sábado, 19 de março de 2016

Pepe Mujica: "'há grupos poderosos por trás da perseguição a Lula"



Amigo pessoal de Lula, Mujica afirmou que 'é preciso dar uma mão ao Brasil: temos que defender o país de uma possível queda da legalidade democrática.'


Darío Pignotti, enviado a Foz Iguaçu (também divulgada na Carta Maior)





Bebendo mate com parcimônia, sentado a uma mesa com pães de queijo recentemente assados, o presidente José Mujica pensa alguns segundos antes de responder as perguntas, com seu jeito direto e calmo, e uma razoabilidade política aguda. O famoso “Pepe” expressou sua “esperança” no desempenho do novo ministro Lula, que ele elogiou por sua “coragem diante dos novos desafios, neste momento político difícil” e formulou comentários “amargos” sobre a “caça às bruxas” contra esse “grande líder popular”, durante uma entrevista exclusiva concedida à Carta Maior, em Foz de Iguaçu.

Pouco depois, “Pepe” seria ovacionado pelos estudantes da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), em evento no qual foi recebido pelo diretor-geral de Itaipu, Jorge Samek, o alto representante do Mercosul, Doutor Rosinha, e também pelo reitor da casa de estudos que o convidou, Josué Modesto dos Passos Sobrinho.

– O que você opina sobre a ida de Lula ao gabinete de Dilma?


– Acho que Lula vai significar uma outra linha econômica, diferente da que existe agora com a Dilma Rousseff. Eu sei como a cabeça dele pensa, que ele sabe que precisa impulsionar um plano forte de crédito para as classes emergentes e a classe média baixa. Que precisa mover a economia de baixo pra cima. Se faz isso, ele coloca fim à política de austeridade fiscal que está sendo aplicada agora, e assim pode confrontar a pressão do mercado.

Lula é um líder com muita capacidade, com coragem para enfrentar esses momentos difíceis, tenho esperança de que ele possa levar o país a uma recuperação, mas temos que dizer a verdade, isso não vai ser nada fácil.

Espero que tenha sucesso, porque terá grandes desafios pela frente, tem que levantar um morto imenso, do tamanho do Brasil, e vai ter que mostrar força.

– Alguns juízes parecem estar obcecados em prender o Lula.

– Dá a impressão de que existe uma espécie de cabaré jurídico no Brasil, isso também acontece em outros países. Tem gente na Justiça que cria denúncias muito espalhafatosas, feitas sob medida para ter repercussão na imprensa. Assim fazem o seu negócio. Me disseram que estão desesperados por encontrar qualquer coisa que desacredite o Lula, que quando o interrogaram, as perguntas foram absurdas, sobre as garrafas de vinho que tinha em casa, algo bastante estranho. Se querem investigar, que investiguem tudo, mas eu sou amigo do Lula da vida inteira, e continuarei sendo seu amigo… E se alguém o prende, eu irei visitá-lo, já visitei vários amigos presos.

– Querem evitar sua candidatura em 2018?

– Acho que há interesses muito pesados em jogo, a respeito de tudo isso que acontece com o Lula, eu não poderia dizer se é esse ou aquele grupo que está envolvido, mas que há gente interessada em tirar o Lula da disputa presidencial, da disputa política.

– Entre esses interesses, estão os dos Estados Unidos?

– Se o Brasil é grande e complexo, imagina os Estados Unidos, que é um país maior ainda. Não podemos falar dos Estados Unidos como uma coisa só, há muitos. É possível que haja grupos lá dos Estados Unidos que dão apoio aos que estão contra o Lula e contra a legalidade democrática.

Não tenho dúvidas que há gente nos Estados Unidos que está incômoda com o Brasil, que sente que o Brasil pisou no calo deles em alguns assuntos. Que não gostaram do fato de o Brasil ter feito o porto de Mariel, em Cuba. Não digo com isso que a política oficial dos Estados Unidos é a de chicotear o Brasil, até porque, em alguns aspectos, Obama é um presidente que está atado. Mas, no fim, o que o Brasil fez por Cuba é algo que o mundo um dia vai agradecer, ainda que muitos abobados não entendam o quanto foi importante.


Cheiro de golpe


Mujica está sentado junto com sua esposa, Lucía Topolansky, tão grisalha quanto ele. Ela é sua companheira desde que ambos militavam no grupo guerrilheiro Tupamaros, pelo qual foram presos durante a ditadura.

Um dos temas que mais preocupam o ex-mandatário uruguaio é a “fragilidade democrática” que se vê hoje no Brasil e em outros países da região.


– Isso que acontece no Brasil tem cheiro de golpe?

– Golpe no Brasil? Veja, eu vou te responder com uma anedota, uma coisa característica do meu país: nos bairros populares, onde vive o povo pobre, as pessoas dizem “eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”. Isso é o que eu diria sobre um golpe no Brasil, entende? E se acontece um problema desses no Brasil, pode contagiar toda a região, é por isso que eu me meto, e falo do que acontece aqui, não posso estar a margem. É preciso dar uma mão ao Brasil, aos países irmãos, temos que defender o país de uma possível queda da legalidade democrática. E também é preciso tirar lições de disso tudo, aprender que não devemos ser tão tontos.

– Você é otimista ou pessimista a respeito do que pode acontecer?

– Veja bem, lutar temos que lutar sempre, não existe vitória definitiva, e tampouco derrota definitiva. Mas eu vejo tudo isso com amargura, e com um pouco de pessimismo. O Brasil tem uma população jovem gigantesca, são dezenas e dezenas de garotos de menos de 25 anos… os jovens não tem obrigação de saber das amarguras que o país viveu durante mais de 20 anos de ditadura… essa democracia é melhor que qualquer ditadura… na ditadura, eles podem te pegar durante a noite e te dar uma surra, e ninguém mais vai saber de você. Porque numa ditadura a imprensa não escreve sobre essas coisas. Onde não há um governo democrático menos ainda existe liberdade de imprensa, e isso os jovens brasileiros precisam entender, sobretudo nesses dias estranhos que vivemos, onde vemos algumas mentes confusas, que pensam que não há problema em se acabar com a legalidade. Seria bom que o Brasil não cometa agora o mesmo erro que a América Latina cometeu nos anos dos milicos. Por isso eu digo que a direita tem que deixar de ser tão colonizada.

– Pode ampliar essa opinião?

– No Brasil, e em outros países sul-americanos, existe uma direita colonizada, que está pensando como tirar o Lula da jogada, uma direita que sempre olha primeiro para fora e depois para dentro…é um comportamento baseado na fantasia de status dessa classe. Veja bem uma coisa: a primeira universidade brasileira foi fundada em São Paulo, mais ou menos entre os Anos 20 e 1930 do século passado. Por que tão tarde? Porque os filhos da oligarquia antes eram enviados para estudar na Europa, e não interessava que os filhos do povo tivessem chance de estudar.

– Essa multidão que se mobilizou contra o governo no domingo lhe surpreendeu?

– Os que ficaram em suas casas, que são muitos mais, me interessam mais do que os que foram protestar. É preciso ver o que acontece com os que não vão, porque eles são a maioria do povo. E a verdade é que os que pagam o pato da crise não são os que vão gritar contra a Dilma e contra o Lula. É o povo pobre. O governo tem que trabalhar por esse povo, tem que pensar nesse povo, que é a maioria dos 200 milhões de brasileiros. A direita quer causar uma fratura social no Brasil, que é o maior exemplo de mescla social que existe na face da Terra… Esse país é um monumento ao cruzamento de distintas raças, e é terrível quando se alimenta o ódio aos negros, que são os mais pobres.

– Historicamente, a esquerda é mais forte nas ruas que a direita, mas isso se inverteu no Brasil.

– A direita perdeu toda a racionalidade. Ela não quer entender que comendo um pouco menos, ainda assim continua comendo muito, ela não quer o Lula e o PT porque odeia a ideia de ter que dividir melhor o bolo, mesmo que seja um pouco. Estão cegos, raivosos, e a direita insuflada se torna fascistoide, com essa pressa em derrubar o governo e não dar outra saída ao país. Eu não posso pedir à direita que seja esquerda, mas gostaria que tivesse um pouco de racionalidade, porque com essa fervura vão acabar com o país, e com a galinha dos ovos de ouro. Peço com minha humilde voz que a direita brasileira que seja um pouco mais inteligente, que seja menos apaixonada contra Lula. Se o limbo que essa direita propõe for instalado, consertar as coisas depois terá um custo alto, altíssimo.


Extensa fila de estudantes

A conversa começou na sala de imprensa da Universidade Federal da Integração Latino-Americana e foi retomada mais tarde, num escritório contíguo ao auditório que estava lotado de estudantes brasileiros, uruguaios, argentinos e peruanos, que gritavam seu apelido: “Pepe, Pepe, Pepe”, como se fosse um pop star, não da música, mas da política.

Uma fila de mais de duas quadras se formou às 9h, apesar do sol de 30 graus na frente do auditório da UNILA.

“Façam política, se comprometam”, estimulou o ex-guerrilheiro, e também ex-presidente uruguaio, durante a aula magna na qual os jovens escutaram sua exposição com um silêncio de missa.

Mujica insistiu em avançar na integração latino-americana diante de uma realidade mundial caracterizada por grandes blocos econômicos.

Por isso, ele lamentou que haja, no Brasil e nos demais países da região, tantos “inimigos da integração”, que priorizam negociar com os Estados Unidos e a Europa antes que fortalecer as cadeias produtivas regionais. “Se o Brasil faz o motor de um carro, a Argentina faz a caixa de câmbio e nós uruguaios, que somos pequenos, fazemos o para-brisas, ganhamos todos”, explicou.

“Os desafios que temos hoje na América Latina são de caráter político, mas nos falta estatura política para avançar na integração. É muito discurso, muito banquete, mas não avançamos de verdade. Disputamos entre nós e não temos uma política em comum”, criticou Mujica.


Globo, Lacerda e Vargas


– É difícil defender a democracia quando a imprensa tradicional predica a favor do golpe.

– Quando me falam do que os meios de comunicação noticiam, o que a Globo fala contra o governo, que batem e batem no Lula, eu me lembro do que ocorria nos tempos do Carlos Lacerda e do Getúlio Vargas, me lembro de coisas antigas, que acabaram com Vargas, que o levaram a cometer suicídio, tomara que isso não se repita. Parece que alguns meios têm tanta raiva do Lula que terminaram cegos, inventando um mundo dentro do micro universo das redações, onde conspiram contra o Lula, e não são capazes de ver como é o mundo real.

Tradução: Victor Farinelli
Fonte: Carta Maior

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