Havia duas cenouras (dos americanos) para atrair procuradores e juízes de outros países. O primeiro, o poder conferido a eles, na medida em que o DoJ, através da DHS (Homeland Security) os alimentava com informações obtidas através de espionagem eletrônica. Informação é poder. O segundo, a parceria com grandes escritórios de advocacia norte-americano – que, ao mesmo tempo, eram colocados como interventores das empresas processadas e serviam de porta de entrada para procuradores no rico mercado de compliance.
Xadrez do grande negócio de Sérgio Moro com a Alvarez & Marsal, por Luis Nassif
Luis Nassifluis.nassif@gmail.com
Peça 1 – a indústria do compliance
Em 9 de junho de 2017, enquanto a mídia corporativa persistia em seu afazer de repassadora de releases da Lava Jato, o GGN já tinha avançado bastante na teia de interesses que foi montada em torno de operações anti-corrupção – a partir da orientação do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
No “Xadrez da indústria de leniência e compliance”, de 9 de junho de 2017 – quase cinco anos atrás – mostramos como foi montado o jogo da indústria da anticorrupção.
Havia duas cenouras para atrair procuradores e juízes de outros países. O primeiro, o poder conferido a eles, na medida em que o DoJ, através da DHS (Homeland Security) os alimentava com informações obtidas através de espionagem eletrônica. Informação é poder. O segundo, a parceria com grandes escritórios de advocacia norte-americano – que, ao mesmo tempo, eram colocados como interventores das empresas processadas e serviam de porta de entrada para procuradores no rico mercado de compliance.
Há várias matérias produzidas sobre a indústria da anticorrupção:
Xadrez da Transparência Internacional e a indústria da anticorrupção, de 11/12/2020
Xadrez de como a Lava Jato entregou o CADE aos EUA, de 28/07/2020
A relação promíscua entre a indústria do compliance e os procuradores nos EUA, de 28/04/2020
Xadrez da tacada de 2,5 bilhões da Lava Jato, de 02/03/2019
E são inúmeras as histórias de procuradores brasileiros, norte-americanos, suiços, envolvidos com a indústria da anticorrupção, que se tornaram advogados das empresas afetadas, visando faturar em cima das redes de relacionamento criadas durante as investigações.
Essa indústria se reúne periodicamente em eventos internacionais e associações de compliance, como o Instituto New Law, a International Compliance Association,
World Justice Project, e o Latin Lawyer.
No evento “Latin Lawyer and GIR Connect: Anti-Corruption & Investigations 2021”, entre os conferencistas estavam Sérgio Moro, representando a Alvarez & Marsal, Fernanda Tórtima (que tentou contratar o ex-procurador Marcelo Miller), e advogados de grandes escritórios contratados para trabalhos de compliance, no rastro da Lava Jato – como o Baker Mackenzie e Hogan Lovells.
Como Moro tinha acesso a informações confidenciais das empresas, o TCU (Tribunal de Contas da União) solicitou dados sobre a contratação e abriu as informações para o público.
Peça 2 – os negócios de Sérgio Moro e da Alvarez & Marsal
No ano passado, Sérgio Moro foi contratado como sócio da Alvarez & Marsal, empresa que trabalha recuperação judicial de várias empreiteiras brasileiras.
Segundo o relatório, a Alvarez & Marsal havia faturado cerca de R$ 42 milhões com empresas afetadas pela Lava Jato. O advogado Tacla Duran garantiu – sem apresentar nenhuma prova – que o contrato de Moro teria 8 dígitos – ou seja, mais de 10 milhões de dólares.
Foi a primeira peça no nosso xadrez, invertendo totalmente a suspeita inicial. R $42 milhões não é nada para uma empresa do porte da Alvarez & Marsal. Se a questão era uma contrapartida a Moro por eventuais serviços prestados, a troco de quê um contrato, nos Estados Unidos, que despertaria a curiosidade geral e exporia Moro a problemas com os órgãos de controle nacionais, em troca de honorários pequenos para o porte da empresa? Ainda mais havendo plena convicção da falta de preparo de Moro para qualquer serviço juridicamente mais elaborado.
Haveria inúmeras maneiras mais práticas de recompensá-lo, sem se expor. Ainda mais sabendo do interesse de vários partidos em tê-lo como candidato a presidente da República.
Se o ganho total da Alvarez & Marsal foi de R$ 42 milhões, de quanto seria a participação de Moro? Valeria a pena abrir mão de uma candidatura a presidente – que abre inúmeras possibilidades profissionais – por um contrato de um, dois milhões de reais?
A divulgação dos ganhos da Alvarez & Marsal levantou outra lebre: e se a contratação fosse para negócios muito maiores?
Peça 3 – a Sociedade de Propósito Específico
O jogo seria infinitamente maior se o alvo da Alvarez & Marsal fosse outro: utilizar o conhecimento acumulado para adquirir empresas brasileiras, em vez de meramente administrá-las judicialmente. Aí, as possibilidades de ganho ascenderiam a centenas de milhões de dólares.
A segunda peça ajuda a decifrar o jogo. A Alvarez & Marsal ingressou na B3 com o primeiro pedido de listagem de uma SPAC – uma Sociedade de Propósito Específico. No caso, especificamente para captar dinheiro para adquirir outras empresas. O pedido está em análise na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
E, aí, a contratação de Moro começa a fazer sentido. Ele é o sponsor – o garantidor do projeto, na linguagem do mercado. Sponsor é o técnico, ou personalidade pública, que tem credibilidade suficiente para convencer o investidor de que ele tem um bom negócio pela frente, investindo na SPE.
Em princípio, compras de empresas sob emaranhados legais – como é o caso das empreiteiras quebradas pela Lava Jato – esbarram em uma sucessão de dúvidas e armadilhas. Como ficam os acordos de leniência, as multas a serem pagas? E há as informações que circulam no COAF (Conselho de Controle da Atividade Financeira). Eventuais ilegalidades detectadas em transações anteriores poderiam comprometer a venda das empresas.
Daí a importância do sponsor, com amplo conhecimento do mercado. Quem poderia ser melhor sponsor do que Moro e procuradores envolvidos com a Lava Jato? Por isso mesmo, interessava à Alvarez & Marsal bater bumbo com a contratação. Mesmo se não utilizar o nome de Moro nos panfletos de venda, o mercado já sabe que ele foi sócio da empresa por algum tempo.
E por aí se entende outras atitudes de Moro, ao aceitar o cargo de Ministro da Justiça de Bolsonaro. Sua primeira batalha foi o controle do COAF. Planejou até colocar no comando uma pessoa de absoluta confiança, a delegada Erika Merena. Originalmente só poderiam ser do COAF funcionários públicos. Quando se decidiu que o órgão ficaria com o Banco Central, Moro arrancou um decreto de Bolsonaro que permitiu a indicação dos delegados Erika Marena e Márcio Anselmo – do grupo da Lava Jato.
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Entende-se também a insistência da Lava Jato de Curitiba de manter o controle absoluto sobre o banco de dados acumulado, criando um enorme problema administrativo quando a Procuradoria Geral da República tirou esse controle.
Peça 4 – o papel do TCU
Agora, o TCU tem outro tema para trabalhar. Até agora, conseguiu os dados da Alvarez com as empresas brasileiras. Ainda não conseguiu o contrato com Sérgio Moro.
Para solucionar o quebra-cabeça terá que incluir a nova peça no jogo: quais as empresas que a SPC tem em mente? E quais os trabalhos efetivamente prestados por Moro em sua estadia nos Estados Unidos.
Anti-Corruption & Investigations 2021
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