Do Contexto Livre:
Com o PSDB no comando do Itamaraty, Brasil coleciona prejuízos e não
desfez suspeita de ‘golpe’
desfez suspeita de ‘golpe’
Após o fracasso da política externa, Aloysio tem topado até vestir roupas típicas bolivianas
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O Brasil está sob pressão internacional para liberar a candidatura presidencial de Lula.
Líderes políticos, personalidades e até um comitê da ONU defendem a autorização.
Não é uma situação incômoda apenas para a Justiça mais cara do planeta. É sinal
também de insucesso da política externa comandada pelo PSDB após a degola de
Dilma Rousseff.
A primeira missão dos tucanos era convencer o mundo de que o impeachment
não foi golpe. Em busca de ajuda, eles apelaram de cara ao Tio Sam.
O senador Aloysio Nunes Ferreira, hoje ministro das Relações Exteriores,
foi a Washington conversar com algumas autoridades
não foi golpe. Em busca de ajuda, eles apelaram de cara ao Tio Sam.
O senador Aloysio Nunes Ferreira, hoje ministro das Relações Exteriores,
foi a Washington conversar com algumas autoridades
e empresários assim que os deputados permitiram que o Senado julgasse Dilma.
Ali nos EUA, Nunes Ferreira reclamou publicamente da insistência da petista de falar em
“golpe”. “Aqueles que não conhecem o Brasil, especialmente investidores, poderão ter a
ideia de que o Brasil é uma república bananeira, quando não é”, disse. “Um dos grandes
ativos que o Brasil tem é o fato de termos instituições políticas e jurídicas sólidas.”
No mês seguinte, maio de 2016, a petista era afastada do cargo, o PSDB assumia o Itamaraty
com o senador José Serra e logo um comunicado era disparado aos postos diplomáticos no
exterior com uma orientação: defender que não houve golpe. “Os equívocos porventura
cometidos” por autoridades estrangeiras, dizia o texto, “devem ser ativamente combatidos”.
Agora, reta final do governo pós-Dilma, há uma debandada de embaixadores brasileiros para
o exterior. Uma tentativa, segundo se ouve entre diplomatas, de desassociar-se do
impeachment e de ajeitar a vida antes do fim do mandato de Michel Temer. Ao assinar um
pacote de nomeações, o presidente comentou, conforme relatos: “Vai ficar alguém em
Brasília?”.
O assessor especial de Temer para assuntos internacionais, Fred Arruda, é um dos que estão
de mala pronta. Deve comandar a embaixada em Londres. Chefe de gabinete de Nunes
Ferreira até agosto, Eduardo Saboia chefiará o posto em Tóquio.
Número 2 do Itamaraty, Marcos Galvão comandará a missão junto à União Europeia.
Fernando Simas Magalhães acaba de assumir cargo equivalente na Organização dos
Estados Americanos (OEA). Era até então um dos subsecretários-gerais do Itamaraty.
E por aí vai.
Em meio à debandada, pressões internacionais acuam o Brasil. O pressuposto delas é que
Lula diz a verdade quando fala que o impeachment de Dilma foi um golpe destinado a tirar
o PT do poder, impor o neoliberalismo e impedir a derrota desse receituário nas urnas
por Lula. Foi essa a descrição de um "golpe de direita" dada pela ex-presidente em um
artigo publicado em 14 de agosto no The New York Times.
artigo publicado em 14 de agosto no The New York Times.
François Hollande (ex-presidente da França), Michelle Bachelet (ex do Chile), José Luis
Zapatero (ex-premiê da Espanha), Enrico Letta (ex-da Itália), Elio di Rupo (ex-da Bélgica),
José Sócrates (ex-de Portugal), Jorge Castañeda (escritor e ex-chanceler mexicano),
Baltasar Garzón (ex-juiz espanhol) saíram em defesa da candidatura de Lula, a ecoar
de algum modo o que diz o petista.
“Meu sucessor como presidente falsamente se apresenta como vítima de uma conspiração
de ‘elite’”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em um artigo recente no jornal
inglês conservador Financial Times, publicado para rebater o de Lula. A disposição do
octagenário tucano para uma discussão global via jornais dá uma ideia do insucesso da
política externa pós-impeachment.
Presidenciável nos EUA, Bernie Sanders mandou em julho uma carta ao diplomata que
assumiu a embaixada do Brasil em Washington com o PSDB, Sergio Amaral, com críticas
ao governo de (palavras de Sanders e outros 28 congressistas locais) “extrema-direita”
de Temer. E em defesa de Lula: “Os fatos que envolvem o caso do ex-presidente Lula nos
dão motivo para acreditar que o objetivo prioritário de sua prisão é para impedi-lo de
disputar as próximas eleições”.
Em telegramas ao Itamaraty, Amaral relata suas insistentes e infrutíferas tentativas de
conseguir da Casa Branca um encontro de Temer com Donald Trump. Quem leu as
correspondências diz que o embaixador parece ter sido suplicante nas negociações.
Ele não teve êxito, segundo os telegramas, pois Washington vê um Temer fraco, sem
apoio popular e político e sem legitimidade.
O máximo que o Tio Sam topou foi mandar ao Brasil o vice-presidente, Mike Pence.
E para falar prioritariamente de Venezuela. Um assunto que não era exatamente o
desejado pelo Palácio do Planalto.
Temer não deve guardar boas lembranças da visita recebida em junho. Em declaração
a seu lado no Planalto, Pence pregou “mais atitudes (brasileiras) para isolar o regime de
(Nicolás) Maduro”. E em tom patronal: “Por isso, hoje digo ao nosso aliado Brasil:
chegou a hora de vocês fazerem mais.”
Estados Unidos e Venezuela são temas sintomáticos do insucesso da política externa
pós-impeachment. A chancelaria tucana de Temer fez desde o início juras de amor aos
EUA, mas contava com a vitória de Hillary Clinton, não de Trump, na eleição que aconteceria
lá seis meses depois. Serra, o ministro da época, torceu publicamente por Hillary.
Hoje, Trump não deixa prosperar uma das maiores apostas da política externa
pós-impeachment. O Brasil tenta entrar na OCDE, clube de 35 países ricos e simpatizantes,
e até acaba de abrir uma missão diplomática para atuar junto ao organismo em Paris.
Mas não consegue autorização para ser membro. Os EUA preferem a entrada da
Argentina de Mauricio Macri, amigo de Trump.
Terá sido para tentar desfazer todo tipo de má vontade do presidente norte-americano que
o diretor do Departamento dos EUA, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty
escreveu um longo ensaio sobre Trump em que praticamente o chama de salvador da
civilização ocidental?
O texto do diplomata Ernesto Henrique Fraga Araújo saiu no segundo semestre 2017
nos “Cadernos de Política Exterior”, publicação feita a cada seis meses pelo ministério
das Relações Exteriores.
No caso da Venezuela, o Itamaraty tratou-a como inimigo desde o início, embora os
tucanos sempre tenham dito que era o PT quem tinha uma política externa ideológica.
O motivo do partidarismo do PSDB pôde ser identificado na posse de Nunes Ferreira.
“Cada vez mais o tema da política externa está presente nos debates sobre a nossa
política interna”, disse, há “inseparabilidade” entre elas.
Na cruzada ideológica contra o chavismo, os tucanos embarcaram no Grupo de Lima,
criado em agosto de 2017 por alguns países das Américas para pressionar Nicolás Maduro.
O confronto com o vizinho levou o Brasil, maior economia e população da América do Sul,
a ficar isolado no continente, devido a uma certa solidariedade de alguns parceiros
venezuelanos.
Ser respeitado nas cercanias é regra básica para um país que queira ter protagonismo global.
No Valor da quinta-feira 23, dois embaixadores experientes, Vera Pedrosa, de 81 anos, e
Luiz Filipe de Macedo Soares, de 76, propuseram uma plataforma de política externa para
o próximo governo e começaram suas considerações pela América do Sul.
“Sabemos em que lugar do mundo nos encontramos: na América do Sul, espaço continental
que compartilhamos com outros 11 países. Não podemos ignorá-los e seria um erro
antagonizá-los. Nosso interesse primordial é trabalhar para que os 12 países que compõem
a região constituam um sistema harmonioso que fortaleça a cada um e ao conjunto deles.”
Fraco politicamente, o Brasil perdeu voz na região. A Colômbia anunciou não faz muito sua
saída da Unasul, a União de Nações Sul-Americanas, e sua entrada na OTAN, o bloco militar
liderado pelos EUA na Europa, sem um pio brasileiro.
Em 2009, o então presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, extremista de direita, anunciou que
seu país, dono de uma enorme fronteira amazônica com o Brasil, teria bases militares do
Tio Sam, e o assunto logo provocou reações do Brasil e debates na Unasul.
Mas até que em sua reta final no Itamaraty, Nunes Ferreira tem tentado remediar certas
coisas. Na segunda-feira 20, foi à Bolívia reunir-se com o chanceler de lá, Fernando
Huanacuni. Disse que “nós somos apegados à existência da Unasul”, bloco hoje relegado
à irrelevância. E até topou vestir umas roupas típicas bolivianas...
André Barrocal
No CartaCapital
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