Projeto de lei dos ruralistas e do agronegócio propõe que povos originários comprovem ocupação e atividades em territórios antes de 1988.
Segue artigo de Camila Bezerra, publicada no Jornal GGN:
Após a derrota na Câmara dos Deputados, que aprovou urgência na análise do Projeto de Lei 490/07 sobre o marco temporal na demarcação de territórios, os povos indígenas depositam agora a esperança de que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheça a inconstitucionalidade do PL.
A urgência foi aprovada na última quarta-feira (24) por 324 votos e o mérito do PL deve entrar na pauta da Câmara já na próxima semana, de acordo com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
No dia 7 de junho, porém, o STF deve retomar a análise, parada desde 2021, sobre a reintegração de posse da Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, em Santa Catarina, com base no Marco Temporal. A decisão da Corte vai validar o entendimento do PL em todas as instâncias.
Histórico
Os povos indígenas já têm uma vitória Supremo. Em 2009, o STF acatou a argumentação de que os povos originários ocupavam a demarcação da Raposa Serra do Sol, em Roraima, na data da Constituição.
O artigo 231 da Constituição reconhece ainda “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Ainda em maio, Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), havia feito um alerta sobre a ilegalidade do projeto que tramita na Câmara, durante a Comissão de Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais; Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, em Brasília.
“A demarcação de terras é um direito dos povos indígenas e um dever constitucional do Estado brasileiro, realizado pela União, mais especificamente pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas. O PL 490/07 e seus projetos apensados são um risco. Em nenhum momento, por exemplo, se teve o cuidado de consultar os povos indígenas sobre as propostas, o que é exigido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Esse projeto sequer poderia estar tramitando nesta Casa.”
Joenia Wapichana, presidente da Funai
Entenda o PL
De acordo com o substitutivo do deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), só podem ser demarcadas territórios tradicionalmente ocupados por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Se aprovado, o PL determina que os povos comprovem que o território, mais de 30 anos atrás, era habitado em caráter permanente e tinha atividades de preservação dos recursos ambientais. O projeto ameaça ainda as demarcações feitas após 1988 e as que estão por vir.
“É certo que o STF vai definir sobre a interpretação do artigo 231 e se existe marco temporal na Constituição; O que querem, ao nosso ver, é pressionar o STF para fixar um entendimento favorável ao PL 490. São poderes independentes, o Congresso pode até aprovar a lei que regula a tese, mas quem vai dar a última palavra vai ser a Suprema Corte”, afirmou o advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rafael Modesto, à Carta Capital.
Mobilização e repercussão internacional
No entanto, os protestos contra o Marco temporal já começaram. Nesta quinta-feira (25), diretores e atores do filme A Flor de Buriti estenderam no Festival de Cannes uma faixa em que dizem que o futuro das terras indígenas no Brasil esté sob ameaça.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) já tinha anunciado a mobilização dos indígenas entre os dias 5 e 8 de junho, em Brasília, para acompanhar a retomada do julgamento do marco temporal no STF.
“Não há justiça climática e futuro do planeta sem demarcação dos territórios ancestrais. Isso porque somos nós, povos indígenas, os verdadeiros guardiões das florestas. O Marco Temporal ignora a nossa existência antes de 1988 e coloca em risco a vida da população originária e de toda a humanidade”, disse Juliana Kerexu, coordenadora executiva da Apib em nota.
O Marco Temporal é uma disputa entre ruralistas e povos indígenas há décadas. Enquanto os povos tradicionais defendem que a garantia de terras indígenas é um fundamento constitucional, os ruralistas argumentam que a o prazo para delimitação de territórios se encerrou em 1993 e querem contar com a segurança jurídica para não ter suas terras transformadas em reservas.
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