"A maioria relativa que escolhe Lula nas pesquisas recusa as decisões de tapetão que impedem a expressão soberana e democrática da vontade popular."
Foto: Giazi Cavalcante/Folhapress
Do The Intercept Brasil:
A COPA QUE COMEçou em Moscou, com o jogo entre a equipe da casa e a Arábia Saudita, evoca um causo delicioso do futebol. Imprimiram a lenda segundo a qual no Mundial de 1958, na preleção antes da partida da seleção brasileira contra a União Soviética, o técnico Vicente Feola ensinava o time a furar a defesa oponente.
O Garrincha, entre palerma e sonso, teria perguntado: o senhor já combinou com os russos? A historinha é boa, porém ficcional. Biógrafo do Mané, Ruy Castro consultou testemunhas da conversa. Todas esclareceram que a frase é fantasia; ninguém a pronunciou. Vencemos por 2 a 0, gols do Vavá.
Quem se esqueceu de combinar com os russos foram os formuladores dos prognósticos de declínio acentuado da influência de Lula na eleição de outubro. Quer dizer, esqueceram-se de combinar com os brasileiros. O Datafolha acaba de mostrar que o ex-presidente, preso desde 7 de abril, permanece líder na intenção de voto. O petista ponteia com folga, 30%. É seguido por Jair Bolsonaro (17%), Marina Silva (10%), Ciro Gomes e Geraldo Alckmin (6% cada um) e Álvaro Dias (4%).
Em dois cenários sem o ex-torneiro mecânico, o capitão da reserva do Exército é o primeiro, com 19%. No entanto, a categoria “sem candidato” (nulo, branco, nenhuma opção ou não sabe) o supera, com 33%. Nessas simulações, experimentaram os nomes de Fernando Haddad e Jaques Wagner. Os correligionários de Lula não ultrapassaram a marca de 1%. É evidente como a cara enfezada do Canarinho Pistola que a esmagadora maioria dos entrevistados não os associou ao sucessor de Fernando Henrique Cardoso.
De acordo com o Datafolha, 30% dos eleitores votariam com certeza num candidato indicado por Lula; 17% talvez votassem. Nada assegura que intenção vire voto. Mas há indicação de transferência robusta. A corretora XP Investimentos encomendou pesquisa ao Ipespe. Sem Lula na disputa, o ex-prefeito Haddad amealhou 3% das preferências. Quando apresentado como candidato apoiado pelo ex-presidente, ascendeu para 11%.
A maioria relativa que escolhe Lula nas pesquisas recusa as decisões de tapetão que impedem a expressão soberana e democrática da vontade popular.
Em cana, Lula provavelmente terá a candidatura presidencial impugnada com base na Lei da Ficha Limpa, sancionada por ele mesmo. Certo jornalismo antecipou-se à Justiça Eleitoral, bateu o martelo e eliminou-o do elenco de aspirantes ao Planalto.
A maioria relativa que o escolhe nas pesquisas recusa as decisões de tapetão que impedem a expressão soberana e democrática da vontade popular. Os repórteres Guilherme Evelin e Catarina Alencastro informaram que o ministro Gilmar Mendes “tem dito que as possibilidades de o ex-presidente deixar a cadeia só vão melhorar quando ele se declarar fora do páreo presidencial”.
Se barrado como candidato, Lula será o “grande eleitor” de 2018.
A eleição passa por Curitiba.
Eleitor envergonhado de Bolsonaro
Também não combinaram com os russos o profetizado definhamento de Bolsonaro. O deputado beira, mas não alcança os 20%. Conserva, contudo, o vigor que o classificaria para o segundo turno. Na pesquisa espontânea, em que nenhum candidato é citado, ele superou Lula (12% a 10%), desconsiderando a margem de erro.
Na finalíssima, perderia para Marina (42% a 32%) e faria jogo duro com Alckmin (ambos com 33%) e Ciro (vantagem de 36% a 34% para o pedetista que flerta com o DEM enquanto sonha abocanhar os votos do PT; o ex-ministro é um centroavante rompedor que espera tanto a bola cruzada da esquerda quanto da direita para cabecear).
Deterioração econômica, degradação social e desmoralização da política institucional costumam ser circunstâncias proveitosas (também) para a extrema direita. O Brasil devastado é fértil para a plantação de Bolsonaro. O governo hesita em honrar promessas feitas a caminhoneiros e empresas de transporte rodoviário. Em uma semana, a bandidagem do Primeiro Comando da Capital incendiou 68 ônibus em Minas, onde servidores da segurança pública invadiram o Palácio da Liberdade, sede do governo.
O Atlas da Violência recém-divulgado contabilizou 62.517 mortes violentas intencionais no Brasil em 2016. Em onze anos, houve mais homicídios no Brasil, 553 mil, do que mortes em sete anos de guerra na Síria, 500 mil. Pregações belicosas como a de Bolsonaro ganham decibéis e audiência, a despeito dos reveses reincidentes das intervenções militares nos aparatos estaduais de segurança.
Na sexta-feira, a operação do bondinho do Pão de Açúcar foi suspensa por causa de um tiroteio na Urca. Traficantes fugiam dos morros da Babilônia e Chapéu-Mangueira pela mata, rumo à praia Vermelha. Tirotearam com policiais militares. Um PM foi ferido. Sete corpos apareceram por ali, numa encosta. De acordo com parentes, eram jovens do tráfico chacinados por PMs depois de se render.
O general Villas Bôas, comandante do Exército, recepcionou Bolsonaro e posou sorridente com o visitante. Uma sondagem com 204 investidores do mercado financeiro constatou que 48% deles preveem a vitória do deputado. Ao Ibope, 53% dos entrevistados reconheceram a hipótese de golpe militar. No Datafolha, a aprovação (“ótimo/bom”) ao governo Temer caiu ao menor índice da história do país, 3%.
Bolsonaro tem se recusado a participar de debates e sabatinas. Guilherme Boulos, candidato do PSOL com formação psicanalítica, diagnosticou: “Quem não tem o que dizer foge dos debates. A psicanálise nos ensina: a agressividade oculta o medo”.
O capitão atenua o discurso hidrófobo, buscando expandir sua base. Tenta oscilar de fascista para fascistoide. Se ocorrer o fenômeno da eleição carioca de 2016, quando Flávio Bolsonaro recolheu 14% dos votos válidos para prefeito, as urnas revelarão eleitores do seu pai envergonhados, não captados pelas pesquisas de opinião.
O temor de Lula
O Datafolha cravou em 49% a 32% a goleada de Lula sobre Bolsonaro no segundo turno. O capitão escaparia do chocolate devido ao impedimento do ex-presidente por determinações judiciais já tomadas ou na iminência de serem tomadas. É possível interpretar a condenação no processo do triplex como edificante ou aberrante. Mas o fato é incontornável: o Judiciário livra o ultradireitista do adversário mais ameaçador.
Um dos motivos do adiamento do endosso de Lula a outro candidato é o temor de que Polícia Federal, Ministério Público Federal e Justiça mirem as baterias no apadrinhado. O favorito dos eleitores identifica naquelas instituições não equilíbrio, e sim partidarismo, contra ele e sua agremiação. Seria o partido da toga. Talvez tenha razão. No mínimo, irrompem coincidências e idiossincrasias.
Na semana em que se soube que Haddad pode ser competitivo na peleja pela Presidência, a Justiça eleitoral recebeu denúncia contra o ex-prefeito por alegado caixa dois. Na sexta-feira, o PT lançou em Contagem a pré-candidatura Lula. No mesmo dia, o ministro Celso de Mello liberou para julgamento pelo STF uma ação contra a senadora Gleisi Hoffmann. A presidente do PT coordena a campanha pela libertação do antigo presidente. Veloz no julgamento em que confirmou a condenação de Lula, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região desacelerou. Agora, demora a apreciar o recurso que permitiria encaminhar o caso a tribunais superiores.
Em Nova York, Sérgio Moro foi a estrela de evento organizado pelo Lide, empresa vinculada ao tucano João Dória. O juiz confraternizou com o candidato a governador de São Paulo, que o proclamou “herói nacional”. Recebeu homenagem em Mônaco, notório paraíso fiscal, onde teve a companhia do príncipe Albert II num convescote de gala. Antes da excursão como celebridade abençoada por endinheirados e reacionários, Moro aproveitara um despacho para opinar sobre o movimento de caminhoneiros, assunto estranho à sua vara.
Em Brasília, o ministro Luiz Fux mandou arquivar um processo que investigava Onyx Lorenzoni por caixa dois em campanha. O deputado do DEM acompanhou Bolsonaro na visita ao general Villas Bôas.
Embora os ministros do Supremo já tivessem uma sala especial no aeroporto de Brasília, passaram a contar com uma nova sala VIP, ao custo anual de R$ 374,6 mil. A mordomia é patrocinada pelos contribuintes, os mesmos que bancam o renovado auxílio-moradia de magistrados e procuradores. A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, não pauta o julgamento da ação sobre prisão de condenados em segunda instância que poderia retirar Lula do cárcere e autorizar sua candidatura.
O ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União, foi alvo de busca e apreensão. Ele foi mencionado por um delator de falcatruas. Na diligência, ordenada pelo ministro Dias Toffoli, a PF foi camarada e usou veículos descaracterizados – “raro benefício”, anotou o jornalista Lauro Jardim. Nardes foi o relator das “pedaladas fiscais” no TCU. Ajudou a golpear Dilma Rousseff.
FHC: ‘O de sempre’
Na primeira aparição pública desde o encarceramento, na terça-feira o ex-presidente prestou por vídeo depoimento a Marcelo Bretas, em processo em que o ex-governador Sérgio Cabral é réu. Como se pretendesse bafejar equidistância, o juiz falou que aos 17, 18 anos estivera em comício vestindo camiseta e boné com o nome de Lula, que reagiu de bate-pronto: “Quando eu fizer um comício agora eu vou chamar o senhor para participar”.
Desconhecem-se provas documentais de Lula pedindo dinheiro a empresários. Em 2010, FHC escreveu ao empreiteiro Marcelo Odebrecht apelando por “contribuições” para a campanha de dois concorrentes do PSDB ao Senado. Enviou dados bancários para depósito.
Mensagens tratam de repasses da Odebrecht para fundação de FHC. Mas criminalizado é o Instituto Lula, e quem está no xilindró é Luiz Inácio Lula da Silva.
Como a abordagem era frequente, um e-mail registra como assunto “O de sempre” – isto é, grana. Na prestação de contas dos candidatos estão ausentes desembolsos da construtora que pagava almoços do PT ao PSDB, do PMDB ao DEM. E se lambuzava com a sobremesa.
“O de sempre” ingressa na antologia de expressões-sínteses do poder nacional, como “Com o Supremo, com tudo” (Romero Jucá) e “Tem que manter isso, viu?!” (Michel Temer). Mensagens tratam de contribuição financeira da Odebrecht para a Fundação Fernando Henrique Cardoso. Mas criminalizado é o Instituto Lula, e quem está no xilindró é Luiz Inácio Lula da Silva. “Não me conformo com minha situação”, disse o preso em manifesto lido no lançamento de sua candidatura.
Amanhã completam três meses os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes – por enquanto, vigora a impunidade. Neste mês as Jornadas de Junho que abalaram – e ainda abalam – o Brasil fazem cinco anos. No dia 26 aniversaria, meio século, a Passeata dos 100 mil contra a ditadura. No domingo a seleção estreia na Copa, contra a Suíça.
A vitória no amistoso com os austríacos – gols de Gabriel Jesus, Neymar e Philippe Coutinho – vitaminou o otimismo. Tostão advertiu: “Todos elogiam o Brasil, como se fosse o time perfeito, antes da hora. Isso me preocupa”. Juca Kfouri tabelou: “Trata-se agora de não permitir que o 3 a 0 sobre a Áustria sirva para deixar todos eufóricos”.
A final da Copa será em 15 de julho, a 84 dias da eleição presidencial.
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