"Isso mostra que há um contingente de espíritas insatisfeitos com as posições reacionárias de grande parte do movimento institucional e que estão ávidos por uma visão espírita mais em consonância com as demandas do século XXI."
No dia 7 de fevereiro, a Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (SP) lançou um manifesto “por um espiritismo kardecista livre”
Manifesto marca posição de espíritas progressistas
por Dora Incontri
Na última quinta-feira, dia 7 de fevereiro, a Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (SP) lançou um manifesto “por um espiritismo kardecista livre”, marcando uma posição progressista, aberta e avessa às tutelas institucionais. A carta, assinada por mais de 150 espíritas de todo o Brasil, rapidamente recebeu o apoio de centenas de outras pessoas, que estão fazendo adesão à proposta.
Isso mostra que há um contingente de espíritas insatisfeitos com as posições reacionárias de grande parte do movimento institucional e que estão ávidos por uma visão espírita mais em consonância com as demandas do século XXI. Espíritas que não aceitam, por exemplo, que num caso como a tragédia de Brumadinho se faça uma leitura simplista de “resgates reencarnatórios”, abdicando-se da crítica e da indignação contra a irresponsabilidade criminosa da empresa Vale. Trata-se de um tipo de justificativas cármicas, à moda do sistema de castas da Índia, que usam a reencarnação, como meio de cristalizar as injustiças sociais e fugir à necessidade de militância para mudar a sociedade, em suas desigualdades e em sua violência estrutural. Exceção digna de ser mencionada nesse caso é o jornalista André Trigueiro, espírita, que tem uma bela militância ecológica e que se manifestou claramente contra o crime cometido em Brumadinho.
Espíritas que não concordam, por exemplo, em não se oferecer uma denúncia enérgica de abusos sexuais de líderes religiosos, de qualquer denominação que seja, e em não se apoiar amplamente as mulheres, meninas ou meninos, que tenham passado por um trauma desses. Quando do caso de João de Deus, para mencionar o mais famoso e recente, instituições que pretendem representar oficialmente o espiritismo se limitaram a dizer enfaticamente que o citado médium não era espírita. Nenhuma análise mais profunda do tema, nenhuma palavra de solidariedade às vítimas.
A Associação Brasileira de Pedagogia Espírita, que existe desde 2004, tem representado no movimento espírita, um grupo de debate livre, que milita por uma educação de vanguarda, plural e inter-religiosa – desde 2015 mantém o projeto da Universidade Livre Pampédia – e, ao mesmo tempo, tem se empenhado em resgatar um espiritismo racional e crítico, mais ligado à tradição de Kardec.
A partir de uma discussão coletiva do texto e de passar por uma consulta ampla de lideranças, escritores e intelectuais espíritas, o manifesto vem marcar uma posição histórica, delimitando um território progressista dos espíritas brasileiros e latino-americanos. Ele também está sendo lançado em espanhol.
Veja abaixo o texto completo do manifesto. Quem quiser aderir, pode enviar e-mail com nome, cidade e estado para abpe@pedagogiaespirita.org.br.
Manifesto por um espiritismo kardecista livre
Preâmbulo
O espiritismo no século XXI é um fenômeno multifacetado e complexo. Diferentes correntes que praticam a mediunidade se autodeclaram espíritas; outras, apenas espiritualistas. Todas elas merecem nosso respeito e solidariedade.
Entretanto, esse manifesto se refere à tradição específica de Kardec e quando nos declaramos espíritas aqui, estamos tratando desse legado.
No Brasil, porém, o país com maior número de espíritas no mundo, criou-se uma forma de espiritismo institucional, hegemônico, que, para nós, não representa a maneira como entendemos o espiritismo fundado por Kardec.
Lançamos assim um manifesto de um movimento espírita kardecista livre, para demarcar o que nos une (e convidamos aqui o próprio movimento institucional) e o que desejamos como vivência e prática de uma filosofia livre, emancipadora e progressista como é a filosofia proposta por Kardec.
Esse manifesto tem a intenção de unir, sem homogeneizar; declarar princípios, sem dogmatismo; propor diálogo sem dissensão.
É uma iniciativa da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita, mas apoiado por todos os signatários (pessoas físicas ou instituições) que manifestam a mesma visão que nós.
Manifesto
1) Aceitamos como princípios espíritas a existência de Deus, a existência dos Espíritos e comunicação com estes e a reencarnação, numa perspectiva de evolução individual e coletiva.
2) Consideramos Allan Kardec a referência fundamental do espiritismo, entendendo que há diversas leituras sobre suas obras e que essas diferenças devem ser respeitadas e debatidas fraternalmente.
3) Vemos o espiritismo como uma filosofia progressista, que não perde a sua identidade e especificidade de espiritualidade racional, quando em diálogo com outras filosofias e com a cultura de cada época histórica.
4) Compreendemos que o espiritismo está em permanente construção, em diálogo com a pesquisa científica, a reflexão filosófica e a comunicação dos Espíritos, desde que se mantenham de Kardec o espírito crítico, a observação empírica e o princípio ético do desinteresse.
5) Entendemos que a ética espírita – que é a do amor universal, inspirada na ética de Jesus – deve orientar nossas ações individuais e coletivas, em prol da transformação social; portanto, devemos marcar posição contra a violência de qualquer espécie, trabalhando pela dignidade humana, pela justiça e combatendo o abuso e a sujeição de pessoas, de qualquer idade ou condição.
6) Consideramos que as manifestações de médiuns, lideranças e dirigentes espíritas são livres e podem e devem ser analisadas e discutidas de forma respeitosa e racional. O exercício da mediunidade e os postos de liderança não conferem autoridade incontestável em nenhum assunto.
7) Rejeitamos a ideia de que o espiritismo seja uma religião institucional. Entendemos que ele propõe uma espiritualidade livre e aberta, com a possibilidade de diálogo com outras tradições espirituais.
8) Rejeitamos qualquer tutela institucional sobre o pensamento espírita: a prática, o estudo, as produções e a representação do espiritismo são livres e não são monopólio de nenhuma instituição nacional ou internacional.
9) Consideramos que o diálogo entre todos os espíritas deve ser aberto, empático e construtivo, sem a perda da criticidade e da liberdade de consciência e expressão.
10) Entendemos o espiritismo como uma proposta pedagógica, que trabalha por uma educação emancipatória de todas e todos para a convivência pacífica, para a justiça e equidade e para a prática de uma espiritualidade amorosa e crítica.
O manifesto, as assinaturas e os desdobramentos podem ser lidos no site www.pedagogiaespirita.org.br e no blogabpe.org
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