segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Impeachment ou Golpe? Narrativas e narradores

Em 1º de abril de 1964, tanques do exército ocupam, no Rio, a Avenida Presidente Vargas, diante da Central do Brasil
Em 1º de abril de 1964, tanques do exército ocupam, no Rio, a Avenida Presidente Vargas, diante da Central do Brasil

Em nenhum processo histórico há verdade absoluta. Mas é impossível não atentar: falam em “impeachment” os mesmos que viram, em 1964, uma “retomada da democracia”
Por Robson Vilalba, no Outras Palavras

Com o afastamento da presidenta Dilma Rousseff algumas palavras ganharam a boca pública, como a palavra: “narrativa”, normalmente acompanhada da frase: narrativa do golpe. Ainda que repetida na televisão e em horário nobre a “narrativa”, como leitura da história, não tem recebido o seu devido apreço, mesmo que esta seja uma palavrinha já bem usada no campo das ciências humanas.

Dito de uma maneira muito simples, a leitura da história como narrativa presa pelos inúmeros lugares de fala e, consequentemente, inúmeras formas de perceber a história. Esse pensamento se apresenta em detrimento daquele que defende uma única verdade histórica, irrefutável. Contudo, para evitar um relativismo pelo relativismo, a leitura através da narrativa propõe outro ponto igualmente importante: se há diferentes narradores há também divergentes interesses de poder no ordenamento do passado, do presente e do futuro. E com isso os narradores elegem seus heróis, os algozes e as vítimas.

Voltemos à narrativa do golpe. Acrescentando apenas que, se existem narradores divergindo, existe também uma disputa de poder sendo travada entre eles. Chamaremos aqui aqueles que se opõem à narrativa do golpe como “narradores do impeachment”. Assim, teríamos uma disputa de poder entre os narradores do golpe e os narradores do impeachment, a pergunta seguinte é: quem são eles e o que narram?

Como narradores do impeachment teríamos os editoriais dos jornais brasileiros Estadão, Folha de São Paulo o grupo Globo. Pensadores como Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi ou Merval Pereira. Artistas como Alexandre Frota, Susana Vieira e Victor Fasano. Instituições como a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). São os personagens que narram o enfraquecimento político da presidente Dilma Rousseff, o envolvimento do seu partido em escândalos de corrupção e seu crime orçamentário que a beneficiou nas eleições de 2014.

Como narradores do golpe teríamos os editoriais e opiniões dos jornais estrangeiros como New York Times, The Guardian, Le Monde, The Intercept ou a TV Al Jazira. Intelectuais  reconhecidos como Noam Chomsky, Jürgen Habermas, Vladimir Safatle ou Boaventura de Sousa Santos. Artistas como Gregorio Duvivier, Chico Buarque, Raduan Nassar e Marieta Severo. Instituições como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Sindicato das Empregadas Domésticas e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, além, é claro, do Partido dos Trabalhadores (este não em unanimidade). Narram que houve um acordo entre políticos e juristas para estancar denúncias de corrupção e que o crime pela qual a presidenta é acusada teria sido cometido por, pelo menos, 15 líderes políticos em exercício e estes não estariam passando pelo mesmo processo de impedimento ou, nem mesmo, sendo penalizados pela infração.

Como disse Drummond: “Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.”

Coincide o fato de alguns dos narradores do impeachment serem os mesmo que narraram o episódio de 1º de Abril 1964 como “retomada da democracia”. Enquanto os narradores do golpe trataram o mesmo evento como “golpe militar”. Além disso, cada narrativa parece revelar uma parte da história enquanto omite outra. Isso diz muito do projeto de poder que defendem em seu ponto de vista da história. Para nós, que olhamos para quem está narrando a história, resta apenas escolher os narradores e o projeto de poder que defendem, lembrando que não há uma verdade irrefutável, mas narrativas da história. É importante sublinhar que esse debate não é tão simples assim e é necessário compreender como é tecida essa teia de disputa de poder.

A leitura da história pelo prisma da narrativa nos permite uma reflexão rica; no entanto, ela só se realiza plenamente quando consideramos seus narradores e, principalmente, seus interesses na disputa do poder. Uma narrativa sem narradores é um relativismo mal intencionado. Nada mais é que o nada discursando sobre coisa nenhuma.

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