quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Brasil vs ONU: A Democracia e o “Flerte Fatal”. Por Fernado Rodrigo Mroskowski, advogado criminalista



"Democracia virou palavrão! Tipo esses palavrões que chocam a classe média. E chocam as classes média-alta e alta, também. Se bem que, por diversas vezes, essas classes se confundem, e uma pensa ser a outra."

Do Justificando:

Brasil vs ONU: A Democracia e o “Flerte Fatal”

Quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Brasil vs ONU: A Democracia e o “Flerte Fatal”




Imagem: Reprodução-ONU

Democracia virou palavrão! Tipo esses palavrões que chocam a classe média. E chocam as classes média-alta e alta, também. Se bem que, por diversas vezes, essas classes se confundem, e uma pensa ser a outra.
Falar em DEMOCRACIA hoje é pedir por confusão!
Um conceito tão abstrato, por tratar-se de algo imaterial e intocável, ganha status de ser apenas uma “ideia”.
Na data de 17 de agosto de 2018, a Organização das Nações Unidas (ONU) através de seu Comitê de Direitos Humanos entrou no debate sobre Democracia e determinou que “Lula deve ter livre acesso à mídia e não pode ter sua candidatura barrada antes de julgamento justo”, assim dizia a notícia na página Lula.com.br[1], e tal notícia logo em seguida repercutiu nos meios de comunicação do mundo inteiro[2], da Folha[3] ao New York Times[4].
Em entrevista coletiva, a situação foi esclarecida pelos advogados do Ex-Presidente Lula (Cristiano Zanin e Valeska Teixeira) ao lado de duas autoridades em Direito Internacional, o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, que inclusive informou que se o Brasil não cumprir tal determinação do Comitê da ONU, será relegado ao papel de “pária internacional”, comparando-se ao talibã. E o ex-ministro dos Direitos Humanos, Paulo Sérgio Pinheiro alertou que desqualificar a decisão do Comitê é um ato de estupidez e do não entendimento da normativa internacional.
De tão abstrata que é, a Democracia é vista de formas diferentes. Veja-se que a ONU enxerga a Democracia da seguinte forma: Ela – a ONU – entende que, pela Democracia, Lula deve ser candidato.
De outra forma, o Estado Brasileiro – e suas instituições e sua imprensa tradicional – possui outro conceito aplicável à Democracia e entende que Lula não pode ser candidato. Prova disso está na velocidade com que o processo contra Lula foi julgado em segunda instância. Inclusive, demonstrado por Emir Sader[5]que em sua conta no Twitter estampou que “o revisor do processo do Lula leu 250 mil páginas em 6 dias. Isto é, ele leu 2 mil páginas por hora, sem dormir, durante 6 dias”.
Entre a ONU e as Instituições Brasileiras é importante anotarmos o abismo de credibilidade existente, bem como, o nível de maturidade Institucional. (É necessário comparar ONU x Instituições Brasileiras).
É certo que a atual decisão coloca o Brasil em contrariedade com a ONU.
Esse mal estar, Brasil vs ONU, pode colocar a ONU em cheque, principalmente entre aqueles que parecem valorizar mais a FIFA onde, para esses, o Brasil ser retirado da ONU seria aceitável, desde que permanecesse membro da FIFA, claro!
O possível e previsível indeferimento da candidatura de Lula – pela “justiça brasileira” – em virtude de sua prisão política –, mostra como, de fato, a Democracia ainda é algo tão abstrato e obscuro no atual momento político e histórico que muito se assemelha aos tempos da Idade Média.
Inclusive, traços claros da Política Medieval são possíveis vislumbrar ainda hoje; expressões como “baixo clero”, para se referir aos deputados do “centrão”; Bancada da Bíblia no Congresso, procurando reeditar os tempos em que a Igreja era o Estado; e ainda mais, a permanente caçada às bruxas, feiticeiros e hereges que em tempos atuais recebem outros nomes, como “comunistas”, “corruptos” e “ateus”.
 O Malleus Maleficarum[6], o manual de procedimento penal inquisitorial da Idade Média, era o livro de cabeceira dos juízes e torturadores da Santa Inquisição, definia formas de investigação, interrogatórios, e formas de tortura e execução. Era o Martelo das Bruxas, o manual de caça aos inimigos de Deus. No caso, os aliados do demônio.
Sim, esse tempo existiu, esse livro existe! E foi durante cerca de dois séculos o segundo livro mais lido no mundo ocidental, sendo, portanto, um best-seller,junto com a bíblia[7].
A técnica de publicização dos inimigos de hoje segue os mesmos moldes do que era orientado pelo Malleus Malleficarun, na qual conforme Zaffaroni[8]bem esclarece, se fabrica uma emergência, consistindo em um grande mal a ser combatido, então, inicia-se uma heroica investida contra os causadores desse grande mal. Em tempos de Malleus, a emergência era proteger a sociedade do poder destrutivo e amaldiçoado das bruxas, hereges e feiticeiros, que possuíam o poder maligno de atrair a destruição às lavouras e a disseminação de pragas mortais. Hoje, querem proteger o Estado, a família – e os bons costumes – dos comunistas, corruptos e ateus libertinos, que representam, a falência dos valores morais da sociedade, e que conduzirão ao fim da vida civilizada.
Voltando ao tema Democracia.
De outro lado, o possível deferimento das candidaturas dos presidenciáveis Jair Bolsonaro e Cabo Daciolo demonstram o quanto a nossa democracia é adrenalizante e arrisca a colocar-se em perigo.
Isto porque, o primeiro, já manifestou sérias propensões antidemocráticas, entre vários episódios podemos citar antiga entrevista onde afirmou ser a favor da tortura[9], e que o erro da ditadura foi torturar e não matar, bem como, em seu voto[10] pelo Impeachment de Dilma Rousseff, homenageou o torturador Brilhante Ustra e disse, “perderam em 64” em menção ao golpe militar que instaurou uma ditadura no Brasil. E conclui seu voto bradando contra o comunismo!
Daciolo, enquanto Deputado Federal, foi autor do projeto que visava alterar a Constituição para incluir que “Todo o poder emana de Deus”[11], e justifica tal proposição da seguinte forma; Como cristão não tenho receio em declarar que a Bíblia é, e sempre será, a minha única regra de fé e prática.
Ao manifestar que a Bíblia é sua única regra de fé, o Presidenciável está claramente negando vigência à Constituição, o que o torna, por lógica, um candidato inconstitucional.
Candidatos como Bolsonaro e Daciolo, são, em verdade, golpes que a Democracia nos aplica. Porém, utilizar-se da própria Democracia como meio para atingir o fim dela é, talvez, o maior flerte fatal com o suicídio democrático!
O flerte é fatal pois, após o tiro ser dado, na própria cabeça da Democracia, poderá não ter volta. E votar em Bolsonaro, ou Cabo Daciolo, demonstra a que ponto chega o desespero “e a loucura que faz o cara dar um tiro na cabeça”.
Isso porque “muita gente já ultrapassou a linha entre o prazer e a dependência”, chegando ao ponto de tornar-se “dependente” do sentimento de exclusão e ódio ao diferente eque antes era apenas “prazer” manifestado em piadas rotineiras sem maior gravidade, mas que camuflavam uma avalanche de sensações raivosa que estariam por eclodir.
E eclodiram.
 E quando chega o além,e os pés não tocam mais o chão, percebe-se que a visão escureceu, o ódio cegou, a surdez da pós-verdade contaminou, e é “pela honra! pela família! pela pátria!” e com a Bíblia nas mãos que a inteligência e o raciocínio são colocados de lado e substituídos por sentimentos recheados de ira e julgamentos morais.
“esse flerte é um flerte fatal! Esse flerte é um flerte fatal”que pode conduzir à morte do Estado, previsto por Thomas Hobbes, logo na introdução de seu clássico Leviatã, onde informa que a Guerra Civil representa a morte do Estado.
Por fim, a Democracia produz certas aberrações, Daciolo e Bolsonaro são exemplos disso, e essas aberrações – produzidas pela democracia – podem conduzir ao fim dela mesma!
Que mal estar democrático.
A Democracia tem seus paradoxos.

Fernando Rodrigo Mroskowski é Mestrando em Criminologia pela Universidad de la Empresa – Uruguay e advogado criminalista.
[6]Krammer, Heinrich e Sprenger, Jacobus. O Martelo das Feiticeiras Malleus Maleficarum; 12ª ed. – Rio de Janeiro; Record; Rosa dos Tempo, 1993.
[7]ZAFFARONI, Eugenio Raul. A questão Criminal; 1ª ed. – Rio de Janeiro; Revan, 2013. p.35.
[8]ZAFFARONI, Eugenio Raul. A questão Criminal; 1ª ed. – Rio de Janeiro; Revan, 2013.

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