sábado, 4 de março de 2017

Achille Mbembe: democracia é irrelevante para neoliberalismo. Artigo de Josias Pires


   Se tomarmos como acertada a análise de Mbembe, poderemos concluir que o acirramento de conflitos em torno de questões de identidade e reconhecimento estarão ocorrendo num quadro de choques entre “la democracia liberal y el capitalismo neoliberal, entre el gobierno de las finanzas y el gobierno del pueblo, entre el humanismo y el nihilismo”. Enfim, Mbembe compreende que nosso momento histórico deve ser caracterizado como aquele em que há uma “creciente bifurcación entre la democracia y el capital” e que tal conflito seria “la nueva amenaza para la civilización”.



GGN. - Como articular, produzir e difundir conhecimentos e saberes relevantes para a transformação sócio-cultural-política da América Latina, Europa, África e demais regiões do mundo? Um outro mundo ainda é possível? As respostas para estas perguntas requerem ampla, profunda, enorme pesquisa com a participação de grande número de pesquisadores e instituições de vários países. O que trago aqui nada mais é do que especulação em duas páginas quanto a uma possibilidade de resposta que me ocorre neste momento.
Para começar trago a lúcida e recente provocação de Achille Mbembe, no artigo "La era del humanismo está terminando", publicado, em inglês, dia 22/12/2016, no site Mail & Guardian, na África do Sul[1]. Natural de Camarões, historiador, pensador pós-colonial e cientista politico, Mbembe parte do princípio que 2017 será um ano no qual muitas atrocidades de 2016 continuarão ocorrendo, as desigualdades seguirão crescentes e os conflitos sociais “[...] tomarán cada vez más la forma de racismo, ultranacionalismo, sexismo, rivalidades étnicas y religiosas, xenofobia, homofobia y otras pasiones mortales”. O acirramento desses conflitos é lido por Mbembe como demonstração inequívoca de que “la democracia liberal no es compatible con la lógica interna del capitalismo financiero".
Se tomarmos como acertada a análise de Mbembe, poderemos concluir que o acirramento de conflitos em torno de questões de identidade e reconhecimento estarão ocorrendo num quadro de choques entre “la democracia liberal y el capitalismo neoliberal, entre el gobierno de las finanzas y el gobierno del pueblo, entre el humanismo y el nihilismo”. Enfim, Mbembe compreende que nosso momento histórico deve ser caracterizado como aquele em que há uma “creciente bifurcación entre la democracia y el capital” e que tal conflito seria “la nueva amenaza para la civilización”. Diante de advertência de tamanha magnitude, nos cabe enquanto cidadãos e pesquisadores afiar armas para enfrentar, em condições adequadas, o sistema que inviabiliza a democracia, pois está interessado apenas em saber o que você tem para vender: manter consumidor no lugar de cidadão.
A minha sugestão é que pudéssemos adotar o problema acima apontado por Achille Mbembe como mobilizador para avaliar, reunir/renovar a produção e difusão de conhecimentos e saberes capazes de enfrentar e superar o projeto totalitário do neoliberalismo. Neste sentido, poderá ser de grande utilidade as estratégias teóricas e metodológicas apontadas por Boaventura Souza Santos no texto “Uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências”[2]. O ensinamento de Boaventura é, em outras palavras, promover escuta sensível do presente expandido, encarnado nas experiências humanas e sociais hoje invisíveis, assim como escutar as novas vozes anti-hegemônicas de movimentos sociais diversos, que buscam encurtar a distancia que nos separa do futuro. Por certo, vivemos o doloroso intervalo entre o otimismo de Boaventura e o realismo de Mbembe, que vaticina a continuidade do estado de guerra que vivemos atualmente no planeta - “una guerra de clases que niega su propia naturaleza: una guerra contra los pobres, una guerra racial contra las minorías, una guerra de género contra las mujeres, una guerra religiosa contra los musulmanes, una guerra contra los discapacitados” - e afirma acreditar que diante do desafio, os “emprendedores políticos más exitosos serán aquellos que hablen de manera convincente a los perdedores, a los hombres y mujeres destruidos por la globalización, y a sus identidades arruinadas”.
Na análise de Mbembe, a globalização pós-moderna que se manifesta no que alguns chamam de turbo-narco-capitalismo financeiro parece suspender a repressão de desejos inconscientes, eliminar a sublimação e abrir as vias para que novas mídias capturem o inconsciente, favorecendo o estado de vida sem mediações. É um cenário de eliminação da política tal como se pratica na democracia liberal e sua substituição pela guerra sem sublimações. No momento pode parecer inevitável a tragédia anunciada por Mbembe, que conclui seu texto refletindo sobre as dificuldades da política de esquerda no contexto atual: “La política se convertirá en la lucha callejera, la razón no importará. Tampoco los hechos. La política se revertirá a un asunto de supervivencia brutal en un ambiente ultracompetitivo. En estas condiciones, el futuro de la política de masas de izquierda, progresista y orientada hacia el futuro, es muy incierto. En un mundo centrado en la objetivación de todos y de todo ser viviente en nombre del lucro, la borradura de lo político por el capital es la amenaza real. La transformación de lo político en negocio plantea el riesgo de la eliminación de la posibilidad misma de la política. Si la civilización puede dar lugar a alguna forma de vida política, tal es el problema del siglo XXI”.



[2] A gramática do tempo: por uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010.

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