida e acolhidos como companheiros na grande aventura cósmica e planetária.
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