sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Sobre a magia e a quase-profundidade do filme "Doutor Estranho", por Carlos Antonio Fragoso Guimarães




Texto de Carlos Antonio Fragoso Guimarães

 Sim, é verdade: dos filmes de "heróis" dos quadrinhos que vem populando as telas de cinema e vídeo nos últimos tempos, Doutor Estranho é, sem dúvida, o que se destaca por estar acima do padrão de meras pancadas, simulação de videogames e/ou de um discurso pseudo-civilizacional que encobre um convite ao conformismo e à submissão às "autoridades" e governos, alegorias do Império atual a dominar o planeta (não que este convite ao conformismo do "mundo como ele é" e sua "ordem" não esteja presente em "Doutor Estranho", pois está, e bem claramente), mas além disto, bem ou mal - talvez mal em certa forma - apresentam-se alguns elementos de reflexão ou, ao menos, de contato com formas diferentes de pensar que geralmente são desconhecidas do grande público.

 A obra é um misto de entretenimento projetado para um mercado específico, o público jovem, mas, de algum modo, consegue, ao menos em parte, atingir um público mais amplo e menos afeito às produções convencionais do gênero "cinema de ação", tipo heróis da Marvel e DC Comics adaptados ao cinema.

  O próprio personagem, o "Dr Estranho" (interpretado pela revelação Benedict Cumbembacht, o Alan Turing de O Jogo da Imitação), é um híbrido entre o tradicional e o quase-anti-convencional: um médico bem sucedido, rico e arrogante, mas inteligente, sofre um acidente que o impede de fazer cirurgias e o leva, por desespero ante seu status de estrela médica estar ameaçada e ao fracasso das terapias e pesquisas científicas convencionais e já praticamente reduzido à miséria, ao contato com a filosofia espiritualista do oriente, mas também do ocidente (sua mentora nesta jornada, a Anciã interpretada pela competente Tilda Swinton de As Crônicas de Nárnia, é uma mistura de maga celta e monge budista), com referências à parapsicologia (experiências fora do corpo e EQMs - Experiência de Quase Morte são apresentadas no filme), à Cosmologia (Criação, mundos, limites do tempo e do espaço) e da Física moderna (o tempo, a relatividade). Este é o ponto forte e não convencional do filme.

  As cenas de desdobramento do espírito fora do corpo e o impacto na visão mecanicista e materialista do Doutor Strange são as mais interessantes partes do filme, ao menos para mim. Mas é a partir dai que o que poderia ser um filme ainda mais revolucionário pela profundidade cai, apesar de seu enredo envolvente, novamente nos padrões e clichês convencionais de Hollywood: enquanto que filosofias e doutrinas como o budismo e o espiritismo propõe uma evolução do espírito que venha a modificar a humanidade, seu tempo e espaço (escapando da "Roda da Sansara", para o Budismo; evoluindo de um mundo de "Expiação e provas" para um de "Regeneração", para o Espiritismo), o herói do filme vai lutar para manter a "Ordem" e o "tempo atual" na Terra.... Paradoxalmente, quem se propõe a romper com os grilhões do tempo-espaço (ou do status quo) são exatamente os "vilões" do enredo,  chamados de "FANÁTICOS" (referência direita ao atuais "inimigos" da civilização, na ótica americana: os fundamentalistas "de lá"), liderados pelo personagem Kaecilius (o excelente ator sueco-dinamarquês Mads Mikkelsen, de O Amante da Rainha) envolvidos com a - para os criadores do roteiro que parecem ter confundido budismo com escapismo - "Dimensão Negra": em outras palavras, temos aqui a velha máxima do Império de que se deve manter a "Ordem" contra qualquer tipo de questionamento da mesma. Como não poderia deixar de ser, na sociedade americana o espiritual, o sagrado e o profundo se transformam em elementos estilizados de comportamento e consumo.

 Doutor Estranho é um bom filme para entretenimento e, em alguns pontos, chega a ser mais do que isso. A versão em 3D é realmente de encher os olhos, mas ele ficará ainda melhor se devidamente visto a partir de um olhar crítico aos clichês e discurso ideológico implícito em suas cenas e em seu enredo. É um contrapeso a um filme mais inteligente e mais crítico como o excelente e impactante filme Snowden, de Oliver Stone que, claro, entre os jovens e boa parte dos adultos da era do coxismo retumbante não terá a mesma reprercussão

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