segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Há redenção para o ser quando se vive num “País-Hospício"?, por Eduardo Ramos

 


se a resposta clara, que inundou seu coração foi que "sim", ela não perdera o amor e nem a capacidade e o desejo de amar...


Há redenção para o ser quando se vive num “País-Hospício?

por Eduardo Ramos

encontro o site com cartas antigas de judeus, alemães, poloneses, etc., sobre como fizeram eles, os antinazistas da época, para sobreviverem ao horror, à desesperança, a um desespero que parecia sem solução, porque eram, as suas vidas, como viver no inferno todo santo dia…

uma das cartas me comove todo, inteiro.

fala a jovem polonesa, que viu centenas de conhecidos e amigos serem mortos e a miséria do fanatismo e da cegueira dominando o seu país, a selvageria e a perversidade imperando, que pouco antes de desistir da ideia do suicídio, pediu à vida, a si mesma, seu coração, sua mente, UM motivo para não ceder à tentação da paz que viria com a morte…

sim, a resposta que lhe veio não foi bombástica, inovadora, filosófica, ou algo de uma sabedoria extraordinária.

na carta, ela disse que riu, porque o que lhe veio ao coração era “banal”, de tão comum.

a jovem polonesa apenas ouviu seu coração lhe sussurrar que se ainda houvesse nela a capacidade e o desejo de amar a si mesma e ao próximo apesar do nazismo e dos nazistas e de sua nação enferma, banhada em ódios, então valia a pena não desistir e seguir vivendo, porque o amor – para o que mantém essa capacidade, a de amar… – é motivo suficiente para a gente amar a vida, amar esse “continuar existindo no mundo”…

e sorriu a jovem polonesa, olhou para dentro de si mesma e se fez a pergunta de modo direto e simples: “você ainda ama? você ainda quer amar as pessoas, as que merecem o seu amor, mesmo vivendo nesse Hospício que virou a Polônia tomada pelo nazismo?”

e a resposta clara, que inundou seu coração foi que “sim”, ela não perdera o amor e nem a capacidade e o desejo de amar…

isso lhe bastou, na verdade, lhe salvou a vida.

como eu queria ter lido outras cartas dessa amiga atemporal, a jovem polonesa, para saber como foi sua vida quando o nazismo foi aniquilado e a vida aos poucos voltou ao normal em seu país….

impossível não me lembrar de um lindo paradoxo trazido a mim pela jovem polonesa de quem gosto tanto! Hannah Arendt e sua ideia mais famosa, que amo de paixão, de tão verdadeira que é: “o mal é banal!” – sim, temos visto isso hoje, no Brasil…..

pois a jovem polonesa nem sabia disso, quando escreveu de certo modo, que “o amor é banal” – foi isso que ela descobriu, que o amor pode ser a coisa mais infinitamente linda, rica e comum de nossas vidas. Basta tê-lo em si, basta querer amar o outro, não é algo “especial”, para “eleitos”, é banal, é comum, é para quem quer escolher o amor, escolher amar….

uma jovem polonesa evitou seu suicídio com essa resposta.

eu posso usar seu exemplo para escolher que a bestialidade, a sordidez, a perversidade que dominam meu país não destruam minha vida ou minha esperança.

o motivo?

sim, vou ficar com o da minha amiga, que talvez já esteja morta, não sei, nunca saberei.

mas o amor me redime desse tempo perverso,

e enquanto eu olhar para mim e puder ver o amor, enxergar o amor e perceber que posso ainda amar as pessoas que merecem o meu amor,

enquanto isso existir em mim,

tudo vale

a pena…

(eduardo ramos)

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