sábado, 29 de janeiro de 2022

A farsa da Lava Jato e o desmonte da credibilidade da mídia, por Luis Nassif

De lá para cá, há uma decadência irreversível dos jornais. Não conseguiram desenvolver um produto alternativo aos blogs e redes sociais.


O artigo é polêmico. Nele, Márcio Chaer, do Consultor Jurídico, atribuí à cobertura da Lava Jato parte das explicações para a grande mídia ter perdido 68% dos leitores em 4 anos. No artigo, ele admite a existência de outros fatores. Mas a cobertura da Lava Jato foi o grande divisor de águas.

Esqueça-se a responsabilidade social e política da mídia, o compromisso com fatos e valores democráticos, e fixemo-nos apenas no vetor negócios.

Quando as redes sociais ganharam fôlego e a Internet colocou em xeque o modelo de negócios da mídia, houve duas estratégias de grupos de mídia. Os grandes jornais, de alcance nacional ou internacional – como Financial Times, The Guardian, The New York Times – investiram pesadamente na qualidade do conteúdo e nas assinaturas digitais, como forma de compensar a queda do faturamento publicitário.

O Roberto Marinho australiano, Rupert Murdoch, enveredou por outros caminhos. Buscou recursos no mercado internacional, então com ampla liquidez, saiu comprando jornais em vários países, criou uma rede social – que não deu certo – e fez sua grande aposta em um canal de TV paga, buscando o público de ultradireita.

O canal, Fox News, tornou-se a emissora mais assistida pelos americanos. Além disso, Murdoch entendeu o poder de disseminação de notícias nas redes sociais, sem nenhum critério jornalístico, e passou a trabalhar a Fox como se fosse um grande perfil de rede social. A emissora criava notícias falsas, ataques virulentos contra adversários, e, depois, contava com as redes sociais para sua disseminação.

Na época, os grupos de mídia nacionais viviam dois problemas. O primeiro, o rescaldo da grande crise de 1999. Depois de uma década gloriosa, a de 1990, tomaram vultosos empréstimos em dólares para ampliar a capacidade. O avanço das redes sociais abortou o crescimento da mídia tradicional. E a maxidesvalorização cambial aumentou significativamente seu passivo.

O segundo problema foi o afastamento da velha geração de proprietários, Otávio Frias de Oliveira, da Folha,  Roberto Marinho, nas Organizações Globo e Rui Mesquita, no Estadão. Assumiram os postos herdeiros sem segurança e sem sensibilidade maior para o seu negócio.

Sem rumo, acabaram sendo influenciados por Roberto Civita, o cappo da Editora Abril, que trouxe dos Estados Unidos o modelo Murdoch.

O desastre ocorreu ali. A mídia passou a emular o jogo de Fakenews e de discurso de ódio próprio das redes sociais. Abriu mão do diferencial de qualidade. Embarcou na ilusão de que substituiriam os partidos políticos, ganhando força política para comandar o país e impedir o avanço da concorrência – veículos internacionais mas, principalmente, os novos gigantes que surgiam, como Google e Facebook.

O resultado disso tudo foi a vitória de Pirro da Lava Jato. Por algum tempo, a mídia julgou-se vitoriosa, invencível, podendo moldar o país à custa de suas manchetes. O sonho acabou com o impeachment de Dilma. Entra Michel Temer, esgota-se a bandeira da Lava Jato, há uma destruição institucional do país que leva até Bolsonaro.

De lá para cá, há uma decadência irreversível dos jornais. Não conseguiram desenvolver um produto alternativo aos blogs e redes sociais. Perderam a noção das grandes reportagens, dos grandes perfis. Os jornalões, hoje em dia, são uma sucessão de colunas distribuindo notas curtas, caça-likes, sem capacidade de contextualizar, aprofundar os temas, diferenciar-se da rapidez da Internet.

Entra-se agora no ano mais importante de nossas vidas, aquele no qual se irá definir o destino do Brasil como nação. Em uma ponta, Bolsonaro em processo acelerado de destruição das instituições e do Estado. Na outra, Lula, pretendendo montar um arco de alianças conciliador.

E a mídia, como fica? Os colunistas de maior visibilidade tentam escapar da polarização indecente dos últimos anos – que pretendia colocar Bolsonaro e Lula como faces de uma mesma moeda. Por outro lado, a Globonews tenta ressuscitar o fantasma da morte de Celso Daniel – um factoide desmontado pela própria Polícia Civil de São Paulo. Atacando as duas pontas, pretendem recriar o mito de El Cid, o Campeador – o soberano espanhol que, morto, foi colocado em um cavalo para iludir os inimigos de que ainda vivia e comandava.

Em nenhum momento se busca separar as notícias das interpretações, do opinionismo embolorado dos editoriais. Seria uma enorme oportunidade de algum veículo sair à frente, como a Folhas com a campanha das diretas.

Mas falta nos veículos a audácia dos antigos comandantes de redação.

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