domingo, 26 de agosto de 2018

Pressão internacional pró-Lula expõe fracasso da política externa pós-impeachment. Por André Barrocal



Do Contexto Livre:
Com o PSDB no comando do Itamaraty, Brasil coleciona prejuízos e não 
desfez suspeita de ‘golpe’

Após o fracasso da política externa, Aloysio tem topado até vestir roupas típicas bolivianas
O Brasil está sob pressão internacional para liberar a candidatura presidencial de Lula. 
Líderes políticos, personalidades e até um comitê da ONU defendem a autorização. 
Não é uma situação incômoda apenas para a Justiça mais cara do planeta. É sinal 
também de insucesso da política externa comandada pelo PSDB após a degola de 
Dilma Rousseff.

A primeira missão dos tucanos era convencer o mundo de que o impeachment
não foi golpe. Em busca de ajuda, eles apelaram de cara ao Tio Sam. 
O senador Aloysio Nunes Ferreira, hoje ministro das Relações Exteriores, 
foi a Washington conversar com algumas autoridades 
e empresários assim que os deputados permitiram que o Senado julgasse Dilma.

Ali nos EUA, Nunes Ferreira reclamou publicamente da insistência da petista de falar em 
“golpe”. “Aqueles que não conhecem o Brasil, especialmente investidores, poderão ter a 
ideia de que o Brasil é uma república bananeira, quando não é”, disse. “Um dos grandes 
ativos que o Brasil tem é o fato de termos instituições políticas e jurídicas sólidas.”

No mês seguinte, maio de 2016, a petista era afastada do cargo, o PSDB assumia o Itamaraty 
com o senador José Serra e logo um comunicado era disparado aos postos diplomáticos no 
exterior com uma orientação: defender que não houve golpe. “Os equívocos porventura 
cometidos” por autoridades estrangeiras, dizia o texto, “devem ser ativamente combatidos”.

Agora, reta final do governo pós-Dilma, há uma debandada de embaixadores brasileiros para 
o exterior. Uma tentativa, segundo se ouve entre diplomatas, de desassociar-se do 
impeachment e de ajeitar a vida antes do fim do mandato de Michel Temer. Ao assinar um 
pacote de nomeações, o presidente comentou, conforme relatos: “Vai ficar alguém em 
Brasília?”.

O assessor especial de Temer para assuntos internacionais, Fred Arruda, é um dos que estão 
de mala pronta. Deve comandar a embaixada em Londres. Chefe de gabinete de Nunes
 Ferreira até agosto, Eduardo Saboia chefiará o posto em Tóquio.

Número 2 do Itamaraty, Marcos Galvão comandará a missão junto à União Europeia. 
Fernando Simas Magalhães acaba de assumir cargo equivalente na Organização dos 
Estados Americanos (OEA). Era até então um dos subsecretários-gerais do Itamaraty. 
E por aí vai.

Em meio à debandada, pressões internacionais acuam o Brasil. O pressuposto delas é que 
Lula diz a verdade quando fala que o impeachment de Dilma foi um golpe destinado a tirar 
o PT do poder, impor o neoliberalismo e impedir a derrota desse receituário nas urnas 
por Lula. Foi essa a descrição de um "golpe de direita" dada pela ex-presidente em um
artigo publicado em 14 de agosto no The New York Times.

François Hollande (ex-presidente da França), Michelle Bachelet (ex do Chile), José Luis 
Zapatero (ex-premiê da Espanha), Enrico Letta (ex-da Itália), Elio di Rupo (ex-da Bélgica),
 José Sócrates (ex-de Portugal), Jorge Castañeda (escritor e ex-chanceler mexicano), 
Baltasar Garzón (ex-juiz espanhol) saíram em defesa da candidatura de Lula, a ecoar 
de algum modo o que diz o petista.

“Meu sucessor como presidente falsamente se apresenta como vítima de uma conspiração 
de ‘elite’”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em um artigo recente no jornal
 inglês conservador Financial Times, publicado para rebater o de Lula.  A disposição do 
octagenário tucano para uma discussão global via jornais dá uma ideia do insucesso da 
política externa pós-impeachment.

Presidenciável nos EUA, Bernie Sanders mandou em julho uma carta ao diplomata que 
assumiu a embaixada do Brasil em Washington com o PSDBSergio Amaral, com críticas 
ao governo de (palavras de Sanders e outros 28 congressistas locais) “extrema-direita” 
de Temer. E em defesa de Lula: “Os fatos que envolvem o caso do ex-presidente Lula nos 
dão motivo para acreditar que o objetivo prioritário de sua prisão é para impedi-lo de 
disputar as próximas eleições”.

Em telegramas ao Itamaraty, Amaral relata suas insistentes e infrutíferas tentativas de
 conseguir da Casa Branca um encontro de Temer com Donald Trump. Quem leu as 
correspondências diz que o embaixador parece ter sido suplicante nas negociações. 
Ele não teve êxito, segundo os telegramas, pois Washington vê um Temer fraco, sem 
apoio popular e político e sem legitimidade.

O máximo que o Tio Sam topou foi mandar ao Brasil o vice-presidente, Mike Pence. 
E para falar prioritariamente de Venezuela. Um assunto que não era exatamente o 
desejado pelo Palácio do Planalto.

Temer não deve guardar boas lembranças da visita recebida em junho. Em declaração 
a seu lado no Planalto, Pence pregou “mais atitudes (brasileiras) para isolar o regime de
 (Nicolás) Maduro”. E em tom patronal: “Por isso, hoje digo ao nosso aliado Brasil: 
chegou a hora de vocês fazerem mais.”

Estados Unidos e Venezuela são temas sintomáticos do insucesso da política externa 
pós-impeachment. A chancelaria tucana de Temer fez desde o início juras de amor aos 
EUA, mas contava com a vitória de Hillary Clinton, não de Trump, na eleição que aconteceria 
lá seis meses depois. Serra, o ministro da época, torceu publicamente por Hillary.

Hoje, Trump não deixa prosperar uma das maiores apostas da política externa 
pós-impeachment. O Brasil tenta entrar na OCDE, clube de 35 países ricos e simpatizantes, 
e até acaba de abrir uma missão diplomática para atuar junto ao organismo em Paris. 
Mas não consegue autorização para ser membro. Os EUA preferem a entrada da 
Argentina de Mauricio Macri, amigo de Trump.

Terá sido para tentar desfazer todo tipo de má vontade do presidente norte-americano que 
o diretor do Departamento dos EUA, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty 
escreveu um longo ensaio sobre Trump em que praticamente o chama de salvador da 
civilização ocidental?

O texto do diplomata Ernesto Henrique Fraga Araújo saiu no segundo semestre 2017 
nos “Cadernos de Política Exterior”, publicação feita a cada seis meses pelo ministério 
das Relações Exteriores.

No caso da Venezuela, o Itamaraty tratou-a como inimigo desde o início, embora os 
tucanos sempre tenham dito que era o PT quem tinha uma política externa ideológica. 
O motivo do partidarismo do PSDB pôde ser identificado na posse de Nunes Ferreira. 
“Cada vez mais o tema da política externa está presente nos debates sobre a nossa 
política interna”, disse, há “inseparabilidade” entre elas.

Na cruzada ideológica contra o chavismo, os tucanos embarcaram no Grupo de Lima, 
criado em agosto de 2017 por alguns países das Américas para pressionar Nicolás Maduro. 
O confronto com o vizinho levou o Brasil, maior economia e população da América do Sul,
 a ficar isolado no continente, devido a uma certa solidariedade de alguns parceiros 
venezuelanos.

Ser respeitado nas cercanias é regra básica para um país que queira ter protagonismo global.
 No Valor da quinta-feira 23, dois embaixadores experientes, Vera Pedrosa, de 81 anos, e 
Luiz Filipe de Macedo Soares, de 76, propuseram uma plataforma de política externa para 
o próximo governo e começaram suas considerações pela América do Sul.

“Sabemos em que lugar do mundo nos encontramos: na América do Sul, espaço continental 
que compartilhamos com outros 11 países. Não podemos ignorá-los e seria um erro 
antagonizá-los. Nosso interesse primordial é trabalhar para que os 12 países que compõem 
a região constituam um sistema harmonioso que fortaleça a cada um e ao conjunto deles.”

Fraco politicamente, o Brasil perdeu voz na região. A Colômbia anunciou não faz muito sua 
saída da Unasul, a União de Nações Sul-Americanas, e sua entrada na OTAN, o bloco militar 
liderado pelos EUA na Europa, sem um pio brasileiro.

Em 2009, o então presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, extremista de direita, anunciou que
 seu país, dono de uma enorme fronteira amazônica com o Brasil, teria bases militares do 
Tio Sam, e o assunto logo provocou reações do Brasil e debates na Unasul.

Mas até que em sua reta final no Itamaraty, Nunes Ferreira tem tentado remediar certas 
coisas. Na segunda-feira 20, foi à Bolívia reunir-se com o chanceler de lá, Fernando 
Huanacuni. Disse que “nós somos apegados à existência da Unasul”, bloco hoje relegado 
à irrelevância. E até topou vestir umas roupas típicas bolivianas...

André Barrocal
No CartaCapital

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