sexta-feira, 1 de março de 2019

Manifesto marca posição de espíritas progressistas, por Dora Incontri



"Isso mostra que há um contingente de espíritas insatisfeitos com as posições reacionárias de grande parte do movimento institucional e que estão ávidos por uma visão espírita mais em consonância com as demandas do século XXI."

No dia 7 de fevereiro, a Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (SP) lançou um manifesto “por um espiritismo kardecista livre”

Manifesto marca posição de espíritas progressistas

por Dora Incontri

Na última quinta-feira, dia 7 de fevereiro, a Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (SP) lançou um manifesto “por um espiritismo kardecista livre”, marcando uma posição progressista, aberta e avessa às tutelas institucionais. A carta, assinada por mais de 150 espíritas de todo o Brasil, rapidamente recebeu o apoio de centenas de outras pessoas, que estão fazendo adesão à proposta.
Isso mostra que há um contingente de espíritas insatisfeitos com as posições reacionárias de grande parte do movimento institucional e que estão ávidos por uma visão espírita mais em consonância com as demandas do século XXI. Espíritas que não aceitam, por exemplo, que num caso como a tragédia de Brumadinho se faça uma leitura simplista de “resgates reencarnatórios”, abdicando-se da crítica e da indignação contra a irresponsabilidade criminosa da empresa Vale. Trata-se de um tipo de justificativas cármicas, à moda do sistema de castas da Índia, que usam a reencarnação, como meio de cristalizar as injustiças sociais e fugir à necessidade de militância para mudar a sociedade, em suas desigualdades e em sua violência estrutural. Exceção digna de ser mencionada nesse caso é o jornalista André Trigueiro, espírita, que tem uma bela militância ecológica e que se manifestou claramente contra o crime cometido em Brumadinho.
Espíritas que não concordam, por exemplo, em não se oferecer uma denúncia enérgica de abusos sexuais de líderes religiosos, de qualquer denominação que seja, e em não se apoiar amplamente as mulheres, meninas ou meninos, que tenham passado por um trauma desses. Quando do caso de João de Deus, para mencionar o mais famoso e recente, instituições que pretendem representar oficialmente o espiritismo se limitaram a dizer enfaticamente que o citado médium não era espírita. Nenhuma análise mais profunda do tema, nenhuma palavra de solidariedade às vítimas.
A Associação Brasileira de Pedagogia Espírita, que existe desde 2004, tem representado no movimento espírita, um grupo de debate livre, que milita por uma educação de vanguarda, plural e inter-religiosa – desde 2015 mantém o projeto da Universidade Livre Pampédia – e, ao mesmo tempo, tem se empenhado em resgatar um espiritismo racional e crítico, mais ligado à tradição de Kardec.
A partir de uma discussão coletiva do texto e de passar por uma consulta ampla de lideranças, escritores e intelectuais espíritas, o manifesto vem marcar uma posição histórica, delimitando um território progressista dos espíritas brasileiros e latino-americanos. Ele também está sendo lançado em espanhol.
Veja abaixo o texto completo do manifesto. Quem quiser aderir, pode enviar e-mail com nome, cidade e estado para abpe@pedagogiaespirita.org.br.
Manifesto por um espiritismo kardecista livre
Preâmbulo
O espiritismo no século XXI é um fenômeno multifacetado e complexo. Diferentes correntes que praticam a mediunidade se autodeclaram espíritas; outras, apenas espiritualistas. Todas elas merecem nosso respeito e solidariedade.
Entretanto, esse manifesto se refere à tradição específica de Kardec e quando nos declaramos espíritas aqui, estamos tratando desse legado.
No Brasil, porém, o país com maior número de espíritas no mundo, criou-se uma forma de espiritismo institucional, hegemônico, que, para nós, não representa a maneira como entendemos o espiritismo fundado por Kardec.
Lançamos assim um manifesto de um movimento espírita kardecista livre, para demarcar o que nos une (e convidamos aqui o próprio movimento institucional) e o que desejamos como vivência e prática de uma filosofia livre, emancipadora e progressista como é a filosofia proposta por Kardec.
Esse manifesto tem a intenção de unir, sem homogeneizar; declarar princípios, sem dogmatismo; propor diálogo sem dissensão.
É uma iniciativa da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita, mas apoiado por todos os signatários (pessoas físicas ou instituições) que manifestam a mesma visão que nós.
Manifesto
1)    Aceitamos como princípios espíritas a existência de Deus, a existência dos Espíritos e comunicação com estes e a reencarnação, numa perspectiva de evolução individual e coletiva.
2)    Consideramos Allan Kardec a referência fundamental do espiritismo, entendendo que há diversas leituras sobre suas obras e que essas diferenças devem ser respeitadas e debatidas fraternalmente.
3) Vemos o espiritismo como uma filosofia progressista, que não perde a sua identidade e especificidade de espiritualidade racional, quando em diálogo com outras filosofias e com a cultura de cada época histórica.
4)    Compreendemos que o espiritismo está em permanente construção, em diálogo com a pesquisa científica, a reflexão filosófica e a comunicação dos Espíritos, desde que se mantenham de Kardec o espírito crítico, a observação empírica e o princípio ético do desinteresse.
5) Entendemos que a ética espírita – que é a do amor universal, inspirada na ética de Jesus – deve orientar nossas ações individuais e coletivas, em prol da transformação social; portanto, devemos marcar posição contra a violência de qualquer espécie, trabalhando pela dignidade humana, pela justiça e combatendo o abuso e a sujeição de pessoas, de qualquer idade ou condição.
6) Consideramos que as manifestações de médiuns, lideranças e dirigentes espíritas são livres e podem e devem ser analisadas e discutidas de forma respeitosa e racional. O exercício da mediunidade e os postos de liderança não conferem autoridade incontestável em nenhum assunto.
7) Rejeitamos a ideia de que o espiritismo seja uma religião institucional. Entendemos que ele propõe uma espiritualidade livre e aberta, com a possibilidade de diálogo com outras tradições espirituais.
8) Rejeitamos qualquer tutela institucional sobre o pensamento espírita: a prática, o estudo, as produções e a representação do espiritismo são livres e não são monopólio de nenhuma instituição nacional ou internacional.
9) Consideramos que o diálogo entre todos os espíritas deve ser aberto, empático e construtivo, sem a perda da criticidade e da liberdade de consciência e expressão.
10) Entendemos o espiritismo como uma proposta pedagógica, que trabalha por uma educação emancipatória de todas e todos para a convivência pacífica, para a justiça e equidade e para a prática de uma espiritualidade amorosa e crítica.
O manifesto, as assinaturas e os desdobramentos podem ser lidos no site www.pedagogiaespirita.org.br e no blogabpe.org

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