Do Justificando:
Está será a primeira parte de um conjunto de artigos sobre a história e a função política do poder punitivo no Brasil. Passamos atualmente por uma crise política que está se tornando um caos social. Iniciamos 2017 observando na televisão, atônitos, a matança nos presídios. Manaus, Roraima e Natal. O caos era nacional. Prisões tão superlotadas que, simplesmente, era impossível manter os presos dentro das celas. Eles ocupavam todos os espaços e organizavam a convivência dentro desses locais. Como chegamos a essa situação limite? Esse assunto que precisa ser melhor compreendido, sobretudo num momento em que o candidato preferido dos eleitores para ocupar a cadeira presidencial propõe a intensificação das políticas que nos levaram ao atual caos do sistema penal.
A prisão nasceu no século XVIII, como forma de manter o equilíbrio social. O delinquente era visto como um perigo aos demais e, portanto, alguém que precisaria ser isolado. O problema é que essa lógica se inverteu. O encarceramento em massa, somado ao tratamento desumano, permitiu que o crime se organizasse dentro desses locais, como forma de suprir as necessidades básicas dos detentos. As maiores facções criminosas do Brasil nasceram dentro das penitenciárias e comandam de lá um “exército” de criminosos. As prisões já há algum tempo têm ajudado mais na proliferação da delinquência do que na sua eliminação.
Entender como chegamos nessa situação não é tarefa fácil, mas fundamental para buscarmos saídas. Muitas das soluções apontadas, como trabalho forçado, pena de morte ou redução da maioridade penal, podem levar a um aprofundamento dos problemas. Nossa vida não melhorará com demagogias.
A questão é mais séria e complexa do que querem crer alguns. Colocar, por exemplo, um menor de idade em cadeias comuns, fará os custos desse modelo falido disparar e ajudará apenas as quadrilhas a recrutarem novos membros. Apesar de já ter se tornado um clichê, nunca é demais lembrar que um preso custa três vezes mais que um aluno de educação básica. Colocar jovens em jaulas em detrimento das salas de aula é, portanto, fazer uma escolha pela barbárie, dentro e fora dos presídios. “Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios.” (Darcy Ribeiro).
Outra solução mágica que entrou na moda nos últimos tempos é a privatização. Há um problema? Privatiza que melhora. Esse é o mantra daqueles que têm preguiça de pensar. Esquecem, contudo, que uma privatização pode elevar o custo por preso em duas vezes o valor atual, sem necessariamente ganhar em eficiência. Mas há ainda algo mais perverso nessa lógica. Vamos transformar o sofrimento humano em lucro? Queremos resolver o problema dos presídios superlotados remunerando empresários para encarcerarem? Mas prender é tarefa do poder público. Sim. Mas o que temos visto não é a iniciativa privada subornando o poder público para atuar em favor dos interesses privados? Isso aconteceu nos Estados Unidos, país que inclusive está revendo esse modelo de privatização, o que nos levaria a crer que não poderia se repetir no Brasil?
Este assunto é muito complexo. Já erramos demais nessa área, estamos no limite, não há mais espaço para amadorismo. Antes de pensar em qualquer solução, precisamos conhecer o problema. Entender o que é “poder punitivo” e como ele se estruturou no Brasil ao longo do tempo. Serão esses os temas abordados nessa série da Revista Justificando.
Eduardo Migowski é professor formado em história, mestre em filosofia pela PUC/Rio, e atualmente faz doutorado em ciências políticas na UFF.
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