quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Professores universitários lançam, na Faculdade de Direito da USP, Manifesto pela Democracia


Em ato público na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, intelectuais debatem riscos do impeachment e defendem a legalidade constitucional no país



Tatiana Carlotti
Créditos da Foto: Márcia Minillo/ORBA
Fonte: Carta Maior


Com o auditório lotado da Faculdade de Direito da USP, renomados intelectuais lançaram, na manhã desta quarta-feira (16/12), o Manifesto pela Democracia. O documento, que já conta com sete mil assinaturas, repudia o impeachment da presidente Dilma Rousseff e defende a democracia e a legalidade constitucional no país.

O ato público no Largo São Francisco contou com a presença de renomados intelectuais como os professores Dalmo de Abreu Dallari, Fábio Konder Comparato, Alfredo Bosi, Roberto Schwarz, Ermínia Maricato, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Leda Paulani, Luiz Gonzaga Belluzzo, Miguel Nicolelis, Marilena Chauí, Paulo Arantes, Maria Vitória Benevides, Marcos Nobre e André Singer, que coordenou a mesa do evento.


“Se há um sentimento comum que nos move e nos une neste encontro histórico é o sentimento de indignação”, afirmou o professor Alfredo Bosi (Letras-USP) iniciando o ato público. Bosi alertou para as “máscaras jurídicas” do golpe e para a “farsa sinistra” que visa “ferir o que resta de democracia no sistema político brasileiro”. Uma máscara detalhada pelo professor e jurista Dalmo de Abreu Dallari (Direito-USP) que estudou minuciosamente os aspectos jurídicos do impeachment.

Destacando a ausência de consciência jurídica de alguns “juristas incompletos” e de “notável ignorância”, Dallari foi categórico: “Eu tenho absoluta tranquilidade em afirmar que nenhum dos fundamentos, nenhuma das propostas apresentadas, têm qualquer embasamento jurídico”, afirmou, destacando que o afastamento de um presidente só é possível por crime de responsabilidade caracterizado por atos – omissão não se aplica - e no mandato em vigor.

Luta pelo Estado de Direito

Já o professor Roberto Schwarz (Letras – Unicamp) lembrou que o impeachment foi criado para proteger a democracia e não para enfraquecê-la. Ao defender a ordem democrática, ele citou as estratégias dos defensores do impeachment desde a eleição presidencial. “Usaram como estratégia política uma oposição indiscriminada com o propósito de tornar o governo ingovernável, do ponto de vista da política democrática. Trata-se de derrubar o resultado das eleições”.

Também presente no ato, o cientista Miguel Nicolelis (Neurobiologia/Duke University) mencionou o impacto de programas como o Ciência sem Fronteiras e considerou um crime contra a nação “que aquilo que as urnas concederam possa ser removido sem a voz das urnas”. Em sua visão, “o fato inequívoco é que o que está em jogo não é uma presidência, não é uma pessoa, mas o Estado de Direito, a democracia, o império da Lei”.

Em sua fala, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo (Economia – Unicamp) reforçou a importância da luta pela democracia, lembrando dos tempos de ditadura militar quando, naquele mesmo auditório, ele entrou em confronto com o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) para garantir a eleição de João Miguel, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto no período.

A luta contra o regime militar também foi lembrada pela economista Leda Paulani (Economia – USP) ao destacar que “nenhuma nação sai impune de 25 anos de ditadura”. Segundo ela, o que está em jogo é a construção democrática do Brasil. Paulani defendeu, também, a necessidade de garantirmos a continuidade das instituições democráticas no país para a construção de uma verdadeira República.

A enganação do golpismo

“Lutamos para acabar com a história de golpes na democracia brasileira e para avançar o processo civilizatório de generosidade, de paz, de uma sociedade menos machista, menos homofóbica, menos racista”, avaliou a professora Ermínia Maricato (FAU-USP).

Já o professor de Marcos Nobre (Filosofia - Unicamp) lembrou que o movimento pró impeachment tenta “canalizar uma energia e um sofrimento social real”. “Não estou me referindo ao pessoal que é salgadinho gourmet – ironizou – mas de quem sofre e que está sendo enganado ao acreditar que havendo um movimento a favor do impeachment esse sofrimento vai desaparecer”.

Maria Vitória Benevides (Educação - USP), por sua vez, destacou a importância do aprofundamento das conquistas sociais no país que se destinam, principalmente, à maioria do povo brasileiro. “Um conjunto de direitos econômicos, sociais, culturais, ambientais que certamente nessa luta contra a democracia, contra o estado de direito, estão ameaçados”, apontou.

Considerando que o golpe vem sendo sustentado pelos liberais, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira explicou que a “democracia defende os direitos civis, o sufrágio universal, o respeito à Constituição” e que “o liberalismo aceita com muita má vontade a democracia”. Em sua visão, a democracia está sendo ameaçada, mas ela está consolidada no Brasil. “Temos uma sociedade plural, apenas uma minoria defende o autoritarismo”, avaliou.

Impeachment é apenas um episódio

Segundo o professor Paulo Arantes (Filosofia – USP), “saindo ou não, o impeachment é apenas um episódio. A onda avassaladora que está se despejando no Brasil é mais profunda”. Arantes chamou a atenção para a Lei Antiterrorismo (PL 2016/2015) que se encontra no Congresso e que poderá “financiar o terror” e enquadrar as manifestações sociais. “Esse ato aqui pode ser considerado terrorista”, exemplificou, caso a lei seja aprovada. “Espero que possamos estar juntos novamente, apanhando juntos e resistindo juntos”, completou.

Os riscos à democracia também foram enfatizados pela professora Marilena Chauí (Filosofia – USP): “O impeachment é apenas a cereja do bolo de um processo muito mais longo e complicado que vem ocorrendo. É isso que está sendo preparado: uma gigante vitória do capital na luta de classes. Esse ato tem que ser um primeiro passo de uma luta histórica que começa com a luta contra o golpe, a luta pela democracia a luta pela justiça social”.

No fechamento das apresentações, o professor Fábio Comparato (Direito – USP) mencionou que a crise que estamos vivendo - não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro - diz respeito à passagem histórica do capitalismo industrial para o capitalismo financeiro. “O banco não produz riqueza alguma. Todas as instituições financeiras só se preocupam com a especulação”, destacou.

Considerando que desde sempre existem duas constituições no país, uma que é oficial e não aplicada, “como estamos vendo neste processo”; e outra efetiva, “ditada pela oligarquia”, Comparato defendeu a necessidade de se educar os jovens a lutar contra a oligarquia do capitalismo. “A Constituição da oligarquia é contra o Estado de Direito porque ele significa que todo poder tem um limite e está submetido a um controle. Isso é contra a lógica do capitalismo”, apontou. “Nós precisamos construir uma nova sociedade e educar as gerações. Nós somos educadores”, concluiu.

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