quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Triste (para dizer o mínimo) papel de Temer na ONU, por Alessandra Nilo, de Nova York

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Sai um Brasil contraditório, mas sempre inspirador. Entra o discurso monotônico dos banqueiros, do agronegócio, dos sexistas e homofóbicos, da economia ortodoxa e ultrapassada
Por Alessandra Nilo, de Nova York | Imagem: Rubem Grilo
Amanhã, 20 de setembro, mantendo a tradição, caberá ao Brasil o discurso inaugural dos debates na 71ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Desta vez será no mínimo curioso observar o Itamaraty manejando os holofotes globais, considerando o quanto significa o tema da sessão – “Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável [ODS]: um empurrão universal para transformar nosso mundo” – no contexto de um país internamente dividido.
Vale dizer que a partir de amanhã o Brasil, que assumiu uma liderança reconhecida durante as negociações que definiram os ODSs, talvez deva ser visto como “país controverso”, cada vez que a pauta for a implementação de tais objetivos, aprovados há apenas um ano.
É verdade que alguns países serão ludibriados, que outros seguirão em silêncio sobre as questões que levaram Temer à Presidência e que para vários deles isso pouco importará, desde que a “agenda de negócios” se mantenha. Mas apesar de não ter provas, tenho a convicção de que, independente da memória curta de conveniência, as diplomatas e os diplomatas atentos (estrangeiros ou nativos) não esquecerão facilmente daquele Brasil que durante os últimos anos liderou debates fundamentais para o desenvolvimento sustentável, defendendo a igualdade gênero, a diversidade, o multilateralismo, o direito ao desenvolvimento e o fortalecimento das relações Sul–Sul, apenas para citar algumas áreas. E é óbvio que a mudança da gestão federal – e da estratégia nacional– já mina nossa liderança regional e internacional nos processos relativos aos ODS cujas metas, agora, passarão a nos embaraçar.
Ter Michel Temer abrindo a Assembleia Geral da ONU, não importa o que contenha o discurso oficial, enviará ao mundo uma mensagem bem específica: que no Brasil agora ditam as cartas os defensores da privatização de bens públicos, da flexibilização de direitos, os que se opõem às tão urgentes reformas política e tributária. Venceram os que concentram riqueza, mas são paupérrimos de visão republicana: atores para os quais pouco importa o soft power acumulado há décadas por uma política externa balizada na defesa coerente de pautas nacionais, democráticas, inclusivas e progressistas.
Por isso, não importa o discurso oficial. A mensagem real de Temer será: “apesar de todas as resoluções que Brasil já assinou sobre equidade de gênero e orientação sexual, raça e etnia, saúde e educação, liberdade de expressão, transparência, meio-ambiente, economia… os tempos são outros”. Nas entrelinhas, a realidade brasileira será lida sem dificuldades, pois os temas antes ferozmente disputados no âmbito do governo estão agora, publicamente, superados: nosso corpo ministerial é só de homens brancos; educação e saúde serão sucateadas no prazo de vinte anos, manifestações públicas serão reprimidas, direitos trabalhistas, previdenciários e ambientais serão flexibilizados. As propostas atuais sobre a mesa já indicam quem “ficará para trás” sem nenhum remorso por parte daqueles que hoje assinam os cheques e definem as políticas nacionais.
Assim, Mr. Temer, ao voltar ao para casa, deixará vários de seus diplomatas em saias–justas, obrigados a silenciar sobre políticas que, ao invés de gerarem novos paradigmas de desenvolvimento, nos farão retroceder vinte anos. Veremos como o Itamaraty justificará o fato de umpaís inteiro “ficar para trás” porque sem o tensionamento interno no governo entre os que pautavam um Estado defensor de direitos, vencem os que veneram apenas os mercados.
Na ONU, claro, ingênuos inexistem e suas agências e líderes dificilmente irão à público defender o governo Dilma, tão problemático e pouco estratégico quanto poderia ser. Mas aqui na 1st Avenue, onde fica a sede das Nações Unidas entende-se muito bem que, findadas as disputas por projetos políticos dentro do governo, substitui-se uma parte preciosa da nossa democracia – que incluía a luta cotidiana entre pensamentos diferentes e a crença nas suas instituições – pelo discurso monotônico dos banqueiros, do agronegócio, dos sexistas e homofóbicos, da economia ortodoxa e ultrapassada meireliana que ainda crê que a conta deve ser paga pelas pessoas mais pobres e mais discriminadas.
O Brasil que amanhã se apresenta na ONU, portanto, chega ainda mais alijado de direitos básicos como saúde, educação, segurança, paz. E encontrará interlocutores impregnados de dúvidas, influenciados por noticiários globais sobre a contínua desmoralização de nossas lideranças, sobre a corrupção sistêmica, o ódio, violência e o medo que se alastram sem freios.
É triste, mas é esta mensagem de “insustentabilidade” que ficará cristalina nas entrelinhas do discurso do Brasil. Um país que, desta vez, abre a Assembleia Geral da ONU enquanto fecha, em casa, caminhos longamente construídos em prol de um país mais justo – social, econômica e ambientalmente falando.

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