domingo, 19 de janeiro de 2014

Neoliberalismo: tempos de corrupção e ataque à vida, à natureza, às culturas bem como de estimulação ao racismo e ao fascismo...





Carlos Antonio Fragoso Guimarães
  O documentário canadense “A Corporação”, de Mark Achbar, produzido em 2003 (e que pode ser visto acima), faz um estudo da história e princípios competitivos que dirigem e orientam  as grandes corporações, empresas multinacionais. O filme desenvolve a história do surgimento dessas empresas, a partir da revolução industrial, destacando a mudança de paradigma na economia e o impacto nas relações sociais, nas formas das relações interpessoais e do homem consigo mesmo e com seu entorno físico, ambiental e humano. O documentário apresenta imagens, gráficos e entrevistas com renomadas personalidades de diversas áreas, desde o filósofo e linguista Noam Chomsky ao cineasta e crítico social Michael Moore, formando uma obra bem estruturada na análise crítica das corporações.
  Tratada como pessoa jurídica, uma ficção que dá à empresas direitos especiais próprios das pessoas reais, como se a empresa fosse um ser vivo ou um Leviatã que, enfim, destrói outros seres vivos, uma corporação só existe por ser formada pela associação de pessoas que visam, acima de tudo, o lucro para o negócio em que trabalham e, consequentemente, para seus proprietários. Adotam elas uma postura de racionalidade em que o atingimento das metas lucrativas devem ser obtidas acima de regras morais, utilizando-se de todos os meios possíveis, incluindo os menos éticos.  De fato, ao serem pressionadas a "vestirem a camisa da empresa", em especial das mais competitivas, os empregados e, mais ainda, os funcionários mais graduados adotam, no contexto da corporação, atitudes que nem sempre expressam em meio à sociedade civil, ou entre seus outros núcleos sociais, como família, igreja, associações recreativas. 
  Aos poucos, na prática, o comportamento das corporações, em grande parte devido ao poder econômico das mesmas, acaba por influenciar o comportamento dos atores políticos e o sistema público de governo, beneficiando o modelo competitivo-exploratório e dirimindo o bem-estar social e ambiental.
  É ao destacar essa influência que o documentário apresenta uma interessante comparação entre o normal e o patológico. Traçando-se um diagnóstico de personalidade  entre as "pessoas" jurídicas e as pessoas reais, acaba-se por perceber que aquilo que um indivíduo faz de negativo, e que é reprovado e reprimido pela sociedade, constitui regra e um traço distintivo para a corporação, especialmente as maiores: a psicopatia. Os principais sintomas desta são: falta de responsabilidade social; incapacidade de avaliar impactos negativos em pessoas e seres vivos; impossibilidade de assumir culpa; despreocupação com consequencias futuras; egoísmo, etc. 
  Em princípio, e de acordo com a lei e doutrina das "pessoas jurídicas", as empresas teriam os mesmos direitos e responsabilidade dos indivíduos reais, inclusive o de processar e serem processadas. Na prática, contudo, elas mais se enchem de direitos e da capacidade de processar do que possuir reais deveres de responsabilidade social e de serem processadas Existe, então, uma larga diferença entre os indivíduos reais e as corporações: a ficção se torna mais real que o real por esta possuir grande poder econômico e, portanto, político.
 Alguns dos males que o grande empresariado capitalista produz no nosso mundo e que são destacados pelo documentário de Mark Achbar:
- Banalização e desqualificação dos empregados: corte de vagas, fim dos sindicatos, pressão para a retirada de direitos trabalhistas.
- Mal à saúde humana: trabalho repetitivo e mecanicista, produção de produtos perigosos e químico sintéticos, lixo tóxico, poluição, assédio moral, ameaças.
- Mal aos animais: destruição dos habitats, fazendas industrializadas, vivissecções, experiências com animais.
- Mal à biosfera: devastação florestal, emissões de CO2, lixo nuclear.
 O documentário apresenta também questões mais fluidas que, embora menos concretas, exercem grande influência no modo de pensar e agir das pessoas,  como é o caso da propaganda direta e indireta e o poder da mídia mercantil, que incita um estilo de vida: o consumismo, característica trivial da sociedade atual. O papel tendencioso de grandes conglomerados midiáticos, eles mesmo corporações como, no Brasil, é exemplificado pela a Rede Globo e a Revista Veja da Editora Abril, são bem discutidos 

  São discutidas também o maléfico impacto da exploração de recursos físicos e humanos e as questões ambientais pela ânsia competitiva e lucrativa das empresas, concluindo que os sistemas de vida no planeta estão em declínio e que este processo é impedido de ser discutido devido a um único processo de influenciação empresa-estado, como nas ligações históricas entre tiranias e corporações, como a Alemanha nazista com a IBM ( que tanto a IBM quanto o governo dos EUA tentam maquiar ). A partir disso, discute-se a relação entre a política e governos e as corporações, como isto promove a corrupção e de como o governo perdeu o controle das corporações, já que agora elas são mundiais, e como ainda assim ele faz acordos com essas empresas, ou como as campanhas políticas são maciçamente financiadas por corporações para que o quadro político e legal atenda aos seus interesses  – e sobre a chamada responsabilidade social das empresas, caracterizada no documentário como o discurso do momento.
  Ao final, o filme aborda questão da democracia e participação da sociedade civil nas mudanças do modelo atual de desenvolvimento, cobrando transparência, prestação de contas e uma transformação efetiva. Exemplos disto são mostrados na América Latina e em outros lugares do mundo.
  Sobre esse mesmo assunto, segue um texto recente de Leonardo Boff

O Tempo da Grande Transformação e da Corrupção Geral


Normalmente as sociedade se assentam sobre o seguinte tripé: na economia que garante a base material da vida  humana para que seja boa e decente; na política pela qual se distribui o poder e se montam as instituições que fazem funcionar a convivência social; a ética que estabelece os valores e normas que regem os comportamentos humanos para que haja justiça e paz e que se resolvam os conflitos sem recurso à violência. Geralmente a ética vem acompanhada por uma aura espiritual que responde pelo sentido último da vida e do universo, exigências sempre presentes na agenda humana.
Estas instâncias se entrelaçam numa sociedade funcional, mas sempre nesta ordem: a economia obedece a política e a política se submete àética.
Mas a partir da revolução industrial no século XIX, precisamente, a partir de 1834, a economia começou na Inglaterra a se descolar da política e a soterrar a ética. Surgiu uma economia de mercado de forma que todo o sistema econômico fosse dirigido e controlado  apenas pelo mercado livre de qualquer controle  ou de um limite ético.
A marca registrada deste mercado não é a cooperação mas a competição, que vai além da economia e impregna todas a relaçõe humanas. Mais ainda criou-se, no dizer de Karl Polanyi, ”um  novo credo totalmente materialista que acreditava que todos os problemas poderiam ser resolvidos por uma quantidade ilimitda de bens materiais”(A Grande Transformação, Campus 2000, p. 58). Esse credo é ainda hoje assumido com fervor religioso pela maioria doseconomistas do sistema imperante e, em geral, pelas políticas públicas.
A  partir de agora, a  economia funcionará como o único eixo articulador de todas as instâncias sociais. Tudo passará pela economia, concretamente, pelo PIB. Quem estudou em detalhe esse processo foi o filósofo e historiador da economia já referido, Karl Polanyi (1866-1964),  de ascendência húngara e judia e mais tarde convertido ao cristianismo de vertente calvinista. Nascido em Viena, atuou na Inglaterra e depois, sob a pressão macarthista, entre o Toronto no   Canadá e a Universidade de Columbia nos USA. Ele demonstrou que “em vez de a economia estar embutida nas relações sociais, são as relações sociais que estão embutidas no sistema econômico”(p. 77). Então ocorreu o que ele chamou A Grande Transformação: de uma economia de mercado se passou a uma sociedade de mercado.
Em consequência nasceu um novo sistema social, nunca anteshavido, onde a sociedade não existe, apenas os indivíduos competindo entre si, coisa que Reagan e Thatscher irão repetir à saciedade. Tudo mudou pois tudo, tudo mesmo, vira mercadoria. Qualquer bem será levado ao mercado para ser negociado em vista do lucro individual: produtos naturais, manufaturados, coisas sagradas ligadas diretamente à vida como água potável, sementes, solos, órgãos humanos. Polanyi não deixa de anotar que tudo isso é “contrário à substância humana e natural das socidades”. Mas foi o que triunfou especialmente no após-guerra. O mercado é “um elemento útil, mas subordinado à uma comunidade democrática” diz Polanyi. O pensador está na base  da “democracia econômica”.
Aqui  cabe recordar as palavras proféticas de Karl Marx em 1847 Na miséria da filosofia: ”Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os homens haviam considerado inalienável se tornou objeto de troca, de tráfico e podia vender-se. O tempo em que as próprias coisas que até então eram co-participadas mas jamais trocadas; dadas, mas jamais vendidas; adquiridas mas jamais compradas – virtude, amor, opinião, ciência, consciência etc –em que tudo passou para o comércio. O tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de economia política, o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, uma vez tornada valor venal é levada ao mercado para receber um preço, no  seu mais justo valor”..
Os efeitos socioambientais desastrosos dessa mercantilização de tudo, os estamos sentindo hoje pelo caos ecológico da Terra. Temos que repensar o lugar da economia no conjunto da vida humana, especialmente face aos limites da Terra. O individualismo mais feroz, a acumulação obsessiva e ilimitada  enfraquece aqueles valores sem os quais nenhuma sociedade pode se considerar humana: a cooperação, o cuidado de uns para com os outros, o amor e a veneração pela Mãe Terra e a escuta da consciência que nos incita  para bem de todos.
Quando uma sociedade se entorpeceu como a nossa e por seu crasso materialismo se fez incapaz de sentir o outro como outro, somente enquanto eventual produtor e consumidor, ela está cavando seu próprio abismo. O que disse Chomski há dias na Grécia (22/12/2013) vale como um alerta:”aqueles que lideram a corrida para o precipício são as sociedades mais ricas e poderosas, com vantagens incomparáveis como os USA e o Canadá. Esta é a louca racionalidade da ‘democracia capitalista’ realmente existente.”
Agora cabe a retorção ao There is no Alternative (TINA): Não há alternativa: ou mudamos ou pereceremos porque os nossos bens materiais não nos salvarão. É o preço letal por termos entregue nosso destino à ditadura da economia transformada num “deus salvador” de todos os problemas.
Com o economista e educadorMarcos Arruda escrevemos Globalização:desafios socioeconômicos, éticos e educacionais,Vozes 2001.

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