sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Como as empresas de mídia montaram a estratégia do jornalismo de guerra para viabilizar o golpe. Por Paulo Nogueira

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O golpe de 2016 teve uma contribuição vital do “jornalismo de guerra”. Esta foi a expressão utilizada pelo editor chefe e colunista político do Clarín Julio Blanck para designar o serviço sujo que seu jornal fez para desestabilizar o governo de Cristina Kirchner.
As grandes empresas de mídia brasileiras praticaram um jornalismo de guerra desde que Lula e o PT ascenderam ao poder, em 2003.
Lamentavelmente, é inegável que foram bem-sucedidas em seu projeto macabro.
Há uma diferença marcante entre o que aconteceu na Argentina e o que aconteceu no Brasil. Cristina Kirchner entendeu que faziam uma guerra contra ela, e reagiu à altura. Respondeu com guerra à guerra.
Nem Lula e nem Dilma enxergaram a guerra até que fosse tarde demais. Às bombas lançadas contra eles em quantidade progressivamente opuseram um “republicanismo” oco, míope e suicida.
Ao longo de todos os anos do PT no poder, as empresas jornalísticas receberam formidáveis injeções de dinheiro público do governo por meio de publicidade federal.
Apenas a Globo, o epicentro do golpe, levou 500 milhões de reais ao ano. Derrubada Dilma, Gilberto de Carvalho, um dos homens fortes do PT no poder, admitiu: “Financiar a mídia foi provavelmente nosso maior erro.”
Quando isso foi percebido, já não havia mais o que fazer.
A imprensa brasileira depende visceralmente do dinheiro público. Nenhuma empresa de mídia sobrevive sem ele. Não se trata apenas de publicidade, mas de muitas outras mamatas, como financiamentos baratíssimos em bancos oficiais.
Isso vem de longe.
No livro Dossiê Geisel, feito à base de documentos guardados pelo general Geisel em sua presidência, há um despacho revelador do ministro da Justiça Armando Falcão.
Falcão notava, para Geisel, o poder do governo sobre as empresas jornalísticas por causa da dependência destas do dinheiro público e de outros favores, como perdoar dívidas e não cobrar impostos devidamente.
Falcão agia. Não ficava nas palavras. Em determinado momento o Jornal do Brasil, então o mais influente diário nacional, contratou como colunista Carlos Lacerda, já um adversário da ditadura que ajudara a instalar em 1964.
Falcão marcou um encontro com Nascimento Brito, o dono do JB, e deixou claro que Lacerda como colunista não seria tolerado pelo governo.
Entre a ação enérgica do governo Geisel e a paralisia das administrações Lula e Dilma há um imenso caminho. Não é louvável encostar as companhias na parede, como fez Falcão. Mas não é sábio ficar de braços cruzados, como fizeram Dilma e Lula.
Ao longo dos tempos, a relação governo e mídia obedeceu a um padrão estável. O governo dava dinheiro e jornais e revistas davam cobertura amiga.
Isso ficou particularmente claro na era FHC. A Globo, além do dinheiro copioso da publicidade federal, foi salva da bancarrota pelo BNDES, depois de um investimento ruinoso em tevê por assinatura.
Em troca, a Globo tirou de circulação uma jornalista da casa que era amante de FHC, e lhe garantiu um tratamento principesco em seu noticiário. Na Globo, o Brasil de FHC foi um paraíso. Um paraíso de mentirinha, mas os espectadores da Globo, em sua imensa maioria, não faziam ideia da farsa.
A aliança mídia-governo rompeu-se, unilateralmente, com Lula. O governo continuou a cumular as empresas de favores, mas em troca recebeu tiros.
Nascia o jornalismo de guerra.
Quando a imprensa percebeu que podia fazer guerra sem sofrer nenhuma consequência, ampliou até o limite extremo a força de seus ataques.
O apogeu do jornalismo de guerra se deu na campanha de Dilma para seu segundo mandato.
Um dos marcos foi a infame capa da Veja no final da semana da eleição. Nela, Dilma e Lula tratados graficamente como se fossem bandidos apareciam sob uma chamada que afirmava que eles “sabiam de tudo” sobre o Petrolão.
A revista fez esta acusação com base num vazamento de um delator, o notório doleiro Youssef. O impacto foi considerável. Sobretudo em São Paulo a capa da Veja foi usada freneticamente como propaganda eleitoral pró-Aécio.
Nem assim Aécio ganhou.
Conhecida a delação real de Youssef, soube-se que ele jamais dissera o que a Veja disse que ele tinha dito. Foi um crime particularmente abjeto do jornalismo de guerra da revista.
A resposta de Dilma, mais uma vez, foi contemporizar. Ela anunciou que processaria a revista, no calor dos acontecimentos. Mas jamais fez isso.
Um segundo marco vital do jornalismo de guerra viria, meses depois, com Dilma já afastada, à espera da votação final do Senado.
A Folha de S. Paulo promoveu uma fraude com uma pesquisa DataFolha que pretensamente avaliaria dois meses de Temer.
A Folha simplesmente omitiu dois dados que constavam da pesquisa. Um deles apontava que 62% dos brasileiros queriam novas eleições, e não a permanência de Temer. Outro mostrava que para quase 40% dos ouvidos o processo de impeachment vinha sendo movido com má fé.
Graças à internet e às redes sociais, o caso DataFolha transformou-se num escândalo. O jornalista americano Glenn Greenwald, radicado no Brasil, denunciou abrasivamente a fraude da Folha. A repercussão foi enorme, até pelo prestígio internacional de Greenwald. Conhecidos os fatos, no Twitter surgiu a hashtag #datafalha.
A Folha tentou defender o indefensável, e isso só piorou sua situação. Uma coisa é certa: nunca mais o DataFolha será visto da mesma maneira.
O objetivo da Folha era enfraquecer Dilma, e fortalecer Temer, às vésperas da votação final do Senado.
Entre a capa do Petrolão da Veja e a fraude da Folha na pesquisa, a mídia cometeu um sem-número de ações criminosas em seu jornalismo de guerra a serviço da plutocracia.
Jornais e revistas fizeram em 2016 o papel dos tanquem em 1964.
Para infortúnio do país, a plutocracia, mais uma vez, venceu.
O artigo acima foi escrito para o livro Golpe 16, organizado por Renato Rovai.
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Paulo Nogueira
Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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