Antes das vítimas virem à tona dar sua versão dos fatos, o Exército cravou que os militares se depararam com um “assalto em andamento“. “Ao avistarem a patrulha, dois criminosos que estavam a bordo de um veículo atiraram contra os militares, que por sua vez responderam à injusta agressão”. A nota mentirosa das Forças Armadas não encontrou eco no que mostra a perícia: nenhuma arma foi encontrada com a família, que ia a um chá de bebê. O delegado que esteve na cena disse que “tudo indica” que os militares confundiram o carro. Em nota divulgada hoje, o Exército diz que emitiu seu primeiro parecer “com base em informações iniciais transmitidas pela patrulha”. Ou seja, endossaram uma versão farsante dos soldados, sem checar o que de fato houve, e defenderam a versão sem apuração.
Hoje o Comando Militar do Leste informou que 10 dos 12 militarespresentes na ação foram presos.

Quem vigia o vigia?

O fato de divulgarem uma nota com uma versão falsa dos fatos logo de início levanta preocupações também sobre as investigações, que ficarão a cargo do próprio Exército. Isso graças a uma lei (a 13.491) sancionada por Michel Temer em 2017 e que prevê que crimes cometidos por militares em serviço passam a ser julgados pela Justiça Militar. Até hoje, nenhum membro das Forças Armadas foi sentenciado por crimes contra civis.
E não é só. No fim de 2017 houve uma operação no Salgueiro, em São Gonçalo, conhecido como o caso dos sete mortos que ninguém matou. A operação da polícia civil e das Forças Armadas foi marcada por desencontro de informações, depoimentos conflitantes, vítimas que não haviam sido ouvidas mas que a imprensa achou (e ouviu). E é isso: até hoje, nada. As investigações – que estão a cargo do exército – não andam. O conjunto da obra fez com que a Defensoria Pública do Rio denunciasse o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Desde 2010, 32 civis foram mortos pelo Exército no Rio de Janeiro. Há ainda casos de mortes não registradas e nem investigadas. Nenhuma condenação e apenas um caso chegou de fato a julgamento na Justiça Militar: uma ação do Exército realizada em 2015, no Complexo da Maré. Na época, as Forças Armadas ocupavam a Maré há quase um ano, quando um carro com cinco jovens que voltavam de um bar após assistir um jogo do Flamengo foi, também, fuzilado. Todos ficaram feridos, inclusive um sargento da aeronáutica. Vitor Santiago ficou paraplégico.